AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009857-96.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO
AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: INDEPENDENCIA S.A., JBS S/A
Advogados do(a) AGRAVADO: MARCIO SOCORRO POLLET - SP156299-S, VICTORIA ARAUJO ROSALES - SP410063-A
Advogado do(a) AGRAVADO: FABIO AUGUSTO CHILO - SP221616-A
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009857-96.2019.4.03.0000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL AGRAVADO: INDEPENDENCIA S.A., JBS S/A Advogados do(a) AGRAVADO: MARCIO SOCORRO POLLET - SP156299-S, VICTORIA ARAUJO ROSALES - SP410063-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se de embargos de declaração opostos por INDEPENDÊNCIA S/A contra acórdão proferido por esta 3ª Turma, que, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento da UNIÃO FEDERAL – FAZENDA NACIONAL. Em suas razões recursais (ID 264836775), alegou omissão e obscuridade do v. acórdão embargado, por (i) “não ter apreciado nenhuma das razões atinentes ao processo de recuperação judicial nº 0000928-06.2009.8.26.0108”, (ii) ter aplicado o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, (iii) ter deixado de se atentar para os documentos que demonstram que a embargante jamais deixou de existir, bem como (iv) acerca da intempestividade do agravo de instrumento interposto pela agravante, apresentado antes da sua citação. Sustenta, por fim, a nulidade da apreciação dos aclaratórios interpostos pela outra agravada, JBS S/A, anteriormente aos ora apresentados. Intimada para os fins do artigo 1.023, § 2º, do Código de Processo Civil, a parte contrária não apresentou contrarrazões. É o relatório.
Advogado do(a) AGRAVADO: FABIO AUGUSTO CHILO - SP221616-A
____________________________________________________________________________________ V O T O V I S T A A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal ADRIANA PILEGGI: Com a devida vênia ao eminente Relator, hei por bem divergir de seu voto. Isso porque vislumbro a existência de vícios no acórdão embargado e no trâmite processual do agravo de instrumento subjacente aos presentes embargos de declaração, de modo a entender que o recurso comporta provimento. Faço-o nos seguintes termos: Trata-se de embargos de declaração opostos por Independência S.A. contra o acórdão assim ementado (id. 258512354): DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ARRESTO DE ATIVOS FINANCEIROS. DECORRÊNCIA DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONGRUÊNCIA. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA. PROCEDIMENTO FRAUDULENTO E SIMULADO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. ESVAZIAMENTO PATRIMONIAL ABUSO DE PERSONALIDADE. DESNECESSIDADE DE PROVA CABAL DA PRÁTICA ILEGAL. PRESENÇA DE INDÍCIOS SUFICIENTES. MATÉRIA PREJUDICIAL (PRESCRIÇÃO, EXIGIBILIDADE DE IDPJ E NULIDADE DA CDA) REJEITADA. 1. Embora alegado por JBS S/A e INDEPENDÊNCIA S/A suposta ilegalidade do arresto de ativos financeiros através do Bacenjud, determinado pelo Juízo a quo em razão do deferimento da antecipação da tutela recursal neste agravo de instrumento, é certo que a antecipação da tutela recursal, de fato, abrangeu o bloqueio de ativos financeiros, corolário direto da congruência entre o pedido do agravo, as razões expendidas e o dispositivo do decisum ("ante ao exposto, defiro a antecipação da tutela recursal"), não havendo qualquer ressalva neste tocante. Ademais, a jurisprudência é assente quanto ao cabimento de bloqueio de ativos financeiros previamente à citação, como medida afeta ao poder geral de cautela e até mesmo para prover eficácia ao quanto disposto no artigo 854 do CPC/2015, tendo sido devidamente justificada a adoção da medida ante as circunstâncias do caso concreto. 2. A suposta previsibilidade da conduta da JBS S/A, por rotineiramente ofertar seguro-garantia em situações congêneres, enquanto mera conjectura, não é circunstância oponível aos fundamentos do periculum in mora apontado, até porque incapaz de alterar qualquer das razões adotadas para o provimento concedido. Mencione-se, ainda, que, de regra, a execução opera-se no interesse do credor. Sendo o dinheiro a garantia preferencial da dívida (inclusive ante a seguro-garantia e fiança bancária, v. g.: AgInt no AREsp 1.979.785, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 15/03/2022) e sendo inconteste o cabimento, em si, da caução, apenas seria possível cogitar de prejuízo injusto para eventual reversão da tutela concedida mediante demonstração de que o bloqueio de ativos seria não apenas inconveniente à agravada (em comparação ao manejo alegadamente costumeiro de seguro-garantia) mas insustentável para manutenção regular das atividades da devedora, o que não foi, em absoluto, provado. 3. Nada há que se prover ou determinar nesta sede em relação à pretensão de substituição de garantia na origem ou determinação para citação no feito de base. O presente recurso não pode ir para além de seu escopo (cabimento do redirecionamento da cobrança com medida acautelatória de bloqueio de ativos), substituindo o processamento regular do próprio executivo fiscal, a cargo do Juízo de origem. 4. Há que se ter em vista que o objeto da controvérsia, a ser dirimida em sede recursal, não é a comprovação da responsabilidade tributária em si. A discussão veiculada pela agravante diz apenas com a existência de indícios das situações legalmente previstas para efeito de redirecionamento da execução fiscal, cujo mérito deve ser decidido, com definitividade, em via processual própria, com pleno exercício de contraditório e ampla defesa, conforme constitucionalmente garantido às partes no processo – procedimento já em curso no caso concreto, ante a oposição de embargos de devedor na origem. 5. Considerando jurisprudência reiterada do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema e a suspensão, ope legis, da eficácia vinculante da tese firmada no IRDR1/TRF3 0017610-97.2016.4.03.0000, é dispensável a instauração de IDPJ na hipótese dos autos (v.g.: AI 5031481-07.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 13/05/2022). 6. A alegação de que a executada já havia sido extinta quando da propositura da execução fiscal, gerando nulidade da certidão de dívida ativa, não procede, pois a empresa supostamente extinta e a empresa alegadamente em funcionamento possuem mesma identificação registral ("Independência S/A"), havendo apenas variação de CNPJ. Logo, não há como se afirmar, contra a presunção de veracidade do título executivo, que se trata de erro de identificação do sujeito, e não mero erro formal quanto ao número de cadastro respectivo, que pode ser corrigido sem nulidade da CDA (v.g., AgInt no AREsp 1.791.585, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe de 27/8/2021). Mais ainda, a empresa extinta foi incorporada pela pessoa jurídica efetivamente atingida pela cobrança judicial, de modo que, segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, apenas seria possível falar de erro na identificação do sujeito se tal operação houvesse sido regularmente informada ao Fisco, o que não demonstrou a corresponsabilizada em suas alegações. 7. Quanto à prescrição para redirecionamento, a pretensão da corresponsável é de contagem a partir de termo a quo anterior ao ajuizamento da ação de origem (22/11/2012, data que estimou ser a da constituição definitiva dos créditos tributários exigidos), olvidando a interrupção do prazo prevista no artigo 174, parágrafo único, I, do CTN, Súmula 106/STJ e, ainda, jurisprudência repetitiva do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.201.993, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 12/12/2019). No caso, os indícios de abuso de personalidade e confusão e blindagem patrimonial foram alicerçados, essencialmente: i) no desate do procedimento de recuperação judicial da devedora originária, encerrado em primeiro grau apenas em 12/05/2015; e ii) na ciência da credora sobre o insucesso da localização da devedora originária, evento ensejador da presunção de dissolução irregular, ocorrida em 11/12/2017. Nesta linha, para além de evidente a inexistência de prescrição, considerando que o pedido de redirecionamento à corresponsabilizada ocorreu em 18/03/2019, é certo que, na suposição de que tivesse decorrido integralmente o prazo, ainda seria necessário demonstrar, à luz da jurisprudência consolidada, a concorrência de inércia da Fazenda Nacional para o acolhimento da pretensão, o que não se providenciou. 8. As reprografias do processo de origem revelam, em análise no âmbito da pretensão de redirecionamento em ação executiva fiscal, a produção de prova a demonstrar, prima facie, a pertinência da integração da JBS S/A ao polo passivo da execução fiscal de base, ao menos para que, em exercício de contraditório e ampla defesa em sede dos embargos do devedor, sejam esclarecidos os relevantes indícios de sucessão empresarial reunidos. 9. O exame do acervo documental indica que, presentemente, a executada originária não possui qualquer ativo imobiliário. De fato, cotejando as 33 matrículas das unidades produtivas da executada acostadas, vê-se que, à exceção do imóvel registrado sob a matrícula 32.831 junto ao 2º Registro de Imóveis de Santos, todos os demais foram alienados fiduciariamente a BNY MELLON SERVIÇOS FINANCEIROS, DISTRIBUIDORA DE TÍTULO E VALORES MOBILIÁRIOS S/A, em maio de 2012. Conforme narrativa fazendária lastreada em documentos, a consolidação da propriedade em favor da instituição financeira foi ajustada como requisito para o acerto proposto, pelo qual a JBS S/A investiria R$ 268.000.000,00 na quitação de créditos de credores e aquisição de unidades produtivas da recuperanda - todas menos uma, situada em Santana de Parnaíba, a ser mantida “para solvência do Independência [Independência S/A] com relação às suas dívidas remanescentes”. 10. O documento ratifica a alegação de que o plano para aquisição de ativos pela JBS S/A previu necessidade de múltiplos intermediários. Conforme relatado, consolidada a propriedade em favor de BNY MELLON SERVIÇOS FINANCEIROS, DISTRIBUIDORA DE TÍTULO E VALORES MOBILIÁRIOS S/A, os ativos deveriam ser aportados em uma sociedade de propósito específico que, por sua vez, teria todas as ações subscritas alienadas a uma segunda sociedade de propósito específico, controlada pela JBS S/A, que passaria, então, a ser detentora indireta da propriedade das unidades produtivas. Esta última intermediária seria responsável, ainda, por adquirir, ao final, a totalidade das ações da INDEPENDÊNCIA S/A que, assim, passaria a figurar como subsidiária integral do Grupo JBS. Como se percebe, a pretensão, ao que se infere, era a de incorporação de quase toda a estrutura produtiva da executada, mantendo-se apenas uma unidade para fazer frente não apenas a eventuais direitos de credores não atendidos pelo investimento como também à dívida bilionária daquela perante o Fisco (em muito resultante de incorporações ocorridas no seio da própria recuperação judicial). 11. Sucede que tal estratégia – cuja factibilidade, em si, é discutível - não obsta, ao que se evidencia, a pretensão fazendária neste feito para redirecionamento da cobrança à JBS S/A. Perceba-se que, quando da consolidação da propriedade de todas as unidades produtivas à BNY MELLON – inclusive da unidade de Santana de Parnaíba (registro 22 da matrícula do imóvel, Id. 54334353, f. 180) -, a INDEPENDÊNCIA S/A deixou de possuir qualquer propriedade produtiva. Este momento marca, pelo visto, o pleno esvaziamento do patrimônio imóvel da executada. Logo, os bens que foram adquiridos pela JBS S/A, como passo seguinte e indissociável do procedimento, representam, ao que consta dos autos, transferência, na verdade, de todo o parque produtivo recuperado dos credores fiduciários – menos uma unidade isolada, que, todavia, tampouco permanecera com a executada, pois já estava, em verdade, alienada ao mesmo terceiro. Assim, em que pese a pretensão declarada da JBS S/A fosse a de aquisição da INDEPENDÊNCIA S/A como subsidiária integral e pessoa jurídica diversa, a partir da compra da totalidade das cotas societárias, o procedimento – frise-se, divisado pelas próprias partes envolvidas – importou, a rigor, alienação de toda a capacidade produtiva da recuperanda, que deixou de possuir qualquer autonomia jurídica e patrimonial para desempenho de suas funções comerciais. 12. O caso denota, em princípio, responsabilidade tributária. A aquisição, intermediada por múltiplos terceiros, não de unidades pontuais e isoladas, mas de todo o complexo produtivo da executada, estruturado e orientado à atividade econômica é caracterizadora, em tese, de sucessão empresarial – evidenciada, inclusive, pela manutenção das atividades no mesmo segmento. Neste sentido, o complexo desenho negocial, interpolando três intermediários (agente fiduciário consolidador, sociedade de propósito específico por este criada e sociedade de propósito específico controlada pela JBS S/A), até porque desde o começo destinado à transferência do patrimônio, não altera, desde logo, esta conclusão. 13. Ressalta-se que ainda que INDEPENDÊNCIA S/A houvesse mantido regularmente suas atividades, como planejado, na unidade produtiva que remanesceria sob sua titularidade, já haveria, de início, responsabilidade tributária da investidora por sucessão empresarial, em caráter subsidiário (artigo 133, II, do CTN), em relação aos estabelecimentos, profissionais e industriais adquiridos. No caso, contudo, evidencia-se, em tese, responsabilidade primária, já que o procedimento esvaziou a integralidade do patrimônio da sucedida - que, aliás, admitidamente, estava com atividades interrompidas. 14. Registre-se, ainda, que a anterior interrupção das atividades não afasta, de pronto, a conclusão de sucessão, dada a aquisição do parque industrial da executada. Neste ponto, vale notar que o CTN não exige, para caracterização de sucessão empresarial (inclusive em caráter integral), a existência de bens incorpóreos (reconhecimento público presente da marca, relação negocial ativa com eventuais fornecedores, etc.) integrados à estrutura física da sociedade sucedida - a existência de fundo de comércio é alternativa, e não cumulativa à aquisição de estabelecimentos, enquanto requisito para incidência do artigo 133. Por outro lado, há que se notar que já houve reconhecimento de sucessão nesta operação em múltiplos outros feitos, não apenas na Justiça Estadual como na própria Justiça Federal, a exemplo do ocorrido na execução de título extrajudicial 0132464-62.2012.8.26.0100 e na execução fiscal 0044290-08.2013.403.6182, em curso na 2ª Vara Federal de Execuções Fiscais da Subseção Judiciária de São Paulo. 15. De toda a sorte, indo além, tem-se que a JBS S/A, ao final, adquiriu a propriedade, inclusive, da unidade produtiva de Santana de Parnaíba – que foi, a seguir, cedida em usufruto à executada (registro 28). Esta conduta foi justificada como meio de permitir que a INDEPENDÊNCIA S/A pudesse seguir com o plano de recuperação aprovado. Neste liame, contudo, é oportuno, adentrar aos indícios de confusão patrimonial carreados aos autos. 16. A tese fazendária neste feito é a de que, em verdade, a cronologia do processo de recuperação indicaria tratativas prévias da executada com o Grupo JBS muito antes do declarado. Segundo a agravante, para além de possivelmente fraudulenta a protocolização da recuperação judicial, na medida em que ocorrida meses depois da operação pelo qual os dirigentes da INDEPENDÊNCIA S/A originária, a higidez das próprias medidas empresariais adotadas naqueles autos seria igualmente contestável, pois: i) as incorporações ocorridas apenas aumentaram o passivo do Grupo INDEPENDÊNCIA (pelo que duvidosa a finalidade das operações, sem previsão de quitação de passivo); ii) não há qualquer evidência nos autos do ingresso do investimento pelo qual as unidades produtivas foram originalmente alienadas fiduciariamente (aos detentores dos “bonds” emitidos pelo braço internacional do Grupo INDEPENDÊNCIA); e iii) não se sabe quem são tais investidores, embora haja registro de que o Grupo JBS teria negociado diretamente com tais credores as transferências das unidades produtivas. Segundo a agravante, seria consistente a hipótese de que o próprio Grupo JBS seria detentor dos “bonds”, desde o começo, em 2010, anos antes do aditamento do plano de recuperação pelo qual informado interesse daquele conglomerado empresarial por sobre a executada. Conquanto certo que a apuração desta versão narrativa não prescinda de ampla dilação probatória, é fato que existem elementos nos autos a erigir relevante dúvida sobre os contornos do relacionamento entre Grupo INDEPENDÊNCIA e Grupo JBS, bem como da negociação entabulada nos autos da recuperação judicial. 17. Observa-se, a partir dos registros de matrícula das unidades produtivas, que a alienação de imóveis à MIDTOWN PARTICIPAÇÕES LTDA. (que se supõe ser a sociedade de propósito específico constituída em favor dos credores fiduciários) ocorreu por força de alteração do contrato societário da executada em 15/10/2012, ainda antes mesmo da apresentação da proposta de investimento da JBS S/A ao Juízo da recuperação (em novembro do mesmo, ao que se deriva do extrato de consulta processual dos autos 0000928-06.2009.8.26.0108 no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo). Depois, tem-se que o procedimento de transferência dos ativos não se operou da forma descrita no plano de recuperação, em todos os casos. Nesta linha, para além de causar estranheza que MIDTOWN PARTICIPAÇÕES LTDA. tenha sido constituída, originariamente, por pessoas físicas desconhecidas nestes autos, há casos em que a propriedade das unidades produtivas foi adquirida de BNY MELLON diretamente pela JBS S/A - é o caso, por exemplo, dos imóveis de matrículas 4.199 e 5.712, em Barueri. Constata-se, também, que há imóveis que, pela matrícula carreada aos autos, ainda permaneceriam com a instituição financeira, conforme registro imobiliário. Desta feita, dos documentos acostados nestes autos tem-se que, desde dezembro de 2014, há unidades produtivas originariamente da INDEPENDÊNCIA S/A distribuídas sob ao menos três titularidades diversas: BNY MELLON, MIDTOWN PARTICIPAÇÕES e JBS S/A. 18. Depois, e mais notório, é que, embora diga-se que a JBS S/A adquiriu a unidade de Santana de Parnaíba em leilão para que a INDEPENDÊNCIA S/A pudesse manter suas atividades (mediante usufruto subsequente), o registro de matrícula contém averbação de que, em verdade, não houve licitantes interessados no imóvel, de modo que o lançamento da transferência de propriedade à JBS S/A não revela a operação de base da transmissão. Além disso, há indicação nestes autos de que a investidora operava comercialmente no imóvel ao menos desde poucos meses depois da aquisição, a partir de documento mencionado na sentença da já referida execução de título extrajudicial 0132464-62.2012.8.26.0100 – a saber, publicação em diário oficial de que a JBS S/A havia requerido renovação de licença para produção de charque à CETESB, referente ao imóvel sito à Rua Marica Marques 1.020, em Santana de Parnaíba, em 11/02/2014. 19. É certo que, efetivamente, à Rua Marica Marques, 1.020, em Santana de Parnaíba, localiza-se a unidade de Santana de Parnaíba anteriormente de propriedade da INDEPENDÊNCIA S/A, como revela o registro 15 da matrícula do imóvel. Em pesquisa ao Diário Oficial do Estado de São Paulo, colhe-se que a publicação mencionada pelo Juízo estadual é a de registro 7683084. O pedido de renovação, conquanto não permita conclusão em absoluto, é indicativo de que havia atividade econômica anterior em curso - muito embora a INDEPENDÊNCIA S/A tenha afirmado que não mantinha atividade em suas unidades produtivas desde 2010. Quando menos, o pedido de licença denota interesse comercial da própria JBS S/A, tanto mais considerando que o usufruto à executada ocorreu apenas cerca de um ano depois. Em verdade, existem, inclusive, outras referências na Imprensa Oficial do Estado incompatíveis com a cronologia declarada na recuperação judicial. Nestas datas, o imóvel já estaria cedido em usufruto à INDEPENDÊNCIA S/A - constituído, segundo o registro de 28/01/2016, por escritura pública datada de 25/09/2015. 20. Cabe registrar que o endereço declinado como sede da executada havia sido diligenciado meses antes para citação no processo do qual originado este recurso, em outubro/2015, havendo certificação de oficial de justiça de que a empresa não mais ali funcionava. De toda a sorte, releva ao presente ponto da exposição que há notícia de que o Grupo JBS mantinha atividades na unidade de Santana de Parnaíba tanto logo após sua aquisição como depois da cessão do imóvel em usufruto. Tal constatação vai ao encontro tanto da informação neste feito de que há filial da JBS S/A em atividade no lugar como do cenário congênere apurado nestes autos quanto à suposta sede da executada, em Cajamar – onde verificou-se funcionar, também, unidade da JBS S/A. 21. Há, desta maneira, consistentes evidências de confusão patrimonial, não apenas internamente no Grupo JBS e na relação deste com os ocultos investidores estrangeiros da INDEPENDÊNCIA S/A, mas, por igual, entre o Grupo JBS e esta última. Tal fato, em conjunto com o esvaziamento patrimonial da executada (precedido de concentração de ativos de outras empresas insolventes no mesmo ramo comercial), configura consistente alicerce à percepção de abuso de personalidade da devedora originária, manejada como instrumento de expansão do Grupo JBS e, simultaneamente, como óbice à satisfação de dívidas, privadas e públicas, atreladas à parcela da concorrência incorporada. Conforme regra o Código Civil, o abuso de personalidade jurídica é representado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial (artigo 50). A respectiva aplicação em sede tributária face à pessoa jurídica tem por pressuposto que, em ambos os casos, se descaracterize a autonomia da empresa, como ente dotado de personalidade jurídica própria e independente, daí porque cabível integração dos administradores e outras sociedades do grupo econômico existente, conforme o caso específico, no polo passivo de cobrança fiscal, vez que nulificado o elemento distintivo (e protetivo) em relação à executada original. Aplicando a espécie a tal preceito, denota-se, em princípio, incidência de ambos os modais de desconsideração: confusão de patrimônio, pela utilização, pelo Grupo JBS, da única unidade produtiva alegadamente destinada à executada (sendo possível que tal uso haja se concretizado até mesmo enquanto esta remanescia sob propriedade de terceiro), bem como desvio da finalidade da INDEPENDÊNCIA S/A, que, sem qualquer indício de atividade empresarial, funcionaria meramente como elemento intermediário de blindagem patrimonial e aquisição de ativos de concorrentes comerciais da JBS S/A. 22. Agravo de instrumento provido. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5009857-96.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 03/06/2022, Intimação via sistema DATA: 08/06/2022). Em suas razões recursais, a parte Independência S.A. sustentou o cabimento e a tempestividade dos embargos de declaração; no mérito, alegou, contra a decisão embargada, a existência de omissões e de obscuridade, defendendo, em razão disso, o improvimento do próprio agravo de instrumento; e, subsidiariamente, pleiteou a consideração do manejo dos aclaratórios para a finalidade de prequestionamento dos dispositivos legais invocados em toda a tramitação do agravo de instrumento subjacente aos presentes embargos. A parte Independência S.A. defendeu, nas preliminares ao mérito do recurso, a nulidade da decisão colegiada posterior ao acórdão id. 258512354, por não ter sido intimada quanto aos termos do acórdão embargado. Conforme o seu relato, ela tomou ciência do acórdão embargado tão somente quando sobreveio a publicação do acórdão id. 264181606, que rejeitou os embargos de declaração opostos por JBS S.A. Ela atribuiu a ausência de intimação à forma de comunicação do acórdão embargado, pois a publicação teria ocorrido apenas em nome do patrono que representada a parte JBS S.A. E isso teria se dado a despeito de a Embargante anteriormente ter requerido as publicações também em nome dos patronos que a representam. No mérito do recurso, a parte Independência S.A. argumentou que o acórdão impugnado incorreu no vício de omissão e no vício de obscuridade. Segundo a narrativa da Embargante, o acórdão não enfrentou as razões atinentes ao Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108, relativo à sua recuperação judicial; a decisão não apreciou os documentos trazidos aos autos comprobatórios de que ela jamais deixou de existir; também não apreciou a intempestividade do próprio agravo de instrumento interposto; e esta Turma Julgadora não analisou nenhuma das matérias prejudiciais pela Embargante, muito embora a ementa do acórdão embargado registre que tais matérias foram rejeitadas. A parte Independência S.A. requereu, finalmente, o reconhecimento da tempestividade do recurso e a anulação do acórdão id. 264181606. Na sequência, requereu o aclaramento do acórdão embargado, para que a Turma Julgadora se pronuncie sobre os vícios alegados, como também, aclaradas as omissões, requereu seja negado provimento ao agravo de instrumento. No mais, caso a decisão embargada seja mantida, a Embargante requereu que os embargos de declaração sirvam para o prequestionamento dos dispositivos legais invocados nos autos. Certificou-se que os embargos de declaração foram opostos no prazo legal (id. 264869626). É a síntese do necessário. Passo, então, a fundamentar meu voto divergente. De plano, reconheço a existência de duas ordens de vícios processuais. A primeira ordem de vício processual se refere à ausência de intimação da parte Independência S.A. quanto aos termos do acórdão embargado. Compulsando os autos e consultando o Sistema de Processo Judicial Eletrônico — PJe e o Diário de Justiça Eletrônico Nacional — DJEN, observo que a publicação relativa ao acórdão id. 258512354 não foi destinada aos patronos que representam a parte Independência S.A. Conforme se extrai das informações do PJe, o acórdão embargado foi disponibilizado no DJEN em 07/06/2022 e publicado em 08/06/2022, e, conforme se extrai das informações do DJEN, os nomes dos advogados Márcio Pollet, inscrito na OAB/SP sob nº 156.299, e Felipe Ricetti Marques, inscrito na OAB/SP sob nº 200.760, não constaram daquela publicação (Certidão de publicação 2333 de 07/06/2022 — https://comunicaapi.pje.jus.br/api/v1/comunicacao/QJDEM7aXZ89FL33UrTVzQP3YoWe2dL/certidao). Entretanto, observo que a parte Independência S.A. constituiu patronos nos autos. A despeito da documentação id. 137863430 não comprovar cabalmente os poderes conferidos aos senhores Roberto Graziano Russo e Miguel Graziano Russo, o fato é que os nomes dos advogados Márcio Pollet e Felipe Ricetti Marques constam do instrumento de mandato id. 137863833. Acaso fosse comungado o entendimento acerca de eventual necessidade de regularização da representação processual, como penso, deveria ter sido oportunizada à Embargante a possibilidade de sanear o vício, nos termos do art. 76 do Código de Processo Civil. Por outro lado, se for admitida que a representação processual está regular, como parece ter sido o caso dos autos até o presente momento, a nulidade processual por ausência de intimação da Embargante ganha ainda mais densidade. Outrossim, a certidão id. 264869626 afirma que os embargos de declaração ora em julgamento são tempestivos. Como os embargos foram opostos contra o acórdão id. 258512354, a única conclusão lógica derivada desse fato vai ao sentido de reconhecer a falha processual quanto à intimação da parte Independência S.A. A menos que se presuma ter o responsável pela mencionada certidão considerado como termo inicial do recurso a publicação referente ao acórdão id. 264181606. Nessa hipótese, a certidão representaria fato equivocado. De qualquer sorte, essa eventualidade não teria o condão de alterar o curso da solução jurídica ora apresentada. Não bastasse isso, é bom frisar que o Código de Processo Civil em vigor exige a intimação das partes por meio de todos os advogados indicados para receber publicação, quando houver expresso requerimento anterior ao ato nesse sentido. E esse é justamente o caso dos autos, pois, conforme se extrai da petição id. 137863428 (fl. eletrôn. 62), a parte Independência S.A. realmente requereu que as publicações relativas ao feito ocorressem em nome dos advogados Márcio Pollet e Felipe Ricetti Marques. Acerca dessa exigência formal estipulada pelo CPC, trago à discussão precedente construído no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, cujo acórdão está assim ementado: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REQUERIMENTO PRÉVIO DE INTIMAÇÃO EXCLUSIVA DE TRÊS PATRONOS DA PARTE. INTIMAÇÃO SOMENTE EM NOME DE DOIS ADVOGADOS. NULIDADE CONFIGURADA. JULGAMENTO: CPC/15. 1. Embargos de divergência opostos em 26/05/2020. Conclusão ao gabinete em 31/08/2020. Julgamento CPC/15. 2. O propósito recursal consiste em decidir sobre a validade da intimação de advogado quando há pedido de intimação exclusiva, com fundamento no § 5º do art. 272 do CPC/15. 3. Dispõe o art. 272, § 5º, do CPC/15 que: "constando dos autos pedido expresso para que as comunicações dos atos processuais sejam feitas em nome dos advogados indicados, o seu desatendimento implicará nulidade". 4. Hipótese em que há pedido de intimação exclusiva de três patronos indicados, mas somente dois deles foram intimados. 5. Invalidade da intimação, necessidade de que todos os advogados indicados sejam intimados. 6. O acórdão embargado adotou de posicionamento segundo o qual o STJ teria firmado entendimento no sentido de que "não há obrigatoriedade de publicação em nome de todos os advogados relacionados na petição que pede intimação exclusiva, mas tão somente de um deles", firmado na vigência do CPC/1973. Todavia, a situação fática a sob julgamento se enquadra perfeitamente na hipótese analisada no acórdão paradigma, segundo a qual configura-se nula a intimação quando existir prévio requerimento de publicação de intimação exclusiva para mais de um advogado habilitado nos autos e, no entanto, a publicação não observar a totalidade dos causídicos indicados, por força do que disciplina o art. 272, § 5º, do CPC/2015. Precedentes. 7. Embargos de divergência no agravo em recurso especial acolhidos. (EAREsp n. 1.306.464/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 25/11/2020, DJe de 9/3/2021.) (grifei). Por essas razões, compreendo que a ausência de intimação da parte Independência S.A. quanto aos termos do acórdão embargado gerou a nulidade absoluta do feito, desde o momento em que o ato de comunicação deveria ter regularmente ocorrido. O ato processual de intimação é requisito de validade do processo, e a Embargante deve efetivamente participar do agravo de instrumento ora em trâmite, por meio da concretização do seu direito de ser informada sobre as decisões proferidas nos autos. Especialmente das decisões que lhe forem desfavoráveis. Aqui, houve, portanto, clara violação do devido processo legal, por cerceamento de defesa da parte Independência S.A. Enfim, com o devido respeito ao eminente Relator destes embargos de declaração, entendo que a nulidade do acórdão id. 264181606 não deriva do fato de ter sido julgado separadamente, mas do fato de que o processo se encontra viciado desde a falha de intimação da parte Independência S.A. quanto aos termos do acórdão embargado. Logo, com fundamento no art. 5°, LIV e LV, da Constituição da República — CRFB, c/c o art. 272, §§ 2° e 5º, e o art. 280, todos do Código de Processo Civil, DECRETO a nulidade de todos os atos processuais praticados após o acórdão id. 258512354. A segunda ordem de vício processual se refere à ausência de intimação da União para responder aos embargos de declaração opostos pela parte Independência S.A. No caso em tela, o teor da petição id. 264836775 revela um potencial altamente atípico dos embargos, cujos pedidos e causa de pedir facilmente denotam a pretensão da Embargante em obter os excepcionais efeitos modificativos ou infringentes do recurso, a depender da corrente teórica adotada. Isso por si só já justificaria a concretização da ampla defesa e do contraditório mediante a intimação da Embargada nos termos do art. 1.023, §2º, do Código de Processo Civil, mas há outro fator de destaque capaz de fortalecer a ideia ora desenvolvida. Como os embargos de declaração foram opostos pela parte Independência S.A. contra decisão colegiada, o recurso necessariamente deve ser julgado pela mesma Turma Julgadora, e a colegialidade da decisão a ser proferida multiplica as possibilidades de eventual reconhecimento da atipicidade dos aclaratórios. Logo, sem a devida intimação para impugnar o recurso, multiplicam-se as possibilidades de existência de uma eventual decisão desfavorável à União, sem que ela tenha podido apresentar sua respectiva defesa nos autos. Há, in casu, grandes riscos de ofensa ao princípio da não surpresa. Há, igualmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, precedentes sobre a obrigatoriedade de intimação prévia da Embargada quando os embargos de declaração são acolhidos com efeitos infringentes. Entre eles, transcrevo o acórdão assim ementado: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO EMBARGADO PARA APRESENTAR IMPUGNAÇÃO AOS PRIMEIROS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NULIDADE. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ, a ausência de intimação do embargado para impugnar embargos de declaração que são acolhidos com efeitos infringentes, viola o contraditório, o que impõe a nulidade do julgamento. Precedentes. 2. No caso dos autos, os primeiros embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional foram acolhidos, com efeitos infringentes, sem a prévia intimação da empresa ora embargante para apresentar impugnação. 4. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para anular o acórdão dos primeiros embargos de declaração. (EDcl nos EDcl no AgRg no REsp n. 1.176.713/GO, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 22/3/2021, DJe de 25/3/2021.). Portanto, tratando-se de matéria de ordem pública, compreendendo que a União deve ser intimada para responder aos embargos de declaração opostos pela parte Independência S.A., antes mesmo do julgamento do presente recurso. Assim, com fundamento no art. 5°, LIV e LV, da Constituição da República — CRFB, c/c o art. 9°, o art. 10, e o art. 1.023, §2º, todos do Código de Processo Civil, DECRETO a nulidade de todos os atos processuais praticados após a manifestação id. 264836775, se a nulidade anteriormente por mim declarada não for acolhida pelos demais ínclitos Desembargadores Federais da Turma Julgadora. Ultrapassada a análise das preliminares ao mérito, e ponderando a hipótese de não acolhimento das nulidades ora declaradas por ocasião do julgamento colegiado, hei por bem examinar se de fato há ou não os vícios de omissão e obscuridade alegados pela Embargante. Indo adiante, em relação ao mérito dos aclaratórios, discordo respeitosamente dos eminentes Desembargadores Federais participantes do julgamento que aqui está em escrutínio, pois vislumbro a ocorrência de omissão no ato judicial impugnado. Com efeito, ao meu ver, o acórdão embargado não enfrentou as alegações formuladas pela parte Independência S.A., apesar de a Turma Julgadora de então ter tomado conhecimento da contraminuta ao agravo de instrumento espontaneamente apresentada por tal Agravada, ora Embargante. Da forma como interpreto o acórdão embargado, toda a linha de raciocínio desenvolvida no julgamento do agravo foi pautada na dialética estabelecida entre os argumentos da União e os argumentos da parte JBS S.A., restando preteridos os argumentos da parte Independência S.A. Ocorre que, não obstante isso, esses últimos argumentos não poderiam ser ignorados pelo Órgão Julgador, porquanto eram efetivamente capazes de infirmar a conclusão adotada pela Turma. Violou-se, assim, o devido processo legal, em consequência da fundamentação insuficiente do acórdão embargado. A tese exposta no parágrafo anterior exige explicações mais detidas, naturalmente. Vejamos, pois, as razões pelas quais concebo a ocorrência do vício de omissão. A princípio, adianto minha compreensão segundo a qual, em que pese a decisão colegiada ter enfrentado de forma bastante pormenorizada as alegações da União e da parte JBS S.A. acerca do mérito do agravo de instrumento, o mesmo não se sucedeu com as razões apresentadas pela parte Independência S.A. Quanto aos argumentos então apresentados pela parte ora Embargante, conforme entendo, o acórdão se limitou a referenciá-los no relatório ou, quando muito, de modo incidental no voto. A parte Independência S.A. foi referenciada em diversas passagens do acórdão, até por ser a sociedade empresária originariamente executada no processo subjacente, mas isso se deu ou mediante o exame judicial da perspectiva da Agravante ou mediante o exame judicial da perspectiva da Agravada JBS S.A. É certo que algumas das matérias aventadas parte Independência S.A. desbordam dos limites de cognição judicial permitidos pelo agravo de instrumento, como é o caso das razões destinadas à extinção do crédito tributário, e por isso mesmo não poderiam infirmar o resultado do julgamento. Contudo, no que diz respeito ao principal ponto controvertido do agravo, qual seja, a possibilidade ou não de redirecionamento da execução fiscal por alegada sucessão empresarial irregular, penso que, em relação à possibilidade de a parte ora Embargante influenciar a decisão embargada, o contraditório se aperfeiçoou apenas formalmente. As indagações envolvendo a concretização dos princípios do contraditório e da ampla defesa ensejam uma série de ponderações, e, em qualquer hipótese, a análise do caso concreto é decisiva para que se verifique a observância efetiva do devido processo legal. Como cediço, “o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão” (AgRg no AREsp n. 594.615/PA, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 20/11/2014, DJe de 4/12/2014.). Sempre perfilhei tal entendimento; contudo, sempre entendi que ele comporta temperamentos. Afinal, os limites do devido processo legal nunca são construídos inteiramente em abstrato, e isso obviamente se aplica aos seus corolários. Por via de consequência, se o princípio norteador do devido processo legal possui uma dimensão substancial passível de ser delineada na pragmática por meio dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a mesma necessidade de conformação empírica incide sobre os princípios do contraditório e da ampla defesa. Isso porque uma decisão verdadeiramente fundamentada é produto de um procedimento em contraditório que, para além de permitir às partes se informarem e reagiram durante o curso do processo, garanta a elas a possibilidade de substancialmente influenciar o convencimento do magistrado. Elpídio Donizetti bem sintetiza o cenário de evolução experimentada pelos conceitos de devido processo legal, contraditório e ampla defesa, cujas reflexões impactam tanto nas lides em geral quanto neste caso em particular: Em um primeiro momento, o contraditório era visto exclusivamente como abertura do processo para as partes, desconsiderando a participação ativa do juiz. Depois, se transformou em um direito das partes e uma série de deveres para o magistrado. Esses direitos e deveres se tornaram tão relevantes para o processo que deram origem a três outros princípios: o da isonomia, o da ampla defesa/amplitude do direto de ação e o da cooperação. O princípio do contraditório, assim como o do devido processo legal, apresenta duas dimensões. Em um sentido formal, é o direito de participar do processo, de ser ouvido. Mas essa participação há de ser efetiva, capaz de influenciar o convencimento do magistrado. Não adianta simplesmente ouvir a parte. A manifestação há de ser de influenciar na formação da decisão. A seu turno, o juiz tem o dever correspondente de levar a manifestação na decisão. Essa é perspectiva substancial do contraditório. (DONIZETTI, Elpídio. Curso de Direito Processual Civil: volume único. 26ª ed. Barueri: Atlas, 2023, p. 38) (grifos do autor). Na hipótese dos autos, o contraditório não se aperfeiçoou substancialmente, como já antecipei, e isso legitima a oposição dos aclaratórios agora em julgamento. A parte Independência S.A. não influenciou realmente o convencimento do Órgão Colegiado que decidiu o mérito do presente agravo. A parte ora Embargante foi formalmente ouvida, mas seus argumentos não foram levados em conta no julgamento que, ao cabo, decidiu contrariamente às suas pretensões. Com efeito, a decisão colegiada se fundamentou em duas premissas para determinar o redirecionamento da execução fiscal, quais sejam, “i) no desate do procedimento de recuperação judicial da devedora originária, encerrado em primeiro grau apenas em 12/05/2015; e ii) na ciência da credora sobre o insucesso da localização da devedora originária, evento ensejador da presunção de dissolução irregular, ocorrida em 11/12/2017” (id. 258512354 — fl. eletrôn. 19); entretanto, o acórdão embargado não enfrentou, senão acidentalmente, os argumentos da parte Independência S.A. referentes às peculiaridades da complexa recuperação judicial, à efetiva existência da Embargante como pessoa jurídica e às impugnações da tese de sua dissolução irregular (id. 137863428 — fls. eletrôn. 21-41). Logo, com as devidas vênias, é de se concluir que o acórdão embargado foi omisso por ausência de fundamentação suficiente, e as omissões ora expostas devem ser enfrentada no âmbito dos presentes embargos de declaração. As lições de Fredie Didier Júnior sobre o cabimento dos embargos de declaração contra decisão que desentenda a garantia do contraditório substancial são bastante oportunas: Se a decisão não analisa todos os fundamentos da tese derrotada, seja ela a invocada pelo autor ou pelo réu, será inválida por falta de fundamentação. É o que diz o art. 489, § 1°, JV do CPC. Essa decisão contraria a garantia do contraditório, vista sob a perspectiva substancial, e não observa a regra da motivação da decisão. Tendo em vista que é omissa, pode ser objeto de controle por meio de embargos de declaração (art. 1.022, II, p. ún., II, CPC). [...] Certamente não foi por acaso que o CPC, no art. 1.022, par. ún., II, reputa omissa, para fim de oposição de embargos de declaração, a decisão que incorra em qualquer das condutas descritas no §1° do art. 489. (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 344-345) (grifo do autor). Então, fundamentada a minha perspectiva quanto à existência de omissões no acórdão embargado e quanto ao cabimento destes embargos de declaração, adentro ao exame das razões apresentadas da parte Independência S.A. contra o agravo de instrumento interposto pela União. Acerca disso, limito-me, por óbvio, às alegações pertinentes aos limites do escopo recursal e que antes não foram substancialmente enfrentadas. Começo o exame daquelas matérias a partir de uma premissa distinta do vetor de interpretação do acórdão embargado. Data maxima venia, contrariamente ao defendido em tal decisão colegiada, minha posição de sempre é que, em casos como o dos autos, o redirecionamento da execução fiscal não pode se fundar em meros indícios de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. O reconhecimento da sucessão empresarial irregular é situação atípica, cuja caracterização depende de provas de diversos elementos que, em conjunto, denotem a existência do uso abusivo da personalidade jurídica. A decisão que determina o redirecionamento da execução fiscal contra pessoa jurídica tem como efeito precípuo a inclusão de terceiro no polo passivo da ação executiva, e desse modo tal terceiro resta equiparado a todos os demais legitimados passivos previstos no art. 4º da Lei nº 6.830/1980. Trata-se de uma presunção de responsabilidade tributária deveras significativa, tal qual é a presunção de responsabilidade tributária do próprio contribuinte, e por isso discordo do argumento segundo o qual a presença de meros indícios é suficiente para embasar o decreto de redirecionamento. A rigor, os legitimados passivos da execução fiscal têm contra si título executivo extrajudicial, inscrito em dívida ativa, que goza de presunção relativa, e não iure et iure, de certeza e liquidez. Corolário disso é que os embargos à execução fiscal, como meio de defesa, não é instrumento processual diretamente destinado à comprovação da responsabilidade tributária, mas tem por finalidade principal de desconstituir a presunção própria da certidão de dívida ativa. Logo, a atribuição de responsabilidade tributária a terceiro por sucessão empresarial supostamente irregular, ainda que tal atribuição se diga presumida, está atrelada à concreta e robusta averiguação dos elementos constantes do mencionado dispositivo legal. De mais a mais, quero aqui lançar mão da técnica da distinção para elucidar a aplicabilidade de dois precedentes criados no âmbito do Superior Tribunal Justiça, um que entendo pertinente ao acaso, e outro que constou do acórdão embargado. Pelo primeiro deles, exige-se efetivo lastro probatório para autorizar o redirecionamento da execução fiscal, quando a medida estiver pautada em alegação de sucessão empresarial com supedâneo no art. 133 do Código Tributário Nacional — CTN. De outra banda, pelo segundo precedente, meros indícios de dissolução irregular são suficientes para autorizar o redirecionamento da execução fiscal, quando a medida se direcionar contra sócio-gerente à luz do art. 135 do CTN. Logo, ao meu sentir, apesar de não ter sido superado, o segundo precedente não é aplicável ao caso dos autos, já que o pedido de redirecionamento formulado pela União se direciona contra pessoa jurídica e se baseia nos arts. 132 e 133 do CTN. Como forma de melhor esclarecer a distinção ora colocada, transcrevo as seguintes ementas: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ART. 535, II, DO CPC. OMISSÃO. FALTA DE INTERESSE. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. ART. 133 DO CTN. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. 1. Mesmo diante da alegada falta de pronunciamento do Tribunal a quo quanto à dissolução irregular da sociedade, foi reconsiderada, pelo magistrado de primeiro grau, a decisão que indeferira o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes, o que não foi reformado no agravo de instrumento que originou o presente recurso especial. 2. No âmbito dos recursos, a aferição do interesse em recorrer está intimamente ligada à sua aptidão para conduzir o recorrente a uma situação melhor do que aquela em que se encontra, o que, efetivamente, não se verifica no caso sob análise. 3. A imputação de responsabilidade tributária por sucessão de empresas está atrelada à averiguação concreta dos elementos constantes do art. 133 do CTN, não bastando meros indícios da sua existência. 4. Determinar a existência da sucessão, na forma do art. 133 do CTN, dependeria de nova análise dos aspectos fáticos e probatórios da demanda, o que é inviável pela via do especial, a teor da Súmula 7/STJ: ?A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 5. Recurso especial conhecido em parte e improvido. (REsp n. 844.024/RJ, relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 12/9/2006, DJ de 25/9/2006, p. 257.) (grifei); ----------------------------------------------------------------------------- PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA. INDÍCIO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO-GERENTE. POSSIBILIDADE. I - Discute-se se a certidão expedida pelo oficial de justiça atestando que a empresa executada não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial presta-se como indício de dissolução irregular da sociedade capaz de ensejar o redirecionamento do executivo fiscal a seus sócios-gerentes. Trata-se, assim, de discussão acerca de valoração de prova, ficando afastado o óbice sumular nº 7 deste STJ na hipótese. II - Este Superior Tribunal de Justiça já exarou entendimento no sentido de que "presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário, cabendo a responsabilização do sócio-gerente, o qual pode provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder, ou ainda, que efetivamente não tenha ocorrido a dissolução irregular" (REsp nº 841.855/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 30.08.2006). III - Esta Primeira Turma adotou igual entendimento quando apreciou o REsp nº 738.502/SC, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 14.11.2005, ressaltando-se para o fato de que "consta dos autos certidão lavrada por Oficial de Justiça (fl. 47 verso), informando que, ao comparecer ao local de funcionamento da empresa executada, foi comunicado de que a mesma encerrara as atividades no local há mais de ano, o que indica a dissolução irregular da sociedade, a autorizar o redirecionamento da execução" (sublinhou-se). IV - De se destacar, ainda, que "...no momento processual em que se busca apenas o redirecionamento da execução contra os sócios, não há que se exigir prova inequívoca ou cabal da dissolução irregular da sociedade. Nessa fase, a presença de indícios de que a empresa encerrou irregularmente suas atividades é suficiente para determinar o redirecionamento, embora não o seja para a responsabilização final dos sócios, questão esta que será objeto de discussão aprofundada nos embargos do devedor. (...) Como bem salientou o Ministro Teori Albino Zavascki no AgRg no REsp 643.918/PR, DJU de 16.05.06, saber se o executado é efetivamente devedor ou responsável pela dívida é tema pertencente ao domínio do direito material, disciplinado, fundamentalmente, no Código Tributário Nacional (art. 135), devendo ser enfrentado e decidido, se for o caso, pelas vias cognitivas próprias, especialmente a dos embargos à execução" (REsp nº 868.472/RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 12.12.2006). V - Recurso especial provido. (REsp n. 944.872/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 4/9/2007, DJ de 8/10/2007, p. 236.) (grifei). Uma vez apresentada, como pressuposto da minha linha de raciocínio, a necessidade de prova robusta para autorizar o redirecionamento da execução fiscal por sucessão entre empresas, julgo importante expor, doravante, os limites da lide sob a ótica dos embargos de declaração em exame, em obediência ao princípio da congruência positivado pelo art. 141 do Código de Processo Civil. A discussão jurídica subjacente aos pontos controvertidos do agravo de instrumento. se relaciona ao tema da responsabilidade tributária por sucessão empresarial, alegadamente irregular. Conforme se extrai de suas razões recursais, a União pretende o reconhecimento da responsabilidade tributária da parte JBS S.A, e o consequente redirecionamento da Execução Fiscal nº 0044492-82.2013.4.03.6182 contra essa pessoa jurídica. Ela deduziu sua pretensão apresentando duas teses. De acordo com a tese principal, apoiada no art. 132 do CTN, a parte JBS S.A. incorporou a parte Independência S.A. Isso ocorreu ante a implementação de plano de recuperação judicial que culminou com a extinção da parte Independência S.A. e a assunção das obrigações tributárias da sociedade empresária extinta pela parte JBS S.A. Nos termos relatados pela União, a parte JBS S.A. absorveu integralmente os estabelecimentos da parte Independência S.A., impossibilitando que esta última pessoa jurídica perseguisse seu objeto social. Ademais, de acordo com a tese subsidiária, a União defendeu a existência de fraude no âmbito do processo destinado à recuperação judicial da parte Independência S.A., baseando-se no art. 133, §2°, III, do CTN e no art. 141, §1°, III, da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência — LREF). Segundo a sua narrativa, as partes JBS S.A. e Independência S.A. estiveram em “conluio” com o objetivo de frustrar a satisfação dos credores da ação de recuperação judicial. Para tanto, valeram-se da ação como meio de esvaziamento patrimonial da pessoa jurídica recuperanda; e como meio de transferência de todas as unidades produtivas de propriedade da parte Independência S.A. para o domínio da parte JBS S.A. Por sua vez, a parte Independência S.A. resiste ao pretendido pela União, pois entende incabível o pleito de redirecionamento. Consoante as explanações da Embargante contidas nas alegações de mérito que, cumulativamente, foram apresentadas em sua contraminuta ao agravo de instrumento, não foram enfrentadas pelo acórdão embargado e foram reiteradas nos embargos de declaração, as razões atinentes ao Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108 e o conjunto fático probatório dos autos demonstram tanto a lisura do plano de recuperação judicial quanto a continuidade operativa da parte Independência S.A. Para a Embargante, a legalidade do plano foi chancelada pelo Poder Judiciário, inclusive com trânsito em julgado, cuja aprovação viabilizou crédito para a manutenção de suas atividades empresariais. Além disso, ela aduziu que as suas antigas plantas industriais foram levadas a leilões públicos infrutíferos, porém, tendo propostas de aquisição por investidores, e que tais plantas foram todas alienadas no curso do processo de recuperação, cuja supervisão se encerrou apenas no final do ano de 2019. Ainda nos dizeres da Embargante, esgotado o prazo da supervisão atinente ao processo de recuperação, a parte Independência S.A. é considerada pessoa jurídica idônea e ativa, restando evidente a segregação entre as suas atividades e as atividades desenvolvidas pela parte JBS S.A. Ainda em concordância com a sua versão dos fatos, os documentos juntados aos autos comprovam a existência ininterrupta da Embargante e a não ocorrência abuso da personalidade jurídica. Por último, a Embargante sustentou a intempestividade do agravo de instrumento interposto pela União. Feita essa última exposição, deduzo ter chegado o momento de avaliar as controvérsias de mérito atinentes aos presentes embargos de declaração com base na prova dos autos. Em linhas gerais, eles dizem respeito à suposta extinção da pessoa jurídica Independência S.A., à suposta alienação do estabelecimento comercial da Embargante à parte JBS S.A. e ao suposto abuso da personalidade jurídica cometido pela Embargante. Quanto a todos esses temas, os elementos dos autos não autorizam o redirecionamento pretendido pela União na estreita via do agravo de instrumento. Por mais que a União tenha se esforçado em apontar tais vícios, as suas razões deitam raízes em premissas impossíveis de serem julgadas nos presentes autos. Isso porque a Embargada alicerça suas teses em alegações concernentes à regularidade do processo de recuperação judicial, mas o assunto já passou pelo crivo do Poder Judiciário. Antes de tudo, impõe-se consignar que, apesar das alegações formuladas por ambas as partes, não possuo um juízo de certeza sobre o fim da recuperação judicial. Como se extrai da leitura dos autos, é digno de nota que o desfecho do processo recuperacional não ocorreu com a sentença proferida no ano de 2015. O período de supervisão judicial da recuperação judicial da parte Independência S.A. foi modulado pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo — TJSP em acórdão prolatado nos autos do Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108, estendendo-o até 29 de dezembro de 2019 (id. 54334360 — fls. eletrôn. 9-29). Em tese, consoante o acervo documental aqui apresentado, esse período já teria se esgotado sem impugnações capazes de afastar o encerramento da recuperação. Logo, o efeito jurídico do esgotamento desse período de supervisão seria o restabelecimento da Embargante à situação de sociedade empresária ativa e regular, aliás, informação atestada pelo Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral emitido pela Receita Federal do Brasil (id. 137863845) e pela Ficha Cadastral emitida pela Junta Comercial do Estado de São Paulo — JUCESP (id. 137864328). Contudo, consultando o andamento do Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108, no sítio eletrônico do e. TJSP, deparei-me com decisão proferida pelo Juízo de primeiro grau, em 17/10/2022, que sugere a continuidade do processo de recuperação. O teor de tal decisão, que aqui transcrevo, também foi disponibilizado no respectivo Diário da Justiça Eletrônico: Vistos. O edital foi publicado (fls. 67.980/68.026). Fls. 66.587/66.588, 66.597/66.599, 66.610/66.774, 66.775/66.777, 66.778/66.798, 66.799/66.804, 66.805/66.806, 66.866/66.867, 66.88/66.874, 66.875/66.876, 66.903/66.917, 66.932/66.934, 66.935, 66.936/66.937, 66.938/66.940, 67.032/67.034, 67.092/67.095, 67.096/67.097, 67.118/67.132, 67.549, 67.655/67.656: aguardem estes credores a fluência do prazo para impugnação ou vindouro levantamento dos créditos, observando-se que este será realizado por procedimento equivalente aos créditos trabalhistas. Acolho a sugestão do administrador judicial quanto à forma de pagamento dos créditos trabalhistas (envio da mensagem eletrônica à Administradora Judicial no endereço eletrônico info@fraj.com.br, acompanhado do preenchimento do formulário (Documento 01 que acompanha a manifestação de fls. 67.666/67.674) e demais documentos comprobatórios da representação processual, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação da decisão). Ficam os credores trabalhistas de fls. 66.600, 66.601/66.609, 66.930/66.931, 66.941, 67.010/67.019, 67.020/67.028, 67.029/67.030, 67.058/67.060, 67.061, 67.084/67.085, 67.086/67.087, 67.088/67.091, 67.098/67.099, 67.100/67.117, 67.201/67.203, 67.204/67.206, 67.207, 67.208, 67.238/67.239, 67.245/67.249, 67.305/67.340, 67.547/67.548, 67.550/67.552, 67.553/67.645, 67.646, 67.647/67.654, 67.657, 67.658/67.659, 67.660/67.662 e 67.663/67.665 cientificados do procedimento acima descrito e detalhado às fls. 67.668/67.670. Ficam igualmente cientificados os credores trabalhistas que juntaram suas manifestações posteriormente à do administrador judicial, quais sejam, os de fls. 67.676, 67.789, 67.684/67.685, 67.717/67.718, 67.728, 67.791/67.792, 67.802/67.803, 67.903/67.904, 67.907, 67.963/67.964. Fls. 67.682, 67.786/67.787, 67.793, 67.799/67.800, 67.844, 67.845, 67.900, 67.905, 68.027: manifeste-se o administrador judicial no prazo de 30 dias. Fls. 67.731 e relatório de fls. 67.732/67.784 e fls. 67.910 e relatório de fls. 67.911/67.961: ciente dos relatórios mensais de atividades. Fls. 67.835: anote-se no SAJPG5. Fls. 67.523/67.524: em que pese o imenso respeito deste magistrado pela Exmª Prolatora da R. Decisão copiada a fls. 67.524, fato é que a executada se encontra em recuperação judicial e, nesse passo, a competência para deliberar sobre constrição de bens é deste juízo da recuperação judicial em vista da universalidade ínsita à sua atuação. Dessa forma, estando os bens da executada atrelados ao plano de recuperação judicial e, consequentemente, ao pagamento dos créditos, a reserva de valores na forma solicitada causará prejuízo ao conjunto dos credores, motivo pelo qual deixo de, excepcionalmente, determinar a anotação da solicitação. SERVIRÁ A PRESENTE DECISÃO COMO OFÍCIO-RESPOSTA A SER IMPRESSO E ENCAMINHADO PELO OFÍCIO JUDICIAL. Servirá a presente também como manifestação em caso de eventual suscitação de conflito de competência. Intime-se. (TJSP — Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108. Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Cajamar/SP, decidido em 17/10/2022, DJE – Caderno Judicial – 1ª Instância – Interior – Parte I – Edição 3613 de 18/10/2022, p. 2313-2318). Seja como for, encontrando-se ou não a recuperação judicial em andamento, já não mais se revela possível examinar as questões relacionas às intercorrências do processo de recuperação judicial. Isso caberia à própria Justiça Estadual fazê-lo, se o caso for. Conforme informam os dados dos autos, a comercialização do estabelecimento empresarial então pertencente à parte Independência S.A. se operou como consequência de plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia de credores e ratificado pelo Poder Judiciário. Logo, da forma como penso, o binômio meros indícios e irregularidades havidas no processo de recuperação judicial não é apto a sustentar os consectários jurídicos procurados pela União. A propósito do tema, colaciono precedentes tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto desta mesma e. Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, representados pelos acórdãos assim ementados: PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO CÍVEL E JUÍZO TRABALHISTA. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APROVADO. PAGAMENTO DAS VERBAS TRABALHISTAS FIXADO EM UM ANO. ALEGADO DESCUMPRIMENTO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. A jurisprudência do STJ é pacífica em considerar que o juízo da recuperação judicial detém a competência para dirimir todas as questões relacionadas, direta ou indiretamente, com esse procedimento, salvo hipóteses excepcionais. Precedentes. 2. Usualmente o STJ tem autorizado que o juízo trabalhista promova atos de execução não obstante a existência de pedido de recuperação judicial, apenas em hipóteses em que houver falha inerente à apresentação ou aprovação do plano. 3. A partir da aprovação tempestiva do plano de recuperação judicial, não se pode desconsiderar sua existência, validade e eficácia. Ela implica "novação dos créditos anteriores ao pedido", obrigando "o devedor e todos os credores a ele sujeitos" (art. 59 da Lei de Falências - LF). O descumprimento de qualquer obrigação contida no plano implica a convolação da recuperação em falência (art. 61, §1º, LF). 4. Se o devedor assume, de modo expresso, no plano de recuperação, o dever de adimplir em um ano dos débitos trabalhistas (art. 54 da LF), o alegado descumprimento desse dever deve ser levado a conhecimento do juízo da recuperação a quem compete, com exclusividade: (i) apurar se o descumprimento efetivamente ocorreu; (ii) fixar as consequências desse descumprimento, podendo chegar à falência do devedor. 5. Conflito conhecido para o fim de declarar a competência do juízo da recuperação judicial. (CC n. 112.716/GO, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 9/2/2011, DJe de 20/5/2011.); ----------------------------------------------------------------------------- AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. JULGAMENTO NA MESMA OPORTUNIDADE COM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5008493-60.2017.4.03.0000 (PJE). EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. GRUPO PARMALAT. EXECUÇÃO AJUIZADA EM FACE DE CARITAL BRASIL LTDA. (ANTERIOR PARMALAT BRASIL ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA.). IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO E GRUPO ECONÔMICO NO BOJO DA EXECUÇÃO EM RELAÇÃO À PARMALAT BRASIL S.A. INDÚSTRIA DE ALIMENTOS (ATUAL PADMA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS S/A.), ORA RECORRENTE. RECORRENTE QUE SOFREU PRÉVIA INTERVENÇÃO JUDICIAL, AFASTANDO-SE DO GRUPO ANTERIOR. JUÍZO DA RECUPERAÇÃO QUE AFASTOU SUCESSÃO EMPRESARIAL. PRECEDENTES DO STJ QUE RECONHECEM ESSA COMPETÊNCIA AO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM CASOS ENVOLVENDO O GRUPO PARMALAT, INCLUSIVE EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA (Nº 123.934) ORIUNDO DA EXECUÇÃO DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE PROVA DE FRAUDE. RECURSO PROVIDO. 1. Julgamento na mesma oportunidade com Agravo de Instrumento nº 5008493-60.2017.4.03.0000, tirado do mesmo feito e interposto pela mesma recorrente. Trata-se de execução fiscal ajuizada em dezembro de 2007, para cobrança de aproximadamente nove bilhões e quatrocentos e vinte milhões de reais, em face de CARITAL BRASIL LTDA. (antiga PARMALAT BRASIL ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA.), no que se refere a tributos relativos ao exercício de 1999. Decisão agravada que rejeitou exceção de pré-executividade, mantendo PARMALAT BRASIL S/A. INDÚSTRIA DE ALIMENTOS (atual PADMA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS S/A.), ora recorrente, no polo passivo. 2. Em 2004, a recorrente sofreu intervenção judicial, no âmbito da qual houve determinação de afastamento dos antigos controladores e o descasamento societário da recorrente das outras empresas integrantes do antigo GRUPO PARMALAT. Quando da realização da aquisição do controle da recorrente pela LÁCTEOS, no bojo da recuperação judicial da primeira, decretada em 2006, a recorrente sequer fazia parte do GRUPO PARMALAT, não havendo ainda nos autos qualquer indicação de que os fatos geradores dissessem respeito à recuperanda, o que é corroborado pelo fato de que ela não consta no título executivo. A sugestão de esvaziamento patrimonial da executada (CARITAL) em favor da recuperanda não é acompanhada de prova suficiente. 3. Em precedentes envolvendo a recorrente, inclusive em conflito de competência (nº 123.934) pertinente à presente execução, o STJ firmou entendimento de que compete ao juízo da recuperação judicial definir sobre sucessão, até mesmo em matéria de responsabilidade tributária da sociedade adquirente nos casos de alienação de unidade produtiva da sociedade recuperada (AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 123.934 - SP, REL. MIN. MINISTRA NANCY ANDRIGHI, DJe: 04/12/2012; AgRg no CC 116.036/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013, DJe 17/06/2013; CC 110.941/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/09/2010, DJe 01/10/2010). 4. Constam as seguintes decisões do juízo da recuperação judicial: "declaro que nos termos do art. 61, caput, e parágrafo único, da Lei nº 11.101/05, a empresa LÁCTEOS DO BRASIL S/A. (atual denominação de Agord S/A) não se constitui como sucessora de qualquer obrigação, de quais outras empresas terceiras, que tiverem como origem a unidades por ela adquirida, com ou sem manutenção da marca Parmalat, eis que se constitui em outra empresa";" a LÁCTEOS e as unidades que adquiriu não são sucessoras da vendedora, de quaisquer ônus decorrentes de qualquer obrigação, nos termos do art. 61, caput, e parágrafo único, da Lei nº 11.101/05". 5. A recorrente não pode estar no polo passivo da execução, o que enseja sua exclusão do feito e a condenação da exequente em honorários advocatícios, por força da causalidade e sucumbência. Para a fixação da condenação ao pagamento de honorários advocatícios, deve ser levado em conta o recente posicionamento do eminente Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal federal - STF, na decisão proferida na Ação Originária 506/AC (DJE de 1/9/2017), aplicando às verbas sucumbenciais os critérios do direito adjetivo vigorante à época da propositura do feito judicial. 6. Agravo provido. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 452111 - 0027641-55.2011.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 19/09/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/09/2018). Em continuidade, aprofundando o confronto das alegações quanto à disputa sobre extinção ou não da parte Independência S.A., à luz do acervo documental, não verifico a existência de provas suficientes sobre o encerramento das atividades da Embargante. Inicialmente, as alegadas irregularidades dos planos de recuperação judicial foram afastadas no próprio âmbito do processo de recuperação judicial. Houve decisões do Juízo recuperacional que homologaram as alterações promovidas no plano de recuperação e, na sentença de encerramento da recuperação, ficou consignado que: a) “após a homologação do plano e a concessão da recuperação judicial, no decorrer de seu processo houve modificações no plano originalmente aprovado, todas homologadas judicialmente” (id. 54334358 — fl. eletrôn. 45); e b) “nos presentes autos, conforme relatório acima, observa-se que da concessão da recuperação judicial já decorreu o prazo supra, inclusive com a homologação do plano judicial, posteriormente alterado para o melhor interesse em concreto, identificado à época” (id. 54334358 — fl. eletrôn. 46). Em reforço a isso, em segundo grau de jurisdição, os planos homologados foram mantidos pelo TJSP, em mais de uma oportunidade. O acórdão prolatado em sede de apelações interpostas nos autos do Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108 decidiu o seguinte: É certo que precluiu o direito dos interessados de oferecer impugnação aos termos do plano, registrando-se a existência de agravos de instrumento (nºs 027147-68.2012.8.26.0000, 0268736-72.2012.8.26.0000 e 0269765-60.2012.8.26.0000) interpostos contra a decisão de homologação do plano, inclusive com Agravo em Recurso Especial nº 819.292 pendente de julgamento, entretanto, sem notícia de efeito suspensivo. Assim, não cabe, neste julgamento, o reexame do conteúdo do plano, mas restritamente a análise ou correção ou não do encerramento da recuperação judicial decretado pela r. decisão recorrida. (id. 54334360 — fls. eletrôn. 18). Em segundo lugar, a aventada tese de inatividade da parte Independência S.A. foi afastada pelas principais decisões de mérito proferidas nos autos do Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108. Em 12/05/2015, a sentença proferida pelo Juízo da Comarca de Cajamar/SP encerrou o processo de recuperação judicial, argumentando a inexistência de óbices para que a Embargante retornasse ao seu funcionamento normal. E, em 18/04/2018, embora tenha reformado a sentença quanto ao encerramento da recuperação judicial, por considerá-lo prematuro, o acórdão prolatado pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP explicitamente afastou a tese de inoperação da parte Independência S.A. Sentença do Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108. Isto posto, considerando o teor do artigo 61, disposto supra, assim como a necessidade inevitável de se efetivar o objetivo da recuperação, também disposto acima, necessário o encerramento da presente, a fim de viabilizar que as recuperandas retornem a suas atividades e volte a cumprir com a sua função-social. Observa-se que mesmo que os pagamentos dos planos judiciais homologados possam se estender de cinco a dez anos, tal não impede que a recuperação seja encerrada, nos termos do mesmo dispositivo citado acima. “Grosso modo”, a habilitação dos créditos na recuperação judicial cuida-se de uma “execução coletiva”, que visa à satisfação de todos os credores da empresa. Visando, pois, dar efetivo cumprimento ao artigo 47 da discutida lei, o juízo deixou de convolar a recuperação judicial em falência, ainda que o mencionado prazo de dois anos tivesse sido escoado. Isto porque, tal medida inviabilizaria que todos os credores remanescentes recebesse o seu crédito, isto com base no artigo 49, §3º, da Lei nº 11.101/05, que por certo daria ensejo ao beneficiamento apenas dos credores que teriam bens gravados. Isto porque dificilmente se visualiza as recuperandas deterem patrimônio suficiente para satisfazer todos os credores remanescentes. O que se observa dos autos é que a obrigação, com relação às recuperandas, já foi cumprida. Houve nos autos o depósito de R$ 15.000.000,00, a fim de ser rateado entre os credores. O que se discute atualmente refere-se tão somente aos valores individuais aprovados pelo administrador e eventuais exclusões de determinados créditos desse rateio, que pode continuar sendo processada mesmo após o encerramento da recuperação. Em ouras palavras, o valor destinado à quitação dos créditos já fora depositado, podendo remanescer discussão tão somente com relação a modificações no quadro de credores. Os valores que deveriam ser pagos pelas recuperandas já estão depositados nos autos, não havendo óbice para que voltem ao seu funcionamento, conforme descrito acima. (id. 54334358 — fls. eletrôn. 46-47) (grifei em negrito. Os demais grifos são do autor); Acórdão do Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108. A nova versão do plano foi aprovada (fls. 31.406/31.501 vols. 152 e 153) e homologada em 29/11/2012, e previu, em uma das suas vertentes, a obrigação da JBS S/A, por meio da SPE JBS (sociedade por ela controlada constituída especificamente para a consecução do plano), de adquirir dos credores financeiros e Bondholders 2015, direta ou indiretamente (por meio de uma SPE dos Ativos), a integralidade das Unidades Produtivas Isoladas listadas no Anexo II (cláusulas 2.2. (i) e 3.1. fls. 31.443 vol. 152): “Transferência de determinados ativos do Independência e da Nova Carne ao JBS. Na Data de Fechamento, o JBS, por meio de uma sociedade por ele controlada (“SPE JBS”), adquirirá a integralidade das Unidades Produtivas Isoladas Listadas no Anexo II (“Ativos”), nos termos do artigo 60, combinado com os artigos 144 e 145 da LFR, pelo valor total de R$ 135.000.000,00 (cento e trinta e cinco milhões de reais);” Ficou ressalvado, no entanto, no item (Q), o seguinte: “Para a solvência do Independência com relação às suas dívidas remanescentes eventualmente não abrangidas pelo investimento, permanecerão de propriedade do Independência a Unidade Produtiva Isolada descrita no Anexo I;” (fls. 31.438 vol. 152) E o anexo I aponta a UPI de Santana de Parnaíba/SP (fls. 31.461 vol. 152). Assim, referida UPI de Santana de Parnaíba, em princípio, permaneceu com as recuperandas. Sucede que referida UPI era objeto de garantia a credores financeiros e aos Bondholders 2015, mediante alienação fiduciária. Como o crédito garantido não foi adimplido pelo Grupo Independência, isso ensejou providências por parte dos credores financeiros, visando à satisfação do crédito, e conforme admitido pelas recuperandas nas contrarrazões: “[...] a JBS envidou seus esforços para arrematar a unidade de Santana de Parnaíba, assim que ela foi levada a leilão pelo BNY Mellon em seu legítimo exercício de direito de credor. Ou seja, a arrematação da unidade de Santana de Parnaíba pelo JBS se deu, única e tão somente, no intuito de se dar total cumprimento ao plano, evitando-se, com isso, que toda a estratégia traçada restasse prejudicada caso um terceiro viesse a arrematá-la. Desse modo, mostra-se evidente que toda a operação estruturada no Plano de Recuperação Judicial foi concebida de forma a dar cumprimento a todas as obrigações para com os credores nele constantes, o que tem sido rigorosamente observado. Tanto é assim que a unidade de Santana de Parnaíba, apesar de arrematada pelo JBS, foi concedida em usufruto gratuito às Apeladas pelo prazo de cumprimento das obrigações constantes no Plano, a fim de que o mesmo pudesse ser efetivamente cumprido.” (fls. 51.128 e 51.129 item 68 vol. 249) Dessa maneira, a UPI de Santana de Parnaíba, que, segundo o plano, deveria continuar com as recuperandas, para que estas se mantivessem operantes, foi adquirida extrajudicialmente pela JBS. Em princípio, razoável afirmar que o Grupo Independência está inativo, conforme sustentaram as apelantes e D. Procuradoria de Justiça, para fundamentar o pedido de convolação em falência. Entretanto, não se olvide que o plano previu condições e obrigações, tais como a cessão dos créditos concursais e extraconcursais à JBS e a pactuação de mútuo para pagamento dos credores que optaram por não ceder seus créditos (cláusula 4.4.2. fls. 31.448 vol. 152), que, se inteiramente cumpridas, autorizariam a aquisição da totalidade das ações de emissão da Independência S/A e das quotas de emissão da Nova Carne Ltda. pela JBS, por meio da SPE JBS, pelo valor simbólico de R$ 1,00, e as recuperandas, assim, passariam a integrar o Grupo JBS: “(v) Aquisição das ações de emissão do Independência e das quotas de emissão da Nova Carne. Caso sejam levados a efeito, integralmente, os eventos anteriormente estabelecidos e as condições precedentes previstas neste instrumento, o JBS, por meio da SPE JBS, adquirirá a totalidade das ações de emissão do Independência e a totalidade das quotas de emissão da Nova Carne, pelo valor total de R$ 1,00 (um real), com o intuito de reestabelecer suas atividades de forma economicamente viável, integrando tais companhias ao Grupo JBS.” (cláusula 2.2 (v) fls. 31.443 vol. 152). Nesse sentido, considerando que a intenção manifestada no plano é promover, ao final, a integração das recuperandas ao Grupo JBS, não se vê a aquisição da UPI de Santana de Parnaíba pela JBS como um evento que elimina completamente as operações das recuperandas, mas apenas antecipa um dos efeitos do plano: integração das recuperandas ao Grupo JBS, que passaria, de qualquer forma, a operar a UPI Santana do Parnaíba. Assim, a indisponibilidade da UPI de Santana de Parnaíba pelas recuperandas, independentemente da existência ou não de usufruto em favor delas, não se desvirtua do plano, pois foi adquirida pelo próprio Grupo JBS, não se tratando, propriamente, de inatividade total ou definitiva, de modo que se afasta a tese de inoperação e se rejeita o pedido de convolação em falência por este motivo. (id. 137864327 — fls. eletrôn. 13-16) (grifei). Eis, então, o ponto de conexão entre os temas da suposta extinção da parte Independência S.A. e da suposta sucessão empresarial havida entre a Embargante (sucedida) e o Grupo JBS (sucessor), alegadamente ocultada mediante fraude com o escopo de evitar a responsabilização tributária da adquirente. E é a partir do teor da última decisão de mérito do Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108, proferida no ano de 2018, que também raciocino sobre a impossibilidade de se decretar o redirecionamento da execução fiscal contra a parte JBS S.A. Como se percebe do mencionado acórdão, ao afastar a tese de inoperabilidade da parte Independência S.A., a decisão colegiada entendeu que o propósito final do plano de recuperação judicial é a integração das recuperandas ao Grupo JBS, mas esse fato, se realizado foi, não restou devidamente comprovado nos autos deste agravo de instrumento. Antes de tudo, devo registrar que a própria decisão colegiada não reconheceu a efetiva consolidação de tal propósito ao tempo de seu proferimento, referindo-se a ele como evento futuro a ser concretizado. O segundo fator contrário à tese de sucessão empresarial consiste na ausência de prova segura sobre o alegado trespasse fraudulento. Aqui, mostra-se oportuno rememorar que a forma de aquisição das unidades produtivas pela JBS S.A. nem sequer é ponto controvertido nos autos, mas sim a hipotética intenção subjacente estabelecida entre as Agravadas. Todavia, ao trazer aos autos tão somente indícios do dito “conluio”, a União não se desincumbiu do ônus de apresentar elementos probantes capazes de infirmar o negócio jurídico travado entre a parte JBS S.A e os credores fiduciários da parte Independência S.A. Igualmente, é válido ponderar que a consolidação da propriedade das plantas industriais pela credora fiduciária BNY Mellon Serviços Financeiros Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliário S.A. é juridicamente válida e eficaz. Dispõem o art. 60, parágrafo único, e o art. 141, II e §1º, ambos da Lei nº 11.101/05, que se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de unidades produtivas isoladas do devedor, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações desse mesmo devedor, inclusive as de natureza tributária. Assim, nos termos da legislação em referência, não vislumbro que a ulterior aquisição do imóvel pela parte JBS S.A. diretamente da credora fiduciária configure sucessão empresarial, precisamente porque não há provas neste agravo de instrumento que justifique enquadrar a operação como fraudulenta, nos termos previstos pelo art. 141, §1°, III, da mesma LREF. Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, a fraude não se presume, mas deve ser comprovada por quem alega tal vício do negócio jurídico, e por esse motivo julgo que o indício consistente na alienação da última planta industrial então de propriedade da parte Independência S.A., per se, é incapaz de embasar o decreto de redirecionamento da execução fiscal pretendido pela União. De toda sorte, a referida consolidação da propriedade foi aprovada pela assembleia geral de credores e confirmada pelo Juízo recuperacional. Assim foi tanto em acórdão prolatado pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP nos autos do Agravo de Instrumento nº 0133520-42.2012.8.26.0000, quanto na sentença proferida pelo Juízo da Comarca de Cajamar/SP nos autos do Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108, que nesse ponto não foi reformada pelo acórdão prolatado em sede de apelação. Tenho como oportuno transcrever as seguintes passagens dessas decisões: Acórdão do Processo nº 0133520-42.2012.8.26.0108. Conforme demonstra a farta documentação anexada ao recurso, o plano de recuperação judicial inicialmente apresentado e homologado em assembleia de credores em 5.11.2009 (fls. 300) previa a captação de recursos para reerguimento da recuperanda através dos chamados 'novos financiamentos', os quais teriam a proteção conferida pelo art. 67 da LRE, além de outras garantias a serem aprovadas na “reunião de credores financeiros”. Assim, após a realização da aludida reunião (que teve início em 5.3.2010 fls. 383), foi instalada a Assembleia Geral de Credores do Independência S/A, na qual foi aprovado o “Plano de Recuperação Judicial Revisto” (fls. 402 e 507), em que figurou o The Bank of New York Mellon como “agente fiduciário”, sendo o agravante nomeado “agente de garantia”, responsável pela eventual excussão de bens em caso de inadimplemento (fls. 507). O aporte de capital materializado pelos 'novos financiamentos' foi, então, finalizado com a elaboração de instrumento particular de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia (assinado em 22.6.2010 fls. 1.575 e seguintes), com o que foi liberado financiamento no valor de US$ 165.000.000,00. Não há como afastar, portanto, a conclusão segundo a qual a busca por tal modalidade de investimento junto à instituição financeira estrangeira, bem como a entrega em garantia de todas as unidades produtivas de titularidade da recuperanda como por ela taxativamente afirmado na manifestação de fls. 3.022 foram hipóteses expressamente aprovadas em Assembleia Geral de Credores, não havendo como afastar a legalidade da operação. Nem mesmo a posterior aprovação de “Proposta de Aditamento e Consolidação ao Plano de Recuperação Judicial Revisto” (fls. 2.762 e seguintes) pela Assembleia Geral de Credores (em que se prevê a proposta de aquisição de ativos pela empresa JBS S/A) não invalida ou retira a eficácia do negócio jurídico anteriormente efetivado, mormente porque o crédito reclamado não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do disposto no art. 49, § 3º1, da LRE. [...] Não se pode negar que as garantias ora analisadas foram determinantes para a efetivação do financiamento internacional de quantias que ultrapassaram o montante de R$ 300.000.000,00, e, tendo havido a devida aprovação da Assembleia Geral de Credores, é de se considerar a consolidação da propriedade como exercício regular de direito do credor-agravante, ainda mais pelo fato de não ter sido negada a inadimplência. O insucesso da estratégia de recuperação não pode servir de fundamento para que se frustre justa expectativa do credor, que se vê impedido de promover a excussão extrajudicial como lhe permite a Lei n.º 9.514/97. Até porque, o contrato regularmente firmado apenas poderia ter seus efeitos suspensos, respeitado o entendimento do mm. Juiz monocrático, ante a comprovação de causa relacionada à ineficácia do negócio jurídico ou com a demonstração de vícios que o contaminem, o que não ocorre no caso. (id. 137864318 — fls. eletrôn. 7-9); ----------------------------------------------------------------------------- Sentença do Processo nº 0000928-06.2009.8.26.0108. Ainda que se argumente que o valor teria sido depositado pelo Grupo JBS, necessária a observância de que este é o adquirente do ativo de alienações fiduciárias diretamente obtidos com os credores fiduciários, e não com as recuperandas. Observa-se que o mencionado depósito teve o fim útil de justamente obstar a convolação da recuperação em falência, agravando sua própria situação, após aquisição dos ativos. A realidade fática dos autos, portanto, refere-se a um “cumprimento do julgado”, que vem a ser justamente o plano de recuperação judicial da recuperação, outrora homologado. Não houve, como se pode observar, interposição de recursos questionando especificamente o valor total depositado, de modo que este prevalece para satisfação total dos credores. (id. 54334358 — fl. eletrôn. 47) (grifos do autor). Igualmente, entendo impossível o redirecionamento do processo executivo por sucessão empresarial pelo indício derivado das alegações de não localização da parte Independência S.A. para a respectiva citação e de identidade de endereços entre a Embargante e a parte JBS S.A. A alegação de que “a agravante empreendeu todos os meios necessários para a citação da agravada e no presente momento já tem ciência de que essa dificilmente será realizada, a não ser por edital” (id. 54334347 — fl. eletrôn. 2) pode ser refutada simplesmente por fato certificado nos autos. Isso porque a carta precatória expedida pelo Juízo de primeiro grau para citação da parte Independência S.A. restou positiva, aproximadamente um mês depois da interposição do presente agravo de instrumento, como atesta a certidão id. 135646510. Adicionalmente, a coincidência de endereço de sede/filiais das empresas e de identidade de objeto social é, de modo isolado, insuficiente para caracterizar a sucessão empresarial de fato. Mais uma vez, a pretensão da Agravante encontra óbices na falta de comprovação da alegada operação de trespasse fraudulento, supostamente ocultada com o fim ilícito de evitar a responsabilidade tributária da parte JBS S.A. A respeito dessa última questão, há, inclusive, precedentes no âmbito deste e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região — TRF3, cujos acórdãos foram assim ementados: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO D EINSTRUEMNTO. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO EMPRESARIAL. ARTIGO 133, I, DO CTN. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. I - Nos termos do artigo 133, do CTN, a pessoa física ou jurídica que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, no qual se inclui o conjunto de bens empregados no exercício da atividade, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato. II - A despeito da semelhança de atividades entre a empresa executada e que se estabeleceu em seu lugar (INBRASC - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE COMPONENTES LTDA), eis que se dedicam à metalurgia, bem como o exercício da atividade no mesmo endereço, não se pode concluir pela sucessão de atividade comercial, na dicção do artigo 133, do CTN. III - Para a caracterização da responsabilidade prevista no referido dispositivo faz-se necessária a comprovação de aquisição do fundo de comércio e continuação da exploração da mesma atividade pelo adquirente. IV - Incumbe à exequente demonstrar a transferência, não sendo admissível a presunção da responsabilidade tributária apenas porque tem seu estabelecimento no mesmo endereço em que sediada a devedora original. V - A coincidência entre a localização e o ramo de atividades serve de indício para a sucessão de atividade comercial prevista no artigo 133 do CTN, porém é insuficiente para caracterizar a transferência do fundo de comércio a ensejar responsabilidade subsidiária diante de débitos da executada. VI - Agravo de instrumento desprovido. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 553697 - 0005920-08.2015.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 31/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/11/2017); ----------------------------------------------------------------------------- AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO INTERNO. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO EMPRESARIAL. NÃO COMPROVADA - Eventual nulidade do decisum restaria superada com a reapreciação do recurso pelo órgão colegiado, na via deste agravo interno, sendo remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a esse respeito. - A responsabilidade tributária por sucessão caracteriza-se pela aquisição do fundo de comércio a qualquer título, com a continuidade do negócio antes explorado, utilizando-se da estrutura empresarial existente e até mesmo com a mesma clientela. Trata-se de instrumento que se destina a coibir fraudes ao Fisco, consistentes em alterações de troca de razão social ou do quadro societário de uma pessoa jurídica, realizadas tão somente para criar a aparência de novo estabelecimento, objetivamente ocultamento, em tese, de evasão fiscal. - No caso concreto, verifica-se que a empresa Atlântica foi constituída em 26.06.2006 (conforme Ficha Cadastral da JUCESP), já figurando o sócio João Batista no quadro societário, como sócio e administrador, ao passo que as CDAs indicam os períodos das dívidas relativas à empresa executada (Farol) de 05/2007 a 09/2008, de 13/2007 a 09/2008, de 04/2010 a 06/2012. - Se as próprias dívidas cobradas se referem aos anos de 2007 a 2012, pressupõe-se que a empresa estava em atividade nesse período, não cabendo falar em sucessão da empresa Atlântica, que também já atuava à época, de modo que, trata-se de duas empresas distintas, ainda que posteriormente tenha vindo a ocupar o mesmo local anteriormente ocupado pela executada. - A mera atuação na mesma atividade e local, bem como um dos sócios figurar no quadro societário de ambas as empresas, não é suficiente a demonstrar a aquisição do fundo de comércio de forma irregular e ensejar o redirecionamento da execução por sucessão, nos moldes pleiteados pela Fazenda. - Agravo interno improvido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0013336-90.2016.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 30/04/2020, Intimação via sistema DATA: 13/05/2020). À vista dessas razões, consoante o meu sentir, o agravo de instrumento se mostrou uma via estreita demais para que a União pudesse comprovar os indícios que alega, e esse fato induz necessariamente ao improvimento do recurso interposto pela Agravante. Respeitando os abalizados entendimentos em contrário, e para além das nulidades ora verificadas, entendo que o acórdão embargado realmente foi omisso quanto às matérias de defesa expostas pela parte Independência S.A., bem como não perfilho o entendimento pelo qual meros indícios são capazes de subsidiar eventual decisão de redirecionamento da execução fiscal, como quer a União. Na mesma linha de pensamento, julgo que os elementos dos autos não são suficientes para que se reconheça o abuso da personalidade jurídica atribuído à ora Embargante, seja por abuso de direito, seja por confusão patrimonial, e isso afasta a aplicação do art. 50 do Código Civil — CC ao presente caso. Logo, segundo minha compreensão, se as nulidades ora observadas não forem afastadas pela maioria da Turma Julgadora, a modificação do acórdão embargado é medida que se impõe. Diante de todo o exposto, com todas as vênias aos entendimentos contrários esposados nestes autos, CONHEÇO dos embargos de declaração opostos pela parte Independência S.A e DOU PROVIMENTO ao recurso, para o fim de, em sede preliminar ao mérito, decretar a nulidade dos atos processuais posteriores ao acórdão id. 258512354 ou, ao menos, decretar a nulidade dos atos processuais posteriores à manifestação id. 264836775; e, acaso o mérito seja enfrentado, para o fim de reconhecer o vício de omissão no acórdão id. 258512354, concedendo-lhe efeitos modificativos para negar provimento ao agravo de instrumento interposto pela União, conforme a fundamentação ora exposta. É como voto. ADRIANA PILEGGI Desembargadora Federal ___________________________________________________________________________________
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009857-96.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO
AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: INDEPENDENCIA S.A., JBS S/A
Advogados do(a) AGRAVADO: MARCIO SOCORRO POLLET - SP156299-S, VICTORIA ARAUJO ROSALES - SP410063-A
Advogado do(a) AGRAVADO: FABIO AUGUSTO CHILO - SP221616-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Excelentíssimo Desembargador Federal Nery Júnior:
Pedi vistas dos autos para melhor me assenhorear acerca da controvérsia e convenci-me das razões do voto divergente lançado pela E. Desembargadora Federal Adriana Pileggi, ao qual adiro integralmente.
Ante o exposto, vênias ao E. Relator, divirjo para acolher os embargos de declaração opostos por Independência S.A. e decretar a nulidade dos atos processuais posteriores ao acórdão id. 258512354 ou, ao menos, decretar a nulidade dos atos processuais posteriores à manifestação id. 264836775. No caso de enfrentamento do mérito, reconheço o vício de omissão no acórdão id. 258512354, concedendo efeitos modificativos aos embargos declaratórios para negar provimento ao agravo de instrumento interposto pela União.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009857-96.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO
AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: INDEPENDENCIA S.A., JBS S/A
Advogados do(a) AGRAVADO: MARCIO SOCORRO POLLET - SP156299-S, VICTORIA ARAUJO ROSALES - SP410063-A
Advogado do(a) AGRAVADO: FABIO AUGUSTO CHILO - SP221616-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
O julgado embargado não apresenta qualquer obscuridade, contradição ou omissão, nos moldes disciplinados pelo art. 1.022, I e II, do Código de Processo Civil, tendo a Turma Julgadora enfrentado regularmente a matéria de acordo com o entendimento então adotado.
Com efeito, o v. acórdão expressamente consignou (ID 258512354, p. 18 e 20-25):
"No caso, os indícios de abuso de personalidade e confusão e blindagem patrimonial foram alicerçados, essencialmente: i) no desate do procedimento de recuperação judicial da devedora originária, encerrado em primeiro grau apenas em 12/05/2015; e ii) na ciência da credora sobre o insucesso da localização da devedora originária, evento ensejador da presunção de dissolução irregular, ocorrida em 11/12/2017
(...)
Em que pese a pretensão declarada da JBS S/A fosse a de aquisição da INDEPENDÊNCIA S/A como subsidiária integral e pessoa jurídica diversa, a partir da compra da totalidade das cotas societárias (v. g., Id. 54334356, f. 18 e Id. 54334358, f. 19), o procedimento – frise-se, divisado pelas próprias partes envolvidas – importou, a rigor, alienação de toda a capacidade produtiva da recuperanda, que deixou de possuir qualquer autonomia jurídica e patrimonial para desempenho de suas funções societárias
(...)
Ressalta-se que ainda que INDEPENDÊNCIA S/A houvesse mantido regularmente suas atividades, como planejado, na unidade produtiva que remanesceria sob sua titularidade, já haveria, de início, responsabilidade tributária da investidora por sucessão empresarial, em caráter subsidiário (artigo 133, II, do CTN), em relação aos estabelecimentos, profissionais e industriais adquiridos. No caso, contudo, evidencia-se, em tese, responsabilidade primária, já que o procedimento esvaziou a integralidade do patrimônio da sucedida - que, aliás, admitidamente, estava com atividades interrompidas (Id.54334358, f. 54).
Registre-se, ainda, que a anterior interrupção das atividades econômicas não afasta, de pronto, a conclusão de sucessão, dada a aquisição do parque industrial da executada. Neste ponto, vale notar que o Código Tributário Nacional não exige, para caracterização de sucessão empresarial (inclusive em caráter integral), a existência de bens incorpóreos (reconhecimento público presente da marca, relação negocial ativa com eventuais fornecedores, etc.) integrados à estrutura física da sociedade sucedida - a existência de fundo de comércio é alternativa, e não cumulativa à aquisição de estabelecimentos, enquanto requisito para incidência do artigo 133.
Por outro lado, há que se notar que já houve reconhecimento de sucessão nesta operação em múltiplos outros feitos, tanto na Justiça Estadual como na Justiça Federal, a exemplo do ocorrido na execução de título extrajudicial 0132464-62.2012.8.26.0100 (Id. 54334360, f. 36 e seguintes, em que se entendeu ocorrida a sucessão tanto em primeiro quanto em segundo grau) e na execução fiscal 0044290-08.2013.403.6182, em curso na 2ª Vara Federal de Execuções Fiscais da Subseção Judiciária de São Paulo.
De toda a sorte, indo além, resta suficientemente evidenciado, para os fins inerentes à pretensão recursal objeto do presente julgamento, que a JBS S/A, ao final, adquiriu a propriedade, inclusive, da unidade produtiva de Santana de Parnaíba (conforme registro 27 da matrícula do imóvel, Id. 54334353, f. 182) – que foi, a seguir, cedida em usufruto à executada (registro 28). Esta conduta foi justificada como meio para que a INDEPENDÊNCIA S/A pudesse seguir com o plano de recuperação aprovado.
Neste liame, contudo, é oportuno, adentrar aos indícios de confusão patrimonial carreados aos autos.
Com efeito, a tese fazendária neste feito é a de que, em verdade, a cronologia do processo de recuperação indicaria tratativas prévias da executada com o Grupo JBS muito antes do declarado. Segundo a agravante, para além de possivelmente fraudulenta a protocolização da recuperação judicial, na medida em que ocorrida meses depois da operação pelo qual os dirigentes da INDEPENDÊNCIA S/A originária (antes de incorporações ocorridas no bojo da recuperação judicial) transferiram participação societária a outra empresa (que, como revelam os registros na JUCESP, é desde a origem administrada pela mesma família, inclusive com o mesmo endereço de sede da executada - Id. 54334354, f. 133 e seguintes), a higidez das medidas empresariais adotadas naqueles autos seria igualmente contestável, pois: i) incorporações ocorridas apenas aumentaram o passivo do Grupo INDEPENDÊNCIA (pelo que duvidosa a finalidade das operações, sem previsão de quitação de passivo); ii) não há qualquer evidência nos autos do ingresso do investimento pelo qual as unidades produtivas foram originalmente alienadas fiduciariamente (aos detentores dos “bonds” emitidos pelo braço internacional do Grupo INDEPENDÊNCIA); e iii) não se sabe quem são tais investidores, embora haja registro de que o Grupo JBS S/A teria negociado diretamente com tais credores as transferências das unidades produtivas (Id. 54334358, f. 12).
Segundo a agravante, seria consistente a hipótese de que o próprio Grupo JBS S/A seria detentor dos “bonds”, desde o começo, em 2010, anos antes do aditamento do plano de recuperação pelo qual informado interesse daquele conglomerado empresarial por sobre a executada. Conquanto certo que a apuração desta versão narrativa não prescinda de ampla dilação probatória, é fato que existem elementos nos autos a erigir relevante dúvida sobre os contornos do relacionamento entre o Grupo INDEPENDÊNCIA e o Grupo JBS, bem como da negociação entabulada nos autos da recuperação judicial.
Primeiro, observa-se, a partir dos registros de matrícula das unidades produtivas, que a alienação de imóveis à MIDTOWN PARTICIPAÇÕES LTDA. (que se supõe ser a sociedade de propósito específico constituída em favor dos credores fiduciários) ocorreu por força de alteração do contrato societário da executada em 15/10/2012, ainda antes mesmo da apresentação da proposta de investimento da JBS S/A ao Juízo da recuperação (em novembro do mesmo, ao que se deriva do extrato de consulta processual dos autos 0000928-06.2009.8.26.0108 no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo).
Depois, tem-se que o procedimento de transferência dos ativos não se operou da forma descrita no plano de recuperação, em todos os casos. Nesta linha, para além de causar estranheza que MIDTOWN PARTICIPAÇÕES LTDA. tenha sido constituída, originariamente, por pessoas físicas desconhecidas nestes autos (conforme ficha cadastral perante a JUCESP, Id. 54334360, f. 62), há casos em que a propriedade das unidades produtivas foi adquirida de BNY MELLON diretamente pela JBS S/A - como se viu, por exemplo, nos imóveis de matrícula 4.199 e 5.712, em Barueri (respectivamente, registro 22, Id. 54334352, f. 185 e registro 21, Id. 54334353, f. 03). Constata-se, também, que há imóveis que, pela matrícula carreada aos autos, ainda permaneceriam com a instituição financeira, conforme registro imobiliário (por exemplo, os de matrícula 12.083 e 12.084 em Paraíso do Tocantins, Id. 54334353, f. 99/103). Desta feita, dos documentos acostados nestes autos tem-se que, desde dezembro de 2014, há unidades produtivas originariamente da INDEPENDÊNCIA S/A distribuídas sob ao menos três titularidades diversas: BNY MELLON, MIDTOWN PARTICIPAÇÕES E JBS S/A.
Depois, e mais notório, é que, embora dito que a JBS S/A adquiriu a unidade de Santana de Parnaíba em leilão para que a INDEPENDÊNCIA S/A pudesse manter atividades (mediante usufruto subsequente), o registro de matrícula tem averbação de que, em verdade, não houve licitantes interessados no imóvel (registro 26, Id. 54334353, f. 182), de modo que o lançamento da transferência de propriedade à JBS S/A não revela a operação de base da transmissão (registro 27, que menciona apenas escritura lavrada em 04/10/2013). Além disso, há indicação nestes autos de que a investidora operava no imóvel ao menos desde poucos meses depois da aquisição, a partir de documento mencionado na sentença da já referida execução de título extrajudicial 0132464-62.2012.8.26.0100 – a saber, publicação em diário oficial de que a JBS S/A havia requerido renovação de licença para produção de charque à CETESB, referente ao imóvel sito à Rua Marica Marques 1.020, em Santana de Parnaíba, em 11/02/2014
(...)
Incidentalmente, cabe registrar que o endereço declinado como sede da executada havia sido diligenciado meses antes para citação no processo do qual originado este recurso, em outubro/2015, havendo certificação de oficial de justiça de que a empresa não mais funcionava em tal local (Id. 54334351, f. 126). De toda a sorte, releva ao presente ponto da exposição que há notícia de que o Grupo JBS S/A mantinha atividades na unidade de Santana de Parnaíba, tanto logo após a sua aquisição como depois da cessão do imóvel em usufruto.
Trata-se de constatação que vai ao encontro tanto da informação neste feito de que há filial da JBS S/A em atividade no lugar (conforme registro de CNPJ, Id. 54334360, f. 34/35) como do cenário congênere apurado nestes autos quanto à suposta sede da executada, em Cajamar – onde verificou-se funcionar, também, unidade da JBS S/A (Id. 54334351, f. 163 e Id. 54334360, f. 31/33).
Há, desta maneira, consistentes evidências de confusão patrimonial, não apenas internamente no Grupo JBS e na relação deste com os ocultos investidores estrangeiros da INDEPENDÊNCIA S/A, mas, por igual, entre o Grupo JBS e esta última. Tal fato, em conjunto com o próprio esvaziamento patrimonial da executada (precedido de concentração de ativos de outras empresas insolventes no mesmo ramo comercial), configura consistente alicerce probatório à percepção de abuso de personalidade da devedora originária, manejada como instrumento de expansão do Grupo JBS S/A e, ainda simultaneamente, como óbice à satisfação de dívidas, privadas e públicas, atreladas à parcela da concorrência incorporada.
Conforme regra o Código Civil, o abuso de personalidade jurídica é representado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial (artigo 50). A respectiva aplicação em sede tributária face à pessoa jurídica tem por pressuposto que, em ambos os casos, se descaracterize a autonomia da empresa, como ente dotado de personalidade jurídica própria e independente, daí porque cabível integração de administradores e outras sociedades do grupo econômico existente, conforme o caso específico, no polo passivo de cobrança fiscal, vez que nulificado o elemento distintivo (e protetivo) em relação à executada original.
Aplicando a espécie a tal preceito, denota-se, em princípio, incidência de ambos os modais de desconsideração: confusão de patrimônio, pela utilização, pelo Grupo JBS, da única unidade produtiva alegadamente destinada à executada (sendo possível que tal uso haja se concretizado até mesmo enquanto esta remanescia sob propriedade de terceiro), bem como desvio da finalidade da INDEPENDÊNCIA S/A, que, sem qualquer indício de atividade empresarial, funcionaria meramente como elemento intermediário de blindagem patrimonial e aquisição de ativos de concorrentes comerciais da JBS S/A (...)" (grifos nossos).
Registre-se, outrossim, que o fato de que a ora embargante, INDEPENDÊNCIA S/A, não tinha sido citada à época da interposição do presente do agravo de instrumento, não autoriza a conclusão de que este seja intempestivo. Vale ressaltar, ainda, que a prévia análise de aclaratórios opostos pela outra agravada, JBS S/A, antes destes, também não implica na nulidade do acórdão que os rejeitou. Os embargos de declaração das partes, com efeito, podem ser apreciados conjunta ou separadamente, como geralmente ocorre na hipótese em que a Fazenda Pública, MPF e DPU, atuam no feito, por possuírem prazo processual em dobro, sendo apreciado os declaratórios da parte contrária de forma precípua.
Saliente-se, por fim, que a decisão é obscura "quando ininteligível, quer porque mal-redigida, quer porque escrita à mão com letra ilegível. Um dos requisitos da decisão judicial é a clareza; quando esse requisito não é atendido, cabem embargos de declaração para buscar esse esclarecimento" (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. V. 3, 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2007, p. 159).
Neste sentido, decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis (destaquei):
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA DO VÍCIO. EMBARGOS REJEITADOS.
1. Nos termos do art. 535 do CPC, os embargos de declaração apenas são cabíveis, dada sua função integrativa, quando constar no julgamento obscuridade ou contradição ou quando o julgador for omisso na análise de questão-chave para a forma de como se dará o desfecho da lide, sendo de responsabilidade do embargante, em seu arrazoado, não só apontar o ponto em que estaria o decisório inquinado de vício, mas também tecer argumentação jurídica competente demonstrando a repercussão gerada em seu direito.
2. O vício da obscuridade passível de correção é o que se detecta no texto do decisum, referente à falta de clareza - dada a falta de legibilidade de seu texto ou a imprecisão quanto à motivação da decisão -, o que não se constata na espécie.
3. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl no AgRg no AREsp 666.851/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 03/08/2015)."
Dessa forma, verifica-se que o presente recurso pretende rediscutir matéria já decidida por este Tribunal, emprestando-lhe indevida natureza infringente, o que não é possível em sede de declaratórios. Precedentes: 3ª Seção, EDcl em EDcl em EInf nº 0006055-03.2012.4.03.6183, Rel. Des. Fed. Tânia Marangoni, j. 28/05/2015, DJe 11/06/2015; TRF3, 7ª Turma, APELREEX 0001070-88.2012.4.03.6183, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, j. 30/11/2015, DJe 03/12/2015.
Cumpre observar que os embargos de declaração têm a finalidade de esclarecer obscuridades, contradições e omissões da decisão, acaso existentes. Não é instrumento processual viável à manifestação de inconformismo, rediscussão do julgado ou, ainda, prequestionar matéria para interposição de recursos especial ou extraordinário, ausentes as hipóteses delineadas no art. 1.022, I e II, do Código de Processo Civil. Precedentes: STJ, EDcl no AgRg no RMS 45707, Rel. Min. Felix Fischer, j. 09/06/2015 e EDcl no Ag 1104774/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 07/08/2014, DJe 22/08/2014.
Ante o exposto, nego provimento aos embargos de declaração opostos pela INDEPENDÊNCIA/SA.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PRIMEIRA PARTE AGRAVADA QUANTO AOS TERMOS DO ACÓRDÃO QUE DEU PROVIMENTO AO AGRAVO. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PRIMEIRA NULIDADE CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PARTE AGRAVANTE PARA RESPONDER AOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELA PRIMEIRA PARTE AGRAVADA. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. SEGUNDA NULIDADE CARACTERIZADA. ACÓRDÃO QUE DEU PROVIMENTO AO AGRAVO NÃO ENFRENTOU AS ALEGAÇÕES DA PRIMEIRA PARTE AGRAVADA. OMISSÃO CARACTERIZADA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA PESSOA JURÍDICA. ALEGAÇÕES DE SUCESSÃO EMPRESARIAL FRAUDULENTA E DE EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA DEVEDORA. NECESSIDADE DE AVERIGUAÇÃO CONCRETA DOS ELEMENTOS CONSTANTES DO ART. 133 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. EXAME DA ALEGADA SUCESSÃO EMPRESARIAL FRAUDULENTA COM BASE EM SUPOSTAS IRREGULARIDADES OCORRIDAS EM PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. EXAME DA ALEGADA EXTINÇÃO DA PRIMEIRA PARTE AGRAVADA COM BASE NO ACERVO DOCUMENTO DISPONÍVEL NOS AUTOS. EXTINÇÃO NÃO COMPROVADA.
1. Trata-se de embargos de declaração opostos por Independência S/A contra acórdão proferido pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento interposto pela União, para determinar o redirecionamento de execução fiscal contra JBS S/A.
2. A ausência de intimação da parte Independência S.A. quanto aos termos do acórdão que deu provimento ao agravo de instrumento interposto pela União violou o devido processo legal e é causa de nulidade processual absoluta. A parte agravada constitui patronos nos autos anteriormente ao referido acórdão, e o art. 272, §5°, do Código de Processo Civil exige a intimação das partes por meio de todos os advogados indicados para receber publicação, quando houver expresso requerimento anterior ao ato nesse sentido, como é o caso dos autos. Nulidade processual absoluta caracterizada, desde o momento em que o ato de comunicação do referido acórdão deveria ter regularmente ocorrido.
3. A ausência de intimação da União para responder aos embargos de declaração opostos pela parte Independência S/A também violou o devido processo legal e igualmente é causa de nulidade processual absoluta. Os embargos de declaração opostos revelavam um teor altamente atípico, cujos pedidos e causa de pedir facilmente denotam a pretensão da Embargante em obter os excepcionais efeitos modificativos ou infringentes do recurso. Há a obrigatoriedade de intimação prévia da Embargada quando os embargos de declaração são acolhidos com efeitos infringentes. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Nulidade processual absoluta caracterizada, relativa a todos os atos praticados após a petição de oposição dos embargos.
4. O acórdão embargado não enfrentou as alegações formuladas pela parte Independência S.A., apesar de a Turma Julgadora de então ter tomado conhecimento da contraminuta ao agravo de instrumento espontaneamente apresentada por tal Agravada. Toda a linha de raciocínio desenvolvida no julgamento do agravo foi pautada na dialética estabelecida entre os argumentos da União e os argumentos da parte JBS S.A., restando preteridos os argumentos da parte Independência S.A. Entretanto, esses últimos argumentos não poderiam ser ignorados pelo Órgão Julgador, porquanto eram efetivamente capazes de infirmar a conclusão adotada pela Turma. Violou-se, assim, o devido processo legal, em consequência da fundamentação insuficiente do acórdão, que se limitou a referenciá-los no relatório ou, quando muito, de modo incidental no voto. Na hipótese dos autos, o contraditório não se aperfeiçoou substancialmente, e o acórdão embargado foi omisso por ausência de fundamentação suficiente.
5. A União pretende o reconhecimento da responsabilidade tributária da parte JBS S.A, e o consequente redirecionamento da Execução Fiscal nº 0044492-82.2013.4.03.6182 contra essa pessoa jurídica. Ela deduziu sua pretensão apresentando duas teses. De acordo com a tese principal, apoiada no art. 132 do CTN, a parte JBS S.A. incorporou a parte Independência S.A. Isso ocorreu ante a implementação de plano de recuperação judicial que culminou com a extinção da parte Independência S.A. e a assunção das obrigações tributárias da sociedade empresária extinta pela parte JBS S.A. Nos termos relatados pela União, a parte JBS S.A. absorveu integralmente os estabelecimentos da parte Independência S.A., impossibilitando que esta última pessoa jurídica perseguisse seu objeto social. Ademais, de acordo com a tese subsidiária, a União defendeu a existência de fraude no âmbito do processo destinado à recuperação judicial da parte Independência S.A., baseando-se no art. 133, §2°, III, do CTN e no art. 141, §1°, III, da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência — LREF). Segundo a sua narrativa, as partes JBS S.A. e Independência S.A. estiveram em “conluio” com o objetivo de frustrar a satisfação dos credores da ação de recuperação judicial. Para tanto, valeram-se da ação como meio de esvaziamento patrimonial da pessoa jurídica recuperanda; e como meio de transferência de todas as unidades produtivas de propriedade da parte Independência S.A. para o domínio da parte JBS S.A.
6. O redirecionamento da execução fiscal não pode se fundar em meros indícios de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. O reconhecimento da sucessão empresarial irregular é situação atípica, cuja caracterização depende de provas de diversos elementos que, em conjunto, denotem a existência do uso abusivo da personalidade jurídica. Exige-se efetivo lastro probatório para autorizar o redirecionamento da execução fiscal, quando a medida estiver pautada em alegação de sucessão empresarial com supedâneo no art. 133 do Código Tributário Nacional. Os meros indícios de dissolução irregular são suficientes para autorizar o redirecionamento da execução fiscal apenas nas hipóteses em que a medida se direcionar contra sócio-gerente, à luz do art. 135 do mesmo diploma legal.
7. O exame das questões relacionas às intercorrências do processo de recuperação judicial se revelou impossível. A competência para examinar a matéria é da própria Justiça Estadual. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. A comercialização do estabelecimento empresarial então pertencente à parte Independência S.A. se operou como consequência de plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia de credores e ratificado pelo Poder Judiciário. Logo, o binômio meros indícios e irregularidades havidas no processo de recuperação judicial não é apto a sustentar os consectários jurídicos procurados pela União.
8. A União não se desincumbiu do ônus de apresentar elementos probantes capazes de infirmar o negócio jurídico travado entre a parte JBS S.A e os credores fiduciários da parte Independência S.A., trazendo aos autos tão somente indícios do alegado “conluio”. A consolidação da propriedade das plantas industriais pela credora fiduciária da parte Independência S/A é juridicamente válida e eficaz. Conforme o art. 60, parágrafo único, e do art. 141, II e §1º, ambos da Lei nº 11.101/05, quando o plano de recuperação judicial aprovado envolver a alienação judicial de unidades produtivas isoladas do devedor, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações desse mesmo devedor, inclusive as de natureza tributária. Nos termos da legislação em referência, a ulterior aquisição do imóvel pela parte JBS S.A. diretamente da credora fiduciária não configura sucessão empresarial, precisamente porque não há provas que justifiquem enquadrar a operação como fraudulenta, nos termos previstos pelo art. 141, §1°, III, da mesma LREF. Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, a fraude não se presume, mas deve ser comprovada por quem alega tal vício do negócio jurídico, e por esse motivo o indício consistente na alienação da última planta industrial então de propriedade da parte Independência S.A., por si só, é incapaz de embasar o decreto de redirecionamento da execução fiscal pretendido pela União.
9. No mesmo sentido, revela-se impossível o redirecionamento do processo executivo por sucessão empresarial pelo indício derivado das alegações de não localização da parte Independência S.A. para a respectiva citação e de identidade de endereços entre a Embargante e a parte JBS S.A. A carta precatória expedida pelo Juízo de primeiro grau para citação da parte Independência S.A. restou positiva, aproximadamente um mês depois da interposição do presente agravo de instrumento. Além disso, a coincidência de endereço de sede/filiais das empresas e de identidade de objeto social é, de modo isolado, insuficiente para caracterizar a sucessão empresarial de fato. Precedentes desta Corte.
10. Embargos de declaração conhecidos e providos.