Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0001825-12.2013.4.03.6108

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

RECORRIDO: DEMETRIOS URREA, FABIO URREA, RODRIGO CARLOS DA ROCHA

Advogados do(a) RECORRIDO: RACHEL SCHIAVON RODRIGUES ROCHA - SP144255-N, RODRIGO CARLOS DA ROCHA - SP171097-N
Advogado do(a) RECORRIDO: LAURO DE GOES MACIEL JUNIOR - SP209644-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0001825-12.2013.4.03.6108

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

RECORRIDO: DEMETRIOS URREA, FABIO URREA, RODRIGO CARLOS DA ROCHA

Advogados do(a) RECORRIDO: RACHEL SCHIAVON RODRIGUES ROCHA - SP144255-N, RODRIGO CARLOS DA ROCHA - SP171097-N
Advogado do(a) RECORRIDO: LAURO DE GOES MACIEL JUNIOR - SP209644-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO DÉCIO GIMENEZ:

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com base no art. 581, I, do Código de Processo Penal, contra a r. decisão (ID. 277536581) proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Bauru/SP, que rejeitou a denúncia oferecida pelo ora recorrente contra DEMETRIOS URREA, FÁBIO URREA e RODRIGO CARLOS DA ROCHA, imputando-lhes a prática do crime do art. 1º, I, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90, na forma do art. 71 do Código Penal (id. 277536577), por atipicidade da conduta, sob o fundamento de que não restou configurada a fraude elementar do tipo. 

Narrou a denúncia (ID. 277536577) que DEMETRIOS URREA, FÁBIO URREA e RODRIGO CARLOS DA ROCHA, na condição de sócios-gerentes da “CULTIVO DE CANA DE AÇÚCAR BR LTDA” (CNPJ nº 08.683.919/0001-39), suprimiram tributos federais devidos pela mencionada pessoa jurídica (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) no ano-calendário de 2007, mediante omissão de informações à autoridade fazendária. 

Segundo o recorrente (ID. 277536583), não há fundamento para a rejeição da denúncia, que narrou detalhadamente as fraudes supostamente perpetradas pelos acusados que redundaram na redução dos tributos indicados. Pede, assim, o provimento do recurso, com o consequente recebimento da denúncia por esta Corte. 

A decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (id. 277536584). 

Contrarrazões das defesas dos acusados, pelo não conhecimento do recurso (RODRIGO) e pela manutenção da decisão recorrida (ID. 277536587 e 277536588). 

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso em sentido estrito (parecer no Id. 277760651). 

É o relatório. 

Dispensada a revisão. 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0001825-12.2013.4.03.6108

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

RECORRIDO: DEMETRIOS URREA, FABIO URREA, RODRIGO CARLOS DA ROCHA

Advogados do(a) RECORRIDO: RACHEL SCHIAVON RODRIGUES ROCHA - SP144255-N, RODRIGO CARLOS DA ROCHA - SP171097-N
Advogado do(a) RECORRIDO: LAURO DE GOES MACIEL JUNIOR - SP209644-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

  

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO DÉCIO GIMENEZ:

Do cabimento do recurso em sentido estrito 

A defesa do acusado RODRIGO CARLOS DA ROCHA, em sede de contrarrazões, afirma que o recurso acusatório não merece ser conhecido, pois a decisão impugnada encerraria juízo de mérito a desafiar a interposição de apelação criminal. 

Sem razão, conduto. 

Dispõe o art. 581, I, do Código de Processo Penal, que o recurso em sentido estrito é cabível para veicular insurgência contra a decisão que não receber a denúncia, como se dá no caso concreto. 

Assim, presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso em sentido estrito interposto e passo a analisar as questões devolvidas a esta Corte. 

 

Do contexto dos autos

Em 12/08/2013, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face DEMETRIOS URREA, FÁBIO URREA e RODRIGO CARLOS DA ROCHA (id. 277536378 - pp. 3/7), imputando-lhes a prática do crime do art. 1º da Lei nº 8.137/90 e dos artigos 304 e 307-A, I e III, ambos do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 29/10/2013 (id.277536378 - p. 9) e, após a apresentação de defesas preliminares, os acusados foram sumariamente absolvidos da imputação do crime do art. 304 do CP (id.  277536446 - pp. 12/27), em 25/02/2015. O apelo ministerial interposto contra a sentença de absolvição sumária foi desprovido nesta Corte (id. 277536457 - pp. 154/160).

No curso do processamento da ação penal, foi impetrado habeas corpus em favor de RODRIGO CARLOS DA ROCHA, no bojo do qual inicialmente esta C. Décima Primeira Turma concedeu a ordem para declarar a ilicitude do compartilhamento com o Ministério Público Federal de dados sigilosos obtidos pela Receita Federal junto às instituições financeiras, sem prévia autorização judicial, verificado na hipótese, anulando o processo desde o recebimento da denúncia e determinando o trancamento da ação penal por ausência de justa causa para persecução (nº 0011542-68.2015.403.0000). Naquela decisão, foi, ainda, atestada a aptidão da denúncia.

A mencionada decisão em habeas corpus foi objeto de retratação à luz das teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral, quando do julgamento do RE 1.055.941/SP (Tema 990), relativamente à possibilidade de compartilhamento pela Receita Federal com o Ministério Público de informações bancárias obtidas pelo Fisco sem prévia autorização judicial. As demais teses ventiladas na impetração foram rejeitadas, inclusive a alegação de inépcia da denúncia (id. 277536546).

Após a retomada do curso do processo que esteve suspenso aguardando a decisão do TEMA 990 (id. 277536547), em 15/03/2023, foi proferida sentença que declarou inepta a denúncia e anulou a ação penal desde o oferecimento da inicial acusatória (id. 277536572).

Conformado com a decisão, o órgão ministerial ofereceu nova denúncia (id. 277536577), cuja rejeição é o objeto do presente recurso.

 

Do mérito do recurso 

Consoante já relatado, DEMETRIOS URREA, FÁBIO URREA e RODRIGO CARLOS DA ROCHA foram denunciados porque, na condição de sócios-gerentes da “CULTIVO DE CANA DE AÇÚCAR BR LTDA” (CNPJ nº 08.683.919/0001-39), teriam suprimido tributos federais devidos pela mencionada pessoa jurídica (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) no ano-calendário de 2007, mediante omissão de informações à autoridade fazendária. 

Assim constou da peça inicial acusatória (id. 277536577): 

“DOS FATOS ILÍCITOS  

No ano-calendário de 2007, DEMÉTRIOS URREA, FÁBIO URREA e RODRIGO CARLOS DA ROCHA, na condição de sócios-gerentes da pessoa jurídica CULTIVO DE CANA DE AÇÚCAR BR LTDA (CNPJ nº 08.683.919/0001-39), com sede na Rua São Paulo, 12-25, Centro, em Macatuba/SP, voluntária e conscientemente, de forma continuada, suprimiram tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), mediante omissão de informações à autoridade fazendária, conforme positivado no Procedimento Administrativo Fiscal nº 13799.000647/2010/80.  

Apurou-se no curso da ação fiscal que a empresa investigada suprimiu tributos federais, mediante omissão de informações à autoridade fazendária, relativamente ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e seus reflexos (Programa de Integração Social – PIS, Contribuição Social sobre Lucro Líquido - CSLL e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS), referente ao exercício de 2008, ano-calendário de 2007.  

A sonegação decorreu do fato de aquela contribuinte optar pelo regime de tributação SIMPLES nacional, embora houvesse vedação legal, tendo em vista a natureza das atividades desenvolvidas pela empresa.  

[...] 

Da mesma forma, ao serem intimados para apresentar documentos fiscais, quedaram-se inertes, como também omitiram rendimentos à Receita Federal do Brasil (fls. 01 do Apenso I).  

Com efeito, segundo a Representação Fiscal para Fins Penais (fls. 01/05 do Apenso I – id 40453652 - Pág. 9/13):  

A empresa, possuindo a atividade de subempreitada de mão-de-obra para o corte de cana-de-açúcar, caracterizando a locação de mão-de-obra, não poderia optar pelo SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Portanto, em razão da aplicação do art. 9º, inciso XII, alínea “f”; art. 13º, inciso II, alínea “a” e parágrafo 1º, alínea “b” e art. 14º, inciso I, todos da Lei 9.317/96, foi formalizada representação fiscal propondo a exclusão da empresa do Simples Federal, controlada pelo processo administrativo nº 13799.000397/2010-22, que culminou com a edição do Ato Declaratório Executivo nº 056, de 26/08/2010, excluindo a empresa daquele regime com efeitos a partir de 01/04/2007. Ainda em virtude da aplicação do parágrafo 2º do art. 7º da Resolução CGSN nº 4/07 e inciso XII do art. 5º da Resolução CGSN nº 15/07, foi formalizada representação fiscal propondo a exclusão da empresa do Simples Nacional, controlada pelo processo administrativo nº 13799.000398/2010-77, que culminou com a edição do Ato Declaratório Executivo nº 057, de 26/08/2010, excluindo a empresa daquele regime com efeitos a partir de 01/07/2007. Ainda, verificou-se que a empresa, além de exercer atividade vedada ao Simples, auferiu logo no decorrer do ano-calendário de sua abertura, ano de 2007, receita bruta em montante acumulado, excedente ao limite estabelecido para ingressar no SIMPLES (R$ 5.075.405,79), e não comunicou o fato a Receita Federal do Brasil conforme inciso II, “b”, do art. 13, c/c do inciso III do art. 15 da Lei 9.317/96, e inciso III, do art. 30 e inciso III, “a”, do art. 31 da Lei Complementar 123/06, o que resulta em exclusão de ofício do Simples, a partir do início das atividades.  

Conforme declarado pelo contribuinte a empresa prestou serviços para o grupo COSAN, portanto, através de diligências efetuadas obtivemos as Notas Fiscais emitidas ao referido grupo. Os valores brutos das Notas Fiscais de Serviços prestados foram considerados omissão de rendimentos, pela não apresentação das declarações de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica obrigatórias e das DCTF's do período.  

[...]’

De acordo com o Termo de Verificação Fiscal (fl. 115/121 do Id 40453652), de modo mais específico, foram omitidas as seguintes informações:  

‘a) RECEITA OPERACIONAL OMITIDA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS GERAIS - Conforme declarado pelo contribuinte a empresa prestou serviços para o grupo COSAN, portanto, através de diligências efetuadas obtivemos as Notas Fiscais emitidas referido ao grupo, cópias às fls. 159 a 276. Os valores brutos referentes aos serviços gerais de lavoura mais equipamentos contidos nas Notas Fiscais de Serviços foram considerados omissão de rendimentos pela não apresentação das declarações de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica obrigatórias e das DCTFs do período, conforme ANEXO 1 do presente Termo de Verificação Fiscal, às fls. 44 a 46.

b) RECEITA OPERACIONAL OMITIDA – RECEITA TRANSPORTES – refere-se aos valores da mão-de-obra de transporte contidos nas Notas Fiscais de Serviços conforme ANEXO 1.  

c) DEPÓSITOS BANCARIOS DE ORIGEM NÃO COMPROVADA – O contribuinte deixou de apresentar à autoridade tributária os livros e documentos da escrituração fiscal ou o Livro Caixa, nos quais deveria estar escriturada toda movimentação financeira, inclusive bancária. Também não comprovou a origem dos créditos efetuados em suas contas correntes, portanto, os mesmos foram considerados como receitas omitidas, nos termos do art. 42, da Lei nº 9.430 [...] 

d) REFLEXOS – Das infrações tributárias que motivaram a autuação relativa ao IRPJ será aplicada idêntica solução ao que se refere ao lançamento do PIS, Cofins e CSLL, em face de estreita relação entre causa e efeito. Assim, será constituído o crédito tributário correspondente ao IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, tendo por base de os valores dos créditos bancários não comprovados e a omissão de receitas decorrentes dos serviços prestados ao grupo COSAN conforme Notas Fiscais [...] 

As condutas praticadas pelos denunciados resultaram na constituição de um crédito tributário originário no importe de R$ 2.157.561,49 (dois milhões, cento e cinquenta e sete mil e quinhentos e sessenta e um reais e quarenta e nove centavos), conforme valor consolidado relacionado ao ilícito (fl. 03 do Apenso I – id 40453652 - Pág. 11).  

Patente a materialidade delitiva, que jaz nos Procedimento Administrativo Fiscal nº 13799.000647/2010/80.” - grifos divergem do original

O órgão acusatório foi instado a se manifestar antes da análise acerca do recebimento da denúncia pelo i. magistrado a quo (id. 277536578) : 

“ID 283137832 de 18/04/2023 - antes de se deliberar sobre o recebimento da denúncia, volvam os autos ao MPF, a fim de que se manifeste sobre o que segue. 

Alega a acusação que "a sonegação decorreu do fato de aquela contribuinte optar pelo regime de tributação SIMPLES nacional, embora houvesse vedação legal, tendo em vista a natureza das atividades desenvolvidas pela empresa". 

Mais adiante, afirma-se que a omissão de rendimento decorre da "não apresentação das declarações de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica obrigatórias e das DCTF's do período. Ainda, tendo em conta que o sujeito passivo não apresentou os livros da escrituração fiscal, ou Livro Caixa, e ainda não entregou Declaração de Rendimentos da Pessoa Jurídica, do ano calendário de 2007, fls. 121 e 122, o total dos créditos/depósitos efetuados em conta corrente e não comprovados foi considerado como Receita Bruta conforme valores constantes do demonstrativo denominado “EXTRATO DE CRÉDITO – Origem não comprovada mediante documentação hábil e idônea”". 

A mera exclusão o Simples Nacional, a princípio, não implicaria a execução de fraude, causadora da sonegação de tributos. 

Em uma análise preliminar, tem-se que o contribuinte solicita a inclusão no regime, a qual pode ser indeferida. 

De outro lado, há que se pronunciar a acusação sobre a existência de obrigação de o contribuinte que optou pelo Simples Nacional apresentar DIRPJ e DCTF´s, manter livros de escrituração fiscal ou livro caixa, sob pena de o potencial crime decorrer apenas da exclusão do programa de apoio às pequenas empresas. 

A se seguir nesta senda, em todos os casos de exclusão de contribuintes do Simples, haveria que se propor ação penal - situação que não se afigura razoável. 

Após, conclusos.”

O Ministério Público Federal esclareceu que (id. 277536580): 

“[...]  

Como se vê, infere-se da decisão supra que, ao olhos do juízo, o fato de, em razão da inclusão no SIMPLES, o contribuinte ficar isento do cumprimento das obrigações tributárias acessórias de fornecer informações ao Fisco nas respectivas DIRPJ e DCTF´S, bem como manter livros de escrituração fiscal ou livro caixa, não pode ser considerada fraude, porque decorrência natural do deferimento da adesão àquele regime tributário, descaracterizando a infração tributária. 

Com efeito, a fraude propriamente dita, que deu ensejo à sonegação de tributos federais, não reside, a princípio, somente na omissão daquelas informações. 

[...] 

No caso em tela, foi constatado pela Receita Federal, após análise das notas fiscais emitidas pela contribuinte, que a empresa CULTIVO DE CANA DE AÇÚCAR BR jamais poderia ter sido inscrita nos regimes diferenciados porque, para as atividades por ela desempenhadas (locação de mão-de-obra), eram legalmente vedados os regimes SIMPLES FEDERAL e NACIONAL, nos termos dos arts. 9º, XII, alínea ‘f’, da Lei nº 9.317/96 e art. 17, XII, da Lei Complementar nº 123/2006. 

[...] 

Tem-se, portanto, que no momento em que a empresa, por vontade dos sócios, faz a opção pelo SIMPLES, informando uma atividade econômica diferente daquela que, de fato, praticava, engana o Fisco, situação que só veio à tona posteriormente, quando da efetiva fiscalização, mediante análise das notas fiscais e declarações prestadas pelos próprios sócios. Diferentemente do raciocínio feito pelo magistrado, o fato de a inclusão da empresa no regime SIMPLES ter sido deferida não afasta a ilicitude da conduta. É que, para o deferimento da opção, que autorizará a inclusão da empresa contribuinte naquele regime tributário diferenciado, existe mera análise formal do cadastro da empresa, contudo, sem a verificação de que, na realidade, a atividade executada – in casu, a locação de mão-de-obra – declarada pelos representantes legais da contribuinte, era diversa da que constava no respectivo cadastro CNPJ. 

Dito de outro modo, se tivesse, desde o princípio, revelado que era outra sua atividade econômica, a inclusão naquele sistema tributário diferenciado seria indeferida, fazendo surgir, desde aquele momento, a obrigação tributária acessória que, somente em razão da fraude, tornou-se inexigível. Essa foi a vantagem visada e efetivamente auferida pelos réus quando aderiram fraudulentamente ao regime SIMPLES para o fim de suprimir tributos, o que de fato ocorreu, conforme explicitado na respectiva Representação Fiscal para Fins Penais (Fls. 001/05 do Apenso I – ID 40453652 pág. 09/13). 

[...] 

Assim, quando a fraude visa a própria inserção no regime diferenciado, isto é, ludibriando o Fisco para ingressar e, com isso, obter as vantagens do SIMPLES, há crime tributário: 

[...] 

Tal situação, que também ocorreu no caso tratado nestes autos, já demonstra a presença do elemento fraude, necessário para a caracterização do ilícito penal tributário, justificando o recebimento da denúncia. É fato que, além da fraude no momento da inscrição no regime do SIMPLES, ocultando a natureza da atividade econômica desenvolvida pela contribuinte, a Receita Federal também detectou que houve omissão por parte dos representantes legais da empresa que, tendo auferido Receita Bruta anual superior ao limite legal, previsto nos art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006, deixou de prestar informação ao Fisco, o que também justifica sua exclusão. Tal hipótese, teoricamente, amoldar-se-ia ao raciocínio empregado pelo magistrado, ou seja, aparentemente não haveria repercussão criminal, no entanto, por força do art. 30 da Lei Complementar nº 123/2006, que fixa prazos e obriga a contribuinte a comunicar à Receita Federal a ocorrência de superação do limite da Receita Fruta anual passível de enquadramento no SIMPLES, tal omissão assume relevância penal. É que, nos termos do art. 13, §2º, “a”, do Código Penal, combinado com o mencionado art. 30 daquela Lei Complementar, os representantes legais da empresa contribuinte possuem o dever de evitar o resultado, o que certamente ocorreria caso comunicassem, no prazo legal, à autoridade fiscal sobre o superveniente descumprimento das condições para permanecer naquele regime de tributação, comportamento que ensejaria a exclusão, com efeitos retroativos à data em que concretizada tal justificativa.”

A decisão que rejeitou a denúncia foi assim fundamentada (id. 277536581): 

“A acusação faz decorrer a sonegação de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS - exclusivamente - da indevida opção da empresa administrada pelos réus pelo Simples Nacional. 

Assim, reconhece o MPF que não possuía a contribuinte o dever de apresentar DIRPJ e DCTF´s, manter livros de escrituração fiscal ou livro caixa, com o que, a não demonstração do cumprimento de tais obrigações acessórias deixa de possuir repercussão penal. 

Quando da opção da contribuinte pelo regime simplificado de tributação, não houve de sua parte qualquer fraude. 

O objeto social da empresa era público, constava dos registros da JUCESP. 

A exploração de mão-de-obra rural era de pleno conhecimento da Receita Federal, como se retira da própria representação fiscal para fins penais (ID 40453652, p. 9). 

A consequência adequada do ilícito, portando, circunscreve-se à seara tributária: exclusão do Simples, e cobrança dos tributos e consectários respectivos. 

Em assim sendo, ausente a elementar do tipo, a fraude, é de se reconhecer a atipicidade da conduta, com o que, rejeito a denúncia.”

A decisão recorrida comporta a revisão parcial. 

No caso dos autos, reputo correta a decisão de primeiro grau quanto à afirmação de que a opção pelo SIMPLES, no caso concreto, não consubstancia em si mesma fraude elementar do crime de sonegação imputado e, portanto, torna atípica a conduta descrita na denúncia.

Esclareça-se que o MPF não afirma ter havido prestação de declaração falsa no momento do requerimento de opção pelo SIMPLES nem se encontra nos autos cópia do mencionado requerimento a indicar que a pessoa jurídica tivesse, por seus sócios então denunciados, informado falsamente circunstância que autorizasse sua inclusão no sistema simplificado de tributação.

Acrescente-se que o contribuinte faz o requerimento ao poder público que pode ou não acolher o pleito de inclusão no SIMPLES. Dessa maneira, considerar típico por si só o requerimento de opção pelo SIMPLES equivale, no meu sentir, a criminalizar o próprio direito de petição, o que não pode ser admitido.

Por outro lado, consoante detalhadamente descrito na peça inicial acusatória, houve (i)  fraude na omissão de informação acerca da receita bruta auferida no período que resultou na supressão dos tributos federais, em razão da ausência de entrega de declarações de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e de DCTFs no período; bem como houve (ii) omissão penalmente relevante quando a pessoa jurídica deixou de comunicar às autoridades fazendárias que auferiu, no ano-calendário de sua abertura, receita bruta superior ao limite estabelecido para ingresso no SIMPLES, fato que impunha sua exclusão desde o início das atividades. Confira-se, novamente, os seguintes trechos da denúncia (com meus destaques):

"Ainda, verificou-se que a empresa, além de exercer atividade vedada ao Simples, auferiu logo no decorrer do ano-calendário de sua abertura, ano de 2007, receita bruta em montante acumulado, excedente ao limite estabelecido para ingressar no SIMPLES (R$ 5.075.405,79), e não comunicou o fato a Receita Federal do Brasil conforme inciso II, “b”, do art. 13, c/c do inciso III do art. 15 da Lei 9.317/96, e inciso III, do art. 30 e inciso III, “a”, do art. 31 da Lei Complementar 123/06, o que resulta em exclusão de ofício do Simples, a partir do início das atividades.  

Conforme declarado pelo contribuinte a empresa prestou serviços para o grupo COSAN, portanto, através de diligências efetuadas obtivemos as Notas Fiscais emitidas ao referido grupo. Os valores brutos das Notas Fiscais de Serviços prestados foram considerados omissão de rendimentos, pela não apresentação das declarações de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica obrigatórias e das DCTF's do período.  

[...]’ 

De acordo com o Termo de Verificação Fiscal (fl. 115/121 do Id 40453652), de modo mais específico, foram omitidas as seguintes informações:  

‘a) RECEITA OPERACIONAL OMITIDA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS GERAIS - Conforme declarado pelo contribuinte a empresa prestou serviços para o grupo COSAN, portanto, através de diligências efetuadas obtivemos as Notas Fiscais emitidas referido ao grupo, cópias às fls. 159 a 276. Os valores brutos referentes aos serviços gerais de lavoura mais equipamentos contidos nas Notas Fiscais de Serviços foram considerados omissão de rendimentos pela não apresentação das declarações de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica obrigatórias e das DCTFs do período, conforme ANEXO 1 do presente Termo de Verificação Fiscal, às fls. 44 a 46.  

b) RECEITA OPERACIONAL OMITIDA – RECEITA TRANSPORTES – refere-se aos valores da mão-de-obra de transporte contidos nas Notas Fiscais de Serviços conforme ANEXO 1.  

c) DEPÓSITOS BANCARIOS DE ORIGEM NÃO COMPROVADA – O contribuinte deixou de apresentar à autoridade tributária os livros e documentos da escrituração fiscal ou o Livro Caixa, nos quais deveria estar escriturada toda movimentação financeira, inclusive bancária. Também não comprovou a origem dos créditos efetuados em suas contas correntes, portanto, os mesmos foram considerados como receitas omitidas, nos termos do art. 42, da Lei nº 9.430 [...] 

d) REFLEXOS – Das infrações tributárias que motivaram a autuação relativa ao IRPJ será aplicada idêntica solução ao que se refere ao lançamento do PIS, Cofins e CSLL, em face de estreita relação entre causa e efeito. Assim, será constituído o crédito tributário correspondente ao IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, tendo por base de os valores dos créditos bancários não comprovados e a omissão de receitas decorrentes dos serviços prestados ao grupo COSAN conforme Notas Fiscais [...] 

As condutas praticadas pelos denunciados resultaram na constituição de um crédito tributário originário no importe de R$ 2.157.561,49 (dois milhões, cento e cinquenta e sete mil e quinhentos e sessenta e um reais e quarenta e nove centavos), conforme valor consolidado relacionado ao ilícito (fl. 03 do Apenso I – id 40453652 - Pág. 11).  

Patente a materialidade delitiva, que jaz nos Procedimento Administrativo Fiscal nº 13799.000647/2010/80.” - grifos divergem do original

Anote-se que a fiscalização tributária teve início apenas em 2010, quando esgotado, há muito, o prazo legal para a apresentação da declaração de imposto de renda da pessoa jurídica relativa ao ano-calendário de 2007, com as informações corretas acerca da receita auferida no período e opção por um dos regimes de tributação legalmente previstos para a contribuinte (que não o SIMPLES).

No mais, a narrativa contida na exordial acusatória evidencia a ocorrência de fato típico e a acusação encontra suporte probatório no procedimento administrativo fiscal acostado aos autos. 

Rejeito, ainda, a alegação vertida em sede de contrarrazões, no sentido de que não haveria crime, pois não foram apresentadas quaisquer declarações pela pessoa jurídica (DIPJ e DCTFS). 

Para que se caracterize o delito do artigo 1°, 1, da Lei n° 8.137/90, não é preciso que a omissão ocorra no âmbito de um documento exigido pela lei tributária, ou seja, a lei penal não determina que a omissão se dê sobre uma base documental escrita.  

Assim, o delito se perfaz sempre que o contribuinte omite informações e é claro que isso ele pratica quando deixa de apresentar à Secretaria da Receita Federal um documento imposto pela lei - a declaração de informações econômico-fiscais (DIPJ). Aliás, a omissão, nesses casos, tem mesmo mais densidade, já que a Receita Federal fica sem qualquer conhecimento da existência de riqueza tributável. 

É dizer, o tipo penal expressamente prevê a conduta omissiva - "omitir informações às autoridades fazendárias" - e não vincula omissão a um ato positivo de entrega de informações. Assim, para fins penais nenhuma é a diferença entre aquele que diz ao fisco que é isento de imposto quando não é, e aquele que sabe não ser isento e não oferece seus rendimentos para tributação. A omissão das informações necessárias é a mesma, apenas a forma (conduta) como o contribuinte se omite é que a diferencia, sem que o tipo penal faça qualquer distinção.  

Por fim, a presente decisão vale como recebimento da denúncia e interrompe o prazo prescricional (art. 117, I, do Código Penal), consoante entendimento fixado na Súmula n.º 709 do Supremo Tribunal Federal: 

"Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela." 

 

DISPOSITIVO 

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para reformar em parte a decisão de primeiro grau e RECEBER A DENÚNCIA oferecida em desfavor de DEMETRIOS URREA, FÁBIO URREA e RODRIGO CARLOS DA ROCHA, nos moldes da fundamentação supra. 

É o voto. 

 

 

 



E M E N T A

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 581, I, DO CÓDIGO PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO ADEQUADO. FRAUDE CONFIGURADA. TIPICIDADE DA CONDUTA DESCRITA NA DENÚNCIA. SÚMULA Nº 709/STF. RECURSO ACUSATÓRIO PARCIALMENTE PROVIDO. 

1 – Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que rejeitou a denúncia por atipicidade da conduta. 

2 – O recurso em sentido estrito é a via adequada para impugnar a decisão que rejeita a denúncia, nos termos do art. 581, I, do Código de Processo Penal. 

3 – A fraude elementar da sonegação imputada na denúncia vem perfeitamente detalhada na inicial acusatória. 

4 - A narrativa contida na exordial acusatória evidencia a ocorrência de fato típico e a acusação encontra suporte probatório no procedimento administrativo fiscal acostado aos autos. 

5 – “Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela" (Súmula nº 709/STF). 

6 – Recurso em sentido estrito parcialmente provido. 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para reformar em parte a decisão de primeiro grau e RECEBER A DENÚNCIA oferecida em desfavor de DEMETRIOS URREA, FÁBIO URREA e RODRIGO CARLOS DA ROCHA, nos moldes da fundamentação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.