APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007046-43.2017.4.03.6105
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE: JOSE ALVES DOS SANTOS
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007046-43.2017.4.03.6105 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: JOSE ALVES DOS SANTOS APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO DÉCIO GIMENEZ: Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de JOSÉ ALVES DOS SANTOS contra a sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Campinas /MS, que o condenou pela prática do crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97. O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra o apelante imputando-lhe o delito do artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Narra a inicial (ID 277774578): Consta dos autos que, no dia 25 de maio de 2017, agentes de fiscalização da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) dirigiram-se até a Rua Paulo Vacilotto, nº 02, bloco 2A, apto 43, Jardim Eldorado, Indaiatuba/SP, onde localizaram, em funcionamento irregular, sem a devida outorga do Ministério das Comunicações e a prévia autorização da ANATEL, uma estação de radiodifusão autodenominada RÁDIO TROPICAL FM, operada na frequência de 99,5 MHz, na faixa de frequência modulada (FM), com potência de 130 W, identificada como de propriedade do denunciado JOSÉ ALVES DOS SANTOS. Por ocasião da fiscalização realizada, procedeu-se à apreensão de equipamentos, sendo um transmissor FM – Mundial/FX Series e um HD Samsung/HD161HJ (relatório de fiscalização às fls. 11-14). O Auto de Apreensão encontra-se encartado à fl. 37. O Laudo Pericial nº 741/2018 – NUTEC/DPF/CAS/SP esclareceu que as medições no transmissor indicaram sinais na frequência de 99,5 MHz com potência de 130 W; os equipamentos encontravam-se em condições de funcionamento; e o transmissor poderia causar interferência nas estações licenciadas que operem na mesma frequência ou frequências próximas, sendo capaz de perturbar o funcionamento de outros serviços de telecomunicação em operação na região (fls. 47/50). A denúncia foi recebida em 08/02/2021 (ID 277774674). Processado o feito, a sentença (ID 277774918), tornada pública em 28/03/2023, julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o réu à pena de 02 (dois) anos de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, estabelecidos no valor unitário de 1/10 (décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, a ser especificada pelo Juízo da Execução, e prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos em favor da União. Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação (ID 277774987). Em suas razões, requer absolvição por insuficiência de provas de autoria, por sustentar que não há prova de que os equipamentos apreendidos pertenciam ao réu. Subsidiariamente, pugna pela desclassificação dos fatos para o delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/62 e, por fim, pela concessão dos benefícios da justiça gratuita. Contrarrazões pelo desprovimento do apelo defensivo (ID 277774993). Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República em seu parecer (ID 278528736) opinou pelo desprovimento do recurso da defesa, concedendo-se, no entanto, a gratuidade da Justiça É o relatório. Dispensada a revisão, na forma regimental.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007046-43.2017.4.03.6105 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: JOSE ALVES DOS SANTOS APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO DÉCIO GIMENEZ: Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação interposta por JOSÉ ALVES DOS SANTOS. I- Da tipificação legal do uso de rádio transceptor A defesa pugna pela desclassificação da conduta para o tipo do artigo 70 da Lei nº 4.117/62. Argumenta, segundo entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, ser indispensável a presença da habitualidade no uso do rádio transceptor para a caracterização do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, a qual não teria sido demonstrada no caso em apreço. Consigna que o laudo pericial dos rádios apreendidos não fornece “elementos mínimos para saber se a utilização do rádio transceptor era habitual, frequente ou apenas episódica”. Sem razão, contudo. Não se olvida que a conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-Lei nº 236 de 28/02/1967, não se encontra revogada. Consiste na instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto em lei e nos regulamentos, apenada com detenção de 01 (um) a 02 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro. O delito do aludido artigo 183 da Lei nº 9.472/97, por sua vez, consiste em desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, ao que é cominada a pena de detenção de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro. Desse modo, qualquer equipamento que opere com transmissão de rádio frequência é capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causar interferência em outras telecomunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros etc. Conforme previsão constitucional, radiodifusão sonora, de sons e imagens são serviços explorados diretamente pela União, ou mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo (artigo 21, inciso XII, alínea "a", com redação dada pela Emenda nº 8, de 15/08/95, e artigo 223, ambos da Constituição Federal). Permanece assente o entendimento de que a radiodifusão é espécie do gênero telecomunicações. Todavia, necessita de prévia autorização da ANATEL para funcionamento. O tipo penal definido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, sendo até então prevista no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 a utilização de telecomunicação sem observância do disposto em lei e nos regulamentos. Assim, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento rádio transceptor, sem autorização da ANATEL. O mesmo diploma legal define o que seria a atividade clandestina: Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar. Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite. Os julgados do E. Superior Tribunal de Justiça corroboram este entendimento: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. (1) NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 70 DA LEI 4.117 /62. RÁDIO COMUNITÁRIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO OU UTILIZAÇÃO CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES. INCIDÊNCIA DO ART. 183 DA LEI 9.472/97. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. (2) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTE DO PRETÓRIO EXCELSO. APLICABILIDADE. NÃO RECONHECIMENTO. 1. Encontra-se vigente o artigo 70 da Lei 4.117 /62, contudo o fato narrado na inicial, responsabilidade pelo funcionamento clandestino de uma emissora, denominada rádio Comunitária Fortes, não se subsome a este primeiro artigo, mas sim ao artigo 183 da Lei 9.472/97, haja vista a clandestinidade e a habitualidade da conduta. 2. Não há falar em incidência do princípio da insignificância, tendo em vista a ausência de demonstração de ínfima lesão ao bem jurídico, não se aplicando precedente o Pretório Excelso que contemplo hipótese flagrantemente distinta. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1113795/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 02/08/2012, DJe 13/08/2012); AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997 PARA O ART. 70 DA LEI N. 4.117 /1962. IMPOSSIBILIDADE. AGENTE QUE EXPLORAVA ATIVIDADE DE RADIODIFUSÃO SEM AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO. UTILIZAÇÃO CLANDESTINA. TIPIFICAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O art. 183 da Lei n. 9.472/97 não revogou o art. 70 da Lei n. 4.117 /62, haja vista a distinção dos tipos penais. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a prática habitual de atividade de telecomunicação sem a prévia autorização do órgão público competente subsume-se ao tipo descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97, enquanto a conduta daquele que, previamente autorizado, exerce atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e regulamentares encontra enquadramento típico-normativo no art. 70 da Lei n. 4.117 /62. 2. No caso, correto o acórdão proferido pelo Tribunal de origem que, verificando a conduta do agente em explorar e exercer, de forma habitual, os serviços de telecomunicação de radiodifusão sem a autorização do órgão competente, o condena pelo crime descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AGRESP 201300943890, MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:20/11/2013). O uso clandestino de rádio transceptor, portanto, subsome-se ao tipo penal do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, tal como descrito na denúncia. Nesse sentido, o entendimento desta E. Décima Primeira Turma: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES. INCIDÊNCIA NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97. ARTIGO 70 DA LEI 4.117 /92 NÃO REVOGADO MAS INAPLICÁVEL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. SÚMULA 444 DO STJ. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DO ART. 62, IV, DO CP. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO ENTRE AGRAVANTE E ATENUANTE. MANTIDA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS. 1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou sua jurisprudência no sentido de que o uso clandestino de rádio transceptor subsome-se ao tipo penal do art. 183 da Lei nº 9.472/97, e não àquele previsto no art. 70 da Lei nº 4.117 /62. 2. É entendimento pacífico no âmbito desta Corte que a consumação do crime de contrabando prescinde da utilização clandestina de equipamentos de telecomunicações. Estes, em verdade, funcionam como instrumentos facilitadores da prática daquele delito, não exaurindo sua potencialidade lesiva com a consecução do contrabando. São, portanto, condutas autônomas, não havendo que se falar em absorção do crime do art. 183 da Lei 9.472/97 por aquele previsto no art. 334-A do Código Penal. 3. Materialidade, autoria e dolo comprovados pelo conjunto fático-probatório carreado aos autos. 4. Reexame da dosimetria da pena. Afastadas as circunstâncias judiciais desfavoráveis relativas à conduta social e à personalidade do réu. Redução da pena-base de ambos os crimes. 5. Mantida a inabilitação do acusado para dirigir veículos pelo prazo da pena privativa de liberdade fixada. 6. Apelação parcialmente provida. (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71829 - 0009168-48.2016.4.03.6110, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 06/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/03/2018); PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/1997.AGRAVANTE PREVISTA NO ARTIGO 62, IV, DO CP. 1. Denúncia hígida. Imputações feitas de maneira pontual e didática. 2. Com o advento da Resolução nº 63/2009, do CJF, os inquéritos policiais passaram a ter tramitação direta entre a Polícia Federal e o MPF, dispensando-se a intervenção judicial em caso de requerimento exclusivo de prorrogação de prazo. Nulidade afastada. 3. Inocorrência da prescrição. Embora a Lei nº 10.741/2003 conceitue como idosa as pessoas com 60 (sessenta) anos ou mais, o art. 115 do Código Penal não foi alterado, mantendo a previsão de redução pela metade dos prazos prescricionais aos acusados com a idade mínima de 70 (setenta) anos na data da sentença. 4. A materialidade do crime de contrabando está comprovada pelo auto de apresentação e apreensão, assim como pelos autos de infração e termos de apreensão e guarda fiscal que atestaram a apreensão de cigarros de origem paraguaia. A materialidade do crime de desenvolvimento clandestino de telecomunicações foi comprovada pelos laudos periciais, que atestaram a existência de aparelhos de radiocomunicação ocultados nos veículos e configurados para operar na mesma frequência. 5. A instalação de rádio transceptor sem a devida autorização da ANATEL caracteriza a hipótese prevista no art. 183 da Lei nº 9.472/1997. Ausência de recurso da acusação. Mantidas as penas cominadas ao art. 70 da Lei nº 4.117 /1962. [...] (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 67230 - 0007554-46.2009.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 07/11/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/11/2017). Postos os fundamentos acima, a conduta imputada ao réu, consistente em usar rádio transceptor sem qualquer autorização da autoridade competente, caracteriza o crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Nada obstante, verifico que a habitualidade da conduta de fato restou comprovada no caso concreto, tendo vista a utilização do rádio transceptor para manter em funcionamento estação clandestina de radiodifusão sonora. Com efeito, conforme se demonstrará nos tópicos seguintes, o comportamento reiterado se revela a partir da constatação de que a estação de radiofrequência denominada Rádio Tropical FM encontrava-se em plena operação (conforme relatório de fiscalização de ID 277774601), sem a devida autorização legal, sendo o fato de conhecimento das pessoas que residiam na vizinhança do endereço em que apreendidos os equipamentos utilizados pelo acusado. Diante desse quadro, incabível a desclassificação para o delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, mantendo-se, ademais, a capitulação da conduta nos termos em que consignada na sentença (artigo 183 da Lei nº 9.472/97). II- Da materialidade A materialidade delitiva é inconteste e restou demonstrada por meio do Auto de Infração e Termo de Fiscalização nº 0007SP20170072 (ID 277774601 - Pág. 07/17), do Relatório de Fiscalização (ID 277774601 - Pág. 18/23), do Auto de apreensão (ID 277774601 - Pág. 27) e do laudo pericial de ID 277774626 – Pág. 03/06. Nesta perícia, o expert consignou que se tratava de aparelho transmissor de FM de fabricação artesanal, sem indicação de marca, modelo, número de série ou origem, e sem etiqueta de homologação pela ANATEL. Consta do laudo: (...) 2. Os equipamentos encontram-se em condições de funcionamento? O transmissor encaminhado teve sua saída conectada ao wattímetro, por sua vez ligado a uma carga resistiva, foi alimentado e ficou constatado que se encontrava em condições de funcionamento. 3. Qual(is) a(s) frequência(s) e potência(s) de operação? As medições no transmissor indicaram sinais na frequência de 99,5MHz com potência de 130 Watts. 4. O material examinado é capaz de provocar interferência nas radiocomunicações? O transmissor examinado opera na região do espectro de frequências utilizado pelos serviços de radiodifusão sonora comercial por modulação em frequência (FM), de 88 a 108 MHz, portanto, é capaz de causar interferência nas estações licenciadas que operem na mesma frequência ou em frequências próximas, na mesma área de cobertura. 5.Quais os danos que o funcionamento clandestino da rádio, utilizando os equipamentos apreendidos, poderia causar (potencialidade lesiva)? Interfere, por exemplo, nas frequências de serviços públicos (polícia, bombeiros, aeroportos, etc)? Qualquer equipamento que opere com transmissão de radiofrequência é, a priori, capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causa interferência em outras comunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros, etc. O fato dos equipamentos examinados não serem certificados/homologados pela ANATEL aumenta a chance de interferência em comunicações, como as citadas acima. As transmissões efetuadas de forma desordenada e sem um prévio estudo das frequências utilizadas no local, de forma a evitar interferências, podem perturbar o funcionamento de outros serviços de radiocomunicação/radiodifusão em operação na região, comprometendo o bom uso do espectro eletromagnético. 6.Outros dados julgados úteis. Toda estação transmissora deve possuir a respectiva licença para uso de radiofrequência da ANATEL e utilizar equipamentos devidamente homologados por essa agência. Na faixa de FM comercial, é necessária ainda a outorga do Ministério das Comunicações. Durante os exames, foi constatado que o equipamento estava apto para operação na faixa de radiofrequências de 136 a 174 MHz utilizando modulação FM. Na forma como foi recebido, o transceptor apresentava selecionada a frequência central de 149,087500 MHz, na qual mediu-se a potência de pico de saída de 56 W (cinquenta e seis watts). Cabe ressaltar que o modelo do equipamento examinado não possui certificação emitida ou aceita pela Agência Nacional de Telecomunicações, e sua utilização é vedada no território nacional, conforme estabelece o Art. 55. V, '"a", da Resolução n° 242-Anatel, de 30 de novembro de 2000, e o Art. 162, §3°, da Lei n° 9.472, de 16 de julho de 1997. Ademais, as irradiações no espaço livre dos sinais radioelétricos produzidos pelo transceptor podem causar interferência prejudicial em canais de telecomunicação que utilizem as mesmas radiofrequências na área de influência das transmissões envolvidas, implicando obstrução, degradação ou interrupção dos serviços realizados. Por oportuno, destaco que para a comprovação do crime em apreço não é necessária a demonstração de que o aparelho em operação causava interferência em outros serviços de comunicação, tendo em vista se tratar de crime formal, de perigo abstrato, bastando a exploração de radiodifusão sem a devida autorização da ANATEL para a caracterização do delito em apreço. Desse modo, estando demonstrada a clandestinidade da atividade de telecomunicação, ante a ausência de autorização da agência reguladora, resta comprovada a materialidade do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97 no caso em tela. III- Da autoria delitiva e do dolo A defesa do acusado impugna a autoria delitiva em suas razões recursais. Sustenta que “Para definir a autoria é necessário confrontar as provas colhidas na esfera policial com aquelas produzidas sob o crivo do contraditório, a fim de se chegar à cognição de verossimilhança ou de certeza, esta última, sim, hábil à emissão de juízo condenatório” e, no caso dos autos, as provas colhidas por meio da instrução não seriam suficientes para comprovar que os aparelhos apreendidos de fato pertenciam ao réu, consistindo em meras conjecturas suscitadas no inquérito policial. A despeito dos argumentos defensivos, entendo que a autoria delitiva restou cabalmente demonstrada na presente hipótese. Ouvido em juízo, a testemunha Marcos Antônio Rodrigues, servidor da ANATEL, afirmou que a partir de denúncia cadastrada no sistema interativo da ANATEL, no ano de 2017, dirigiu-se com seu colega ao município de Indaiatuba/SP para a realização da diligência fiscalizatória e, no endereço indicado, um apartamento em um condomínio residencial, encontraram uma estação de rádio em funcionamento. O local se tratava da antiga residência do réu JOSÉ, onde moravam sua ex-esposa e seu filho. A testemunha contou que foram atendidos por essa mulher, salvo engano de nome Sueli, que mostrou os equipamentos que estavam instalados no local, em funcionamento, e telefonou para o réu para que ele fosse até o apartamento. Alguns minutos depois, enquanto os técnicos da ANATEL faziam as medições da aparelhagem, JOSÉ chegou ao imóvel. Esclareceu que consistia em um condomínio residencial de prédios e o equipamento estava instalado em um dos apartamentos, enquanto a antena estava alojada no telhado do prédio. A testemunha consignou que JOSÉ não apresentou nenhuma autorização que permitisse o funcionamento da rádio, sendo-lhe explicada sua exigência para o exercício do serviço de radiodifusão. Foram realizadas as medições de potência (cerca de 100 Watts), sendo a frequência utilizada de 99,5 MHz. Em seguida, foi preenchida a documentação e apreendidos os equipamentos, que não possuíam a devida homologação para sua operação ainda que por uma entidade autorizada. Não foi feita medição específica a respeito de eventual interferência a outros serviços, mas houve indicação pelos moradores do condomínio do local onde tinham conhecimento de que funcionava a rádio. Explicou ainda a testemunha que a ligação entre a antena encontrada no telhado do prédio e o transmissor era feita por meio de cabos coaxiais. O funcionário da ANATEL afirmou que, chegando ao local, foi verificado o funcionamento da rádio, com sinais de emissão, confirmando-se o uso de radiofrequência, e que o conteúdo transmitido estava em uma CPU de computador, razão pela qual foi apreendido o HD. Esclareceu que se tratava de operação de rádio comercial, com transmissão de músicas. Com o intuito de esclarecer a autoria delitiva, o representante do Ministério Público Federal, em audiência (aos 00:10:45 da mídia de ID 277774899), perguntou: MPF: Ficou claro se ele residia lá? Testemunha Marcos: Não, ele não residia, apenas a ex-esposa, o filho e outro cidadão que, segundo a ex-esposa, era o novo, atual esposo dela. Ele não residia ali. MPF: Mas ele admitiu que aquele equipamento era dele? Testemunha Marcos: Sim, ele admitiu, falou que era dele. Até foi estranho né, montar na casa da ex-esposa, mas é o que aconteceu ali. O filho dele morava ali, filho com essa ex-esposa. Por fim, a testemunha consignou que não era necessária a presença de uma pessoa no local constantemente operando o serviço de telecomunicação, visto que, pela configuração dos aparelhos, era possível notar que a rádio possuía programação automatizada, é dizer, conteúdos gravados no HD apreendido que saíam através da placa de áudio do computador e iam para a entrada de áudio do transmissor. A testemunha Roberto Carlos Soares Campos (mídia de ID 277774904), técnico da ANATEL que também atuou na fiscalização, confirmou as declarações de seu colega de trabalho. Asseverou, ainda, que o réu JOSÉ, ao chegar ao local após ser chamado por sua ex-esposa, disse que a rádio de fato lhe pertencia, embora não residisse naquele apartamento, mas deixou claro que a rádio lhe pertencia. Em sede de inquérito, JOSÉ ALVES DOS SANTOS fez uso do direito constitucional de permanecer em silêncio (ID 277774664 - Pág. 04). Na fase judicial, conforme constou do termo de audiência de ID 277774895, após ser devidamente intimado, o réu não compareceu àquele ato para realização de seu interrogatório, sendo decretada sua revelia, com fulcro no artigo 367 do Código de Processo Penal. Pois bem. Diante do quadro probatório amealhado aos autos, entendo que não há dúvida de que os equipamentos apreendidos pertenciam ao réu, bem como que era de sua responsabilidade a manutenção da estação de radiodifusão em funcionamento, para a qual não detinha a devida autorização da agência regulatória. Como consignaram as testemunhas em depoimento judicial, colhido sob o crivo do contraditório, embora os aparelhos de transmissão de rádio estivessem instalados na residência da ex-esposa do réu, JOSÉ admitiu que de fato eram de sua propriedade. Ademais, conforme declararam os agentes da ANATEL, a configuração dos equipamentos, junto a CPU de computador que continha a programação da rádio, dispensava a presença física do acusado para que a rádio se conservasse em operação, sendo, inclusive, de geral conhecimento dos moradores do condomínio residencial em tela, o local onde a rádio estava estabelecida. Assim, ante a presença incontestável de elementos probatórios a embasar a autoria delitiva e o dolo, deve ser mantida a condenação do réu JOSÉ ALVES DOS SANTOS pela prática do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97. IV- Da dosimetria da pena Na primeira fase da dosagem, o magistrado a quo fixou a pena no mínimo legal de 02 (dois) anos de detenção, à míngua de circunstâncias judiciais desfavoráveis, o que mantenho nesse momento. Na segunda fase, não há circunstâncias agravantes ou atenuantes, permanecendo a pena intermediária no patamar mínimo. Na terceira fase, ausentes causas de aumento ou de diminuição, resta mantida a pena definitiva em 02 (dois) anos de detenção. Mantido o regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, §2º, “c”, do Código Penal. Mantida, igualmente, a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, em atenção à decisão do Órgão Especial desta E. Corte, que em Arguição de Inconstitucionalidade Criminal, declarou a inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, bem assim à proporcionalidade que a pena de multa deve guardar em relação à pena privativa de liberdade. O Juízo a quo estabeleceu o valor unitário do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, todavia, não apresentou motivação idônea a respeito do quantum aplicado. Assim, considerando que não há nos autos elementos suficientes para apreciação da situação econômica do réu, de ofício, reformo a sentença nesse ponto para fixar o valor unitário do dia-multa no mínimo de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. Por derradeiro, mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, a ser especificada pelo Juízo da Execução e prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos em favor da União. V- Da concessão de Gratuidade da Justiça Na oportunidade, concedo ao apelante o pedido de Justiça gratuita, na forma do artigo 98 do novo Código de Processo Civil. Nada obstante, esclareço que a mera concessão de gratuidade da justiça não exclui a condenação do réu nas custas do processo nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal, ficando, contudo, seu pagamento sobrestado, enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de cinco anos, quando então a obrigação estará prescrita, conforme determina o artigo 98, § 3º, da Lei 13.105/2015. Além disso, a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência, ou tampouco afasta o seu eventual dever de pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas, nos moldes do artigo 98, §§ 2º e 4º, também da Lei 13.105/2015. Em sintonia com o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 23.804/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 01/08/2012; AgRg no Ag 1377544/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 14/06/2011), o pertinente exame acerca da miserabilidade do requerente deverá ser realizado, com efeito, em sede do Juízo de Execução, fase adequada para aferir a real situação financeira do condenado. VI- Do dispositivo Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa, apenas para conceder ao réu o pedido de Justiça gratuita e, DE OFÍCIO, redimensiono o valor unitário do dia-multa, fixando-o no mínimo de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CRIMINAL. TELECOMUNICAÇÕES. RADIODIFUSÃO. TIPIFICAÇÃO LEGAL. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE, DA AUTORIA E DO DOLO. CONDENAÇÃO MANTIDA. VALOR UNITÁRIO DO DIA-MULTA. REDIMENSIONAMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. CONCESSÃO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O réu mantinha estação de radiodifusão autodenominada Rádio Tropical FM, operada na frequência de 99,5 MHz, na faixa de frequência modulada (FM), com potência de 130 W.
1.1. O tipo penal definido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, sendo até então prevista no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 a utilização de telecomunicação sem observância do disposto em lei e nos regulamentos.
1.2. Assim, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento rádio transceptor, sem autorização da ANATEL.
2. Comprovada a materialidade, a autoria delitiva, bem como o dolo por meio dos elementos colhidos nos autos.
2.1. Diante do quadro probatório amealhado aos autos, entendo que não há dúvida de que os equipamentos apreendidos pertenciam ao réu, bem como que era de sua responsabilidade a manutenção da estação de radiodifusão em funcionamento, para a qual não detinha a devida autorização da agência regulatória.
3. Reformada a sentença, de ofício, para estabelecer o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, uma vez que o Juízo a quo não apresentou motivação idônea para a fixação em 1/10 (um décimo), inexistindo nos autos elementos a respeito da situação econômica do réu.
4. Concedido ao apelante o pedido de Justiça gratuita, na forma do artigo 98 do novo Código de Processo Civil.
5. Recurso de apelação interposto pela defesa a que se dá parcial provimento.