AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0014346-72.2016.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: VINEPA AGROPECUARIA LTDA
Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA - MS7602-A
AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO
Advogado do(a) AGRAVADO: JOCELYN SALOMAO - MS5193-B
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0014346-72.2016.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: VINEPA AGROPECUARIA LTDA Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA - MS7602-A AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO Advogado do(a) AGRAVADO: JOCELYN SALOMAO - MS5193-B OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de agravo de instrumento interposto por VINEPA AGROPECUARIA LTDA em face da decisão que indeferiu o seu pedido de reintegração de posse da Fazenda Água Branca, de "aproximadamente 300 hectares", compreendidos no perímetro demarcado pelo Ministério da Justiça como terra indígena, através da Portaria n. 497/2016, "ressaltando que a área remanescente não é litigiosa por não interessar à Comunidade" Taunay-Ipegue. Por fim, a decisão determinou o apensamento do feito aos processos de n. 00058855620164036000 e n. 00013699-90.2014.403.6000, por reconhecer a conexão entre as ações. A parte agravante alega, em síntese, que a decisão deve ser reformada, aduzindo os seguintes motivos: a) que é proprietária de uma área de terras rurais situada no município de Aquidauna - MS, de aproximadamente 1.500ha, sendo que parte dela (350ha) fora objeto de demarcação administrativa pela FUNAI; b) que a ampliação da reserva indígena pela FUNAI, para atender reivindicação da Comunidade Indígena, confronta posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal; c) que não há conexão entre os feitos, não devendo ser reunidas as ações para decisão conjunta, vez que são propriedades distintas e de proprietários diferentes, ainda que localizadas na mesma pretensa reserva indígena, sendo diferentes as realidades fáticas e jurídicas entre os processos. Por fim, requer o deferimento da reintegração de posse, para que a FUNAI tome as providências necessárias para a retirada dos indígenas do local. Foi indeferida a antecipação de tutela e, dessa decisão, foi interposto agravo interno pela agravante. A decisão de fls. 779 tornou sem efeito o indeferimento do pedido de liminar, bem como julgou prejudicado o respectivo agravo legal. A parte agravada (União) apresentou contraminuta ao recurso. O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo desprovimento do recurso. Acórdão proferido pela C. 2ª Turma deste TRF, de relatoria do e. Desembargador Federal Souza Ribeiro, conheceu em parte do agravo de instrumento e, na parte conhecida, deu-lhe provimento, encontrando-se o julgado assim ementado: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PROCESSO DE DEMARCAÇÃO NÃO CONCLUÍDO. INVASÃO DAS TERRAS POR INDÍGENAS. AUSÊNCIA DE DEMARCAÇÃO FÍSICA. INCONTROVERSA POSSE ANTIGA DA PROPRIETÁRIA. CONEXÃO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO. - A parte agravante propôs ação de reintegração de posse da "Fazenda Água Branca" (Aquidauana/MS) com o objetivo de afastar o esbulho praticado por índios da etnia Terena (Comunidade Indígena Taunay-Ipegue). - A decisão agravada que determinou a reunião dos processos conexos não desafia o recurso de agravo de instrumento, na forma do art. 1.015. Por conseguinte, no tocante a este aspecto o presente recurso não merece ser conhecido. - A parte agravante alega, em síntese, que a decisão deve ser reformada, aduzindo os seguintes motivos: a) que é proprietária de uma área de terras rurais situada no município de Aquidauna - MS, de aproximadamente 1.500ha, sendo que parte dela (350ha) fora objeto de demarcação administrativa pela FUNAI; b) que a ampliação da reserva indígena pela FUNAI, para atender reivindicação da Comunidade Indígena, confronta posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. - O C. STF esclareceu que a norma jurídica presente na Carta Magna, conforme se depreende do precedente relativo à chamada "Reserva Raposa Serra do Sol", cabendo destacar a parte relativa ao ato de demarcação das terras indígenas: STF, Petição n. 3.388/RR, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, j. 19/03/2009, DJe 30/06/2010. - Para se reconhecer que se trata de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, nos termos da Constituição Federal, ficou consignado os seguintes requisitos: a. Ocupação das terras seja em data anterior a 05/10/1988, em que promulgada a atual constituição; b. Que também deve estar presente uma forma "qualificadamente tradicional de perdurabilidade da ocupação indígena, no sentido entre anímico e psíquico de que viver em determinadas terras é tanto pertencer a elas quanto elas pertencerem a eles, os índios." (voto Min. Ayres Britto, Pet. 3.388); c. Admite-se, ainda, a retração cronológica à "tradicionalidade da posse nativa", excepcionalmente, para data posterior a da promulgação da atual Constituição, nos termos do precedente da Suprema Corte, quando "a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios". -Não se vislumbra empecilho à reintegração de posse requerida, pois, as terras em questão foram invadidas sem que se efetuasse a demarcação da área e respectivo procedimento, com o pagamento de justa e prévia indenização ao seu legítimo proprietário. - Embora reste ao Poder Judiciário, a função limitada à resolução das consequências jurídicas decorrentes dessas relações, a solução das causas dos fatos descritos se dará somente por meio de ações políticas, de competência do Poder Executivo Federal. - E isso, inclusive, porque os índios, mesmo tendo o direito de verem respeitados os seus usos e costumes (artigo 231 da CF), por viverem em sociedade e sob o pálio de ordenamento jurídico único e comum a todos os brasileiros e estrangeiros que vivem no País, também devem respeitar os direitos alheios, dentre os quais, o direito fundamental que é o direito de propriedade (artigo 5º, XXII da CF), do qual deriva o direito de posse. - O Supremo Tribunal Federal determinou, em recente decisão, medidas de cautela para minorar os danos decorrentes dos conflitos sociais entre índios e não índios, para evitar o risco de grave lesão. - Vale lembrar que "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios" são bens da União (art. 20, XI, CF/88), conforme definido formalmente desde a Carta de 1967. - E, enquanto não houver uma demarcação física definitiva, sem laudo topográfico a estabelecer sem dúvida que a área se encontra em terra da Reserva, não há que se amparar a turbação/esbulho, pelos índios, da propriedade da demandante, devidamente registrada. - Agravo de instrumento parcialmente conhecido e provido. A União Federal opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados. Insatisfeita, a União Federal interpôs recurso especial. O C. STJ, por meio de decisão monocrática do e. Ministro Og Fernandes, deu provimento ao recurso, nos seguintes termos: “(...) Nos aclaratórios, reafirmou-se o decidido, consignando-se apenas no relatório o fato de ter sido alegada pela parte a existência da demarcação física da área (e-STJ, fl. 896). Evidencia-se, assim, efetiva omissão quanto à matéria fática relevante: se o acórdão de mérito considera como premissa a circunstância de inexistência de delimitação física da terra indígena, e a parte aponta norma que supre essa carência, anterior ao próprio julgado (a portaria invocada é de 2016 e o julgamento foi realizado em 2018), deve o órgão julgador solucionar a questão, sob pena de vício de fundamentação. Assim, forçoso o retorno dos autos à origem, para supressão da lacuna. Ante o exposto, com fulcro no art. 932, V, do CPC/2015, c/c o art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou provimento ao recurso especial, para determinar a renovação do julgamento dos aclaratórios pela origem, com enfrentamento efetivo da questão suscitada pela ora recorrente em seus embargos ao acórdão. (...)” Opostos embargos declaratórios pela agravante VINEPA AGROPECUARIA LTDA, foram os mesmos rejeitados. O acórdão transitou em julgado, retornando os autos a esta C. Corte Regional para cumprimento da decisão proferida pelo C. STJ. É o relatório. Passo a decidir.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0014346-72.2016.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: VINEPA AGROPECUARIA LTDA Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA - MS7602-A AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO Advogado do(a) AGRAVADO: JOCELYN SALOMAO - MS5193-B OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, cumpre registrar que o e. Ministro Edson Fachin, relator do RE nº 1.017.365, proferiu decisão em 6/5/2020, com base no art. 1.035, § 5º, do CPC, determinando a suspensão nacional dos processos judiciais, notadamente ações possessórias, anulatórias de processos administrativos de demarcação, bem como os recursos vinculados a essas ações, sem prejuízo dos direitos territoriais dos povos indígenas, modulando o termo final dessa determinação até a ocorrência do término da pandemia da COVID-19 ou do julgamento final da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 1.017.365 (Tema 1031), o que ocorrer por último, salvo ulterior decisão em sentido diverso. Esclareço, nessa linha, que até o momento não houve a conclusão do julgamento do RE acima referido, de modo que o julgamento dos processos e dos recursos permanece suspenso. Todavia, em que pese a suspensão acima noticiada, entendo que isso não impede a nova apreciação dos presentes embargos declaratórios, seja porque fruto de determinação superveniente oriunda de Corte Superior (o C. STJ), seja porque esse reexame objetiva, unicamente, o aperfeiçoamento do acórdão proferido pela c. Segunda Turma, afastando omissão reconhecidamente existente. É de se esclarecer, contudo, que a eficácia do acórdão prolatado por esta Corte, no bojo deste agravo de instrumento, após sua devida integração pela via do acolhimento destes embargos declaratórios, estará suspensa em razão de decisão proferida pela e. Ministra Cármen Lúcia, nos autos da SUSPENSÃO DE LIMINAR nº 1156/MS. Passo, assim, ao reexame dos embargos declaratórios, nos estritos limites da decisão proferida pelo C. STJ, ou seja, relativamente “(...) à matéria fática relevante: se o acórdão de mérito considera como premissa a circunstância de inexistência de delimitação física da terra indígena, e a parte aponta norma que supre essa carência, anterior ao próprio julgado (a portaria invocada é de 2016 e o julgamento foi realizado em 2018), deve o órgão julgador solucionar a questão, sob pena de vício de fundamentação”. De fato, em seus embargos de declaração opostos contra o acórdão proferido por unanimidade por esta Segunda Turma, o qual conheceu em parte do agravo de instrumento e, nesta parte, deu-lhe provimento (ID 206646317, fls. 164/183), a União Federal, de forma expressa, aponta a existência de omissão no aresto quanto ao fato de que já houve a demarcação física da terra indígena Taunay-Ipegue, consoante Portaria nº 497/2016, do Ministério da Justiça, o que, ao contrário da conclusão do julgado embargado, seria fundamento jurídico suficiente para o indeferimento da reintegração de posse pretendida pela empresa VINEPA AGROPECUARIA LTDA. Esse o inteiro teor da referida portaria ministerial que declarou de posse permanente a área em tela, para posterior demarcação administrativa e homologação pela Presidência da República: PORTARIA Nº 497, DE 29 DE ABRIL DE 2016 O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista o disposto no Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996, e diante da proposta apresentada pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI, objetivando a definição de limites da Terra Indígena TAUNAY-IPÉGUE, constante do processo FUNAI nº 08620.000289/1985-55, CONSIDERANDO que a Terra Indígena localizada no município de Aquidauana, Estado de Mato Grosso do Sul, ficou identificada nos termos do § 1º do art. 231 da Constituição, e inciso I do art. 17 da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, como sendo tradicionalmente ocupada pelo grupo indígena Terena; CONSIDERANDO os termos do Despacho nº 77/PRES, de 12 de agosto de 2004, do Presidente da FUNAI, publicado no Diário Oficial da União, de 13 de agosto de 2004 e Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul, de 25 de outubro de 2004; CONSIDERANDO os termos dos pareceres da FUNAI, que concluíram pela improcedência das contestações opostas à identificação e delimitação da Terra Indígena, resolve: Art. 1º Declarar de posse permanente do grupo indígena Terena a Terra Indígena TAUNAY-IPÉGUE com superfície aproximada de 33.900 ha (trinta e três mil e novecentos hectares) e perímetro também aproximado de 78 km (setenta e oito quilômetros), assim delimitada: NORTE: partindo do Ponto 01 de coordenadas geográficas aproximadas 20º09'24,0"S e 56º04'46,9"Wgr., segue por uma linha reta até o Ponto 02 de coordenadas geográficas aproximadas 20º09'20,7"S e 56º02'53,7"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 03 de coordenadas geográficas aproximadas 20º08'58,6"S e 56º01'54,5"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até Ponto 04 de coordenadas geográficas aproximadas 20º08'27,6"S e 56º01'15,7"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 05 de coordenadas geográficas aproximadas 20º08'47,8''S e 56º00'12,0''Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 06 de coordenadas geográficas aproximadas 20º08'58,1''S e 55º59'44,8''Wgr. LESTE: do ponto descrito, segue por uma linha reta até o Ponto 07 de coordenadas geográficas aproximadas 20º09'38,2"S e 55º59'05,5"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 08 de coordenadas geográficas aproximadas 20º10'03,8"S e 55º58'55,4"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 09 de coordenadas geográficas aproximadas 20º10'31,2"S e 55º58'58,8"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 10 de coordenadas geográficas aproximadas 20º10'52,8"S e 55º59'21,4"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 11 de coordenadas geográficas aproximadas 20º13'18,4"S e 55º59'25,0"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 12 de coordenadas geográficas aproximadas 20º14'27,5"S e 55º58'38,8"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 13 de coordenadas geográficas aproximadas 20º15'41,6"S e 55º58'02,9"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 14 de coordenadas geográficas aproximadas 20º16'52,9"S e 55º57'50,6"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 15 de coordenadas geográficas aproximadas 20º17'15,1"S e 55º57'33,2"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 16 de coordenadas geográficas aproximadas 20º17'37,3"S e 55º57'20,3"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 17 de coordenadas geográficas aproximadas 20º17'56,8"S e 55º56'50,2"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 18 de coordenadas geográficas aproximadas 20º18'06,9"S e 55º56'28,3"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 19 de coordenadas geográficas aproximadas 20º18'39,4"S e 55º56'21,7"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 20 de coordenadas geográficas aproximadas 20º19'05,2"S e 55º56'31,0"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 21 de coordenadas geográficas aproximadas 20º20'04,4"S e 55º56'39,3"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 22 de coordenadas geográficas aproximadas 20º20'32,7"S e 55º56'50,0"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 23 de coordenadas geográficas aproximadas 20º20'45,1"S e 56º57'54,5"Wgr. SUL: do ponto antes descrito, segue por uma linha reta até o Ponto 24 de coordenadas geográficas aproximadas 20º20'29,0"S e 55º58'30,8"Wgr., localizado na faixa de domínio direita da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, sentido Aquidauana - Miranda; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 25 de coordenadas geográficas aproximadas 20º20'37,0"S e 55º59'12,0"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 26 de coordenadas geográficas aproximadas 20º20'14,2"S e 56º00'24,9"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 27 de coordenadas geográficas aproximadas 20º19'49,3"S e 56º00'25,9"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 28 de coordenadas geográficas aproximadas 20º19'34,8"S e 56º00'39,7"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 29 de coordenadas geográficas aproximadas 20º19'25,5"S e 56º00'57,9"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 30 de coordenadas geográficas aproximadas 20º18'59,7"S e 56º03'20,8"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 31 de coordenadas geográficas aproximadas 20º18'38,1"S e 56º04'14,5"Wgr., localizado na margem esquerda do Córrego Laranjeira; daí, segue por este, a montante, até o Ponto 32 de coordenadas geográficas aproximadas 20º18'56,1"S e 56º08'18,1"Wgr., localizado na sua cabeceira. OESTE: do ponto antes descrito, segue por uma linha reta até o Ponto 33 de coordenadas geográficas aproximadas 20º17'43,1"S e 56º09'29,6"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 34 de coordenadas geográficas aproximadas 20º15'56,9"S e 56º09'51,2"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 35 de coordenadas geográficas aproximadas 20º15'18,5"S e 56º59'57,5"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 36 de coordenadas geográficas aproximadas 20º14'51,5"S e 56º10'01,2"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 37 de coordenadas geográficas aproximadas 20º13'19,1"S e 56º09'56,6"Wgr., localizado na margem esquerda do Córrego Jabuticaba; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 38 de coordenadas geográficas aproximadas 20º12'11,3"S e 56º08'24,3"Wgr.; localizado na quina de uma cerca; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 39 de coordenadas geográficas aproximadas 20º11'37,2"S e 56º07'28,8"Wgr.; daí, segue por uma linha reta até Ponto 01, início desta descrição. Art. 2º A FUNAI promoverá a demarcação administrativa da Terra Indígena ora declarada, para posterior homologação pela Presidenta da República, nos termos do art. 19, § 1º, da Lei nº 6.001, de 1973 e do art. 5º, do Decreto nº 1.775, de 1996. Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO Anoto que a relação existente entre os povos indígenas e o Estado brasileiro foi historicamente construída a partir de uma perspectiva integracionista, segundo a qual as populações indígenas acabariam por assimilar a cultura eurocêntrica dominante. A Lei nº 6.001/1973, que dispôs sobre o Estatuto do Índio, estabeleceu, em seu art. 1º, que seu objetivo seria o de regular “a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”, chegando a classificá-los, em seu art. 4º, em “isolados”, “em vias de integração” e “integrados”. Essa ideia de integração dos povos indígenas à cultura dominante se alinhava à premissa estabelecida pelo Código Civil/1916, no sentido de que os silvícolas seriam considerados relativamente incapazes, submetendo-se à tutela estatal até que estivessem adaptados à “civilização” (art. 6º, IV e parágrafo único, do CC/1916) e, posteriormente, à orientação preconizada pela Convenção nº 107, de 1957, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 20, de 1965, e promulgada pelo Decreto nº 58.824, de 1966, que elencava entre seus objetivos, a prática, entre os países signatários, de “programas coordenados e sistemáticos com vistas à proteção das populações interessadas e sua integração progressiva na vida dos respectivos países”. Esse paradigma sofreu significativa alteração com a promulgação da Constituição de 1988, que passou a reconhecer a diversidade étnica e a autodeterminação dos povos indígenas, dedicando ao tema um capítulo específico (capítulo VIII, “Dos Índios”) no título destinado à Ordem Social (título VIII), reconhecendo aos índios, em seu art. 231, caput, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. No plano do direito internacional (absorvido ao sistema de fontes normativas hierárquicas nos moldes do art. 5º, §§2º e 3º da Constituição), a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, de 07/06/1989 (ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 143, de 20/06/2002, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 5.051, de 19/04/2004), reconheceu a superação da abordagem integracionista que permeava a Convenção nº 107/1957, da OIT, passando a promover o respeito às culturas e aos modos de vida dos povos indígenas, além de lhes conferir participação efetiva na tomada de decisões que impactem seus interesses. É certo que a Lei nº 6.001/1973 representou avanços no tratamento das questões indígenas, tendo sido parcialmente recepcionada pela Constituição de 1988, exceto no que concerne à manifesta incompatibilidade material entre as diretrizes estabelecidas pela Constituição e o mencionado viés assimilacionista, além do superado regime tutelar impeditivo à capacidade civil plena dos indígenas, prescrito nos arts. 7º a 11, do referido Estatuto. O art. 231, da Constituição de 1988, dedicou especial atenção à relação entre as comunidades indígenas e as terras por elas ocupadas, embora não se trate propriamente de novidade, já que no plano constitucional, o direto dos indígenas à posse de suas terras vem sendo expressa e reiteradamente reconhecido desde a Carta de 1937 (art. 154). Atualmente, a questão encontra-se assentada nas seguintes bases: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º. Note-se que o art. 20, XI, da ordem constitucional de 1988, estabelece que as terras indígenas são consideradas bens da União Federal, fato que deve ser interpretado a partir de razões finalísticas voltadas à proteção dos direitos dos indígenas sobre elas. As terras tradicionalmente ocupadas se destinam à posse permanente dos indígenas, a quem caberá o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, sendo inalienáveis e indisponíveis, e imprescritíveis os direitos sobre elas, vedada a remoção dos grupos indígenas que a ocupem. Por fim, são nulos e extintos, sem que produzam quaisquer efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto sua ocupação, domínio e posse por terceiros. Constata-se, portanto, que a posse indígena está qualificada pela “tradicionalidade”, sendo que “terras tradicionalmente ocupadas” pelos índios são aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar das comunidades indígenas, e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos e costumes. Para a compreensão do alcance das expressões “tradicionalmente” e “caráter permanente”, referidas no art. 231, da Constituição, é preciso ter em conta que o STF, no julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, realizado em 2009 (Petição nº 3.388), adotou a “teoria do marco temporal”, de caráter restritivo, que confere aos povos indígenas o direito às terras ocupadas na data da promulgação da Constituição Federal, abrandada pela figura do “esbulho renitente”, em detrimento da “teoria do indigenato”, que reconhece como originário o direito dos povos indígenas sobre suas terras. Essa decisão, contudo, não possui efeito vinculante. Ocorre que o C. STF retomou o exame da questão, agora com reconhecimento de repercussão geral, no julgamento do RE 1.017.365 (Tema 1031/STF), tendo ocorrido, novamente, a contraposição das duas teorias. Desta vez, o STF definiu, por 9 votos a 2, que a data da promulgação da Constituição Federal (05/10/1988) não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por comunidades indígenas, afastando o argumento do marco temporal. Independentemente da solução que prevaleceu no Tema 1031/STF, ao reconhecer como originário o direito às terras tradicionalmente ocupadas, o art. 231, da Constituição, torna evidente sua natureza declaratória, de modo que o procedimento demarcatório serve para a formalização desse direito em favor da segurança jurídica. Em outras palavras, o que define a terra indígena, com a consequente imposição ao Estado do dever de proteção plena, não é a conclusão do procedimento demarcatório, mas a ocupação tradicional por comunidades indígenas com os propósitos elencados no art. 231, §1º, da Constituição de 1988. Trata-se, na verdade, de entendimento já preconizado pelo art. 25, da Lei nº 6.001/1973 (Estatuto do Índio), nos seguintes termos: Art. 25 - O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos do artigo 198, da Constituição Federal, independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a antiguidade da ocupação, sem prejuízo das medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer dos Poderes da República. Sobre o tema, colha-se a manifestação do Ministro Luís Roberto Barroso, por ocasião do julgamento da Pet. 3.388, in verbis: “(...) Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente reconhecidos, e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de originários, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como nulos e extintos (§ 6º do art. 231 da CF). (...)” Esse o entendimento acolhido pela jurisprudência, conforme se extrai dos julgados a seguir colacionado, do C.STF e do E.STJ: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO AMBIENTAL. ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO. DEVER DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM OUTROS VETORES CONSTITUCIONAIS DE IGUAL HIERARQUIA. ARTIGOS 1º, IV; 3º, II E III; 5º, CAPUT E XXII; 170, CAPUT E INCISOS II, V, VII E VIII, DA CRFB. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. JUSTIÇA INTERGERACIONAL. ALOCAÇÃO DE RECURSOS PARA ATENDER AS NECESSIDADES DA GERAÇÃO ATUAL. ESCOLHA POLÍTICA. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. EXAME DE RACIONALIDADE ESTREITA. RESPEITO AOS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DECISÓRIA EMPREGADOS PELO FORMADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE “VEDAÇÃO AO RETROCESSO”. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. (...) A demarcação e a titulação de territórios têm caráter meramente declaratório e não constitutivo, pelo que o reconhecimento dos direitos respectivos, inclusive a aplicação de regimes ambientais diferenciados, não pode depender de formalidades que nem a própria Constituição determinou, sob pena de violação da isonomia e da razoabilidade; Conclusão: Declaração de inconstitucionalidade das expressões demarcadas e tituladas, do art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 12.651/2012; (ADC 42, Relator: Ministro LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgamento: 28/02/2018, Publicação: 13.08.2019) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO BUSCANDO A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE PORTARIA DE DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. RECURSO PROVIDO. 1. Hipótese na qual se busca, mediante ação ajuizada em 16 de setembro de 2004, a nulidade da Portaria Ministerial 793/94, publicada no DOU de 20 de outubro de 1994, expedida pelo Ministro de Estado da Justiça, pela qual declarou de posse permanente indígena, para efeito de demarcação, terras situadas no Estado de Santa Catarina (Área Indígena Pinhal), caracterizadas como de ocupação tradicional e permanente indígena, nos termos dos arts. 231, da CF/88, e 17 da Lei 6.001/73. Importante registrar que, em consequência da referida demarcação, a parte autora recebeu a devida indenização pelas benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (art. 231, § 6º, da CF/88). 2. O Tribunal de origem afastou a prescrição da ação, decretada pelo magistrado de primeiro grau de jurisdição, sob o fundamento de que a criação da reserva indígena, por criar restrições ao uso da propriedade, deve ser comparada à desapropriação indireta, cuja ação, de natureza real, está sujeita ao prazo prescricional vintenário. 3. O procedimento de demarcação de terras indígenas não pode ser comparado ao apossamento administrativo — também chamado de desapropriação indireta —, caracterizado como verdadeiro esbulho possessório, sem a necessária garantia do contraditório e do devido processo legal. 4. A demarcação de terras indígenas é precedida de processo administrativo, por intermédio do qual são realizados diversos estudos de natureza etno-histórica, antropológica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, necessários à comprovação de que a área a ser demarcada constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. 5. Ademais, o particular que eventualmente esteja na posse da área a ser demarcada, segundo o disposto no § 8º do art. 2º do Decreto 1.775/96, tem a possibilidade de se manifestar, apresentando à FUNAI razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de identificação e delimitação da área a ser demarcada. 6. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios não perdem essa característica por ainda não terem sido demarcadas, na medida em que a demarcação tem efeito meramente declaratório. Assim entendido, não se pode falar em perda ou restrição da propriedade por parte de quem nunca a teve. 7. Não se tratando, portanto, de apossamento administrativo, incide, no caso, a norma contida no art. 1º do Decreto 20.910/32, a qual dispõe que "todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescreve em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem". 8. Recurso especial provido, para extinguir o processo, com resolução de mérito, com fundamento no art. 269, IV, do Código de Processo Civil, por estar configurada a prescrição da ação. (REsp nº 1.097.980 - SC, Relatora: Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 3/03/2009, DJe, de 1.04.2009) A propósito do mencionado procedimento demarcatório, cumpre destacar que se trata de procedimento administrativo que tem por finalidade identificar, delimitar, demarcar e conferir titulação das terras ocupadas por comunidades indígenas, conforme estabelece a Lei nº 6001/1973. Dispõe o art. 19, do Estatuto, que “As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo.”. Por sua vez, o Decreto nº 1.775, de 08/01/1996, dispôs sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, no qual deve ser permitida a representação (em todas as suas fases) de integrantes dos grupos indígenas envolvidos e compreende uma fase de estudos iniciais, elaborados por um grupo designado pelo órgão federal de assistência ao índio (FUNAI, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional e sob coordenação de um antropólogo) com a finalidade de realizar pesquisas complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação das terras indígenas. Concluídos esses estudos, será apresentado relatório circunstanciado ao órgão federal de assistência ao índio, com a caracterização da área a ser demarcada. Desde o início do procedimento demarcatório, até noventa dias após a publicação da aprovação do relatório pela presidência da FUNAI, é possível o contraditório administrativo, sendo facultada aos Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação, e demais interessados, manifestar-se, apresentando razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório. Findo o prazo para manifestação, o procedimento será encaminhado ao Ministro de Estado da Justiça, juntamente com pareceres relativos às razões e provas apresentadas para, no prazo de até trinta dias, decidir pela declaração, mediante portaria, dos limites da terra indígena, determinando a sua efetiva demarcação, podendo ainda requerer novas diligências que julgar necessárias, ou desaprovar a identificação, mediante decisão fundamentada e circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes. Em caso de expedição da Portaria Declaratória pelo Ministro da Justiça, segue-se a demarcação das áreas definidas, com a materialização dos marcos físicos e georreferenciamento, além do levantamento de eventuais benfeitorias. Finalmente, a demarcação das terras, será homologada mediante decreto da Presidência da República, com o consequente registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda. O elemento fundamental em todo esse procedimento é o relatório circunstanciado concebido a partir dos estudos elaborados por equipe multidisciplinar, sob coordenação de um antropólogo, e posteriormente submetido ao contraditório administrativo por parte dos Estados, Municípios e demais interessados. É esse estudo voltado à compreensão da organização social de uma sociedade indígena que trará à luz os atributos materiais e imateriais que autorizem a conclusão pela existência de um vínculo singular entre determinada comunidade e a terra a ser demarcada, nos moldes estabelecidos pelo do art. 231, 1º, da Constituição. No caso dos autos, especificamente dentro dos limites estritamente impostos pelo C. STJ por ocasião do julgamento do REsp 1835182, tem-se que o acórdão embargado, proferido por esta C. 2ª Turma, realmente incorreu em omissão relativamente aos efeitos produzidos pela Portaria nº 497/2016, do Ministério da Justiça. Portanto, os embargos declaratórios devem ser acolhidos a fim de suprir referida omissão. Neste ponto, é de se notar que a agravada (União Federal) entende que o mencionado ato normativo infralegal reconhece a posse permanente do grupo indígena Terena sobre a Terra Taunay-Ipegue e declara os limites das terras indígenas, oferecendo embasamento legal suficiente para o indeferimento do pedido de reintegração de posse. Já a agravante (VINEPA AGROPECUARIA LTDA), por seu turno, sustenta a ausência de delimitação física da área pela Portaria do Ministério da Justiça. À luz das considerações acima expendidas, notadamente àquela que diz respeito ao fato de que o elemento fundamental no procedimento demarcatório é o relatório circunstanciado concebido a partir dos estudos elaborados por equipe multidisciplinar, sob coordenação de um antropólogo, uma vez que é justamente esse estudo, voltado à compreensão da organização social de uma sociedade indígena que trará à luz os atributos materiais e imateriais que autorizam a conclusão pela existência de um vínculo singular entre determinada comunidade e a terra a ser demarcada, tenho que a razão encontra-se com a União. De fato, como se percebe da leitura do texto integral da Portaria nº 497/2016, reproduzido acima, conclui-se que esse ato é bastante minucioso na identificação e delimitação da terra indígena Taunay-Ipegue. Os estudos antropológicos e os complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário, são suficientes para caracterizar e fundamentar a terra como tradicionalmente ocupada pelos índios Terena, de conformidade com os preceitos constitucionais, apresentando fartos elementos visando à concretização das fases subsequentes à regularização total da terra. Lembre-se que é com base nestes estudos, que são aprovados pelo Presidente da FUNAI, que a área será declarada de ocupação tradicional do grupo indígena a que se refere, por ato do Ministro da Justiça (Portaria Declaratória publicada no Diário Oficial da União, in casu, a Portaria nº 497/2016) reconhecendo-se, assim, formal e objetivamente, o direito originário indígena sobre uma determinada extensão do território brasileiro, atraindo a aplicação do regramento contido no art. 231 da CF/1988. A seguir, compete ao Presidente da República simplesmente homologar, mediante decreto, a demarcação já realizada anteriormente, procedendo-se, na sequência, ao registro. É relevante frisar, neste ponto, que constatada a tradicionalidade da ocupação indígena, mediante estudos antropológico e complementares, a proteção constitucional deverá ocorrer de forma imediata, sendo irrelevante a pendência de ato homologatório da presidência da República, ato meramente formal destinado apenas a chancelar o procedimento demarcatório, permitindo o consequente registro imobiliário. Afinal, como já afirmado, o que define a terra como indígena, com a consequente imposição ao Estado do dever de proteção plena, não é a conclusão do procedimento demarcatório, mas a ocupação tradicional por comunidades indígenas, atestada por meio do relatório circunstanciado. Ante o exposto, nos termos da decisão proferida pelo C. STJ no REsp 1835182, ACOLHO os embargos de declaração opostos pela União Federal, para suprir a omissão referente à existência de delimitação física da terra indígena Taunay-Ipegue, reconhecendo a sua existência nos termos da Portaria nº 497/2016, do Ministério da Justiça. Como consequência, atribuo efeitos infringentes aos presentes embargos de declaração, para conhecer em parte do agravo de instrumento e, na parte conhecida, NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo a decisão proferida pela 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que indeferiu o pedido de reintegração de posse da Fazenda Água Branca, no tocante à aproximadamente 300 hectares, reconhecidos pelo Ministério da Justiça através da Portaria n° 497/2016 como terra indígena, ressaltando que a área remanescente não é litigiosa por não interessar à Comunidade Taunay-lpegue. É como voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NOVA APRECIAÇÃO DETERMINADA PELO C. STJ. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TERRA INDÍGENA TAUNAY-IPEGUE. OCUPAÇÃO IRREGULAR POR TERCEIROS NÃO INDÍGENAS. PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO NÃO CONCLUÍDO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. POSSE INDÍGENA. QUALIFICAÇÃO PELA TRADICIONALIDADE. DISTINÇÃO DA POSSE CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. ATRIBUIÇÃO DE EXCEPCIONAIS EFEITOS INFRINGENTES. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO.
- A instauração do procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas tem por finalidade identificar, delimitar, demarcar e conferir titulação das terras ocupadas por comunidades indígenas, conforme estabelece a Lei nº. 6001/1973 (Estatuto do Índio), recepcionada pela Constituição de 1988.
- A demarcação de terras indígenas possui natureza declaratória, na medida em que reconhece uma situação jurídica preexistente, e constitucionalmente protegida. O elemento fundamental no procedimento demarcatório é o relatório circunstanciado concebido a partir dos estudos elaborados por equipe multidisciplinar, sob coordenação de um antropólogo, e posteriormente submetido ao contraditório administrativo por parte dos Estados, Municípios e demais interessados. É esse estudo, voltado à compreensão da organização social de uma sociedade indígena, que trará à luz os atributos materiais e imateriais que autorizem a conclusão pela existência de um vínculo singular entre determinada comunidade e a terra a ser demarcada, nos moldes estabelecidos pelo do art. 231, 1º, da Constituição.
- Constatada a tradicionalidade da ocupação indígena, a proteção constitucional deverá ocorrer de forma imediata, mesmo que ainda esteja pendente de homologação pela Presidência da República (ato formal destinado apenas a chancelar o procedimento demarcatório, permitindo o consequente registro imobiliário).
- A posse indígena não se confunde com a posse civil. De acordo com o art. 1.196, do Código Civil, a posse civil decorre do exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade. Já a posse indígena, definida pelo art. 23, da Lei nº 6.001/1973, caracteriza-se pela ocupação efetiva da terra onde se habita ou se exerce atividade indispensável à subsistência de um determinado grupo indígena, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais, conceito esse que ressoa no art. 13, da Convenção nº 169/1989, da OIT, ao prescrever que na aplicação das disposições relativas às terras indígenas “os governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação”.
- No julgamento do RE 1.017.365 (Tema 1031/STF), o E.STF afirmou que a data da promulgação da Constituição Federal (05/10/1988) não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por comunidades indígenas, afastando o argumento do marco temporal.
- No caso dos autos, especificamente dentro dos limites estritamente impostos pelo C. STJ por ocasião do julgamento do REsp 1835182, tem-se que o acórdão embargado, proferido por esta C. 2ª Turma, realmente incorreu em omissão relativamente aos efeitos produzidos pela Portaria nº 497/2016, do Ministério da Justiça.
- O elemento fundamental no procedimento demarcatório é o relatório circunstanciado concebido a partir dos estudos elaborados por equipe multidisciplinar, sob coordenação de um antropólogo, uma vez que é justamente esse estudo, voltado à compreensão da organização social de uma sociedade indígena que trará à luz os atributos materiais e imateriais que autorizam a conclusão pela existência de um vínculo singular entre determinada comunidade e a terra a ser demarcada, tenho que a razão encontra-se com a União.
- Como se percebe da leitura do texto integral da Portaria MJ nº 497/2016, reproduzido acima, conclui-se que esse ato é bastante minucioso na identificação e delimitação da terra indígena Taunay-Ipegue. Os estudos antropológicos e os complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário, são suficientes para caracterizar e fundamentar a terra como tradicionalmente ocupada pelos índios Terena, de conformidade com os preceitos constitucionais, apresentando fartos elementos visando à concretização das fases subsequentes à regularização total da terra. Lembre-se que é com base nestes estudos, que são aprovados pelo Presidente da FUNAI, que a área será declarada de ocupação tradicional do grupo indígena a que se refere, por ato do Ministro da Justiça (Portaria Declaratória publicada no Diário Oficial da União, in casu, a Portaria nº 497/2016) reconhecendo-se, assim, formal e objetivamente, o direito originário indígena sobre uma determinada extensão do território brasileiro, atraindo a aplicação do regramento contido no art. 231 da CF/1988.
- Embargos de declaração acolhidos por força de determinação do C. STJ, para suprir a omissão referente à existência de delimitação física da terra indígena Taunay-Ipegue, reconhecendo a sua existência nos termos da Portaria nº 497/2016, do Ministério da Justiça.
- Atribuição de excepcionais efeitos infringentes aos embargos de declaração, para conhecer em parte do agravo de instrumento e, na parte conhecida, NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo a decisão proferida pela 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que indeferiu o pedido de reintegração de posse.