APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006882-41.2009.4.03.6111
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, JOSE ABELARDO GUIMARAES CAMARINHA, JOSE LUIS DATILO
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO DE SOUZA MAZETO - SP148760-A
Advogado do(a) APELANTE: MANOEL ROBERTO RODRIGUES - SP38794-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, JOSE ABELARDO GUIMARAES CAMARINHA, JOSE LUIS DATILO, ELCIO SENO
Advogado do(a) APELADO: ELCIO SENO - SP34157
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO DE SOUZA MAZETO - SP148760-A
Advogados do(a) APELADO: GABRIEL ABIB SORIANO - SP315895-A, MANOEL ROBERTO RODRIGUES - SP38794-A
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: ADRIANO DAUN MONICI
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ADRIANO DAUN MONICI - SP140701
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006882-41.2009.4.03.6111 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, JOSE ABELARDO GUIMARAES CAMARINHA, JOSE LUIS DATILO Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO DE SOUZA MAZETO - SP148760-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, JOSE ABELARDO GUIMARAES CAMARINHA, JOSE LUIS DATILO, ELCIO SENO Advogado do(a) APELADO: MANOEL ROBERTO RODRIGUES - SP38794-A OUTROS PARTICIPANTES: MBV R E L A T Ó R I O Remessa oficial e apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e UNIÃO (Id. 107500544 – fls. 154/197), JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA (Id. 107500475 – fls. 89/107) e JOSÉ LUIS DÁTILO (Id. 107500475 – fls. 03/51) contra sentença que, em sede de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a prática pelos réus JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA e JOSÉ LUÍS DÁTILO dos atos de improbidade administrativa descritos no artigo 10, inciso XI, da Lei n° 8.429/92 e condená-los às sanções previstas no artigo 12, inciso II (Id. 254599535 – fls. 17/38). O MPF e UNIÃO sustentam, em síntese, que (Id. 107500544 – fls. 154/197): 1) a sentença merece ser parcialmente reformada, considerada a realidade fática e jurídica dos autos e a existência de outros atos ímprobos praticados pelos réus, previstos nos artigos 11 e 10, inciso VIII, da Lei n° 8429/92. 2) os acusados desrespeitaram as cláusulas 3.2, comuns aos contratos de repasse, pois, apesar de as verbas públicas terem sido transferidas à municipalidade, as obras não foram executadas. 3) há divergência entre as medições e anotações do diário de obras, visto que, na medição, ocorrida em 04/11/2004, o gasto acumulado era de R$ 4.176.067,65, correspondente a 55,31% do valor após a rerratificação contratual, mas a obra foi suspensa, com execução de apenas 30% do volume total da estrutura da barragem. 4) com relação à correspondência entre a execução das obras e o respectivo projeto básico, os requeridos excluíram parte da canalização do afluente da margem direita do Córrego Ribeirão dos Índios e a construção de trinta e duas moradias, sem justificativa técnica plausível. 5) os acusados fizeram tábua rasa dos princípios da moralidade, eficiência e legalidade e desrespeitaram o artigo 66 da Lei n° 8.666/93 e artigo 22 da Instrução Normativa STN n° 01/97. 6) JOSÉ LUIS DÁTILO, Secretário Municipal de Obras à época, apresentou apenas uma justificativa para a alteração do projeto, autorizada pelo requerido JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, na qualidade de prefeito, sem qualquer documento ou embasamento técnico (motivação). 7) “não foi apresentada nenhuma documentação que comprovasse os estudos complementares mencionados no "Memorando de alteração do projeto básico" (Memorando n.° 101/04 da SOP) que justificassem a afirmação de que a implantação da barragem na cota de 501 (quinhentos e um) metros não atenderia deforma satisfatória ás necessidades de abastecimento de água, a médio e longo prazo”. 8) o memorando de alteração do projeto básico e os termos de suspensão do contrato demonstram que JOSÉ LUIS DÁTILO e JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA violaram os princípios da eficiência, moralidade e legalidade e atuaram com imprudência e negligência com relação ao dinheiro público, visto que, no mesmo dia (05/11/2004) em que foi noticiada a necessidade de alteração do objeto do contrato, ocorreu a suspensão do prazo de execução das obras. 9) ocorreu violação ao artigo 65, §§ 1° e 2°, da Lei nº 8666/93, porquanto cerca de R$ 2.782.957,29 foram remanejados dos serviços de construção do conjunto habitacional e de parte da canalização do afluente da margem direita do aludido córrego para a construção da barragem (sistema de captação de água), valor correspondente a 30,63% do total contratado e que ultrapassa o limite legal para acréscimos ou supressões, que é de 25%. 10) com relação aos serviços executados e pagos, a perícia atestou que: "(..) a obra encontra-se paralisada com aproximadamente 30% da estrutura projetada construída e sem que os serviços de captação, adução e tratamento tenham sido executados. Apesar da baixa quantidade de serviços executados a obra já consumiu 80,84% (oitenta vírgula oitenta e quatro por cento) do valor inicial do contrato ou 55,31% (cinquenta e cinco vírgula trinta e um por cento) do valor repactuado". 11) o relatório pericial foi conclusivo ao constatar que o Município de Marília por meio da Secretaria de Obras Públicas utilizou-se de referência de nível – RN arbitrário, bem como há divergência entre o RN empregado na obra e o previsto no projeto, o que reforça as ilegalidades perpetradas pelos acusados. 12) é patente a prática de atos de improbidade que causaram prejuízo ao erário e violaram os princípios da legalidade, moralidade, eficiência e finalidade, nos termos do artigo 10, inciso XI, e 11 da Lei nº 8.429/92. 13) o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo julgou irregulares a licitação e o respectivo contrato firmado entre o Município de Marília e a empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA. e expôs claramente a existência de várias ilegalidades no edital do certame. 14) as exigências editalícias descabidas por parte dos requeridos violaram o previsto no artigo 3º, § 1º, da Lei nº 8.666/93, que veda a inclusão de cláusulas ou condições capazes de frustrar ou restringir o caráter competitivo do procedimento licitatório. 15) considerados os vícios mencionados, restou prejudicada a competitividade, inerente a todo procedimento licitatório, o que contribuiu para a quantidade exígua de interessados no certame. Em todas as decisões do TCE que trataram do procedimento licitatório, proferidas em 04/11/2003, 26/05/2004 e12/12/2004, foi confirmada a afronta aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência (artigo 11 da Lei n° 8.429/92). 16) o Tribunal de Contas do Estado notificou o prefeito para que adotasse as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, o que motivou a instauração de processo administrativo para apuração das irregularidades apontadas. 17) a testemunha PAULO HIROSE, então Diretor de Suprimentos da área administrativa de editais, afirmou que: “os requisitos dos editais já vinham 'pré-formatados' da Secretaria requisitante, ou seja, a SECRETARIA MUNICIPAL DE OBRAS PÚBLICAS FOI A RESPONSÁVEL PELO ENCAMINHAMENTO DAS PARTES TÉCNICAS DO EDITAL, que foram consideradas ilegais pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo". 18) a sentença recorrida reconheceu três das citadas ilegalidades referentes ao procedimento licitatório: "NA HIPÓTESE DOS AUTOS, RESTOU CLARO QUE O EDITAL FIXOU EXIGÊNCIAS E CONDIÇÕES QUE IMPEDIRAM A COMPETIÇÃO ENTRE OS PARTICULARES, FRUSTRANDO A OBTENÇÃO DA PROPOSTA MAIS VANTAJOSA PELA ADMINISTRAÇÃO". 19) consoante entendimento jurisprudencial, não prospera a tentativa do acusado JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA de eximir-se da responsabilidade pelas ilegalidades constatadas na licitação e no respectivo contrato, firmado entre o Município de Marília e a contratada Andrade Galvão Engenharia LTDA. 20) não há dúvidas de que as exigências constantes do edital frustraram o procedimento licitatório e se estenderam aos aditamentos, que se realizaram em valores superiores ao limite de 25% previsto no artigo 65, §§ 1º e 2°, da Lei n° 8.666/93. 21) não deve ser analisada isoladamente cada conduta dos requeridos, mas o conjunto das irregularidades/ilegalidades como um todo, até porque é patente que não primaram pela adoção de critérios legais e morais necessários para a utilização de recursos públicos federais, e praticaram atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário e atentaram contra os princípios da administração pública. 22) o Tribunal Regional Federal da 2° Região admitiu a condenação pela modalidade culposa do agente público, como incurso no artigo 10, VIII, da Lei n° 8.429/92, em caso de frustração do procedimento licitatório (6ª Turma Especializada, AC 200051010078184, Desembargador Federal ROGÉRIO CARVALHO, DJU de20/08/2007, p. 268). 23) acerca da questão da modalidade culposa, Marçal Justen Filho, ao comentar o artigo 10 da Lei n° 8.429/92, defende que não é juridicamente admissível escusa fundada na ausência de conhecimento específico, quando for da essência da função a adoção de todas as providências destinadas a impedir a consumação de danos. Em outras palavras, existem hipóteses em que a relevância da função é tamanha que qualquer negligência é configurada como imoral. 24) ao contrário do sustentado pelo magistrado, não há como os acusados JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA (ex-Prefeito de Marília) e JOSÉ LUIZ DÁTILO (engenheiro civil e ex-Secretário Municipal de Obras Públicas, presidente da comissão de licitação) alegarem ignorância quanto às regras do procedimento licitatório, bem como o primeiro o desconhecimento específico quanto às falhas no projeto da obra e irregularidades na sua execução. Requerem o provimento do recurso para que a sentença seja parcialmente reformada e reconhecida a prática de atos de improbidade previstos nos artigos 10, inciso VIII, e 11 da Lei nº 8.429/92, com aplicação das sanções previstas no artigo 12 e seus incisos. Nas razões recursais (Id. 107500475 – fls. 03/51), JOSÉ LUIS DÁTILO afirma, resumidamente, que: 1) diferentemente do decidido, sua conduta não está enquadrada no artigo 10, inciso XI, da Lei 8.429/92, com aplicação das sanções previstas no artigo 12, inciso II, da referida norma, porquanto seus atos sempre foram pautados na ética e moral e precedidos de pareceres das secretarias competentes. 2) os fatos narrados na inicial expõem o ponto de vista do autor, não foram demonstrados claramente, estão baseados em meras suposições e não há qualquer prova da ilicitude praticada pelo recorrente. 3) a perícia realizada foi inconclusiva e viciada. 4) o juiz, ao receber a inicial, foi levado ao erro pelo expert, pois não apreciou a documentação acostada aos autos: “afirmando a inexistência de estudo para o alteamento da barragem, assim, os fatos nanados por si só não configuram infração delituosa. Constituiram apenas suspeitas, a recomendar o aprofundamento das investigações a "Causa Debendi' Inexistiu evidência manifesto de não coletar outros elementos de prova para sustentar a suspeita de atos irregulares, haja vista, que o ‘expert’ não considerou o proposto no projeto elaborado pela empresa Herjack. 5) o juiz foi induzido ao erro, dada a omissão no laudo pericial acerca da existência dos estudos elaborados pela empresa Herjack Engenharia SC LTDA., contratada pela Prefeitura Municipal de Marília para a execução do projeto executivo de alteamento da barragem “na elevação 507,00”, encartados no procedimento administrativo nº. 1.34007.000113/2006-13, que embasou a fundamentação do Memorando nº 101/04 da SOP. 6) a denúncia foi precipitada e seus fundamentos desprovidos de segurança e certeza jurídica, pois o perito deixou de apreciar dados relevantes para a elaboração do laudo, consubstanciado nos estudos elaborados pela empresa Herjack Engenharia SC LTDA, o que comprometeu o trabalho apresentado. 7) inexistem elementos concretos, objetivos e sólidos que excluam a probabilidade de validez das diferentes causas das ocorrências narradas e faltou um aprofundamento por parte do denunciante, para que ficassem cabalmente demonstradas as supostas irregularidades e quem as praticou. 8) a imputação de um provável delito está desprovida de elementos de convicção e certeza, indispensáveis para a caracterização do ilícito, pois é farta a documentação que comprova a inexistência de qualquer irregularidade. 9) o MPF imputa a prática delituosa ao recorrente com base apenas no cargo exercido à época, e a denúncia está baseada em documentos não transparentes, que presumem a existência de condutas incompatíveis com o exercício do cargo. 10) relativamente ao descumprimento de cláusulas contratuais pelo município, o MPF fundamentou-se no Laudo Pericial n° 006/2008 e na decisão da Primeira Câmara do TCE, que julgou irregulares a concorrência pública e o contrato, com aplicação do disposto nos incisos XV e XXVII do artigo 2° da Lei Complementar nº 709/93. 11) o laudo pericial é inconclusivo e inconsistente, foi fundamentado em premissas infundadas e é contraditório, pois declara a impossibilidade de aquilatar as supostas irregularidades, o que o torna imprestável para os fins objetivados. 12) não procedem os pressupostos consignados na denúncia acerca das considerações do expert, em decorrência da afirmação irresponsável de que a: “execução efetiva só pode ser verificada com o acompanhamento da obra, não sendo possível verificar, em seu estágio atual, a correspondência entre os serviços executados e pagos”. 13) no trabalho elaborado, o perito não considerou a canalização de 50 m do afluente do aludido córrego, que perfaz o valor de R$ 379.000,00 e representa 4,87% do valor total da obra, que é de R$ 7.782.18628. 14) o acréscimo do contrato em 30,63% é improcedente, considerada a existência da omissão da canalização concluída, que corresponde a 4,87%. 15) o limite de 25%, previsto no artigo 65, §2, da Lei nº 8.666/93, foi respeitado e deve ser considerado que a obra não estava concluída. Caso tivessem sido constatadas diferenças, teria sido realizada a adequação dos valores no balanço final, conforme o consignado no Memorando de Alteração de Projeto Básico nº 101/04 da SOP. 16) se a obra não estava concluída e estava evidenciada a necessidade de alteração no Memorado nº 101/04 da SOP, considerado que existiam itens que extrapolavam e outros que ficavam abaixo dos valores previstos, haveria no final a compensação, o que impossibilitaria a ultrapassagem do limite de 25%. 17) no que se refere aos serviços executados e pagos, são inverídicas as afirmações do expert de que a obra estava paralisada, com aproximadamente 30% da estrutura projetada concluída, e que teria consumido 80,84% do valor inicial do contrato, pois são presumidas, estimadas e não correspondem à realidade dos fatos. 18) os pagamentos eram realizados em contrapartida às medições realizadas pelos fiscais da Secretaria de Obras (engenheiros Airton e Furtan), acompanhadas pelos engenheiros da Caixa Econômica Federal, o que está comprovado pela documentação existente nos autos. 19) as medições e demais atos sempre foram praticados por dois engenheiros responsáveis e com a participação de profissional técnico indicado pela Caixa Econômica Federal e sem a participação do recorrente, como comprovam os documentos inclusos. 20) a denúncia está embasada em laudo pericial desfigurado e desnaturado, descreve as condutas de forma genérica e não individualiza o autor do suposto ato delituoso. 21) a ação é inadequada, pois é necessária a individualização do ato praticado e demonstração da existência de má-fé e desonestidade do acusado, como fatores preponderantes do tipo contido na lei. 22) sem a figura do dolo é impossível a caracterização de improbidade, principalmente sem provas do ilícito. 23) o elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa e é certo que a tipificação da lesão ao patrimônio público (artigo 10, caput, da Lei 8429/92) exige a prova de sua ocorrência, considerada a impossibilidade de condenação ao ressarcimento de dano hipotético ou presumido. 24) o apelante não praticou qualquer ato ímprobo, nem mesmo na modalidade culposa, pois, como amplamente ventilado e comprovado, os atos praticados sempre foram precedidos de pareceres das secretarias competentes, bem como observado e cumprido o dever de cautela no exercício da administração pública. 25) “não houve conduta voluntária, ou sequer dano ao erário efetivo praticado pelo Recorrente, tão pouco há o nexo de causalidade presente entre estes, e tão de longe pode-se vislumbrar a previsibilidade objetiva ou imprevisibilidade subjetiva, tendo em vista que o mesmo se pautou em estudos realizados, não agindo com descuido com o erário público como as acusações apontam”. 26) a comissão processante especial, constituída para a apuração das responsabilidades reconhecidas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que julgou irregulares a concorrência pública e o contrato, reconheceu a inexistência de quaisquer irregularidades no certame realizado e a inexistência de prejuízo ao erário em decorrência dos serviços executados. 27) não cabia ao recorrente, ao elaborar o edital, ditar normas e regras afim de adequar a legislação aplicável à matéria, mas sim às secretarias competentes, ou seja, competia à Diretoria de Suprimento da Secretaria Municipal da Administração em conjunto com a Procuradoria Municipal aperfeiçoarem o certame, conforme a legislação que disciplinava a matéria. 28) está ausente qualquer conduta incompatível com a administração pública por parte do apelante, visto que não contribuiu com os supostos atos ímprobos, porquanto solicitou, “ad cautelam”, informações às secretarias e teve como resposta a legalidade dos atos praticados e do edital, bem como a legitimidade dos participantes do certame, da documentação apresentada e demais atos inerentes ao processo licitatório. 29) encaminhou, em 14/02/2002, à Procuradoria Geral do Município, como determina o artigo 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, pedido de providências acerca da legalidade do Edital nº 217/2002 e foi informado de que: “encontrava-se de acordo com as formalidades legais prescritas no artigo 40 da Lei Federal 8666/93, modificada pelas Leis Federais 8.883/94, 9 032/95e 9.648/98”. 30) o certame realizado estava em consonância com os ditames legais, segundo o parecer jurídico e declarações de Paulo Hirose, Diretor de Suprimentos da Prefeitura Municipal, corresponsável pela elaboração do edital. 31) a elaboração dos contratos e aditivos, formalizados entre a União e o Município por meio da Caixa Econômica Federal, era de competência da Secretaria da Administração e da Procuradoria Municipal, sem a participação do apelante, conforme comprovam os vários pareceres administrativos anexados aos autos. 32) a suspensão da execução da obra, por cento e vinte dias, foi orientada pelo gabinete e procuradoria municipal, com base no artigo 78, incisos XIV e XVII, da Lei Federal n°8.666/93. Após o vencimento do prazo de prorrogação, a obra ficou sob a responsabilidade da gestão posterior, que assumiu em janeiro de 2005 e nomeou o novo Secretário Municipal de Obras, motivo pelo qual não cabe ao apelante qualquer responsabilidade pelos atos praticados nesse período. 33) “No caso ‘in comento’, é pacifico e uníssono que os atos ilícitos praticados pela agente publico, terceiro beneficiário (participe cúmplice ou coautor do ato), só podem decorrer da realização de todos os aspectos previstos e tipificados na norma de incidência, uma vez que as relações jurídicas devem pautar-se pelos critérios de segurança e certeza, sendo defeso a imputação do ilícito, em simples suposições, em virtude dos princípios da tipicidade cerrada e da legalidade”. 34) é pacífico o entendimento de que compete ao autor da delação produzir a prova do ilícito praticado (ocorrência de ato capaz de frustrar o certame licitatório por parte da requerida) e que é admitido, como exceção, que o acusado assuma essa posição, desde que comprovada tal circunstância pelo delator, ônus que apenas deixa de ser exigido no caso de fatos notórios, que não carecem de comprovação. 35) não é verdadeira a premissa de que todo ato ilegal é considerado ímprobo, uma vez que é necessária a demonstração do dolo do agente, com o propósito de locupletar-se pessoalmente ou favorecer ilegitimamente terceiros, o que não foi verificado, pois a licitação foi regularmente processada, conforme orientações prestadas pelas secretarias competentes. 36) não existe improbidade administrativa sem má-fé declarada e evidente, visto que é o componente básico dos três tipos descritos na Lei n° 8429/92. Pede, ao final, o provimento do recurso para que a sentença seja reformada. JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA suscita as seguintes preliminares (Id. 107500475 – fls. 89/107): a) incompetência absoluta da Justiça Federal, considerada a aplicação das Súmulas 208 e 209 do STJ, visto que os valores foram repassados pela Caixa Econômica Federal e incorporados, bem como a prestação de contas julgada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo; b) prescrição das sanções e do ressarcimento, porquanto foi ultrapassado o prazo de cinco anos do término do mandato, vez que o recorrente deixou de ser prefeito em 2004, c) ilegitimidade passiva, pois o acusado era prefeito, ou seja, agente político, figura não inserida no artigo 2º da LIA. Quanto ao mérito, insurge-se contra a sentença condenatória, com base nos seguintes argumentos (Id. 107500475 – fls. 89/107): 1) o apoio sentencial ocorreu a partir de provas produzidas somente pelo autor, ou seja, unilateralmente, o que merece sobejamento distinto do conferido pela sentença, pois: “a todo tempo foi contrariada, e merecendo severa nulidade para permitir o contraditório pelo que se requer”. 2) os fatos narrados revelam apenas uma inabilidade de gestão e não ato de improbidade e há uma brutal diferença entre os conceitos. O Superior Tribunal de Justiça, por mais de uma vez, manifestou-se no sentido de que irregularidade ou inabilidade não equivalem a improbidade. 3) para o julgador, o recorrente liberou verba sem as devidas justificativas, porém os quadros da prefeitura contavam com especialistas, que concluíram não ter havido irregularidade. Ademais, não era liberador da despesa, porquanto as verbas somente poderiam ser pagas mediante fiscalização da Caixa Econômica Federal, desde que os respectivos fiscais entendessem como correto o que havia sido feito até a fase posterior ao pagamento. 4) está ausente o encarte normativo do artigo 10, XI, da LIA, que somente se perfaz desde que haja a aplicação voluntária contrária à norma, e o apelante não influiu na liberação da verba. 5) não era técnico de Engenharia Civil ou especialista da área, não fazia as medições e tinha que confiar no que os fiscais da Caixa Econômica e seu corpo técnico consideravam como correto. 6) a afirmação de que sua responsabilidade decorre do fato de ter assinado três contratos de repasse não prospera. O exame técnico do ajuste e da obra foi realizado pelo corpo técnico e não por avaliação própria. 7) o prefeito avaliava a conveniência do empreendimento da obra, mas a fiscalização e a atividade técnica não eram de sua atribuição. Se o corpo técnico afirmava que estava correto, não tinha como desacreditar no que era afirmado, o que não foi ponderado pelo julgador de primeiro grau. 8) não houve o abandono do empreendimento, porquanto os fiscais da Caixa Econômica liberavam os valores conforme o avanço da obra e, a partir do momento em que os valores deixaram de ser liberados, o prefeito não teve outra alternativa, o que, por si só, não representa desproteção. 9) não foi verificado nenhum desvio de dinheiro, como reconhecido pelo julgador, pois o valor foi repassado integralmente para a empresa contratada e as fiscalizações foram devidamente contempladas. Ademais, o requerido cumpriu sua parte de gestor e confiou no que era feito. 10) sequer é possível afirmar que houve prejuízo causado pelo recorrente, como consignado na sentença, pois toda a quantia foi empregada na obra, que pode ser retomada com o que já foi realizado. 11) não há ato improbo ou prejuízo ao erário, pois o recorrente não atuou para malversar a verba pública e não gerou dano. Logo, sua condenação não pode ser mantida. 12) as penalidades impostas são severas e desproporcionais, vez que os valores foram empregados e estão à disposição, razão pela qual não pode ser condenado ao ressarcimento correspondente ao valor da obra: “isso porque, aquilo que competia foi feito”. 13) a suspensão dos direitos políticos e o valor da multa aplicada também são incompatíveis, pois não teve a intenção de malversar dinheiro público, antes atuou com plena confiança nos órgãos, motivo pelo qual não pode ser apenado com tamanho descompasso. Ademais, sequer houve justificativa para a valoração da penalidade pecuniária. Pleiteia o acolhimento das preliminares e, no mérito, o provimento do recurso para que a sentença seja reformada e os pedidos iniciais julgados improcedentes. Subsidiariamente, pede a revisão das penalidades impostas, com a exclusão do ressarcimento do prejuízo ao erário e exclusão ou redução da suspensão dos direitos políticos e multa imposta. Em contrarrazões, JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA (Id. 107500475 – fls. 127/134) suscita a preliminar de falta de interesse recursal da UNIÃO, considerado que sua pretensão foi satisfeita, vez que objetiva a recuperação de eventual prejuízo e a sentença determina a devolução de valores. Relativamente ao mérito, requer seja negado provimento ao apelo interposto pelo MPF e UNIÃO, assim como JOSÉ LUÍS DÁTILO (Id. 107500475 – fls. 113/125). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a UNIÃO pedem o desprovimento dos recursos apresentados pelos acusados (Id. 107500475 – fls. 137/195). As apelações foram recebidas apenas no efeito devolutivo, nos termos artigo 1.012, § 1º, do CPC (Id. 107500475 – fl. 199). O pedido de modificação dos imóveis sobre os quais recaiu a indisponibilidade (Id. 107500475 – fls. /203) foi indeferido (Id. 107500476 – fls.15/16). O Procurador Regional da República manifestou-se pelo desprovimento dos apelos de José Luis Dátilo e José Abelardo Guimarães Camarinha e provimento do recurso interposto pelo MPF e UNIÃO (Id. 107500476 – fls. 28/36) À vista das alterações substanciais da Lei nº 8.429/1992, promovidas pela Lei nº 14.230, publicada no DOU em 26/10/2021, as partes foram notificadas a apresentar eventual manifestação (Id. 210371997). JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA afirma que não há dúvidas de que a condenação foi baseada na culpa, o que, de acordo com a atual normativa, não mais configura improbidade, que o Parquet busca dupla tipificação, o que é vedado pelo artigo10-B, acrescentado pela norma, e que ocorreu a prescrição intercorrente, considerado que a tramitação do feito supera quatro anos. Pede a aplicação da nova norma, com o acolhimento da prescrição ou para que os pedidos iniciais sejam julgados improcedentes (Id. 220293838). Para o MPF, as ações de improbidade em curso não devem ser materialmente afetadas pelas alterações da Lei nº 14.230/2021, visto que as demandas ajuizadas até a entrada em vigor das modificações legislativas (26/10/2021) devem ter a tipicidade dos ilícitos, do rito processual e prazo prescricional analisados com base na norma que vigorava ao tempo de sua propositura (Id. 221291218). A UNIÃO defende a aplicação da Lei de Improbidade, como prevista em sua redação original, até a data em que entraram em vigor as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, e requer seja reconhecido que, no caso, não se aplicam os prazos da prescrição intercorrente estabelecidos pela norma, bem como sejam mantidas as sanções fixadas na sentença (Id. 254074663). JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA apresentou nova manifestação, para requerer o reconhecimento da prescrição do direito de ação, com a consequente extinção do processo, com resolução do mérito, considerada a data do ajuizamento da ação (09/02/2010) e o prazo de quatro anos ter ocorrido em 09/02/2014, bem como a intercorrente, visto que transcorridos mais de quatro anos desde a data em que a sentença foi prolatada (21/03/2016) (Id. 227546265). É o relatório.
Advogado do(a) APELANTE: MANOEL ROBERTO RODRIGUES - SP38794-A
Advogado do(a) APELADO: ELCIO SENO - SP34157
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO DE SOUZA MAZETO - SP148760-A
DECLARAÇÃO DE VOTO A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA: Peço vênia ao e. Relator para, divergindo em parte, não conhecer da remessa oficial. Em 26/04/2023, houve o cancelamento da afetação do Tema nº 1.042, ressaltando-se que o Ministro Relator Paulo Sérgio Domingues, quando da desafetação, apontou que a questão objeto do tema ficou prejudicada, pois “não há dúvida alguma de que a Lei 14.230/2021 aboliu a figura da remessa necessária e de que, portanto, é negativa a resposta para a pergunta acerca da possibilidade de aplicação do procedimento para as ações de improbidade no atual cenário”. Dito isso, tenho que a remessa obrigatória não merece conhecimento. Malgrado discutível a questão à luz da Lei n.º 8.429/92, em sua redação originária, a partir das alterações introduzidas pela Lei n.º 14.230/21, o não cabimento da remessa necessária passou a ser expressamente previsto. Com efeito, dispõe o artigo 17, §19, inciso IV: “Não se aplicam na ação de improbidade administrativa: (...) IV - o reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução de mérito”. E ainda no art. 17-C, §3º: “Não haverá remessa necessária nas sentenças de que trata esta Lei”. Por sua vez, tratando-se de norma de caráter processual, impõe-se a aplicabilidade imediata aos processos em curso, ex vi do artigo 14, do CPC, mesmo que a sentença tenha sido proferida anteriormente à Lei nº 14.230/21, pois o juízo de admissibilidade do reexame necessário ocorre no momento do julgamento. A propósito: “Embargos de declaração no agravo regimental na reclamação. 2. Direito Processual Civil. 3. Ato reclamado negou seguimento ao recurso extraordinário com fundamento no tema 810 da repercussão geral. Juros de mora fixados em 6% ao ano. Período posterior à edição da Lei 11.960/2009. Aplicação equivocada do tema. 4. O STF assentou a constitucionalidade da fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009). Natureza processual. Aplicação imediata aos processos em curso. 5. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para julgar procedente a reclamação.” (Rcl 47261 AgR-ED, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 10/10/2022, DJe- 17/10/2022) “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NO SENTIDO DOS ACÓRDÃOS PARADIGMAS. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 1º-D DA LEI 9.494/1997, INTRODUZIDO PELA MEDIDA PROVISÓRIA 2.180-35/2001. AÇÕES INICIADAS ANTES DA SUA VIGÊNCIA. APLICABILIDADE. PRECEDENTES. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. I - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 420.816/RS, reconheceu a constitucionalidade do art. 1º-D da Lei 9.494/1997, introduzido pela Medida Provisória 2.180-35/2001. Na oportunidade, reduziu-se a aplicação do dispositivo à hipótese de execução, por quantia certa, contra a Fazenda Pública (art. 730 do Código de Processo Civil/1973), excluídos os casos de pagamentos de obrigações definidos em lei como de pequeno valor, objeto do § 3º do art. 100 da Constituição Federal. II - Esta Corte reconhece que as normas de natureza processual são de aplicação imediata, desse modo, o disposto no art. 1º-D da Lei 9.494/1997 incide nas hipóteses em que o ajuizamento da execução tenha ocorrido em momento anterior à vigência da MP 2.180-35/2001. III – Embargos de divergência providos para dar provimento ao recurso extraordinário.” (RE 458038 AgR-AgR-EDv, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2022, DJe- 03/08/2022) “AGRAVO INTERNO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI N. 11.960/2009. OFENSA À COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. I - A incidência dos juros moratórios atende a normas de natureza processual, que se aplicam de imediato aos processos em curso, mesmo que na fase de cumprimento de sentença. Sendo assim, as disposições da Lei n. 11.960/2009 que tratam do encargo moratório imposto nas condenações da Fazenda Pública têm aplicação no período que se segue ao início da sua vigência, conforme o princípio do tempus regit actum, sem ofensa à coisa julgada. Precedentes. II - Além disso, a jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido de que, em se tratando de obrigação de trato sucessivo, a aplicação de índice de correção monetária, em execução, diverso daquele previsto no título executivo, adotando aquele que melhor reflete a variação de preços da economia, não ofende a coisa julgada. Precedente. III - A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos REsps n. 1.111.117/PR e 1.111.119/PR, pelo rito dos recursos repetitivos, fixou a tese, correspondente ao Tema n. 176, de que é possível a revisão do capítulo dos consectários legais fixados no título judicial, em fase de liquidação ou cumprimento de sentença, em virtude da alteração operada pela lei nova. IV - Agravo interno improvido.” (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.952.512/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe de 31/5/2023) Ante o exposto, não conheço da remessa oficial, acompanhando o e. Relator quanto às apelações dos acusados, para julgar improcedente a ação, e aos recursos do MPF e da UNIÃO. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006882-41.2009.4.03.6111
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, JOSE ABELARDO GUIMARAES CAMARINHA, JOSE LUIS DATILO
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO DE SOUZA MAZETO - SP148760-A
Advogado do(a) APELANTE: MANOEL ROBERTO RODRIGUES - SP38794-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, JOSE ABELARDO GUIMARAES CAMARINHA, JOSE LUIS DATILO, ELCIO SENO
Advogado do(a) APELADO: MANOEL ROBERTO RODRIGUES - SP38794-A
Advogado do(a) APELADO: ELCIO SENO - SP34157
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO DE SOUZA MAZETO - SP148760-A
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: ADRIANO DAUN MONICI
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ADRIANO DAUN MONICI - SP140701
V O T O
I) DO REEXAME NECESSÁRIO
Ressalte-se que se trata de caso de remessa obrigatória, embora a Lei nº 7.347/1985 silencie a respeito, uma vez que, por interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, conclui-se aplicável analogicamente o artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65), verbis:
Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014/73)
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que os pedidos formulados em ação civil pública por ato de improbidade administrativa julgados improcedentes estão sujeitos ao reexame necessário. Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIA ELEITA ADEQUADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211/STJ. ENTENDIMENTO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA N. 83/STJ.
I - Trata-se de ação rescisória objetivando a desconstituição do acórdão proferido pela 13ª Câmara Cível no Processo n. 1.0471.03.012281-9/009. No Tribunal a quo, a ação foi julgada improcedente.
II - Quanto à matéria constante nos arts. 10 e 496 do CPC/15, verifica-se que o Tribunal a quo, em nenhum momento, abordou as questões referidas nos dispositivos legais, mesmo após a oposição de embargos de declaração apontando a suposta omissão. Nesse contexto, incide, na hipótese, a Súmula n. 211/STJ, que assim dispõe:
"Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo."
III - Gize-se, por oportuno, que a falta de exame de questão constante de normativo legal apontado pelo recorrente nos embargos de declaração não caracteriza, por si só, omissão quando a questão é afastada de maneira fundamentada pelo Tribunal a quo, ou ainda, não é abordada pelo Sodalício, e o recorrente, em ambas as situações, não demonstra, de forma analítica e detalhada, a relevância do exame da questão apresentada para o deslinde final da causa.
IV - O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, a qual é firme no sentido de que as sentenças de improcedência de pedidos formulados em ação civil pública por ato de improbidade administrativa sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário, seja por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (art. 475 do CPC/1973), seja pela aplicação analógica do Lei da Ação Popular (art. 19 da Lei n. 4.717/65). Nesse mesmo sentido. AgInt no REsp 1612579/RR, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020; (AgInt no REsp 1817056/ES, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe 20/11/2019; REsp 1733729/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 17/12/2018.
V - Dessa forma, aplica-se, à espécie, o enunciado da Súmula n. 83/STJ: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." Ressalte-se que o teor do referido enunciado aplica-se, inclusive, aos recursos especiais interpostos com fundamento na alínea a do permissivo constitucional.
VI - Agravo interno improvido.
(AgInt no AREsp n. 1.541.937/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022.)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA. INAPLICABILIDADE.
1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).
2. De acordo com precedente da 1ª Seção, as sentenças de improcedência de pedidos formulados em ação civil pública por ato de improbidade administrativa sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário, seja por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (art. 475 do CPC/1973), seja pela aplicação analógica do Lei da Ação Popular (art. 19 da Lei n. 4.717/65). Nesse sentido: EREsp 1.220.667/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 30/6/2017.
3. Questão recentemente submetida a julgamento na sistemática dos recursos repetitivos (Tema n. 1.042 do STJ).
4. In casu, a sentença que examinou a ação de improbidade administrativa foi de procedência, não sendo o caso de sobrestar o julgamento (diante da afetação do tema) nem de submetê-la ao reexame necessário, pois eventual irresignação da parte autora no tocante aos limites da condenação imposta ao agente ímprobo deveria ter sido deduzida por meio do recurso cabível 5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp n. 1.612.579/RR, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 28/4/2020, DJe de 4/5/2020.)
Não se desconhece que a Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, prevê, no artigo 17, § 19, inciso IV, e artigo 17-C, § 3º, o não cabimento do reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução do mérito nas ações de improbidade. Contudo, por se tratar de norma processual e à vista do interesse público, as disposições devem ser aplicadas às sentenças proferidas a partir da publicação da norma. Assim, o que baliza o cabimento da confirmação da sentença pelo tribunal é a data da sentença, ou seja, para decisões proferidas antes da publicação da nova lei (26/10/2021), caberá o seu reexame necessário, como no caso concreto, em que a sentença foi publicada em 19/04/2016 (Id. 107500544 – fl. 122). Para decisões posteriores à nova lei, não caberá a remessa oficial.
II) DAS PRELIMINARES
2.1) INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA FEDERAL
JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA suscita a incompetência da Justiça Federal, considerada a aplicação das Súmulas 208 e 209 do STJ, visto que os valores foram repassados pela Caixa Econômica Federal e incorporados aos cofres municipais e a prestação de contas julgada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
Extrai-se da inicial que a União, por intermédio da Caixa Econômica Federal, e o Município de Marília/SP celebraram, em 26/12/2000, contratos de repasse, que tinham como objeto comum a transferência de recursos financeiros para a implantação e ampliação dos serviços de abastecimento de água, para a execução de ações relativas ao “Programa Morar Melhor” (Id. 107493832 – fls. 28/48). Os contratos sofreram alterações por aditivos, pelos quais o município ficou responsabilizado pela conclusão do empreendimento e aporte de recursos adicionais necessários à consecução do objeto contratado (Id. 107493832 – fls. 49/53).
De acordo com o item 3.1 da cláusula terceira, comum aos contratos de repasse, a União tinha como obrigações, entre outras, manter o acompanhamento da execução do empreendimento, atestar a aquisição dos bens pelo município, constantes no projeto, e analisar eventuais solicitações de reformulação do plano de trabalho feitas pelo contratado. Por sua vez, consoante o item 3.2, competia ao município manter conta bancária vinculada ao contrato em agência da CEF, apresentar mensalmente à UNIÃO relatórios de execução físico-financeira relativa ao contrato e contrapartida, prestar contas à UNIÃO dos recursos transferidos e dos eventuais rendimentos provenientes das aplicações financeiras legalmente autorizadas, propiciar os meios e as condições necessários para realização de inspeções periódicas pela UNIÃO e órgãos de controle externo, bem como restituir o saldo dos recursos não utilizados. A cláusula quinta previa que o desembolso dos recursos ocorreria em conformidade com o cronograma físico-financeiro, após atestada pelo contratante a execução física da etapa correspondente e comprovação financeira da etapa anterior pelo contratado, e a última parcela ficaria condicionada ao ateste pelo contratante da execução total do empreendimento e comprovação da integral aplicação do valor relativo à contrapartida. Segundo os itens 7.3, 7.4 e 7.4.3 da cláusula sétima, os recursos transferidos não poderiam ser utilizados em finalidade diversa da estabelecida e deveriam ser movimentados, única e exclusivamente, em conta mantida junto à Caixa Econômica Federal, vinculada ao contrato de repasse, e eventuais saldos financeiros verificados quando da conclusão da obra, denúncia, rescisão ou extinção do contrato de repasse, inclusive provenientes das receitas obtidas em aplicações financeiras, deveriam ser restituídos à União Federal, no prazo improrrogável de trinta dias do evento, com a cominação de instauração de tomada de contas especial pela UNIÃO. O item 7.5 da cláusula sétima obrigava o município a restituir os valores transferidos, acrescidos de juros legais e atualizados monetariamente, a partir da data de recebimento, nos casos em que o objeto pactuado não fosse executado, a prestação de contas não fosse apresentada no prazo regulamentar ou os recursos fossem empregados em finalidade diversa da estabelecida. Conforme a cláusula nona, cabia ao contratante o acompanhamento e avaliação das ações constantes no plano de trabalho. O município era obrigado a registrar, em sua contabilidade, em conta específica, vinculado ao ativo financeiro, os recursos recebidos da UNIÃO e como contrapartida conta adequada ao passivo financeiro, com identificação do contrato de repasse e especificação das despesas (item 10 da cláusula décima). As faturas, recibos, notas fiscais e outros documentos comprobatórios de despesas deveriam ser emitidos com a identificação do número do contrato de repasse (item 10.1 da cláusula décima). O município deveria apresentar à UNIÃO a prestação de contas referente ao total dos recursos, no prazo de até 60 dias após a data da liberação da última parcela, com a cominação de instauração de tomada de contas especial pela contratante (cláusula décima primeira). A cláusula décima segunda previa que os serviços de auditoria seriam realizados pelos órgãos de controle interno e externo da União, sem prejuízo da competência de fiscalização do município. A cláusula décima quinta conferia à União a prerrogativa de promover a inspeção físico-financeira das atividades referentes ao contrato de repasse e a faculdade de assumir ou transferir a responsabilidade da execução da obra/serviço, no caso de paralisação ou da ocorrência de fato relevante.
Diferentemente do alegado, não se trata de recurso incorporado ao patrimônio municipal, mas de verba transferida pela União, vinculada a uma finalidade estipulada pelo órgão federal, sujeita à fiscalização e prestação de contas à administração pública federal e restituição dos recursos não utilizados ou empregados em desacordo com o contrato de repasse. Acrescenta-se que a UNIÃO manifestou interesse em integrar a lide, na qualidade de assistente litisconsorcial do MPF (Id. 107500463 – fl. 74). Desse modo, como os recursos repassados têm origem federal, foram transferidos por força de contrato de repasse, são controlados e fiscalizados pela União e sujeitos à devolução, aliado ao interesse processual manifestado pelo ente federal, constata-se a competência da Justiça Federal. Nesse sentido, a Súmula 208 do STJ: “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal”. (SÚMULA 208, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/1998, DJ 03/06/1998, p. 68). Destacam-se os demais precedentes:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO DECLINATÓRIA DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MALVERSAÇÃO DE RECURSOS FEDERAIS REPASSADOS A ENTES MUNICIPAIS. INTERESSE DO ENTE FEDERAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO POLO ATIVO DA DEMANDA. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Na origem, o Ministério Público Federal que propôs Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa contra os ora recorridos alegando indevida inexigibilidade de licitação para a contratação de shows de artistas e banda musicais, sem apresentação da documentação comprobatória de exclusividade de comercialização dos artistas por parte da empresa contratada, sendo utilizados para o pagamento do contrato recursos federais oriundos de convênio firmado entre o Ministério do Turismo e o Município de Santa Albertina/SP.
(...)
5. Via de regra, o simples fato de a ação ter sido ajuizada pelo Ministério Público Federal implica, por si só, a competência da Justiça Federal, por aplicação do art. 109, I, da Constituição, já que o MPF é parte da União. Contudo, a questão de uma ação ter sido ajuizada pelo MPF não garante que ela terá sentença de mérito na Justiça Federal, pois é possível que se conclua pela ilegitimidade ativa do Parquet Federal, diante de eventual falta de atribuição para atuar no feito.
6. Haverá a atribuição do Ministério Público Federal, em síntese, quando existir interesse federal envolvido, considerando-se como tal um daqueles previstos pelo art. 109 da Constituição, que estabelece a competência da Justiça Federal. Assim, tendo sido fixado nas instâncias ordinárias que a origem da Ação Civil Pública é a malversação de recursos públicos repassados por ente federal, justifica-se plenamente a atribuição do Ministério Público Federal.
Nesse sentido, confira-se precedente do Pleno do Supremo Tribunal Federal: ACO 1463 AgR. Relator Min. Dias Toffolli, Tribunal Pleno, julgado em 1/12/2011. Acórdão eletrônico DJe-22 Divulg. 31-01-2012 Public. 1-2-2012 RT v. 101, a 919.2011 p. 635-650.
7. Nessa linha de entendimento, precedente desta Segunda Turma sob a relatoria da eminente Min. Eliana Calmon: "... tratando-se de malversação de verbas federais, repassadas pela União ao Município de Canoas/RS, para aporte financeiro ao Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE FNDE, cujo objetivo é atender as necessidades nutricionais de alunos matriculados em escolas públicas, razão pela qual é inquestionável a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do MPF". (AgRg no AREsp 30.160,RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 2011/2013).
8. Tratando-se da fiscalização de recursos que inclui aqueles provenientes da União, sujeitos à fiscalização de entes federais, indubitável a atribuição do Ministério Público Federal para atuar no feito. Consequentemente, enquadra-se o MPF na relação de agentes elencadas no art. 109, I, da Constituição, que estabelece a competência da Justiça Federal. Nesse sentido: REsp 1.513.925/BA, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 13/9/2017; AgRg no AREsp 30.160/RS, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJ 20/11/2013; REsp 1.283.737/DF, Rel. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 25/3/2014.
9. Assim, o aresto hostilizado destoa da jurisprudência do STJ, que se firmou no sentido de que, em se tratando de malversação de verbas federais repassadas pela União, é inquestionável a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do Ministério Público Federal.
10. Há, portanto, inquestionável supremacia do interesse nacional da União nessas ações, uma vez que, entre o volume de recursos que municípios e estados administram, há expressivo montante de recursos federais, em consequência das características do nosso federalismo.
12. Ademais, a Lei Orgânica do Ministério Público da União - LC 75/1993 -, que, entre outros aspectos, disciplina a atuação dos seus membros, conferindo-lhes prerrogativas para a defesa dos direitos de uma coletividade de indivíduos e do efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública, objeto do recurso em exame.
13. Ressalta-se que a demanda proposta pelo Parquet Federal veicula típico interesse transindividual, que ultrapassa a esfera pessoal dos indivíduos envolvidos e atinge uma coletividade de pessoas, repercutindo no interesse público e no respeito aos princípios da transparência e publicidade de gastos públicos envolvendo a aplicação de verbas federais, e a proteção ao Erário.
14. Por conseguinte, considerando a possível repercussão do eventual descumprimento das prescrições legais citadas sobre repasses de verbas da União, reconhece-se a legitimidade do MPF para propor a presente ACP e fixa-se a competência da Justiça Federal para este caso, haja vista o entendimento cristalizado pelo STF e pelo STJ.
15. Recurso Ordinário provido para conceder a ordem pleiteada, fixando a competência da Justiça Federal para apreciar a demanda originária.
(STJ, RMS n. 56.135/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/9/2019, DJe de 11/10/2019.) [ressaltado]
PROCESSUAL PENAL. RECURSOS PROVENIENTES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). INCORPORAÇÃO DA VERBA AO PATRIMÔNIO MUNICIPAL. IRRELEVÂNCIA. PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. "OPERAÇÃO GRABATO". OMISSÃO E OBSCURIDADE. TEORIA DO JUÍZO APARENTE. ANÁLISE EXAURIENTE DO TEMA. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. 2. EMPENHO DE VERBA DA UNIÃO. UTILIZAÇÃO DE VALORES DA UNIÃO. IRRELEVÂNCIA DA PORCENTAGEM. COMPETÊNCIA FEDERAL. 3. MERA IRRESIGNAÇÃO COM O MÉRITO. NÃO CABIMENTO DE ACLARATÓRIOS. 4. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. A teoria do juízo aparente foi detidamente analisada, concluindo-se, no entanto, por meio da simples leitura de decisão que decretou a busca e apreensão, sem necessidade de revolvimento de fatos e provas, que já era do conhecimento do Juízo que proferiu a decisão que os fatos investigados envolviam verbas da União, solicitando-se a participação de técnicos da CGU não apenas em razão do conhecimento técnico, mas também para "compartilhamento do que vier a ser apurado em ambas as esferas (administrativa e penal)". Logo, não há se falar em omissão nem em obscuridade no tratamento dado à teoria do juízo aparente.
- Não há dúvidas a respeito da competência da Justiça Federal para processar e julgar os processos relativos ao desvio de verbas da saúde repassadas pela União, haja vista o dever do governo Federal de supervisionar essas verbas. "Nesses casos, segundo a jurisprudência assente neste Superior Tribunal de Justiça, sobressai o interesse direto da União - tanto que há prestação de contas perante o TCU e fiscalização pelo Executivo Federal -, o que atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar tais feitos" (RHC 111.715/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 10/10/2019).
2. Tanto o empenho de apenas 0,001% da despesa total quanto a utilização efetiva de 10% de valores repassados pela União, dados anunciados em nota pública do Ministério Público local, referentes a um dos contratos em investigação, já são aptos a atrair a competência da Justiça Federal. De fato, a competência federal na esfera penal está disposta no inciso IV do art. 109 da CF e depende da prática de infrações penais em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Nesse contexto, havendo verbas federais e distritais, é assente a prevalência da competência da Justiça Federal, conforme se depreende, inclusive, pela leitura do enunciado n. 122 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
- Esta Corte Superior consolidou entendimento de que, por estarem sujeitas à fiscalização dos órgãos de controle interno do Poder Executivo Federal, bem como do Tribunal de Contas da União, as verbas repassadas pelo Sistema Único de Saúde - inclusive na modalidade de transferência "fundo a fundo" - ostentam interesse da União em sua aplicação e destinação. Eventual desvio atrai a competência da Justiça Federal para conhecer da matéria, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal. Precedentes do STJ. Na mesma linha, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: ARE n.1.015.386 AgR, Relator(a): Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 21/9/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 27/9/2018 PUBLIC 28/9/2018; ARE n. 1.136.510 AgR, Relator(a): Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/8/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 5/9/2018 PUBLIC 6/9/2018; RE n.986.386 AgR, Relator(a): Ministro MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 24/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 31/1/2018 PUBLIC 1º/2/2018. (AgRg no CC 169.033/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2020, DJe 18/05/2020).
3. Constata-se, portanto, que a matéria foi analisada à exaustão, embora tenha se firmado entendimento em sentido contrário ao do embargante, situação que não autoriza a oposição de embargos de declaração. Assim, resolvidas as questões com fundamentação satisfatória, acaso a parte não se conforme com as razões declinadas ou considere a existência de algum equívoco ou erro de julgamento, não são os embargos, que possuem função processual limitada, a via própria para impugnar o julgado ou rediscutir a causa.
- A realidade fática da causa é estabelecida na decisão originária e no acórdão da Corte Revisora, ainda mais se não houve sequer recurso ministerial quanto à incompetência absoluta proclamada pelo TJDFT.
- Inocorrência de qualquer das hipóteses previstas no art. 619 do CPP.
4. Embargos de declaração rejeitados.
(STJ, EDcl no RHC 130.197/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 27/11/2020) [ressaltado]
Registra-se que a presença do Ministério Público Federal como autor da ação também atrai, regra geral, a competência da Justiça Federal:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CONTRA O ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DA LEI 12.527/2011 E DA LEI COMPLEMENTAR 131/2009. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, EM MATÉRIA CÍVEL. ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA, EM RAZÃO DA PESSOA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA O JULGAMENTO DO FEITO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Agravo interno interposto em contra decisão publicada em 03/05/2017. II. Conflito de Competência suscitado nos autos de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o Estado de Mato Grosso do Sul, sustentando o descumprimento, pelo réu, das regras previstas na Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e na Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência).
III. Nos termos da jurisprudência do STJ, (a) "a competência da Justiça Federal, prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, é fixada, em regra, em razão da pessoa (competência ratione personae), levando-se em conta não a natureza da lide, mas, sim, a identidade das partes na relação processual" (STJ, CC 105.196/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 22/02/2010); e (b) "em ação proposta pelo Ministério Público Federal, órgão da União, somente a Justiça Federal está constitucionalmente habilitada a proferir sentença que vincule tal órgão, ainda que seja sentença negando a sua legitimação ativa" (STJ, CC 40.534/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, DJU de 17/05/2004). Em igual sentido: STJ, REsp 1.645.638/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 12/05/2017; STF, AgRg no RE 822.816/DF, Rel.Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, SEGUNDA TURMA, DJe de 15/06/2016.
IV. Agravo interno improvido.
(STJ, AgInt no CC 151.506/MS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/09/2017, DJe 06/10/2017) [ressaltado]
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Nos termos do inciso I do art. 109 da CRFB/88, a competência cível da Justiça Federal define-se pela natureza das pessoas envolvidas no processo - rationae personae -, sendo desnecessário perquirir a natureza da causa (análise do pedido ou causa de pedir), excepcionando-se apenas as causas de falência, de acidente do trabalho e as sujeitas às Justiças Eleitoral e do Trabalho.
2. In casu, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública pleiteando o recolhimento de contribuição previdenciária, especificamente a contribuição destinada ao Plano de Assistência Social (PAS). Segundo mandamento constitucional, o fato de a demanda ter sido ajuizada pelo Parquet Federal, por si só, determina a competência da Justiça Federal.
3. "Em ação proposta pelo Ministério Público Federal, órgão da União, somente a Justiça Federal está constitucionalmente habilitada a proferir sentença que vincule tal órgão, ainda que seja sentença negando a sua legitimação ativa" (CC 40534/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, DJU de 17.05.04).
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no CC 107.638/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/03/2012, DJe 20/04/2012) [ressaltado]
2.2) ILEGITIMIDADE PASSIVA
JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA afirma ser parte ilegítima, pois era prefeito, ou seja, agente político, figura não inserida no artigo 2º da LIA.
O artigo 1º da Lei nº 8.429/92, na sua redação original, previa que o ato de improbidade praticado por agente público contra a administração direta, indireta ou fundacional ou o patrimônio de entidade que recebia subvenção de órgão público seria punido na forma estabelecida pela norma. Por sua vez, o artigo 2º considerava como agente público todo aquele que exercia, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas referidas entidades. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 576 da Repercussão Geral, fixou a seguinte tese jurídica: "o processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias" (STF, RE 976566, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 13/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-210 DIVULG 25-09-2019 PUBLIC 26-09-2019).
Consoante entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, é admitida a responsabilização de agentes políticos nos termos da lei de improbidade e aplicação das respectivas sanções: “e não ocorre, desse modo, bis in idem nem incompatibilidade entre a responsabilização política e a criminal” (AgInt no REsp n. 1.856.755/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 22/6/2020, DJe de 26/6/2020.). Destaca-se, mais:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. JUSTA CAUSA. RECEBIMENTO DA INICIAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO STJ. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. BIS IN IDEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. AGENTE POLÍTICO. LEI N. 8.429/1992. APLICAÇÃO. DECRETO-LEI N. 201/1967. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUTÔNOMA EM FACE DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
(...)
IV - Este Tribunal Superior firmou entendimento segundo o qual o conceito de agente público estabelecido no art. 2º da Lei n. 8.429/1992 abrange os agentes políticos, como prefeitos e vereadores, não havendo bis in idem, nem incompatibilidade entre a responsabilização política e criminal estabelecida no Decreto-Lei n. 201/1967, com a responsabilização pela prática de ato de improbidade administrativa e respectivas sanções civis (art. 12 da LIA).
Precedentes.
V - O acórdão recorrido observou a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal, bem como nesta Corte, segundo a qual, por não possuir natureza penal ou administrativa, a ação de improbidade é autônoma em relação a tais instâncias, não configurando óbice ao processamento da presente demanda a existência de ação penal em trâmite. Precedentes.
VI - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
VII - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
VIII - Agravo Interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.947.699/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 3/11/2021, DJe de 8/11/2021.) [ressaltado]
2.3) FALTA DE INTERESSE RECURSAL DA UNIÃO
O requerido JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA suscita, nas contrarrazões, a falta de interesse recursal da UNIÃO, ao argumento de que o objetivo de recuperação de eventual prejuízo foi satisfeito, visto que a sentença condenou os requeridos à devolução de valores.
In casu, a ação foi ajuizada pelo MPF, que requereu na inicial a notificação da UNIÃO para manifestar interesse em ingressar no feito. Intimada, pediu seu ingresso na ação, na qualidade de assistente litisconsorcial do autor (Id. 107500463 – fl. 74), o que foi deferido (Id. 107500547 – fls. 87/94). Assim, atuou ao lado do Parquet e praticou atos inerentes à sua condição, como o requerimento de oitiva de testemunhas (Id. 107500547 – fls. 96/97), participação nas audiências de instrução (Id. 107500547 – fls. 183/184 e 232), solicitação de encaminhamento de documentos para instrução de cartas precatórias (Id. Id. 107500547 – fls. 147 e 216), apresentação de alegações finais conjuntamente com o MPF (Id. 107500547 – fls. 241/277), oposição de embargos de declaração (Id. 107500544 – fls. 123/125), interposição de apelação e apresentação de contrarrazões juntamente com o Autor (Id. 107500544 – fls. 154/197 e Id. 107500475 – fls. 137/195) e apresentação de manifestação (Id. 107500476 – fls. 09/10).
A UNIÃO tem legitimidade concorrente com o MPF para ajuizar a ação de improbidade, na qualidade de pessoa jurídica interessada, com fundamento no artigo 17, caput, da LIA, na redação vigente à época do ajuizamento da ação. Desse modo, o seu interesse não se limita à condenação dos acusados ao ressarcimento dos danos, mas também à aplicação das sanções previstas no artigo 12 da lei. Nesse sentido, o STJ reconhece que a União tem legitimidade ativa para ajuizar a ação civil pública por improbidade administrativa e que seu interesse processual não se limita a questões de natureza patrimonial:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRETENSÃO DE REFORMA DO ARESTO POR ALEGADA DIVERGÊNCIA QUANTO À PROCLAMAÇÃO DE PERTINÊNCIA SUBJETIVA E INTERESSE DA UNIÃO PARA O AJUIZAMENTO DA LIDE SANCIONADORA. INOCORRÊNCIA DE SOLUÇÕES DÍSPARES PARA QUESTÕES FACTUAIS SÍMILES. AGRAVO INTERNO DO DEMANDADO DESPROVIDO.
1. Trata-se de Ação de Improbidade ajuizada pela UNIÃO contra Gestor Municipal e outros Agentes Públicos por alegadas irregularidades em Convênio firmado entre o Ministério da Saúde e o Município de Feira de Santana/BA para a compra de Unidade Móvel de Saúde.
2. Houve sentença extintiva do feito, por ausência de interesse, julgado este reformado pelo TRF da 1a. Região, para proclamar a pertinência subjetiva e o interesse do Ente Estatal. Daí advém o Apelo Raro do implicado, o então Prefeito da urbe baiana.
3. Cinge-se a controvérsia em analisar se a UNIÃO possui legitimação ativa para a Ação de Improbidade em análise. Alega o agravante que haveria dissídio jurisprudencial entre a diretriz desta Corte Superior e o aresto de origem.
4. Sobre o tema, esta Corte Superior tem julgado que verte questão símile à discutida nestes autos, em que se proclamou a tese de que o interesse processual na ação civil pública por improbidade administrativa transcende a mera aferição do patrimônio econômico.
Simples a visualização desta conclusão na espécie: o combate à proliferação do mosquito da dengue insere-se no contexto de uma política pública de saúde de espectro nacional, envolvendo medidas de cooperação entre os entes federados, razão pela qual não é sustentável alegar que a União não tem interesse jurídico - da mesma forma que o é alegar que o Município envolvido também não o tem.
Trata-se de legitimidade ativa disjuntiva (...) Sob um ou outro ângulo, tanto o Município como a União são parte legítimas para propor ação civil pública como a presente (REsp. 1.070.067/RN, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 4.10.2010).
5. Na presente demanda, o Tribunal asseverou que, embora não tenho sido constatado prejuízo econômico imediato, a alegação da apelante de total ilegalidade da qual se revestiram os atos dos requeridos legitima a União a buscar a sanção dos apelados pelos atos ímprobos verificados, haja vista que seu interesse processual na ação civil pública por improbidade administrativa não se restringe a questões de natureza patrimonial (fls. 672). Não há controle de legalidade a ser exercido por esta Corte Superior ao acórdão recorrido, por não haver dissonância de soluções para idênticas questões factuais.
6. Agravo Interno do demandado desprovido.
(AgInt no AREsp n. 1.179.839/BA, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 25/5/2020, DJe de 28/5/2020.) [ressaltado]
Registra-se que, a despeito da previsão contida no artigo 17 da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, que confere ao Ministério Público a legitimidade exclusiva para o ajuizamento da ação, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADI 7043/DF e ADI 7042/DF, declarou a inconstitucionalidade parcial do caput do dispositivo, para: “restabelecer a legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Parquet e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil”. Os acórdãos transitaram em julgado em 07/03/2023 e 08/03/2023, respectivamente.
III) DA PRESCRIÇÃO
O acusado JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA afirma ter ocorrido a prescrição das sanções e do ressarcimento, vez que ultrapassado o prazo de cinco anos do término do mandato, considerado que deixou o cargo de prefeito em 2004.
A alegação de prescrição, concernente às sanções previstas na Lei nº 8.429/92, não pode ser conhecida, porquanto foi objeto de análise no julgamento do Agravo de Instrumento nº 0029932-23.2014.4.03.0000, interposto pelo requerido. A Quarta Turma deu parcial provimento ao recurso, para rejeitar a prescrição (Id. 107500544 – fls. 205/213). O agravante não se insurgiu contra o acórdão, que transitou em julgado em 13/06/2016. Diferentemente do alegado, a matérias de ordem pública estão sujeitas à preclusão, como tem reconhecido o Superior Tribunal de Justiça, verbis:
AGRAVO INTERNO NA EXECUÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS CÁLCULOS APRESENTADOS PELA CEJU. PRECLUSÃO. AGRAVO IMPROVIDO.
1. "Nos termos da jurisprudência desta Corte, as matérias, inclusive as de ordem pública, decididas no processo, e que não tenham sido impugnadas em momento oportuno, sujeitam-se à preclusão". (AgInt no AREsp n. 1.657.737/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 21/9/2020, DJe de 8/10/2020.) 2. Agravo interno improvido.
(STJ, AgInt na ExeMS n. 6.864/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 2/3/2023, DJe de 7/3/2023.). [ressaltado]
Relativamente à prescrição concernente ao pedido de devolução de valores, cabe registrar que o magistrado reconheceu que as condutas praticadas pelos acusados configuravam ato de improbidade administrativa, previsto no artigo 10 da LIA, nas modalidades dolosa e culposa, bem como a atitude dolosa no descumprimento do contrato (Id. 107500544 – fls. 04/113). Nessa acepção, o STF, no julgamento do RE 852475, com repercussão geral reconhecida, consolidou o entendimento de que as ações de ressarcimento ao erário decorrente da prática de atos dolosos tipificados na lei de improbidade são imprescritíveis por expressa disposição constitucional (artigo 37, § 5º):
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5 º, DA CONSTITUIÇÃO.
1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais.
2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB).
3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente.
4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis.
5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
6. Parcial provimento do recurso extraordinário para (i) afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e (ii) determinar que o tribunal recorrido, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão de ressarcimento.
(RE 852475 RG, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-058 DIVULG 22-03-2019 PUBLIC 25-03-2019)
IV) DOS FATOS E PROCESSAMENTO
Ação civil pública de responsabilização por ato de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal, com o objetivo de obter a responsabilização de JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, JOSE LUIZ DÁTILO e ÉLCIO SENO pela prática de atos de improbidade, descritos nos artigos 10 e 11 da Lei n.º 8.429/92, aplicação das sanções previstas no artigo 12, incisos II e III, do referido estatuto e condenação ao ressarcimento dos danos materiais e pagamento dos ônus sucumbenciais (Id. 107500537 – fls. 09/51).
O autor narra que a UNIÃO e o Município de Marília celebraram, em 26/12/2000, cinco contratos de repasse para execução de ações relativas ao “Programa Morar Melhor". Os Contratos de Repasse n° 0108769-66/2000/SEDU/CAIXA, n° 0106191-42/2000/SEDU/CAIXA e n° 0102739-67/2000/SEDU/CAIXA tinham como objeto a: “implantação e ampliação dos serviços de abastecimento de água”. Foram firmados termos aditivos, em 29/10/2001, com o acréscimo às cláusulas terceiras do subitem 3.2 e item “m”: “responsabilizar-se pela conclusão do empreendimento, a fim de assegurar sua funcionalidade, quando o objeto do contrato prever apenas a execução de parte desse empreendimento”. O item 4.3 da cláusula quarta dos ajustes previa que: “os recursos adicionais que venham ser necessários à consecução do objeto deste Contrato terão o seu aporte sob responsabilidade exclusiva do CONTRATADO”. Nas prorrogações efetuadas nas cartas reversais está prevista a necessidade de observância dos objetivos, metas e etapas de execução com os respectivos cronogramas, constantes de seus planos de trabalho, com vigência até agosto de 2004.
Afirma que os acusados deram início à Concorrência Pública nº 001/2002, que tinha objetivo: "o fornecimento de material e mão-de-obra para execução de obras de urbanização e de recuperação de áreas degradadas e sistema de água da zona norte, compreendendo: a) construção de barragem, sistema de captação, adução e estação de tratamento; b) canalização do afluente da margem direita do Córrego Ribeirão dos Índios; c) construção de trinta e duas moradias visando desfavelamento". O acusado JOSÉ LUÍS DÁTILO, então Presidente da Comissão Especial de Licitação, lançou o Edital n° 17, de 14/02/2002, com prazo de execução de vinte e quatro meses e valor total da obra de R$ 8.022.102,75. A proposta vencedora foi a da empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA., com orçamento total de R$ 7.782.186,28. O contrato para execução das obras (CO n° 729-02), subscrito por JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, ÉLCIO SENO e JOSÉ LUIS DÁTILO, representantes do Município de Marília, foi celebrado em 11 de junho de 2002. O ajuste sofreu alterações, a partir de janeiro de 2004, por dez termos aditivos, nove relativos a reajustes nos valores das medições e um para duplicar o prazo de execução. Foram firmados os Termos de Rerratificação nº 01, para alterar a cláusula relativa ao valor dos termos aditivos, que tratavam de reajustes de valores das medições, e nº 02, com o objetivo de alterar o objeto do contrato e seus elementos característicos e incorporar a planilha feita após o balanço dos serviços executados e eliminados, com a transferência desses serviços para a construção da barragem (sistema de captação de água). Com a última alteração, todos os serviços que seriam contemplados pelos contratos de repasse distratados foram cancelados. Os Contratos de Repasse n° 0108770- 94/2000/SEDU/CAIXA e n° 0115880-72/2000/SEDU/CAIXA, que tinham como objeto a: "urbanização de áreas ocupadas por sub-habitações", foram extintos, em 31/10/2002, no término da vigência, e os respectivos recursos financeiros e rendimentos devolvidos à UNIÃO. As verbas não foram utilizadas, uma vez que as propostas apresentadas pelo município não eram passíveis de enquadramento nos objetivos do aludido programa.
Informa que, no dia 04/11/2003, o Tribunal de Contas do Estado julgou irregulares a concorrência pública e o respectivo Contrato CO nº 729-02 e determinou ao Município de Marília que adotasse as providências necessárias ao exato cumprimento da lei. O trânsito em julgado da tomada de contas ocorreu, em 18/01/2005, e, a despeito dos recursos interpostos, a decisão foi mantida. No dia 05/11/2004, o município, na gestão de JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA e por intermédio de JOSÉ LUÍS DÁTILO, Secretário Municipal, suspendeu o prazo de execução das obras pelo período de cento e vinte dias, com base nas seguintes justificativas: "o encerramento dos contratos de repasse com a Caixa Econômica Federal, falta de recurso da municipalidade e a necessidade de se cumprir a lei de responsabilidade fiscal”. A Corte de Contas notificou o Prefeito de Marília para que cumprisse a decisão, o que motivou a instauração de processo administrativo para apuração das irregularidades apontadas.
A Procuradoria da República no Município de Marília instaurou o Procedimento Administrativo n° 1.34.007.000113/2006-13 (Apenso n° 1.34.007.000186/2007-88), para verificar eventuais irregularidades na execução/suspensão das obras de construção da barragem no Córrego Ribeirão dos Índios, em que foram utilizadas verbas federais repassadas pela UNIÃO relativas ao “Programa Morar Melhor". Em 15/01/2008, foi realizada perícia técnica nas obras pelo perito do MPF, da qual participaram os representantes da construtora e servidores do Município de Marília e, em 30/06/2009, foi celebrado o termo de compromisso de ajustamento de conduta com o prefeito à época, com o objetivo de finalizar a construção da barragem, proteger os recursos públicos aplicados, preservar o solo e os recursos hídricos lesados em decorrência da paralisação da obra e proteger a nascente que abasteceria a barragem, ajuste que foi cumprido pela administração municipal.
Segundo o Parquet, a recuperação ambiental estava devidamente resguardada pelo termo firmado entre o Departamento de Água e Esgoto de Marília e o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais, compromisso assumido pelo Município de Marília no plano de trabalho dos contratos de repasse e reconhecimento pela Secretaria de Obras da sua ocorrência. Relativamente à execução e suspensão das obras e aplicação dos recursos, o laudo pericial do MPF identificou ilegalidades, como o descumprimento pelo município de cláusulas dos contratos de repasse e nulidade do procedimento licitatório e respectivo contrato. O município teria desrespeitado os subitens “a”, “b”, “j” e “m” do item 3.2 da cláusula terceira dos pactos de repasse, pois, apesar da transferência das verbas públicas federais, as obras previstas não foram executadas. Além da inexecução do contrato, o autor cita diversas condutas ilícitas praticadas pela administração municipal, como a existência de divergência entre as medições e anotações do diário de obras e exclusão de parte da canalização do afluente da margem direita do Córrego Ribeirão dos Índios e construção de trinta e duas moradias, sem justificativa técnica plausível. Ademais, teria ocorrido violação ao artigo 66 da Lei nº 8.666/93 e artigo 22 da Instrução Normativa STN n° 01/97 e afronta aos princípios da moralidade, eficiência e legalidade.
Menciona que não foi apresentada qualquer documentação que comprovasse os estudos complementares mencionados no Memorando n° 101/04 da SOP, de alteração do projeto básico, que pudesse justificar que a implantação da barragem, na cota de 501 metros, não atenderia de forma satisfatória às necessidades de abastecimento de água, a médio e longo prazo. Diz que a análise do memorando e dos termos de suspensão do contrato comprovam a imprudência e negligência de JOSÉ LUIS DÁTILO e JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA com o dinheiro público, visto que, no mesmo dia (05/11/2004) em que foi noticiada a necessidade de alteração do objeto contratual, ocorreu a suspensão do prazo de execução das obras. Cerca de R$ 2.782.957,29 teriam sido remanejados dos serviços de construção do conjunto habitacional e de parte da canalização do afluente da margem direita do córrego para ser alocados na construção da barragem, o que correspondia a 30,63% do valor total contratado e ultrapassava o limite legal para acréscimos ou supressões, que é de 25%, nos termos do artigo 65, §1° e 2°, da Lei n° 8.666/93. No que se refere aos serviços executados e pagos, a perícia atestou que: “(...) a obra encontra-se paralisada com aproximadamente 30% da estrutura projetada construída e sem que os serviços de captação, adução e tratamento tenham sido executados. Apesar da baixa quantidade de serviços executados a obra já consumiu 80,84% (oitenta vírgula oitenta e quatro por cento) do valor inicial do contrato ou 55,31% (cinquenta e cinco virgula trinta e um por cento) do valor repactuado".
O autor assevera que o aumento dos custos dificultou a conclusão das obras com os recursos previstos, sem que algum fato relevante e imprevisível fosse levantado pela administração para justificar a sua suspensão. JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA teria sido negligente com a coisa pública ao firmar contratos de repasse com a UNIÃO, pois não havia qualquer planejamento ou análise quanto aos custos reais do empreendimento e aportes financeiros municipais necessários para sua realização, tampouco acompanhamento da execução com todos os cuidados exigidos, nada obstante a obrigação contratual assumida de finalizar as obras. Ressalta que a suspensão do empreendimento, por si só, revela o descaso no uso da verba empregada, causadora do prejuízo ao erário, porque foram consumidos dispêndios dos cofres públicos, e a retomada demandará despesas adicionais, visto que as providências iniciais demonstram a necessidade de exames prévios para abertura de novo procedimento licitatório, com a contratação de empresa especializada para a elaboração de estudos, atualização de projetos, especificações, orçamento e memorial descritivo, serviços com dotação orçamentária estimada em R$ 235.544,80.
Relata que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo identificou a existência das seguintes irregularidades: a) cobrança do valor de R$ 500,00 para aquisição da pasta técnica, o que violava o § 5° do artigo 32 da Lei de Licitações; b) vedação à participação de empresas que tivessem solicitado, há pelo menos seis meses, rescisão do contrato firmado com a prefeitura municipal, sem amparo legal; c) exigência de certidão negativa de ilícitos trabalhistas envolvendo menores, emitida pela Delegacia Regional do Trabalho, quando uma simples declaração da empresa bastaria, posto que a lei não prescreve tal rigorismo; e d) necessidade de os concorrentes comprovarem a posse ou propriedade de usina de solo ou termo de compromisso de locação, porque tais exigências teriam violado o previsto no artigo 3º, § 1º, da Lei nº 8.666/93, que veda a inclusão de cláusulas ou condições capazes de frustrar ou restringir o caráter competitivo do procedimento licitatório, e prejudicado a competitividade, inerente a todo procedimento licitatório, o que contribuiu para a quantidade exígua de interessados no certame. Assevera que em todas as decisões do TCE sobre o procedimento licitatório, proferidas em 04/11/2003, 26/05/2004 e 12/12/2004, houve a confirmação de afronta aos princípios da administração pública.
O MPF conclui que os atos praticados pelos requeridos, de realizar a alteração do objeto e dos custos, bem como determinar a imediata suspensão das obras, sob a alegação de falta de recursos e necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, demonstra a ausência de transparência e acarretou prejuízos ao erário, à vista dos custos adicionais necessários para o término do empreendimento, que deverão ser suportados pela municipalidade. Tais condutas se amoldam aos ditames da Lei de Improbidade, notadamente no que dizem respeito aos atos que atentam contra os princípios da legalidade, moralidade, eficiência, finalidade, interesse público e razoabilidade (artigo 11), bem como causam lesão ao erário (artigo 10), ensejam a aplicação das sanções previstas no artigo 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/92 e condenação ao pagamento de indenização por dano material, a ser apurado na instrução.
A inicial foi instruída com cópia do Procedimento Administrativo – Tutela Coletiva nº 1.34.007.000113/2006-13, da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, ao qual foi apensada cópia do Procedimento nº 1.34.007.000186/2007-88, instaurado, a partir de denúncia anônima, para apuração de eventuais irregularidades na execução/suspensão das obras de construção da barragem no Córrego Ribeirão dos Índios, no Município de Marília, em que foram utilizadas verbas federais repassadas pela UNIÃO para implantação e ampliação dos serviços de abastecimento de água relativas ao “Programa Morar Melhor" (Id. 107493832 ao Id. 107500563).
O juiz de primeiro grau extinguiu o feito, sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 267, inciso I, c.c o artigo 295, parágrafo único, inciso III, do CPC/73, e artigo 17, § 11, da Lei nº 8.429/92, considerado que teve como origem denúncia anônima, ato considerado ilegal para início de investigação criminal, civil, administrativa ou disciplinar (Id. 107500537 – fls. 55/76). O Ministério Público Federal interpôs apelação (Id. 107500537 – fls. 80/118).
A Quarta Turma, na sessão ocorrida em 13/09/2012, deu parcial provimento à apelação para reformar a sentença, não conhecer do pedido de indisponibilidade de bens e determinar a baixa dos autos à vara de origem para regular processamento (Id. 107500537 – fls. 156/177). Contra referido acórdão foram interpostos recurso especial (Id. 107500537 – fls. 179/184) e recurso extraordinário (Id. 107500537 – fls. 190/196) pelo acusado JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA. Os recursos não foram admitidos, conforme decisões proferidas pela Vice-Presidência (Id. 107500537 – fls. 247/250). O requerido apresentou recursos de agravo nos próprios autos (Id. 107500537 – fls. 253/258). O Ministro Sergio Kukina do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao Agravo em Recurso Especial nº 400.812-SP (Id. 107500476 - 62/71). Posteriormente, a Primeira Turma do STJ negou provimento ao agravo interno no agravo em recurso especial (Id. 107500476 - fls. 91/100) e o acórdão transitou em julgado, em 03/05/2018 (Id. 107500476 – fl. 103). O Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal negou seguimento ao Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.135.866 São Paulo (Id. 107500476 – fls. 105/108) e a decisão transitou em julgado em 21/08/2018 (Id. 107500476 – fl. 111).
Com o retorno dos autos à primeira instância, o requerido ÉLCIO SENO apresentou manifestação e documentos (Id. 107500411 – fls. 03/18 e 19/71). O magistrado deferiu a liminar pleiteada para determinar: “indisponibilidade dos bens pertencentes aos requeridos, para fins de garantir o ressarcimento dos danos materiais causados, tudo conforme preceituam os artigos 7°, parágrafo único, e12, incisos 1 e III, da Lei n° 8.429/92” e ordenou a intimação da UNIÃO para dizer do interesse em integrar a lide, bem como dos acusados para oferecimento de manifestação (Id. 107500411 – fls. 72/143). Contra referida foi interposto agravo retido por ÉLCIO SENO (Id. 107500411 – fls. 146/153) e agravo de instrumento (0027889-50.2013.4.03.0000) pelo requerido JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA (Id. 107500411 – fls. 165/172). Quanto ao último recurso, o pedido de efeito suspensivo foi indeferido (Id. 107500558 – fls. 11/13).
Notificados, os requeridos JOSÉ LUIS DÁTILO (Id. 107500462 – fls. 13/35 e 36/104), ÉLCIO SENO (Id. 107500462 – fls. 110/137 e 138/158) e JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA (Id. 107500462 – fls. 159/179) apresentaram defesa prévia e documentos.
O juiz de primeiro rejeitou a ação com relação ao requerido ELCIO SENO, recebeu a inicial quanto aos demais acusados e determinou a citação dos últimos para apresentarem contestação (Id. 107500542 – fls. 167/196). Contra mencionada decisão foi interposto agravo de instrumento (0015314-73.2014.4.03.0000) pelo MPF (Id. 107500542 – fls. 204/231 e Id. 107500543 – fls. 01/08) e pelos requeridos JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA (0016898-78.2014.4.03.0000) (Id. 107500412 – fls. 15/30) e JOSÉ LUIS DÁTILO (0017101-40.2014.4.03.0000) (Id. 107500412 – fls. 33/66). Com relação ao último recurso, o pedido de efeito suspensivo foi indeferido (Id. 107500463 – fls. 69/73 e Id. 107500587 – fls. 37/41).
O acusado JOSE LUIS DÁTILO (Id. 107500412 – fls. 68/103 e 104/196, 107500413 – fls. 01/09 e Id. 107500463 – fls. 04/64) contestou a ação e apresentou documentos. O réu JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA não apresentou contestação (Id. 107500463 – fl. 65).
A UNIÃO requereu seu ingresso na ação, na condição de assistente litisconsorcial do MPF (Id. 107500463 – fl. 74).
JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA requereu o acolhimento da prescrição (da sanção de suspensão dos direitos políticos) e a produção de prova técnica (Id. 107500463 – fls. 77/79) e o MPF a juntada do trabalho pericial (Id. 107500463 – fls. 80/184, Id. 107500464 e Id. 107500547 – fls. 03/55).
O juiz a quo proferiu decisão em que decretou a revelia de JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, rejeitou a prescrição por ele suscitada e deferiu a inclusão da UNIÃO no polo ativo da demanda, na condição de assistente litisconsorcial do MPF (Id. 107500547 – fls. 63/68). O requerido JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA interpôs agravo de Instrumento (0029932-23.2014.4.03.0000) (Id. 107500547 – fls. 87/94).
O magistrado designou data para audiência de instrução para depoimento pessoal dos réus e inquirição de testemunhas (Id. 107500547 – fl. 99). A testemunha LUIS CLÁUDIO COELHO VIANNA foi ouvida, no dia 26/05/2015 (Id. 107500547 – fls. 175/177 e Id. 107500419 – fl. 77). PAULO HIROSE (Id. 107500547 – fl. 187 e Id. 107500419 – fls. 65/67), AILTON APARECIDO LUIZ DA SILVA (Id. 107500547 – fl. 188 e Id. 107500419 – fls. 68/72) e VALTER FERNANDO FURLAN (Id. 107500547 – fl. 189 e Id. 107500419 – fls. 73/76) foram inquiridos, em 19/06/2015, e Paulo Roberto Matos Simões, em 10/06/2015 (Id. 107500547 – fls. 232/234 e Id. 107500419 – fls. 61/64). Os acusados JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA (Id. 107500547 – fl. 185 e Id. 107500419 – fls. 51/55) e JOSÉ LUIS DÁTILO (Id. 107500547 – fl. 186 e Id. 107500419 – fls. 56/60) foram interrogados no dia 19/06/2015.
Os pedidos de realização de prova pericial, formulado por JOSÉ LUIS DÁTILO, e inspeção judicial, requerido pelo MPF, foram indeferidos (Id. 107500547 – fls. 238/239).
O Ministério Público Federal (Id. 107500547 – fls. 241/277) e os acusados JOSE ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA (Id. 107500418 –fls. 06/15) e JOSE LUIS DÁTILO (Id. 107500418 –fls. 32/43) apresentaram alegações finais.
Sobreveio sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos (Id. 107500544 –fls. 04/113):
“ISSO POSTO, julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelo MINISTERIO PÚBLICO FEDERAL para o fim de reconhecer a prática pelos réus JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA e JOSÉ LUÍS DÁTILO de atos de improbidade administrativa previsto no artigo 10, incisos XI, da Lei n° 8.429/92 e condená-los, às sanções previstas no artigo 12, inciso II da Lei n° 8.429/92, nos seguintes termos, conforme fundamentação acima:
1°) o réu JOSE ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA:
a) solidariamente, ao ressarcimento ao Erário no montante de R$ 11.272.940,90 (onze milhões, duzentos e setenta e dois mil, novecentos e quarenta reais e noventa centavos), valor atualizado até esta data, pelo “descumprimento pelo Município de Marília de cláusulas dos Contratos de Repasse, celebrados com a União";
b) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data do trânsito em julgado da decisão;
c) ao pagamento de multa civil em favor do Município de Marília/SP no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), monetariamente atualizado pelo IPCA-E a partir; desta data até o dia do pagamento; e
d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo 5 (cinco) anos.
2°) ao réu JOSÉ LUÍS DÁTILO:
a) solidariamente, ao ressarcimento ao Erário no montante de R$ 11.272.940,90 (onze milhões, duzentos e setenta e dois mil, novecentos quarenta reais e noventa centavos), valor atualizado até esta data, pelo "descumprimento pelo Município de Marília de cláusulas dos Contratos de Repasse, celebrados com a União";
b) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data do trânsito em julgado da decisão;
c) ao pagamento de multa civil em favor do Município de Marília/SP no valor de R$ 500000,00 (quinhentos mil reais), monetariamente atualizado pelo IPCA-E a partir desta data até o dia do pagamento; e
d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5(cinco) anos.
Entendo que essas cominações atendem os parâmetros legais e levam em consideração a danosidade da ação dos réus, observando-se ainda que foi atendida a proteção constitucional da moralidade administrativa, revestindo-se de caráter punitivo ao agente ímprobo e intimidatório em relação aos demais agentes quanto à pratica de outras infrações.
Acrescento, quanto ao valor da multa civil, "deverá levar em consideração a gravidade do fato, avaliada não somente pelos prejuízos patrimoniais causados, mas também pela natureza do cargo, das responsabilidades do agente, do elemento subjetivo, da forma de atuação, dos reflexos do comportamento ímprobo na sociedade e todos os demais elementos informativos colocados à disposição do julgador. Com efeito, a multa civil deve condizer com a real situação patrimonial de quem recebe a penalidade, uma vez que se tornará inócua tanto se excessiva como se irrisória" (TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida, DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA: AÇÃO DE IMPROBIDADE E CONTROLE PRINIPIOLÓGICO, Curitiba. Juruá, 2004).
Declaro extinto o feito, com a resolução do mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Notifique-se e comunique-se, conforme requerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL às fls. 43, itens '5.e.', ‘5.f' e '5.g.'.
Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios em razão da interpretação sistemática e isonômica do artigo 18 da Lei n° 7.347/85, aplicável à ação civil por improbidade.
Indefiro o pedido formulado pelo corréu JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA às fls. 1539/11553, pelas razões expostas”.
Os embargos de declaração opostos pela UNIÃO (Id. 107500544 – fls. 123/125) e por JOSÉ LUIS DÁTILO (Id. 107500544 – fls. 131/137) foram rejeitados (Id. 107500544 – fls. 148/151).
À vista da sentença proferida, foram declarados prejudicados o Agravo de Instrumento nº 0027889-50.2013.4.03.0000 e nº 0016898-78.2014.4.03.0000, manejados por JOSE ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA (Id. 107500558 – fls. 50/51 e Id. 107500559 – fls. 36/38), bem como o Agravo de Instrumento nº 0017101-40.2014.4.03.0000, interposto por JOSE LUIS DÁTILO (Id. 107500587 – fls. 50/53).
A Quarta Turma, na sessão ocorrida em 16/04/2015, não conheceu de parte do recurso e, na parte conhecida, negou provimento ao Agravo de Instrumento nº 0015314-73.2014.4.03.0000, interposto pelo MPF (Id. 107500632 – fls. 78/96). Na sessão realizada, em 02/03/2016, deu parcial provimento ao Agravo de Instrumento nº 0029932-23.2014.4.03.0000, interposto por JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, para afastar a revelia e rejeitar a prescrição concernente às penalidades administrativas (Id. 107500553 – fls. 31/39).
V) DO CASO CONCRETO
5.1) DOS CONTRATOS DE REPASSE
Extrai-se dos autos que o Município de Marília/SP recebeu três emendas do orçamento geral da União, do exercício de 2000, e apresentou proposta para aplicação na construção da barragem Ribeirão dos Índios. De acordo com a Caixa Econômica Federal, o orçamento global da obra, após a licitação, era de R$ 7.014.252,16, parte dos serviços foi executada com verbas repassadas pela União por meio de três contratos, e a prefeitura assumiu a responsabilidade pela conclusão do empreendimento (Id. 107493832 – fls. 60/61).
Os Contratos de Repasse n° 0108769-66/2000/SEDU/CAIXA, nº 0106191-42/2000/SEDU/CAIXA e nº 0102739-67/2000/SEDU/CAIXA foram firmados entre a UNIÃO, por intermédio da CEF, e o Município de Marília/SP, em 26/12/2000, tinham como objeto a transferência de recursos financeiros da União para a implantação e ampliação dos serviços de abastecimento de água e os respectivos valores de R$ 150.000,00, R$ 200.000,00 e R$ 500.000,00 (Id. 107493832 – fls. 28/48). As avenças foram assinadas pelo acusado JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA.
Segundo a instituição financeira, o valor de cada proposta, acrescida da contrapartida, foi de R$ 190.000,00 (Contrato n°0108769-66/2000), R$ 300.000,00 (Contrato n°0106191-42/2000) e R$ 700.000,00 (Contrato n°0102739-67/2000) (Id. 107493832 – fls. 60/61).
As avenças sofreram alterações pelos Termos Aditivos ao Contrato de Repasse nº 0108769-66/2000/SEDU/CAIXA, nº 0106191-42/2000/SEDU/CAIXA e nº 0106191-42/2000/SEDU/CAIXA, em 29/10/2021, para acrescentar à cláusula terceira, subitem 3.2, o seguinte item: “m) responsabilizar-se pela conclusão do empreendimento, a fim de assegurar sua funcionalidade, quando o objeto do contrato prever apenas a execução de parte desse empreendimento” (Id. 107493832 – fls. 49/51).
O Contrato de Repasse n° 0102739-67/2000/SEDU/CAIXA sofreu outras modificações por termos aditivos firmados, em 17/02/2004 e 30/10/2004, para alterar o valor da contrapartida do município, do montante de R$ 200.000,00 para R$ 203.769.45, e R$ 511.202.64, respectivamente, bem como prever a possibilidade de implementação com a execução de obras e serviços pelo contratado (Id. 107493832 – fls. 52/53).
A Caixa Econômica informou, em 13/10/2006, que durante a execução da obra, aprovada pela engenharia da Caixa, houve alteração nos quantitativos de alguns itens por parte da prefeitura, além do previsto inicialmente, com a finalidade de avançar no andamento do empreendimento, com o correspondente aumento na contrapartida. Após as modificações contratuais, os valores dos investimentos foram alterados para R$ 222.275,66 (Contrato n°0108769-66/2000), R$ 434.332,29 (Contrato n°0106191-42/2000) e R$ 1.125.543,33 (Contrato n°0102739-67/2000) (Id. 107493832 – fls. 60/61). De acordo com os planos de trabalho modificados (Id. 107493832 – fls. 63/66, 72/75 e 83/87), as alterações do valor do investimento decorreram do aumento do valor da contrapartida do município e acréscimo dos rendimentos de aplicações financeiras dos recursos, sem alteração do montante originário repassado pela instituição financeira. O quadros abaixo resumem os valores solicitados, as contrapartidas por parte do município e os valores totais dos investimentos, antes e após as alterações contratuais:
Contrato | nº 0108769-66/2000 | nº 0106191-42/2000 | nº 0102739-67/2000 |
Valor solicitado | R$ 150.000,00 | R$ 200.000,00 | R$ 500.000,00 |
Valor contrapartida | R$ 40.000,00 | R$ 100.000,00 | R$ 200.000,00 |
Valor investimento | R$ 190.000,00 | R$ 300.000,00 | R$ 700.000,00 |
Situação após as alterações contratuais | |||
Contrato | nº 0108769-66/2000 | nº 0106191-42/2000 | nº 0102739-67/2000 |
Valor solicitado | R$ 150.000,00 | R$ 200.000,00 | R$ 500.000,00 |
Valor contrapartida | R$ 40.000,00 | R$ 188.913,21 | R$ 511.202,64 |
Valor rendimentos | R$ 32.275,66 | R$ 45.419,08 | R$ 114.340,69 |
Valor investimento | R$ 222.275,66 | R$ 434.332,29 | R$ 1.125.543,33 |
Registra-se que os Contratos de Repasse nº 0108770-94/2000/SEDU/CAIXA e nº 0115880-72/2000/SEDU/CAIXA, nos valores de R$ 700.000,00 e R$ 1.000.000,00, foram extintos, em 31/10/2002, e os recursos e rendimentos financeiros devolvidos à UNIÃO, visto que as propostas apresentadas pelo município eram voltadas às ações de saneamento e tinham como objetivo a melhoria do abastecimento e distribuição de água, ao passo que os recursos deveriam ser aplicados em ações de urbanização de áreas ocupadas por sub-habitações, conforme diretrizes do programa “Morar Melhor", para o qual as emendas ao orçamento geral da União haviam sido selecionadas (Id. 107493769 – fl. 122).
5.2) DA EXECUÇÃO DO CONTRATO DE CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM, SISTEMA DE CAPTAÇÃO, ADUÇÃO E ESTAÇÃO DE TRATAMENTP DE ÁGUA
A prefeitura lançou o Edital nº 017/2002, referente à Concorrência Pública nº 001/2002, em 14/02/2002, para contratação de empresa para: “o fornecimento de material e mão-de-obra para execução de obras de urbanização e de recuperação de áreas degradadas e sistema de água da zona norte, compreendendo: a) construção de barragem, sistema de captação, adução e estação de tratamento; b) canalização do afluente da margem direita do Córrego Ribeirão dos Índios; c) construção de trinta e duas moradias visando desfavelamento", com valor estimado de R$ 8.022.102,75, e prazo de vinte e quatro meses para conclusão (Id. 107500460 – fls. 85/99). O acusado JOSÉ LUIS DÁTILO, Secretário de Obras, era o presidente da comissão especial de licitação, nomeado pelo requerido JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, prefeito à época dos fatos (Id. 107500460 – fl. 82).
A empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA. apresentou proposta, no valor de R$ 7.782.186,28, e sagrou-se vencedora (Id. 107500546 – fl. 45). O Contrato CO – 729/02 foi firmado, em 11/06/2002, pelos acusados José Abelardo Guimarães Camarinha e José Luis Dátilo (Id. 107493832 – fls. 13/22), e alterado por dez aditivos, nove concernentes aos reajustes do valor da medição e um relativo à prorrogação do prazo da obra em vinte e quatro meses (Id. 107500420 – fls. 21/22, Id. 107500423 – fls. 18/21, fls. 31/36, fls. 57/66), e dois termos de rerratificação, o primeiro para modificar a cláusula do valor dos Termos Aditivos de n° 01, nº 02 e nº 03 e o segundo para mudar a cláusula do objeto, incorporar ao contrato a nova planilha, feita após o balanço dos serviços executados e eliminados, bem como estabelecer que os valores referentes à construção do conjunto habitacional e canalização de afluentes seriam transferidos para a edificação da barragem (Id. 107500423 – fls. 37/42).
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, na sessão ocorrida em 04/11/2003, julgou irregulares a Concorrência Pública nº 001/2002 e o Contrato CO – 729/02 e notificou o Prefeito do Município de Marília, nos termos dos incisos XV e XXVII do artigo 2° da Lei Complementar n° 709/93, para que adotasse providências necessárias ao exato cumprimento da lei (TC-002269/004/02). A corte de contas considerou descabida a cobrança do valor de R$ 500,00 para aquisição da pasta técnica, inaceitável a disposição contida no item 6.5.2 do instrumento convocatório, que vedava a participação de empresas que haviam solicitado, há pelo menos seis meses, rescisão e contrato com a prefeitura municipal, considerou que uma simples declaração da empresa de que não utilizava trabalho de menores, em lugar da certidão emitida pela Delegacia Regional do Trabalho, bastaria para o atendimento do item 6.1.10 e que a exigência de comprovante de posse ou propriedade de usina de solo ou termo de compromisso de locação, firmado pelo proprietário em favor da licitante, prevista no item 6.1.3.3, caracterizava vício insanável capaz de macular o certame. Por fim, reconheceu que as exigências impugnadas no edital poderiam ter contribuído com o número restrito de interessados na licitação (Id. 107493757 – fls. 13/20). Na sessão realizada em 15/12/2004, o Tribunal Pleno negou provimento ao recurso ordinário interposto pela Prefeitura Municipal de Marília (Id. 107493757 – fls. 30/39). O acórdão transitou em julgado em 18/01/2005 (Id. 107493757 – fl. 40). Na sessão realizada em 21/03/2007, a ação de rescisão ajuizada pelo município (TC-658/004/07) não foi conhecida (Id. 107500430 – fls. 139/159 e 187).
O prazo de execução da obra foi suspenso por cento e vinte dias, sucessivamente, em 05/11/2004, 04/03/2005, 01/07/2005, 31/10/2005 e 28/02/2006, considerados o encerramento dos contratos de repasse, a falta de recursos da municipalidade e a necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. O primeiro termo de suspensão foi assinado pelo requerido JOSÉ LUIS DÁTILO e os demais por ANTONIO CARLOS NASRAUI, Secretário de Obras que o sucedeu (Id. 107493832 – fls. 23/27).
No âmbito da prefeitura, foi instaurado, em 12/12/2005, processo administrativo (Portaria nº 17.827/2005) para apuração de responsabilidades concernentes às ilegalidades verificadas na concorrência pública e no contrato firmado com a empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA., referente ao Processo TC-002269/004/02 (Id. 107493757 – fls. 55/56, Id. 107500588 – fl. 204). A comissão de sindicância concluiu, em 13/04/2006, que as irregularidades não haviam restringido a participação de interessados na licitação, as cláusulas impugnadas não tinham causado nenhum prejuízo efetivo ou potencial ao erário e o Tribunal de Contas poderia ter considerado o certame regular, embora com ressalvas (Id. 107493757 – fls. 143/148 e 150 e Id. 107500635 – fls. 203/209). O gestor municipal acatou, em 03/05/2006, o parecer da comissão especial de sindicância e autorizou o arquivamento do procedimento (Id. 107493757 – fl. 149 e Id. 107500635 – fl. 210).
À vista do encerramento dos contratos de repasse e das suspensões sucessivas do ajuste firmado com a Andrade Galvão Engenharia LTDA., dada a falta de recursos próprios da municipalidade para dar andamento às obras, a necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e o julgamento do Tribunal de Contas, o Secretário Municipal de Obras Públicas encaminhou, em 24/10/2006, o Comunicado Interno nº 149/06-SOP à Procuradoria Jurídica do Município para solicitar providências quanto ao futuro da avença (Id. 107500430 – fl. 68 e Id. 107500591 – fl. 16). No parecer emitido, em 30/03/2007, o órgão manifestou-se pela abertura de processo administrativo para verificação de irregularidades e eventual ocorrência de prejuízo ao erário público em face da contratação, bem como das providências que seriam adotadas (Id. 107500430 – fl. 69 e Id. 107500591 – fl. 17). Posteriormente, o Chefe de Gabinete solicitou à SOP.10 a confecção de relatório pormenorizado da obra (Id. 107500430 – fl. 74 e Id. 107500591 – fl. 22). Em novo parecer, emitido em 02/07/2009, a Procuradoria Geral concluiu que o prefeito, em decisão fundamentada, poderia determinar a rescisão do contrato, nos termos da legislação aplicável e decisão proferida pelo Tribunal de Contas, com a posterior notificação da contratada, bem como orientou ao município que passasse a promover a guarda do local do empreendimento para proteção das obras realizadas, tão logo formalizado o ato (Id. 107500591 – fls. 23/24). O prefeito municipal acolheu, em 13/07/2009, a manifestação jurídica e autorizou a rescisão do contrato (Id. 107500591 – fl. 123). O termo rescisório foi formalizado em 17/07/2009 (Id. 107500591 – fl. 125/126).
O Procurador da República requereu à assessoria técnica do MPF, em 11/10/2007, a elaboração de perícia. Para a efetivação do trabalho foram analisados documentos e realizada vistoria no local, no dia 15/01/2008. De acordo com o Laudo Pericial nº 006/2008, da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a obra encontrava-se paralisada, com a estrutura executada até a cota de 493,0 m, o que correspondia a, aproximadamente, 30,0% do volume total da estrutura da barragem e nenhum serviço relativo à captação, adução e a estação de tratamento de água havia sido realizado. O perito pontuou que, após as alterações efetuadas, o valor global da obra foi mantido em R$ 7.782.186,28, mas sua composição foi modificada significativamente, visto que o valor relativo à construção da barragem e do sistema de captação, adução e tratamento passou de R$ 5.165.975,44 para R$ 7.549.932,73, o que correspondia a um acréscimo de R$ 46,15%, ao passo que a construção do conjunto habitacional (R$ 767.934,12) foi eliminada e o serviço de canalização de afluentes reduzido de R$ 1.848.276,72 para R$ 232.253,55, equivalente a 87,43% do valor inicialmente contratado. Ressaltou que o valor total dos serviços alocados para a construção da barragem correspondia a 30,63%, o que contrariava a Lei nº 8.666/93, que estabelecia o limite de 25%, e que, a despeito da paralisação com 30% da estrutura projetada construída, o empreendimento havia consumido 80,84% do valor inicial contratado ou 55,31% do repactuado (Id. 107493832 – fls. 117/135).
O Parecer Técnico nº 049/2009, da Assessoria Técnica da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, realizado para auxiliar a elaboração do termo de ajustamento de conduta, atestou que a obra estava paralisada, em 27/05/2009, e nas mesmas condições físicas em que se encontrava na vistoria realizada em 15/01/2008. Recomendou fossem abordadas no acordo a correta avaliação dos recursos necessários para a conclusão do empreendimento e a adequação entre o objeto do convênio e as obras a serem executadas, providências que evitariam a ocorrência de problemas decorrentes da falta de recursos, que levaram à paralisação do empreendimento em outubro de 2004 (Id. 107493832 – fls. 182/187).
O Ministério Público Federal e o Município de Marília/SP firmaram, em 30/06/2009, o termo de compromisso de ajustamento de conduta, nos autos do Procedimento Administrativo nº 1.34.007.000113/2006-13, com o objetivo de finalizar a obra e construção da barragem, resguardar os recursos aplicados, preservar o solo e recursos hídricos lesados em decorrência da paralisação do empreendimento e proteger a nascente que o abasteceria. Pelo ajuste, a administração municipal se comprometeu, relativamente às medidas ambientais, a apresentar os protocolos das solicitações de licenças ambientais de instalação e o relatório preliminar sobre os danos ambientais constatados, bem como indicar as medidas efetivas que seriam tomadas para proteger a nascente do Córrego do Ribeirão dos Índios. Com relação ao empreendimento, caberia ao município exibir o termo de rescisão de contrato com a empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA., responsável pela execução dos serviços até o momento de sua paralisação, para que a complementação pudesse ser licitada, apresentar o projeto e orçamento atualizados da barragem, com indicação dos serviços executados e os que seriam objeto de nova contratação e as justificativas para a retirada do escopo técnico da construção do conjunto habitacional, indicar o valor necessário para a conclusão da obra e as fontes de recursos para sua execução completa, bem como iniciar novo procedimento licitatório para a contratação de empresa para a finalização dos serviços, que deveriam ser executados num prazo máximo de vinte e quatro meses (Id. 107493832 – fls. 198/208). As partes firmaram, em 25/01/2010, o aditamento ao termo, para o fim de prorrogar por cento e cinco dias o prazo previsto na cláusula terceira do instrumento, acrescentar o mesmo período aos demais prazos previstos e determinar ao município a apresentação da ordem de serviço expedida pela Secretaria Municipal de Obras, mencionada no Edital 026/2009, para o início dos trabalhos e de cópia do contrato firmado (Id. 107500591 – fls. 166/169). O autor mencionou na inicial o cumprimento do TAC pela administração municipal.
O Contrato CO 729/02, firmado entre o Município de Marília e a empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA., foi rescindido em 17/07/2009 (Id. 107493832 – fls. 226/227). De acordo com a declaração prestada por MARIO BULGARELI, em 12/03/2010, prefeito em exercício, foi instaurado procedimento administrativo, apurados os motivos da paralisação da obra e concluído que não era devida qualquer indenização à contratada (Id. 107500591 – fl. 175).
No Parecer Técnico nº 118/2009, elaborado em 14/09/2009, para análise do cumprimento do TAC por parte da prefeitura, o Expert recomendou fosse solicitado ao município o complemento das justificativas apresentadas, com indicação técnica dos motivos para a exclusão das obras de construção do conjunto habitacional, que seria edificado para abrigar os moradores da favela existente nas áreas de influência do reservatório, bem como apresentou quesitos que deveriam ser respondidos (Id. 107493757 – fls. 161/164). A prefeitura encaminhou ao MPF, em 22/09/2009, o relatório preliminar ambiental, elaborado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, e manifestações prestadas pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Diretoria de Suprimentos da Secretaria Municipal da Administração (Id. 107493757 – fls. 175/186).
O Edital nº 026/2009 foi lançado, em 13/10/2009, na modalidade Tomada de Preços nº 026/2009, para a contratação de empresa especializada na elaboração de estudos, atualização de projetos, especificações, orçamento e memorial descritivo para a retomada das obras (Id. 107493769 – fls. 56/79 e Id. 107493757 – fls. 189/197). A empresa Geotechnique - Consultoria e Engenharia LTDA. foi contratada pela prefeitura municipal (Contrato nº CST-962/10) e apresentou o projeto executivo, em 09/06/2010 (Id. 107500463 – fls. 81/184, Id. 107500464 – fls. 01/46 e Id. 107500547 – fls. 01/55).
O Contrato CO-974/11, para retomada da execução do empreendimento, no valor de R$ 9.298.722,16, objeto do Edital nº 018/10 (Id. 107500563 - fls. 202/211) e Concorrência Pública nº 018/10, foi firmado com a empresa SEMENGE S/A ENGENHARJA E EMPREENDIMENTOS, em 25/02/2011 (Id. 107500563 - fls. 191/198). À vista da não expedição da ordem para o início dos serviços (Id. 107500563 – fl. 184), a contratada ajuizou ação contra a prefeitura, que foi julgada procedente para o fim de declarar rescindido o contrato, sem aplicação de qualquer penalidade ou condenação ao pagamento de indenização (Id. 107500563 – fl. 200).
O Edital nº 001/2012, referente à Concorrência Pública nº 001/2012, destinado ao fornecimento de material e mão de obra especializada para a retomada da execução das obras, foi disponibilizado em 24/01/2012 (Id. 107500563 – fls. 202/211). Consoante os esclarecimentos prestados pelo procurador municipal ao TCE, em 13/05/2013, o certame foi julgado deserto e revogado, dada a ausência de interessados (Id. 107500563 – fls. 181/190).
Na reunião realizada, em 12/03/2012, entre o MPF e o Município de Marília, para tratar de assuntos relativos à necessidade de cumprimento das obrigações assumidas no termo de ajustamento de conduta e conclusão das obras, o representante municipal informou que pretendia fazer um estudo técnico-econômico acerca da viabilidade do projeto do empreendimento e discutir com o setor jurídico sobre a apresentação de posição oficial a respeito da execução do TAC. O MPF deferiu o prazo para o município apresentar um posicionamento e explanou acerca da necessidade de continuidade da obra pública, considerados os vultosos recursos públicos aplicados (Id. 107500563 – fls. 215/216). Em 02/04/2012 foi realizada nova reunião para prestação de informações por parte do município (Id. 107500563 – fls. 235/238).
A Secretaria Municipal de Obras Públicas informou ao Tribunal de Contas, em 12/07/2012, relativamente à Concorrência Pública nº 01/2002, que não havia sido iniciada a construção das unidades habitacionais e executados apenas 50,00m da canalização do córrego (Id. 107500563 – fls. 127/128).
Nas justificativas apresentadas ao TCE, em 13/05/2013, o procurador municipal informou que a obra não havia sido finalizada, pois o início dos trabalhos dependia da desapropriação da área onde seria construída a barragem, bem como por se tratar de local onde existia área de preservação permanente, dependente de licenciamento ambiental. Informou que não havia sido disponibilizado, até aquele momento, novo certame para o objeto pretendido e que na reunião com o Procurador da República, ocorrida em 12/03/2012, ficou entabulado que seria deflagrado novo processo licitatório, mas com efeitos financeiros a partir do exercício financeiro de 2013, dada a necessidade de: "previsão/adequação financeira e orçamentária com a lei anual e compatibilidade coma Lei de Diretrizes Orçamentárias e Plano Plurianual" (Id. 107500563 – fls. 181/190).
Consulta efetuada ao Processo TC-002269/004/02, no sítio eletrônico do TCE SP, demonstra que, na sessão realizada, em 01/10/2019, a corte de contas estadual julgou irregulares os Termos Aditivos nº 01, de 20/01/04, nº 02, de 01/04/04, nº 03, de 14/04/04, nº 04, de 17/06/04, nº 05, de 16/07/04, nº 06, de 13/08/04, nº 07, de 13/08/04, nº 08, de 6/08/04, nº 09, de 16/09/04 e nº 10, de 24/01/05, e os Termos de Rerratificação nº 01, de 07/07/04, e nº 02, de 08/11/04, com aplicação dos incisos XV e XXVII do artigo 2º da Lei Complementar Estadual n° 709/93 e fixação do prazo de sessenta dias, contados do decurso do prazo recursal, para que o Prefeito Municipal de Marília apresentasse as providências adotadas em decorrência do decidido. Na mesma ocasião, os conselheiros votaram fosse conhecido o termo de rescisão unilateral, firmado em 17/07/2009. Na sessão de 18/05/2022, os recursos ordinários interpostos pela contratada Andrade Galvão Engenharia LTDA., Prefeitura de Marília e pelo ex-Secretário Municipal de Obras Públicas Antônio Carlos Nasrauí foram desprovidos. A decisão transitou em julgado em 08/07/2022.
Extrai-se do voto proferido pela Conselheira Cristiana de Castro Moraes do TCE, no Processo TC-002269/004/02, que VINÍCIUS ALMEIDA CAMARINHA, prefeito municipal no período de 2013 a 2016, informou ao TCE/SP, no início de 2015, que a obra não havia sido novamente licitada e não tinha ocorrido fiscalização, mas que o município procurava cumprir o TAC, apesar das dificuldades financeiras, licenças ambientais pendentes e falta de registro de imóveis desapropriados. Declarou, mais: “No que tange ao levantamento do cronograma físico-financeiro com a planilha orçamentária para realização de nova licitação a Prefeitura teria refeito os cálculos de atualização do valor da obra, chegando ao montante de R$ 14.136.108,10”.
5.3) DAS CONDUTAS PRATICADAS
5.3.1. DO DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULAS DOS CONTRATOS DE REPASSE E OUTRAS IRREGULARIDADES
Segundo o Autor, os acusados teriam desrespeitado a cláusula 3.2, itens “a”, “b”, “j” e “m” dos contratos de repasse firmados com a UNIÃO, com intermediação da Caixa Econômica Federal, visto que, a despeito da transferência das verbas públicas federais, as obras previstas não foram executadas. Verbis:
"CLÁUSULA TERCEIRA - DAS OBRIGAÇÕES
3.2 DO CONTRATADO
a) executar os trabalhos necessários à consecução do objeto, a que alude este Contrato de Repasse, observando critérios de qualidade técnica, os prazos e os custos previstos;
b) consignar no Orçamento do exercício, caso ainda não constem, os subprojetos ou sub-atividades decorrentes de Contrato de Repasse, e no caso de investimento, no Plano Plurianual, ou em prévia lei que autorize, os recursos para atender às despesas em exercícios futuros, que anualmente, constarão do Orçamento, podendo o CONTRATADO ser arguido pelos órgãos de controle interno e externos pela eventual inobservância ao preceito contido nesta letra;
(...)
j) observar o disposto na Lei n° 8666, de 21 de junho de1993, e suas alterações, e na IN STN 01, de 15 de janeiro de 1997, para a contratação de empresas para a execução do objeto deste Contrato de Repasse.
(...)
m) responsabilizar-se pela conclusão do empreendimento, a fim de assegurar sua funcionalidade, quando o objeto do contrato prever apenas a execução de parte desse empreendimento." (CLÁUSULA ACRESCENTADA PELOSTERMOS ADITIVOS - fls. 47/49)”.
O Parquet afirma que a administração municipal teria praticado diversas outras condutas ilícitas. Indica a existência de divergência entre a obra e o seu respectivo projeto básico, visto que, na última medição, realizada em 04/11/2004, o valor acumulado era de R$ 4.176.067,75, o que correspondia a 55,31% do valor após a rerratificação contratual, ao passo que a obra foi suspensa com a execução de 30% do volume total da estrutura da barragem.
Assevera que a exclusão de parte da canalização do afluente da margem direita do córrego e da construção de trinta e duas moradias, sem justificativa técnica ou apresentação de estudos complementares, teria violado os princípios da moralidade, eficiência e legalidade, o artigo 66 da Lei n° 8.666/93 e artigo 22 da Instrução Normativa STN n° 01/97. A análise do memorando de alteração do projeto básico e os termos de suspensão do contrato demonstrariam a imprudência e negligência dos acusados com o dinheiro público, considerado que, no mesmo dia em que foi noticiada a necessidade de alteração do objeto contratual, ocorreu a suspensão do prazo de execução do empreendimento. Os valores remanejados dos serviços de construção do conjunto habitacional e de parte da canalização do afluente da margem direita do córrego (R$ 2.782.957,29), para alocação na construção da barragem, correspondiam a 30,63% do valor total contratado, o que ultrapassava o limite legal de 25%, previsto no artigo 65, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.666/93. Menciona que, de acordo com a perícia, a obra encontrava-se paralisada com aproximadamente 30% da estrutura projetada construída e consumiu 80,84% do valor inicial contratado ou 55,31% do repactuado, sem que os serviços de captação, adução e tratamento tivessem sido executados.
O MPF afirma que as condutas dos requeridos de alterar o objeto, com o aumento dos custos, e a suspensão das obras demonstram a ausência de transparência no agir administrativo e ensejaram prejuízo ao erário, considerados os dispêndios adicionais que serão suportados para a continuidade do empreendimento. Alega que a majoração dos custos dificultou a conclusão da obra com os recursos previstos e nenhum fato relevante ou imprevisível foi apresentado para justificar a sua suspensão. Diz que o requerido JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA teria sido negligente com a coisa pública, pois não havia qualquer planejamento ou análise quanto aos dispêndios reais e aportes financeiros necessários para a realização do empreendimento, tampouco acompanhamento da execução, com os cuidados que eram exigidos. Informa que o município adotou providências para a retomada da obra, com a contratação de empresa especializada na realização de estudos prévios para abertura de novo procedimento licitatório (atualização de projetos, especificações, orçamento e memorial descritivo), com custo estimado de R$ 235.544,80. Conclui que os réus não teriam primado pela adoção de critérios legais e morais necessários para a utilização dos recursos públicos, agiram sem cautela, planejamento, racionalidade, equilíbrio e sensatez no exercício da função pública e demonstraram clara despreocupação com os parâmetros de presteza e economicidade.
Para o magistrado, JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, gestor do convênio e administrador da municipalidade, recebeu a verba federal para a implantação e ampliação dos serviços de abastecimento de água, assumiu compromisso contratual de concluir a obra, mas gastou todos os recursos recebidos, sem finalizar o empreendimento. JOSÉ LUIS DÁTILO, na condição de Secretário de Obras, era o responsável pela fiscalização e condução da execução do empreendimento e por coibir a ocorrência de ilegalidades no contrato celebrado, mas negligenciou por completo sua atribuição e permitiu a ocorrência de irregularidades. Salienta que as circunstâncias revelam atos de gestão ilegítimos e antieconômicos na conduta dos acusados e deslealdade para com o Poder Público. Conclui que os requeridos, ao descumprirem as cláusulas contratuais, praticaram atos de improbidade administrativa, uma vez que, a apesar do recebimento da verba federal, não operacionalizaram o sistema, objeto do convênio, visto que a obra sequer foi concluída, o que caracteriza desvio de finalidade. Reconheceu que configuravam atos de improbidade na forma dolosa e culposa, nas modalidades negligência, imprudência e imperícia. Enquadrou as condutas no artigo 10, inciso XI, da Lei nº 8.429/92.
O caput do artigo 37 da Carta Magna estabelece que: "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]". O §4º do dispositivo constitucional prevê a punição por atos de improbidade administrativa a serem especificados em lei (no caso, a Lei nº 8.429/1992), sem prejuízo da ação penal, verbis:
"§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".
Marçal Justen Filho define improbidade como: "uma ação ou omissão dolosa, violadora do dever constitucional de probidade no exercício da função pública ou na gestão de recursos públicos, que acarreta a imposição pelo Poder Judiciário de sanções políticas diferenciadas, tal como definido em lei" (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 250-251).
A Lei nº 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, na esteira do disposto no artigo 37 e seu §4º da Constituição Federal, estabelece, em seu artigo 1º, §1º, que são considerados atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos artigos 9º ao 11º da lei e enumera as condutas dos agentes públicos que configuram atos ímprobos, discriminados entre os que: importem em enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11). Impõe aos responsáveis, independentemente do ressarcimento integral do dano efetivo e das sanções penais, civis e administrativas, as cominações que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato (art. 12, caput) e considerados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a natureza, gravidade e o impacto da infração cometida, a extensão do dano causado, o proveito patrimonial obtido pelo agente, as circunstâncias agravantes ou atenuantes, a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva e os antecedentes do acusado (artigo 17-C, inciso IV).
De acordo com a nova redação do artigo 1º da LIA, o dolo específico, para fins de caracterização de ato de improbidade, é o eivado de má-fé e praticado com o intuito de cometer conscientemente a ilicitude. O erro não intencional, a falta de zelo e a ausência de diligência não configuram ato ímprobo.
O artigo 21, inciso I, da Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, estabelece que a aplicação da pena de ressarcimento e das condutas previstas no artigo 10 depende da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Segundo o artigo 10, § 1º, da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares que não implicar perda patrimonial efetiva não acarretará a imposição da pena de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades mencionadas no artigo 1º. Por sua vez, o § 4º do artigo 11, introduzido pela mesma norma, estabelece que os atos de improbidade de que trata o dispositivo, passíveis de sancionamento, exigem a comprovação de lesividade relevante ao bem jurídico tutelado e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos.
As penas pela prática do ato ímprobo, independentemente do ressarcimento integral do dano e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, estão discriminadas no artigo 12, entre a quais, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
A Lei nº 14.230/2021 passou expressamente a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). O artigo 1º, § 2º, da LIA, com redação dada pela lei em comento, prevê a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, o § 3º do mesmo dispositivo exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o § 1º do artigo 17-C estabelece que: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nesse sentido, a jurisprudência, anterior às alterações legislativas, já reconhecia a necessidade de comprovação do dolo para as hipóteses de improbidade descritas nos artigos 9 e 11 da LIA:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA. REEXAME. ÓBICE DA SÚMULA 7 DO STJ. PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO. REVISÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ.
1. Na origem, cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra as demandadas em razão de suposta concessão indevida de benefícios assistenciais.
2. Rever o entendimento da Corte local, no tocante à não ocorrência do cerceamento do direito de defesa da parte, demandaria induvidosamente o reexame de todo o material cognitivo produzido nos autos, desiderato incompatível com a via especial, consoante a Súmula 7/STJ.
3. Segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o magistrado tem ampla liberdade para analisar a conveniência e a necessidade da produção de provas, podendo perfeitamente indeferir provas periciais, documentais, testemunhais e/ou proceder ao julgamento antecipado da lide, se considerar que há elementos nos autos suficientes para a formação da sua convicção quanto às questões de fato ou de direito vertidas no processo, sem que isso implique ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
4. Relativamente às condutas descritas na Lei n. 8.429/1992, esta Corte Superior possui firme entendimento segundo o qual a tipificação da improbidade administrativa para as hipóteses dos arts. 9º e 11 reclama a comprovação do dolo e, para as hipóteses do art. 10, ao menos culpa do agente.
5. Na espécie, o Tribunal de origem entendeu que a agravante cometeu ato ímprobo e que está presente o elemento anímico em sua atuação.
6. A modificação do entendimento firmado pelas instâncias ordinárias reclamaria induvidosamente o reexame de todo o material cognitivo produzido nos autos, desiderato incompatível com a via especial, conforme a Súmula 7/STJ.
7. Agravo interno a que se nega provimento.
(STJ, AgInt no REsp n. 1.362.044/SE, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/12/2021.) [ressaltado]
Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, ao comentar acerca das alterações do artigo 1º da LIA, faz as seguintes observações: “Seguindo a proposta didática da Lei o § 1º, basicamente, define como sendo atos de improbidade as condutas dolosas descritas nos arts. 9º ao 11º da Lei. Os três primeiros parágrafos, assim, já “dão o recado”, passando a mensagem e a tônica da nova Lei, pois modificam substancialmente a caracterização do ato de improbidade, excluindo a possibilidade de ato de improbidade culposo, o que se revela como um dos pontos mais sensíveis e relevantes da Lei em comento, pois terá o condão de alterar de forma substancial a forma como se tutela a improbidade administrativa. (...)A alteração, conforme já falado, traz equilíbrio, a partir do momento que deixa de tratar da mesma forma aquele que pratica ato de forma negligente, desleixada, imprudente, daquele que intencionalmente lesa o erário” (Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 44-45).
A jurista, ao tratar do dolo específico como requisito para caracterização do ato de improbidade, faz a seguinte análise: “Há de se ter em mente que o dolo, especialmente para fins de caracterização de ato de improbidade, poderá e deverá ser tratado como não apenas a vontade livre e consciente, mas a vontade livre e consciente de praticar os atos de tal maneira, que vão além do ato praticado sem cuidado, sem cautela, e sim com a ausência de cuidado deliberadas de lesarem o erário. Então dolo específico, especialmente para fins de caracterização de ato de improbidade, é o ato eivado de má-fé. O erro grosseiro, a falta de zelo com a coisa pública, a negligência, podem até ser punidos em outra esfera, de modo que não ficarão necessariamente impunes, mas não mais caracterizarão atos de improbidade (...) Conforme dito, portanto, da mesma forma que a má-fé passa a ser elemento essencial para caracterização do ato de improbidade, a boa-fé também deverá ser levada em consideração para a excludente da caracterização” (Ibidem, p. 46).
Desse modo, o ato de improbidade considerado doloso depende da consciência da ilicitude por parte do agente e do desejo de praticar o ato, ou seja, da vontade explícita e clara de lesar os cofres públicos. Caracteriza-se como ato intencional, consciente, eivado de má-fé e praticado com vontade livre e deliberada de lesar o erário, o que não se confunde com atitudes negligentes, desleixadas e imprudentes ou executadas sem cuidado ou cautela. A LIA não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé. Nesse sentido, consoante entendimento jurisprudencial, não configura dolo o comportamento negligente ou irregularidades administrativas, sem a comprovação da má-fé do acusado. Confira-se:
APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã.
1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência.
2. Processo licitatório realizado no ano de 2014 que não observou pesquisa de preços. Pregão Presencial efetivado no ano de 2015, cuja cotação preliminar de preços ocorreu em dia anterior à sessão pública. Prejuízo ao erário no gasto excessivo, não se falando em superfaturamento de preços. Pregões que foram regularmente publicados, havendo competição entre os interessados. Dolo não configurado sob esse aspecto. Comportamento negligente, mas ausência de má-fé com relação às discrepâncias apontadas.
3. Excesso de gastos com combustíveis nos anos de 2014 e 2015 comprovados. Ao menos não justificadas com fatos novos ou supervenientes. Significativa elevação de consumo que corresponde no ano de 2013 a R$438.252,16 e passou a R$706.140,22 em 2014 e R$909.874,92 no ano de 2015. Alegação no sentido de que houve aumento da frota, o que justificaria a elevação dos gastos. Inocorrência. Municipalidade que possuía 41 veículos no ano de 2014 e passou a ter 44 veículos em 2015, quantia insuficiente para justificar o consumo excessivo no importe de R$98.317,82. Situação que foi identificada pelo Tribunal de Contas, que alertou o ex-Prefeito em diversas oportunidades acerca do gasto desordenado com combustível.
4. Controle de percurso e quilometragem de parte da frota que vinha sendo realizado e que poderia ter sido observado com relação aos demais veículos públicos. Laudo elaborado pelo CAEX que apontou ausência no controle de abastecimentos, de quilometragem e horas de uso.
5. Desvio de finalidade evidenciada. Dever indissociável da função pública exercida, que nasce da própria Carta Constitucional, das Leis nº 8.429/92 e 4.320/64. Responsabilidade que recai sobre o gestor da Municipalidade que tem o dever de zelar pelo dinheiro público, inerente à sua função o controle e fiscalização das contas desembolsadas sob o seu mandato. Negligência configurada no trato do dinheiro público. Despreparo na condução da faina do cargo.
6. Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. Ato de improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária.
7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão.
8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido.
(TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível 1001594-31.2019.8.26.0369, j. 10/11/2021, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu). [ressaltado]
REMESSA NECESSÁRIA - APELAÇÃO - AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - AUSÊNCIA DA PROVA DO ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE E DO DANO AO ERÁRIO - CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. O col. Supremo Tribunal Federal assentou, em sede de repercussão geral, a tese de que "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.". Nos termos do artigo 2º da Lei nº 9.424/96, vigente à época dos fatos, os recursos do Fundo serão aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental público, e na valorização de seu Magistério. O descumprimento desse preceito legal não implica necessariamente a caracterização de um ato de improbidade. A negligência, a desatenção, a ineficiência ou até mesmo a incompetência do gestor municipal, sem contornos de má-fé, não o qualificam como desonesto ou corrupto. Ausente a prova do dolo e do dano à Administração Pública Municipal, notadamente porque os recursos reverteram-se em prol do interesse público, descabe a pretensão de ressarcimento ao erário.
(TJMG - Apelação Cível 1.0443.13.000310-8/001, Relator(a): Des.(a) Wilson Benevides , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/11/2022, publicação da súmula em 16/11/2022). [ressaltado]
O Supremo Tribunal Federal, ao finalizar o julgamento do ARE 843989 RG/PR, em 18/08/2022, com repercussão geral, reconheceu que a Lei nº 14.230/2021 tem aplicação imediata e não retroativa, que a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa não se aplica às condenações transitadas em julgado e na fase de execução da pena, em virtude do disposto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, mas apenas aos atos culposos praticados na vigência do texto anterior, sem condenação transitada em julgado, considerada sua revogação expressa. Para a Colenda Corte, a supressão dos dispositivos que tratavam da modalidade culposa das condutas não retroage, entretanto a sua revogação inviabiliza condenações por atos culposos, a partir da edição da Lei nº 14.230/2021. Confira-se, verbis:
Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1. A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2. O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3. A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4. O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5. A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6. A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA). 7. O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17. Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente – , há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN. 19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei".
(ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022)
O artigo 10, caput, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, estabelece, verbis: “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente”. Nota-se que o dispositivo exige, além da demonstração da conduta dolosa do agente, que o dano ao erário seja efetivo.
Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto ao tecerem comentários sobre o artigo 10 da LIA, fazem a seguinte observação: “Claro que nos atos indicados no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa o que se verifica é a necessidade de punição de condutas estritamente dolosas, jamais culposas (destacamos como culpa grave, resvalando no dolo nas edições anteriores, agora afastadas por expressa previsão legal), que sejam originárias de má-fé, da intenção de causar ao dano. (...) Agora a diretriz normativa é bem clara e precisa: ausente ato de improbidade sem dolo. Ao contrário do que se afirma, isso não impede outras formas de responsabilização do agente, mas não pela via da ação de improbidade que exige mesmo uma conduta dolosa do agente” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, GOMES JUNIOR, Luís Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 117 e 119).
Por sua vez, Marçal Justen Filho menciona que: “A Lei 14.230/2021 estabeleceu que o elemento subjetivo do tipo do art. 10 é o dolo, não se configurando improbidade em hipótese de lesão ao erário por conduta culposa do agente público. As condutas especificadas nos diversos incisos do art. 10 pressupõem a existência da consciência e da intencionalidade quanto à lesividade da prática adotada (...) Portanto, toda e qualquer conduta elencada em qualquer dos incisos do art. 10 apenas se submete à disciplina do diploma quando presentes os elementos da improbidade, que compreendem o dolo e o dano patrimonial ao erário” (Justen Filho, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 92 e 96).
É oportuno mencionar que, de acordo com o § 10-F do artigo 17 da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021:“Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. Segundo Marçal Justen Filho: “É nula a sentença que promova a condenação mediante o enquadramento da conduta em dispositivo diverso daquele que fora definido ao longo do processo” (Ibidem, p. 213). Portanto, a condenação deve estar necessariamente fundamentada no dispositivo indicado na exordial.
In casu, cabe registrar, inicialmente, que o empreendimento não foi integralmente financiado com recursos federais, visto que os valores aplicados eram provenientes de transferências realizadas pela UNIÃO e aportes pelo município. Extrai-se dos autos que o Secretário Municipal de Fazenda e a Diretora de Contabilidade da Prefeitura declararam ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em 14/05/2010, que havia sido pago o montante de R$ 5.507.269,24, no período de 2002 a 2005, referente ao Contrato CO 729/02, firmado com a contratada Andrade Galvão Engenharia LTDA. (Id. 107500591 – fl. 189). No mesmo sentido, a análise da execução do contrato efetuada pela Unidade Regional de Marília do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Id. 107500564 – fls. 99/103) e a planilha elaborada pelo assessor contábil da prefeitura, que sintetiza os valores pagos, demonstra que foi aplicado na obra o valor total de R$ 5.500.669,24 (Id. 107500405 – fl. 07). Por sua vez, constata-se que a soma dos recursos disponibilizados pela UNIÃO (Contratos de Repasse n° 0108769-66/2000/SEDU/CAIXA, nº 0106191-42/2000/SEDU/CAIXA e nº 0102739-67/2000/SEDU/CAIXA), acrescidos dos rendimentos financeiros, totalizou o valor de R$ 1.042.035,43 (Id. 107493832 – fls. 28/48). Assim, os recursos federais representavam, aproximadamente, 18,92% dos valores empregados na obra. Desse modo, mostra-se descabida a condenação dos acusados ao ressarcimento de R$ 5.507.269,24, que atualizado perfazia a importância de R$ 11.272.940,90, correspondente aos valores aplicados na obra, porquanto as verbas federais empregadas totalizaram a quantia de R$ 1.042.035,43.
Ressalta-se, novamente, que os valores de R$ 700.000,00 e R$ 1.000.000,00, recebidos em 01/02/2002 e 11/03/2002, respectivamente, transferidos pela CEF em decorrência dos Contratos de Repasse nº 0108770-94/2000/SEDU/CAIXA e nº 0115880-72/2000/SEDU/CAIXA (Id. 107500563 – fls. 112/113), foram devolvidos à UNIÃO, no dia 31/10/2002, em virtude da extinção das avenças (Id. 107493769 – fl. 122), circunstância não considerada pelo Tribunal de Contas Estadual.
Como citado, o Contrato CO–729/02 foi alterado por dez aditivos, nove concernentes aos reajustes do valor da medição e um relativo à prorrogação do prazo de conclusão da obra em vinte e quatro meses (Id. 107500420 – fls. 21/22, Id. 107500423 – fls. 18/21, fls. 31/36, fls. 57/66), e dois termos de rerratificação, o primeiro para modificar a cláusula do valor dos Termos Aditivos de n° 01, nº 02 e nº 03 e o segundo para mudar a cláusula do objeto, incorporar ao contrato a nova planilha, feita após o balanço dos serviços executados e eliminados, bem como estabelecer que os valores referentes à construção do conjunto habitacional e canalização de afluentes seriam transferidos para a edificação da barragem (Id. 107500423 – fls. 37/42).
Verifica-se que as alterações contratuais foram precedidas de pareceres da Procuradoria Jurídica do Município, que se manifestou pelo seu deferimento (Id. 107500462 – fls. 56/65). Acrescenta-se que a cláusula quarta do Contrato CO 729/02 previa que o reajuste dos preços seria efetuado segundo a Lei nº 8.666/93, com a utilização da fórmula indicada e índices de preços divulgados mensalmente pela FIPE, verbis (Id. 107493832 – fls. 13/22):
CLÁUSULA QUARTA: DA FORMA DE REAJUSTE DE PREÇOS
O reajustamento dos preços terá como data base o mês de apresentação da proposta e será efetuado segundo a Lei 8.666/93 através da utilização da seguinte fórmula:
(...)
Os índices de preços a serem aplicados para os diversos tipos de obras/serviços são os divulgados mensalmente pela FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, publicadas no Diário Oficial do Estado de São Paulo.
Relativamente às alterações contratuais concernentes ao aumento do custo relativo à construção da barragem e do sistema de captação, adução e tratamento, redução do serviço de canalização de afluentes e exclusão da construção do conjunto habitacional, o acusado JOSÉ LUIS DÁTILO, então Secretário Municipal de Obras Públicas, encaminhou o Memorando nº 101/04-SOP 10 à Procuradoria Geral, em 05/11/2004, para solicitar a elaboração do termo de rerratificação do Contrato CO 729/02, e apresentou as seguintes justificativas (Id. 107500597 – fls. 26/27):
“A justificativa para os extrapolamentos de quantitativos., é que quando do detalhamento do projeto executivo e também do alteamento da barragem da cota 501 para a cota 507, foram constatadas alterações significativas nos quantitativos, conforme mostrado nas planilhas em anexo. Com relação ao alteamento, é importante esclarecer que o estudo básico desenvolvido na cota inicial com a elevação do topo da barragem, bem como a análise dos dados preliminares, e a realização de estudos complementares, foi possível constatar que através das projeções de consumo de água no município, a implantação da barragem na cota 501 não atenderia de forma satisfatória as necessidades de abastecimento a médio e longo prazos na região, e foi identificado a necessidade do alteamento da barragem para a cota 507, com a finalidade de reforçar o abastecimento de água na referida região, elevando desta forma a capacidade de reservação de 90.000m3 para 295.000m3. Assim sendo, estamos na presente data apresentando um balanço preliminar das quantidades executadas e extrapoladas, e também de quantitativos executados e não pagos, uma vez que nesta data, esta SOP está emitindo Termo de Suspensão do Contrato, haja visto o encerramento dos contratos de repasse da Caixa Económica Federal de números 0106191-42/2000, 0102739-67/2000 e 0108769-66/2000, e também da falta de recursos próprios desta municipalidade, aliado à necessidade de se cumprir com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com relação aos quantitativos executados e não pagos. (Itens 10.33, 10.34 e 10.35) trata-se de serviços que não fazem parte da planilha da obra, serviços estes essenciais e de necessidade comprovada por esta SOP, e autorizados pela fiscalização da obra no protocolo n° 10924 de 10/05/2004, que optou pela inclusão dos referidos serviços no presente balanço.
Com este balanço além da solicitação de rerratificação do referido contrato, estamos também suprimindo as quantidades inicialmente previstas para a Construção de Conjunta Habitacional com 32 Unidades no valor total de R$ 767.934, 12 (setecentos e sessenta e sete mil, novecentos e trinta e quatro reais e doze centavos), e o saldo da Canalização de Afluente da Margem Direita do Córrego Ribeirão dos Índios no valor de R$ 1.616.023.17 (Um milhão seiscentos e dezesseis mil, vinte e três reais e dezessete centavos), perfazendo o total de R$2.383.957.29 (Dois milhões, trezentos e oitenta e três mil, novecentos e cinqüenta e sete reais e vinte e nove centavos), valor este que estamos solicitando seja transferido para a obra “Construção da Barragem. Sistema de Captação, Adução e Estação de Tratamento de Agua", como forma de cobrir o acréscimo de custos da referida obra, em função do detalhamento do projeto executivo e alteamento da cota 501 para a cota 507. Com relação ã supressão, tais serviços não mais serão executados pelos seguintes motivos: a) O município celebrou com a União Federal por intermédio da Caixa Económica Federal contratos de repasse de números 0108770-94/2000 no valor de R$. 700.000,00 (setecentos mil reais) e 0115880-72/2000 no valor de RS 1.000.000.00 (um milhão de reais) os quais seriam aplicados nas obras da Canalização do Afluente da margem direita do Ribeirão dos Índios, bem como na Urbanização de áreas ocupadas por sub-habitações, onde seriam removidas 32 famílias alojadas em favelas e recolocadas nas novas habitações que seriam executadas com recursos dos contratos cancelados.
b) Tendo em vista o exposto acima, esta municipalidade achou por bem priorizar os recursos para a obra de construção da Barragem, uma vez que seus contratos de repasse não foram cancelados, objetivando atender o maior número de famílias possível, onde a área a ser beneficiada possui uma população em torno de 1500 famílias. Complementando a justificativa, também pesou nesta decisão os fatos acima citados os quais justificaram a execução do projeto de alteamento da referida barragem.
Com relação a obra de Canalização do Afluente da Margem Direita do Ribeirão dos Índios, a mesma estava prevista para ser executada no prolongamento da Avenida Eliezer Rocha, a partir da Avenida Reverendo Crisanto César com extensão de 560 metros, porém em virtude do cancelamento dos contratos de repasse acima citados, e diante da impossibilidade da administração executar a referida obra, optou se pela execução de 50 metros de canalização também em afluente da margem direita do referido Ribeirão dos Índios, porém localizado no Bairro Parque das Nações, situado à rua Fablino Botelho, entre as ruas Leonor Mazalli e Rua Juvenal de Oliveira, Zona Norte de Marilia, obra esta imprescindível, uma vez que o processo de erosão no local estava bastante acentuado, atingindo as ruas lindeiras ao canal, e trazendo sérios riscos à segurança da população. Assim sendo solicitamos que seja constado no referido termo de rerratificação do presente contrato, a alteração de local previsto contido no memorial descritivo da obra, para o novo local acima citado.
Diante do exposto submetemos a esta PG, para a elaboração do referido Termo de Rerratificação ao presente contrato, haja visto as justificativas apresentadas”.
De acordo com as informações constantes da solicitação citada, o requerido JOSÉ LUIS DÁTILO informou que havia sido constatado, por estudos básicos/complementares e análise dos dados preliminares, que a implantação da barragem na cota 501 não iria atender de forma satisfatória às necessidades de abastecimento de água a médio e longo prazos da região e que havia sido identificada a necessidade de alteamento da barragem para a cota 507, com a finalidade de reforçar o abastecimento e elevar a capacidade de reservação de 90.000 m3 para 295.000 m3. À vista da suspensão da obra, apresentou um balanço preliminar das quantidades executadas e extrapoladas e dos quantitativos executados e não pagos, em virtude do encerramento dos contratos de repasse da CEF, da insuficiência de recursos municipais e necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Esclareceu que os últimos itens correspondiam aos serviços não integrantes da planilha da obra, considerados essenciais e necessários pela SOP, e autorizados pela fiscalização, que optou pela sua inclusão no balanço. Informou que a supressão da construção do conjunto habitacional, com trinta e duas unidades, no valor de R$ 767.934,12, e do saldo da canalização do afluente da margem direita, no montante de R$ 1.616.023,17, transferidos para a construção da barragem, ocorreu como forma de cobrir os acréscimos do custo do alteamento, considerado que os serviços não mais seriam executados, visto que os contratos de repasse que disponibilizariam os recursos haviam sido cancelados, bem como pela prioridade da construção da barragem dada pelo município, como forma de atender o maior número de famílias possível.
Nas declarações prestadas ao Procurador da República, em 11/05/2009, o acusado JOSÉ LUIS DÁTILO afirmou que era o responsável pela equipe técnica que elaborou o orçamento inicial constante da Concorrência Pública n° 001/2002, que não fazia as medições da obra, mas tinha plena confiança nos fiscais (engenheiros) que as realizavam, que o diário de obras era preenchido, que a segunda rerratificação, em que houve supressão da construção do conjunto habitacional e todos os serviços não executados, foi efetivada em virtude da ausência de recursos financeiros por parte do município para o término da barragem, que recebeu ordens do então Prefeito Abelardo Camarinha para que apresentasse justificativas para tais acréscimos e supressões e que não tratou com o prefeito acerca do descumprimento da lei de licitações, no que se refere ao limite de 25% para alterações, uma vez que confiou no entendimento da Procuradoria Geral do Município e da Secretaria de Planejamento Econômico (Id. 107493832 – fls. 146/152).
O acusado informou, em 08/03/2004, que foi constatado, no decorrer da execução da obra, que alguns itens extrapolaram em quantidade os valores previstos no orçamento, ao passo que outros ficaram abaixo do orçado. Desse modo, em atendimento ao pedido verbal da Caixa Econômica Federal – REDUR, formulado em reunião realizada, no dia 08/03/2004, solicitou parecer jurídico à Procuradoria Geral do Município acerca da legalidade de medição de itens acima do previsto, respeitado o valor global contratado, considerado que o contrato era de empreitada por preço unitário e os valores dos convênios não eram suficientes para a conclusão da obra (Id. 107500430 – fl. 05). No parecer, emitido em 09/03/2004, o procurador municipal manifestou-se de forma favorável à possibilidade de medição de itens que ultrapassavam os valores previstos e outros que ficavam abaixo do orçado, pois ocorreria uma espécie de compensação, desde que o valor do contrato original permanecesse o mesmo e fosse celebrado um aditivo contratual. O procurador orientou à Secretaria de Obras que informasse à Procuradoria acerca dos serviços e materiais acrescidos e suprimidos, para o fim de celebração do aditivo (Id. Id. 107500430 – fls. 09/10). Em nova manifestação, informou, em 25/03/2004, que a execução do contrato ocorria dentro da legalidade, nos termos da Lei nº 8.666/93, e que, após todas as medições, deveria ser feito pela Secretaria de Obras um levantamento geral para aferição dos itens acrescidos e suprimidos, bem como celebrado o necessário aditivo contratual (Id. 107500430 – fl. 07).
Verifica-se que a contratada solicitou, em 10/05/2004, a inclusão de novos itens que não faziam parte da proposta inicial e que foram executados na realização da obra (Id. 107500430 – fls. 11/13). O pedido foi encaminhado à Procuradoria Geral pelo acusado JOSÉ LUIS DÁTILO, para análise e parecer jurídico (Id. 107500430 – fl. 16). O Setor Jurídico se manifestou, em 13/07/2004, pelo deferimento parcial do pedido, desde que cumpridas as exigências solicitadas pela Secretaria de Obras (Id. 107500430 – fls. 17/19). A divisão de fiscalização municipal aceitou e aprovou, em 04/11/2004, a inclusão dos itens na planilha da obra, com base no Memorando nº 101/04 e autorização da Procuradoria Jurídica, considerado que os preços ofertados eram os mesmos praticados pelo mercado (Id. 107500430 – fl. 20).
É salutar mencionar, novamente, que as alterações contratuais foram precedidas de pareceres da Procuradoria Jurídica do Município (Id. 107500462 – fls. 56/65). Cabe salientar que a possibilidade de inclusão ou supressão de itens do objeto licitado estava prevista na cláusula décima primeira, verbis (Id. 107493832 – fls. 13/22):
Cláusula décima primeira
(...)
Ao CONTRATANTE fica reservado o direito de acrescer ou suprimir a quantidade do Objeto da licitação, nos termos do artigo 65 da Lei Federal n° 8.666/93.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo julgou irregulares a Concorrência Pública nº 001/2002 e o Contrato CO – 729/02 por ter verificado a existência de vícios insanáveis no edital que macularam o certame, bem como exigências que poderiam ter restringido o caráter competitivo. Por sua vez, no julgamento dos termos aditivos e de rerratificação, reconheceu que os instrumentos não poderiam ser considerados regulares, com fundamento, especialmente, no entendimento jurisprudencial dominante da corte e no princípio da acessoriedade, visto que, como contrato originário havia sido julgado irregular, os acessórios, dependentes da sua existência e validade, não poderiam ser admitidos como legítimos.
Após o julgamento da Concorrência Pública nº 001/2002 e do Contrato CO – 729/02, o setor de fiscalização do TCE/SP fez uma análise da execução contratual, no Processo TC-2269/004/02, com respaldo no termo de compromisso e ajustamento de conduta firmado com o MPF, para verificação das etapas dos cronogramas físico-financeiros que haviam sido cumpridas e os respectivos valores. A unidade atestou, em 18/06/2010, com base nos documentos apresentados e medições efetuadas, que o montante indicado como pago à contratada (R$ 5507.269,24) estava correto, e a consistência das informações (Id. 107500564 – fls. 99/103). O Assessor Técnico do TCE/SP afirmou, em 10/11/2010, com base no exame efetuado, que as etapas cumpridas do cronograma eram compatíveis com os desembolsos e manifestou-se pela regularidade da matéria (Id. 107500564 – fls. 106/107). O Assessor Procurador-Chefe da Corte de Contas Estadual baseou-se na manifestação da assessoria técnica, que havia atestado a regularidade das medições efetuadas, e concluiu ter havido boa ordem na execução do pacto (Id. 107500564 – fls. 108/110). O Secretário-Diretor Geral atestou, em 14/03/2012, o cumprimento das condições estabelecidas no TAC pela prefeitura, com vista a realizar e concluir a obra da barragem, e demais cláusulas e a demonstração de atendimento das etapas do cronograma e respectivos desembolsos até a rescisão do contrato (Id. 107500564 – fls. 111/113).
A unidade de fiscalização financeira do TCE/SP, ao examinar os termos aditivos, atestou que as justificativas apresentadas para o reajuste do valor das medições e prorrogação do prazo contratual eram aceitáveis. Contudo, à vista da não edificação das unidades habitacionais e execução de apenas cinquenta metros da canalização, concluiu que não havia sido dada destinação correta dos valores recebidos, em desacordo com o artigo 63, §§ 1º e 2º, da Lei nº 4.320/64. A unidade regional manifestou-se pela regularidade da formalização dos Termos Aditivos nº 01 ao nº 10 e do Termo de Rerratificação nº 01 e irregularidade do Temo de Rerratificação nº 02, nos aspectos formal e de execução, porquanto entendeu que deveria ter sido formalizado por aditivo, bem como por não ter sido comprovada a execução do acréscimo de alteamento da cota da barragem de 501 para 507 (Id. 107500563 – fls. 134/143). O posicionamento de setor de fiscalização foi ratificado pelo Diretor Técnico de Divisão Substituto do TCE (Id. 107500563 – fl. 145). Após esclarecimentos prestados pelo município, a Assessoria Técnica do TCE/SP considerou que as justificativas apresentadas esclareciam o aspecto formal da irregularidade do termo de rerratificação e a emissão do termo de suspensão do contrato e manifestou-se, sob o aspecto técnico, pela regularidade dos termos aditivos e de rerratificação (Id. 107500563 – fl. 161). O Secretário Diretor-Geral apresentou manifestação, em 19/02/2013, para afirmar que, no seu entender, a despeito da celebração do TAC, contratação da empresa Geotechnique - Consultoria e Engenharia LTDA., formalização da rescisão unilateral do contrato e justificativas apresentadas, os aditamentos celebrados estavam comprometidos em face do princípio da acessoriedade, previsto no artigo 92 do Código Civil, aplicável: “aos atos posteriores a outros cuja irregularidade já tenha sido decretada” (Id. 107500563 - fls. 167/169). A Assessoria Técnica do TCE/SP apresentou nova manifestação, em 22/10/2013, sob o aspecto técnico, pela regularidade dos termos aditivos e de rerratificação e irregularidade do contrato (Id. 107500563 – fl. 250). O Assessor Procurador-Chefe opinou haver irregularidade nos termos aditivos, de rerratificação e rescisão, considerada a paralisação do empreendimento e a não comprovação do estágio das obras, ao argumento de que a obra estava maculada desde o início e não existiam indícios de que seria finalizada (Id. 107500563 – fls. 251/255).
Conclui-se, como já pontuado, que o reconhecimento da irregularidade da concorrência pública e do contrato pelo TCE/SP decorreu de vícios existentes no edital do certame, sem análise técnica dos termos contratuais. Nada obstante, o setor de fiscalização, as assessorias técnica e jurídica e a secretaria da Diretoria Geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo manifestaram-se pela regularidade da execução do contrato, bem como do reajuste dos valores das medições e prorrogação do prazo contratual. As alterações contratuais somente foram consideradas irregulares, salvo o segundo termo de rerratificação, em virtude da reprovação do instrumento originário, que não foi objeto de análise pela corte de contas. De acordo com o TCE/SP, a segunda rerratificação deveria ter sido formalizada por termo aditivo, porquanto objetivou o aumento/redução do objeto inicial, e por não ter sido comprovada a efetivação do acréscimo de alteamento da cota da barragem. Constata-se que a não conclusão das obras remanescentes foi relevante para que o TCE/SP não aprovasse os ajustes alteradores.
A cláusula terceira dos contratos de repasse estabelecia, como obrigação da UNIÃO, o acompanhamento da execução do empreendimento e certificação da aquisição dos bens pelo município, constantes no plano de trabalho. Determinava ao município o dever de apresentar mensalmente à UNIÃO os relatórios de execução físico-financeira, relativos ao contrato, prestar contas dos recursos recebidos, inclusive dos eventuais rendimentos provenientes das aplicações financeiras, e propiciar os meios e condições necessários para que a UNIÃO e os órgãos de controle externo pudessem realizar inspeções periódicas. Por sua vez, de acordo com a cláusula quinta, o desbloqueio dos recursos ocorreria em parcelas, após atestada pela UNIÃO a execução física da etapa correspondente e comprovação financeira da etapa anterior pelo município, e o pagamento da última parcela estava condicionada à confirmação pelo contratante da execução total do empreendimento e comprovação da integral aplicação do valor relativo à contrapartida realizada pela prefeitura. A cláusula nona previa que a UNIÃO faria o acompanhamento e avaliação das ações constantes no plano de trabalho e conferia ao gestor do programa a prerrogativa de promover visitas in loco, com o propósito de acompanhar e avaliar os resultados das atividades desenvolvidas. O município estava obrigado à apresentação de prestação de contas à UNIÃO da totalidade dos recursos recebidos, com a cominação de instauração de tomada de contas especial pela contratante (cláusula décima primeira). Por fim, a cláusula décima quinta conferia à UNIÃO, por intermédio do gestor do programa, a prerrogativa de assumir ou transferir a responsabilidade da execução da obra, no caso de sua paralisação ou de fato relevante que pudesse ocorrer e promover a fiscalização físico-financeira das atividades referentes ao contrato (Id. 107493832 – fls. 28/48).
Está demonstrado que a execução do contrato foi monitorada pelo ente federal e pela CEF, vez que a UNIÃO era obrigada a acompanhar o andamento do empreendimento, avaliar as ações constantes no plano de trabalho, certificar a aquisição de bens pelo município, promover a fiscalização físico-financeira das atividades contratuais e, no caso de paralisação, assumir ou transferir a responsabilidade da execução da obra. Por seu turno, a CEF, na qualidade de gestor do programa, poderia promover visitas in loco, com o propósito de acompanhar e avaliar os resultados das atividades desenvolvidas. Ademais, a liberação dos recursos estava condicionada à apresentação pelo município de relatórios mensais concernentes à execução do contrato, prestação de contas dos recursos recebidos e certificação da execução física da etapa correspondente. Registra-se que a Caixa Econômica informou à Procuradoria da República, em 13/10/2006, que a execução da obra havia sido aprovada pela sua engenharia (Id. 107493832 – fls. 60/61).
À vista do recebimento integral dos valores provenientes dos contratos de repasse e da ausência de informações quanto à não prestação de contas ou instauração de tomada de contas especial, pode-se concluir que o município apresentou os relatórios exigidos, prestou contas dos recursos recebidos e que as etapas físicas da obra foram certificadas pela CEF.
Verifica-se que o reajuste das medições decorreu de previsão contratual e com a utilização dos índices previstos no contrato (Id. 107500467 – fls. 195, 110/112, Id. 107500465 – fl. 09, 15, 18/19, 26, 31/32, 38, 45, 64, 130, 150, 176, 200 e 206, Id. 107500420 – fls. 09, 12/17, 26/34, 43/51, 59/68, 78/85). Ademais, a Procuradoria Jurídica do Município manifestou-se pelo deferimento dos pedidos de reajustamento do valor das medições, como pode ser observado pelos pareceres colacionados aos autos pelo requerido JOSÉ LUIS DÁTILO (Id. 107500462 – fls. 56/65). Como citado, a fiscalização do TCE/SP considerou aceitáveis as justificativas apresentadas para o reajuste dos valores das medições e prorrogação do prazo contratual. (Id. 107500563 – fl. 161).
De acordo com os termos de suspensão, as interrupções da obra foram fundamentadas nos incisos XIV e XVII da Lei nº 8.666/93 e decorreram do encerramento dos contratos de repasse e da falta de recursos da municipalidade, com a ressalva de que perduraria até a normalização da situação (Id. 107493832 – fls. 23/27). A primeira suspensão foi autorizada pelo acusado JOSÉ LUIS DÁTILO, em 05/11/2004, e ocorreu na gestão de JOSÉ ABELARDO GUIMARAES CAMARINHA. As demais foram autorizadas, em 04/03/2005, 01/07/2005, 31/10/2005 e 28/02/2006, por Antonio Carlos Nasraui, Secretário de Obras na gestão de Mário Bulgareli.
ANTONIO CARLOS NASRAUI, Secretário de Obras, no período de 01/2005 a 08/2008, na gestão de Mário Bulgareli, afirmou ao Procurador da República, em 11/05/2009, que recebeu ordens do gabinete do prefeito, repassadas pelo Chefe de Gabinete Nelson, para que não desse seguimento à construção da obra no Córrego Ribeirão dos Índios, em virtude de ordem judicial ou da emanada do Tribunal de Contas, e que nenhum pagamento foi efetivado na sua gestão. Disse que quando assumiu o cargo a obra já estava paralisada, em virtude do encerramento dos contratos de repasse com a CEF, da falta de recursos da municipalidade e da necessidade de cumprimento da LRF e que os termos de suspensão eram encaminhados pelo gabinete do prefeito, mas não sabia se passavam pelo crivo do setor jurídico (Id. 107493832 – fls. 154/157).
MARIO BULGARELI, prefeito de Marília a partir de 01/2005, afirmou ao Procurador do MPF, em 15/05/2009, que, após conferir a medição da obra, autorizou o pagamento dos serviços realizados e comprovados e posteriormente não mais “mexeu” com a obra, que a suspensão do empreendimento ocorreu na gestão do Prefeito Abelardo Camarinha, em 11/2004, que em sua gestão também não houve condições de continuar a obra, em virtude da falta de recursos financeiros da municipalidade, do encerramento dos contratos de repasse e da decisão do Tribunal de Contas, e que, à vista da decisão do TCE e de não ter havido qualquer cobrança por parte da contratada, considerava que o contrato estava rescindido. Afirmou que a Secretaria Municipal de Obras acompanhava a situação do empreendimento, que fazia visitas periódicas ao local, que pretendia terminar a obra e tinha em mãos um estudo de viabilidade técnico-econômica para juntada aos autos. Informou que seria protocolado junto ao Ministério das Cidades o pedido de liberação de verba para o término do projeto, com 80% da verba proveniente da União e 20% do município, que acreditava que a verba seria disponibilizada, caso contrário faria um esforço para concluir a obra paulatinamente, bem como se comprometeu a celebrar o termo de ajustamento de conduta com o MPF para o término do empreendimento (Id. 107493832 – fls. 167/170).
O Assessor Procurador-Chefe do TCE/SP, na manifestação apresentada no Processo TC-2269/004/002, em 25/10/2013, considerou que as explicações prestadas pelo município esclareciam as razões que levaram à paralisação da obra. Salientou que estava evidenciado o acúmulo de despesas com licitações destinadas à contratação do remanescente da obra, que não terminavam, geravam ações judiciais e gastos com a manutenção dos canteiros. (Id. 107500563 – fls. 251).
É importante mencionar que, a despeito da suspensão da obra, o empreendimento não foi abandonado. A contratada Andrade Galvão Engenharia LTDA., nos esclarecimentos prestados à prefeitura, em 11/07/2006, informou que, por longo período, desde a suspensão dos serviços e na expectativa de reinício da construção, manteve as instalações do canteiro de obras, conservou os barracões em perfeitas condições para posterior utilização e disponibilizou equipe mínima de engenharia, pessoal administrativo, energia elétrica, água, comunicação e vigilância ininterrupta (Id. 107500430 – fls. 70/71):
“Desde a emissão do Primeiro Termo de Suspensão do Contrato o qual nos foi entregue em 05 de novembro de 2004, foram suspensos todos os trabalhos de execução da obra, ficando a estrutura do maciço da barragem executada até a cota 551,72 metros.
Nesta data, a galeria de Inspeção se encontrava com o seu fundo e suas paredes 100% concluídas, porém sem a conclusão da laje superior a qual permitiria a perfeita vedação da mesma.
Restava, portanto terminar a estrutura do barramento", os sistemas de captação e adução além da estação de tratamento de água.
Entretanto há de se verificar que até a presente data transcorreram 607 (seiscentos sete dias) em que a obra se encontra paralisada, estando a estrutura, parcialmente executada, exposta à ação de Intempéries sujeita a todo o tipo de ocorrências, sendo a mais Incidente, a de transbordamento do dique formado em função de assoreamento do tubo de descarga por falta de manutenção de limpeza permanente que em consequência carreia materiais Indesejáveis aos drenos de sub pressão existentes na galeria ainda não concluída, obstruindo os mesmos.
A maior preocupação em virtude do período de paralisação é com o comportamento da estrutura de concreto, com as ocorrências de erosões motivadas peia ação das chuvas, as quais podem comprometido a estrutura das ombreiras, assim como a possível obstrução dos drenos situados na galeria de inspeção.
Outro a ser considerado é a falia de manutenção dos caminhos de acesso ao maciço da barragem, os quais foram executados em pavimentos revestidos com pedra britada, estando em inúmeros pontos rompidos pela ação das águas das chuvas motivados pelos entupimentos das linhas de drenagens também executadas.
Esclarecemos, entretanto que desde o recebimento do Primeiro Termo de Suspensão a empresa mantém as instalações do canteiro de obras, utilizando vigilância 24 horas por dia, conservando os barracões em perfeitas condições para serem reutilizados a qualquer momento, disponibilizando equipe mínima de Engenheiro e Pessoal Administrativo, além de energia elétrica, água e comunicação, durante um largo tempo, na expectativa de reinício das obras.
(...)”
Após a manifestação da empresa contratada, a Procuradoria Geral, no parecer emitido, em 02/07/2009, orientou ao município que passasse a promover a guarda do local do empreendimento, de modo a proteger as obras realizadas, tão logo formalizada a rescisão contratual do ato (Id. 107500591 – fls. 23/24).
O Parquet menciona a existência de divergências entre as medições e anotações do diário de obras, ao argumento de que na medição realizada, em 04/11/2004, o valor empregado acumulado correspondia a 55,31% do total, após a rerratificação contratual, e a obra foi suspensa com execução de apenas 30% do volume estrutural da barragem. O analista pericial da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF mencionou no laudo pericial que (Id. 107493832 – fl. 122):
“(...) 25. A última medição do contrato foi realizada em 04 de novembro de 2004, realizando-se nessa etapa uma adequação, em função do Termo de Rerratificação indicado anteriormente. O valor acumulado até essa medição, de R$ 4.176.067,65 (quatro milhões, cento e setenta e seis mil, sessenta e sete reais e sessenta e cinco centavos) corresponde a 55,31% (cinqüenta e cinco vírgula finta e um por cento) do valor após a rerratificação.
26. Fisicamente, a obra encontra-se atualmente paralisada, com a estrutura executada até a Cota 493,m (quatrocentos e noventa e três metros), o que corresponde a, aproximadamente, 30,0% (trinta por cento) do volume total da estrutura da barragem. Nenhum serviço relativo à captação, adução e a estação de tratamento de égua foi realizado. (...)”
Verifica-se que o autor faz uma relação equivocada entre o valor gasto (R$ 4.176.067,65) até 04/11/2004, o que era equivalente a 55,31% do montante total, com a execução física da edificação da barragem, que correspondia a 30% na data da paralisação do empreendimento.
Do exame dos elementos anexados aos autos constata-se que não está evidenciado o cometimento de ato de improbidade por parte dos acusados. Como mencionado, o dolo específico, para fins de caracterização de ato de improbidade, é o eivado de má-fé e praticado com o intuito de cometer conscientemente a ilicitude. O erro não intencional, a falta de zelo, a gestão ineficiente de recursos públicos e a ausência de diligência não configuram ato ímprobo. Nessa acepção, segundo Rafael de A. Araripe Carneiro: “não há mais espaço para a aplicação indiscriminada da lei em toda e qualquer infração normativa. Pelo contrário: a partir dos contornos dados pela Lei nº 14.230/2021, houve o oferecimento de parâmetros que distinguem (i) o ato ímprobo, (ii) a ilegalidade e (iii) a má política pública. Isso tudo para realçar que a tutela da probidade só sucede na ocorrência de lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados” (coordenadores Mendes, Gilmar Ferreira e Carneiro, Rafael de A. Araripe. Nova lei de improbidade administrativa: inspirações e desafios. São Paulo: Almedina, 2022, p. 115). Cabe citar, verbis:
APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – DANO AO ERÁRIO E VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – Os agentes da Administração Pública e seus contratados, no exercício das atribuições que lhes são próprias, devem guardar a mais lídima probidade, a fim de preservar o interesse último dos atos praticados, qual seja, o bem comum – MEDIÇÃO E RECEBIMENTO DE OBRA INCOMPLETA - elementos fático-probatórios dos autos que não evidenciam o alegado prejuízo ao Erário ou mesmo a conduta atentatória à legalidade ou moralidade da Administração que possam ser consubstanciados como atos ímprobos, mas sim ilegalidade – contratação de empresa de engenharia para execução de obras de construção de Unidade de Pronto Atendimento (UPA), localizada no Jardim Santa Marta, no Município de Mogi-Guaçu – alegação de que a empresa-ré não concluiu a obra nos termos que determinados no Contrato nº 087/PMMG/2010 e que os fiscais municipais teriam vistoriado e concluído que, além de estar de acordo com os parâmetros acordados, teria sido concluída, quando, em verdade, não foi o caso – efetiva execução da maior parte das obrigações contratuais pela empresa-contratada – irregularidades que não têm o condão de evidenciar o dolo do agente público, assim considerada a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito (art. 1º, §2º cc. art. 11, §§1º e 4º, da LF nº 8.429/92, com a redação atribuída pela LF nº 14.230/2021) – sentença de improcedência da demanda mantida. Recurso do Município desprovido.
(TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1007924-36.2017.8.26.0362; Relator (a): Paulo Barcellos Gatti; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro de Mogi Guaçu - 2ª vara Cível; Data do Julgamento: 26/07/2022; Data de Registro: 26/07/2022)
É certo que a prefeitura municipal responsabilizou-se pela finalização da obra e que o empreendimento não foi concluído. Contudo, como visto, o término foi inviabilizado pela insuficiência de recursos. Ainda que os acusados não tenham observado os termos do convênio e desrespeitado o artigo 66 da Lei nº 8.666/93, artigo 22 da IN/STN nº 01/97 e outras regras correlatas, o descumprimento contratual e de normas legais, sem a comprovação do dolo, não caracteriza ato de improbidade ou autoriza a aplicação de sanções previstas na LIA. Como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Ademais, segundo o § 1ª do artigo 17-C da LIA:“A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nesse sentido, destacam-se:
APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DANO AO ERÁRIO E VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – Ação de improbidade administrativa ajuizada em decorrência de suposta licitação direcionada para a aquisição de notebooks superfaturados pelo Município de Rio Claro, mediante conluio entre agentes públicos municipais e particulares - elementos fático-probatórios colacionados aos autos que não evidenciam tenham os réus deliberadamente aumentado o valor para a aquisição dos notebooks, com o objetivo de causar prejuízo ao Erário ou de proporcionar o enriquecimento ilícito da licitante vencedora – indicação de aparelhos cujos preços não são os melhores dentre aqueles existentes no mercado que, por si só, não caracteriza conduta ímproba, mas sim possível inabilidade do administrador público – Lei nº 14.230/2021 que, ao alterar a Lei nº 8.429/1992, estabeleceu expressamente a obrigatoriedade de que os réus tenham agido de forma dolosa, com o objetivo de alcançar o resultado ilícito tipificado na lei, afastando a possibilidade de ato de improbidade administrativa culposo - sentença de procedência parcial mantida, diante impossibilidade de reformatio in pejus. Recurso do Ministério Público desprovido.
(TJSP; Apelação Cível 0019260-71.2012.8.26.0510; Relator (a): Paulo Barcellos Gatti; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro de Rio Claro - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 12/12/2022; Data de Registro: 15/12/2022)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade administrativa – Município de Fernandópolis – Alegação de prática de ato com desvio de finalidade pelo Prefeito Municipal, Chefe de Gabinete, Assessor e Gerente municipal, que causou prejuízo aos cofres municipais, no valor de R$ 4.300,00, ao receberem verbas públicas do erário a título de adiantamento de viagem à cidade de São Paulo, ocorrida nos dias 26 a 28 de julho de 2018, sob o pretexto da necessidade de tratarem de assuntos de interesse do Município no Palácio dos Bandeirantes, mas que, na realidade, a viagem ocorreu com o fim de participarem da convenção estadual partidária realizada, evento estritamente particular e sem qualquer interesse para o Município de Fernandópolis – Inexistência do alegado desvio de finalidade, eis que a finalidade do ato atendeu ao interesse público específico, que, na hipótese, era o agendamento de compromissos para tratar de assuntos de interesse público local (busca, pelo Chefe do Executivo, por contratos e recursos públicos em prol do Município) - Muito embora não tenha ocorrido a visita à sede do Governo Estadual, fato que a princípio justificou o adiantamento de despesas para viagem, o Prefeito Municipal, acompanhado de servidor público, dirigiram-se à Assembleia Legislativa do Estado para atenderem a compromissos oficiais e de interesse da Municipalidade – Ilegalidade não caracterizada - Inobservância das formalidades estabelecidas para adiantamento de despesas de viagem que configurou mera irregularidade – E ainda que se cogitasse da ilegalidade do referido ato, não haveria que se falar na presença do elemento subjetivo qualificador (dolo ou má-fé) necessário ao reconhecimento de todo e qualquer ato de improbidade - Condutas praticadas pelos réus que não autorizam concluir, de maneira alguma, que foram gravemente desonestos – Atendimento da finalidade pública que denota a boa-fé dos réus - Sentença de procedência parcial reformada para julgar improcedente o pedido. Recurso dos réus provido. Recurso do autor desprovido.
(TJSP; Apelação Cível 1004691-60.2020.8.26.0189; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Fernandópolis - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/05/2022; Data de Registro: 04/05/2022)
PROCESSO CIVIL – Entrada em vigor da Lei 14.230/21 - Aplicação as ações em andamento - Inteligência de seu artigo 1º, § 4º - Direito Administrativo Sancionador. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade Administrativa - Contas desaprovadas pelo TCE no período compreendido entre 2000 e 2005 - Repasse de duodécimos ao Legislativo além do limite permitido e inexistência de segregação contábil do FUSSBE que, embora constituam irregularidades administrativas não são condutas aptas a justificar a aplicação da LIA – Ausência de dolo – Artigo 1º, § 1º da Lei 14.230/01 - Improbidade administrativa não configurada – Precedentes - R. sentença mantida. Recurso improvido
(TJSP; Apelação Cível 0005734-58.2010.8.26.0655; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Várzea Paulista - 1ª Vara; Data do Julgamento: 17/12/2021; Data de Registro: 17/12/2021)
O encerramento dos contratos de repasse e a insuficiência de recursos próprios, aliados à má gestão dos valores recebidos, ocasionaram a paralisação do empreendimento, situação que foi mantida na gestão municipal posterior. A obra não foi abandonada, como afirmado, mas paralisada e em condições de ser retomada, o acusado JOSÉ LUIS DÁTILO foi o responsável pela primeira suspensão (05/11/2004) e as demais foram autorizadas pela administração seguinte. As modificações contratuais foram amparadas em pareceres jurídicos, que atestaram a regularidade dos atos. Não há alegações ou evidências de apropriação de recursos públicos, mas de gestão deficiente e inábil das verbas recebidas e da falta de planejamento financeiro, condutas que não configuram improbidade administrativa. De acordo com o entendimento jurisprudencial, a lei de improbidade não tem como finalidade a punição do gestor inábil ou incompetente, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO. DOSIMETRIA. SANÇÃO. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ALÍNEA "C". AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. SÚMULA 7/STJ. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA.
(...)
7. O entendimento do STJ é de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10.
8. Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, que se caracterize a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé.
(...)
13. Recurso Especial de Ione Freire Bezerra parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. Recurso Especial de Josafá Augusto de Lima não conhecido.
(STJ, REsp 1605125/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 03/03/2017)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE E MORALIDADE). PARTICIPAÇÃO DO RECORRENTE EM REUNIÃO PRESIDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL SOBRE CONDICIONANTES AMBIENTAIS DE UMA OBRA. CONDIÇÃO DO AGENTE DE CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE. PARTICIPAÇÃO NA REUNIÃO COMO DE INTEGRANTE DE UMA COMISSÃO INSTITUÍDA PELO MUNICÍPIO DE PIRAMBU/SE. PEDIDO INICIAL QUE SEQUER APONTA A OCORRÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO E NEM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE. CAPITULAÇÃO DO FATO EXCLUSIVAMENTE NA REGRA DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/92. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SEQUER ADUZ A OCORRÊNCIA DA NOTA ESPECIAL DA MÁ-FÉ NA CONDUTA. REVALORAÇÃO JURÍDICA DAS PREMISSAS ADOTADAS NO ARESTO. MERO DESATENDIMENTO A UM PRINCÍPIO (NO CASO, O DA LEGALIDADE), SEM QUALQUER NOTA ESPECÍFICA DE MÁ-FÉ. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E PROVIDO, EM PARTE, PARA CONHECER DO RECURSO ESPECIAL E DAR-LHE PROVIMENTO.
(...) 8. Demais disso, é sabido que meras irregularidades não sujeitam o agente às sanções da Lei 8.429/92. Precedente: REsp 1.512.831/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016).
9. "Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo.
A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. [...] Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014" (REsp 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016).
10. Recurso especial provido para reformar o acórdão recorrido e restabelecer a sentença de primeiro grau.
(STJ, AgInt no AREsp n. 569.385/SE, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 2/10/2018, DJe de 6/3/2019.)
Registra-se que, diferentemente do afirmado na sentença, o pagamento por obra incompleta não significa pagamento indevido ou prejuízo à UNIÃO, porquanto restou demonstrado que a obra poderia ser retomada do ponto em que paralisada e que os valores empregados não foram “desperdiçados”.
Conclui-se que os acusados foram negligentes e incompetentes no trato do dinheiro público e violaram cláusulas contratuais e normas legais (artigos 65 e 66 da Lei nº 8.666/93), mas não está demonstrado que tiveram a intenção de praticar o ato ilegal ou agido com dolo ou má-fé, ou seja, a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito, como definido pelo artigo 1º, § 2º da LIA, elemento essencial para a caracterização do ato ímprobo, e não há sequer menção de que tenham obtido vantagem indevida. Ressalta-se que a conduta dos requeridos foi fundamentada nos pareceres jurídicos, que a não conclusão da obra decorreu da insuficiência de recursos financeiros, que o empreendimento não foi abandonado, mas paralisado e em condições de prosseguimento, e que a execução do contrato foi aprovada pela CEF, gestora do programa, e pelo TCE/SP. É certo que o mero exercício de função ou desempenho de competência pública, sem a comprovação do dolo, afasta a responsabilidade por ato de improbidade, como prevê o § 3º do mesmo dispositivo. Acrescenta-se que a ilegalidade sem a presença do dolo que a qualifique não configura ato ímprobo (artigo 17-C, § 1º). Nessa acepção, destaca-se:
APELAÇÕES. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Acréscimos em contratos realizados por licitação sem a formalização de Termos Aditivos. Pleito de nulidade dos contratos firmados e de reconhecimento da prática por improbidade administrativa dos corréus, com incurso no art. 10, VII e XII, da Lei 8.429/92. R. sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos. Recurso de apelação de um dos corréus não conhecido. Deserção. Não recolhimento do preparo. IRRETROATIVIDADE DA NOVA LEI Nº 14.230/21. Ação de improbidade administrativa. Índole civil e administrativa. Não retroação da Lei nº 14.230/21, que deu nova redação a diversos artigos da Lei nº 8.429/1992, em relação a assuntos de direito material. O princípio da retroatividade da lei nova mais benéfica não se aplica às penalidades por improbidade administrativa. Precedentes. Aplicação do decidido pelo STF no ARE 843989, Tema 1199 de repercussão geral. MÉRITO. Acréscimos em contratos de licitação firmados pela Prefeitura de Ituverava e as empresas ora apelantes que não observaram as formalidades exigidas quanto à elaboração de Termos Aditivos. Todavia, não há como reconhecer a existência de ato ímprobo, pois não houve lesão ao erário ou favorecimento pessoal. Ilegalidade que não configura, por si só, improbidade administrativa. Conduta desastrada e inábil que não equivale à conduta desonesta e ímproba, conforme entendimento jurisprudencial pacificado. Obras licitadas que foram devidamente entregues e valores acrescidos que foram utilizados, sem comprovação de superfaturamento ou desvio de verbas. Impossibilidade de aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade. Ausência de dolo ou má-fé na conduta dos requeridos. R. sentença reformada para julgar improcedente a demanda. RECURSO DE APELAÇÃO DO CORRÉU MÁRIO TAKAYOSHI MATSUBARA NÃO CONHECIDO. RECURSO DE APELAÇÃO DOS DEMAIS CORRÉUS PROVIDO, com observação de aproveitamento do aqui decidido para todos os litisconsortes, em atenção ao que dispõe o art. 1.005 do CPC/15.
(TJSP; Apelação Cível 0004325-18.2009.8.26.0288; Relator (a): Flora Maria Nesi Tossi Silva; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Ituverava - 1ª Vara; Data do Julgamento: 23/11/2022; Data de Registro: 29/11/2022)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TOMADA DE PREÇOS. ÚNICA LICITANTE. ALEGAÇÃO DE DIRECIONAMENTO FUNDADA EM ILAÇÕES E CONJECTURAS DESTITUÍDAS DE AMPARO PROBATÓRIO. SUPOSTOS VÍCIOS FORMAIS DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. IRREGULARIDADES QUE NÃO PODEM SER CONFUNDIDAS COM A ILEGALIDADE QUALIFICADA PELO INTUITO MALSÃO CONDUCENTE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ELEMENTO SUBJETIVO DOS ARTS. 10 E 11 DA LEI Nº 8.429/92 NÃO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO.
I- Incumbe ao autor da ação de improbidade o ônus da prova sobre os fatos imputados ao suposto agente ímprobo.
II- Se há dúvida fundada acerca da própria mácula incidente sobre os atos praticados durante o procedimento licitatório todos controlados pela Procuradoria , não se pode, como equivodamente pretende o Apelante, extrair a conclusão automática de que tais fatos demonstrariam a existência de conluio, direcionamento e manipulação do resultado da licitação.
III- Os conceitos de ilegalidade e improbidade não podem ser confundidos, porque a improbidade , na sua acepção contemporânea, constitui uma ilegalidade qualificada pelo intuito malsão (nocivo) do agente, traduzido pela conduta desonesta e maliciosa pautada por dolo ou culpa grave.
IV- Para respaldar uma condenação por improbidade administrativa, exige-se prova cabal e conclusiva dos ilícitos praticados com desonestidade e intuito malsão, não se revelando suficientes, para tanto, simples indícios, tampouco inferências, suposições e ilações.
V- Recurso desprovido.
(TJES, Classe: Apelação / Remessa Necessária, 034090005108, Relator: JORGE DO NASCIMENTO VIANA - Relator Substituto : GETULIO MARCOS PEREIRA NEVES, Órgão julgador: QUARTA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 07/02/2022, Data da Publicação no Diário: 16/02/2022)
É fato incontroverso que os recursos transferidos pela UNIÃO, a despeito da não conclusão da obra, foram integralmente aplicados no empreendimento. Relativamente ao remanejamento dos valores destinados à canalização do afluente da margem direita do córrego e construção das moradias para a edificação da barragem, bem como da divergência apontada pelo perito do MPF entre o RN (referência de nível) empregado na obra e o previsto no projeto, cabe pontuar que a jurisprudência tem reconhecido que a aplicação de verba pública em finalidade diversa da ajustada não caracteriza ato de improbidade, mas mera irregularidade, considerada a destinação pública dada aos recursos. Confira-se:
DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. APLICAÇÃO DE VERBAS PROVENIENTES DE CONVÊNIO CELEBRADO COM FNDE EM FINS DIVERSOS, PORÉM AINDA PÚBLICOS. INOCORRÊNCIA DE DANO REAL AO ERÁRIO. ABSOLVIÇÃO DO EX-GESTOR. IMPROVIMENTO DAS APELAÇÕES.
1. Trata-se de ação civil por improbidade administrativa ajuizada pelo Município de Fagundes em face de ex-prefeito, o qual teria aplicado recursos de convênio firmado com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE - em finalidade diversa da acordada: ao invés da aquisição de veículos de transporte escolar, mobiliário escolar e computador iterativo, os recursos teriam sido integralmente utilizados para saldar outras despesas da edilidade, como o cumprimento da obrigação relativa à folha de pagamento;
2. A sentença a quo, considerando tratar-se de mera irregularidade, haja vista a utilização das verbas para finalidades ainda públicas, absolveu o réu, consignando que a conduta não teria a gravidade suficiente para enquadrar-se como ato de improbidade administrativa, pelo que recorrem o MPF e o FNDE;
3. A ausência de prestação das contas, de um lado, é arguição que não se sustenta. A norma que prevê a obrigatoriedade de prestar contas visa à tutela da informação acerca da correta aplicação dos recursos repassados. In casu, a destinação das verbas já é conhecida: foram aplicadas em despesas diversas da municipalidade, o que é, aliás, o cerne do presente debate;
4. É incontroversa a aplicação dos recursos provenientes de convênio com o FNDE em fim diverso daquele ajustado. Sucede, porém, que a finalidade também pública dada ao dinheiro, denotando falta de malícia ou desonestidade por parte do gestor, desfalca o gesto da má-fé necessária às condenações por improbidade, da qual não se cogita quando o cenário for, "apenas", de incompetência administrativa;
5. Apelações improvidas.
(TRF5 - AC - Apelação Civel - 587349 0000135-17.2013.4.05.8201, Segunda Turma, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, DJE – Data :20/05/2016 - Página::30.)
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-GESTORES. RECURSOS DESTINADOS AO PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL - PETI/2004. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ÍMPROBA. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A condenação dos apelantes deu-se com base no Relatório da CGU, o qual concluiu pela impossibilidade de formação de opinião sobre a procedência ou não da denúncia de irregularidades na aplicação de recursos federais repassados ao Município, ante a ausência de documentação relativa ao período apontado.
2. Os atos de improbidade administrativa não se confundem com simples ilegalidades administrativas ou inaptidões funcionais. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei 8.429/1992, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público.
3. A despeito das irregularidades apontadas, não resta comprovado, de modo inequívoco, que os apelantes agiram com desonestidade ou má-fé, a fim de desviar recursos públicos ou aplicá-los em finalidades diversas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, exercício 2004. 4. Apelação provida.
(TRF1, ACR 0059895-82.2009.4.01.3500, QUARTA TURMA, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA (CONV.), e-DJF1 20/02/2019 PAG.)
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - PRELIMINARES NÃO TRATADAS PELA DECISÃO AGRAVADA - NÃO CONHECIMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - MEDIDA LIMINAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS - PREVISÃO NA LEI 8.429/92 - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DESFAZIMENTO OU DILAPIDAÇÃO DOS BENS - PREFEITO E SECRETÁRIO MUNICIPAL - SUPOSTO DESVIO DE VERBA REPASSADA PELO ESTADO COM BASE EM CONVÊNIO - UTILIZAÇÃO PARA FINALIDADE DIVERSA - PAGAMENTO DE OUTRAS DESPESAS MUNICIPAIS - ILEGALIDADE QUE, APARENTEMENTE, NÃO IMPLICA PREJUÍZO AO ERÁRIO - NÃO CABIMENTO DA MEDIDA - RECURSO DESPROVIDO.
- O agravo de instrumento leva ao conhecimento do Tribunal a decisão interlocutória alvo da insurgência, e a tanto deve se limitar a decisão do recurso.
- O deferimento de liminar de indisponibilidade de bens no bojo de ação civil pública por ato de improbidade administrativa encontra previsão no artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal e no artigo 7º. da lei 8.429/92, e se recomenda, em razão do princípio da supremacia do interesse público, quando, em exame preliminar, se verifica a existência de indício do ato ímprobo, causador de enriquecimento ilícito ou de prejuízo ao erário público.
- Não se verifica, aparentemente, a ocorrência de prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito, se o ato improbo narrado diz respeito a possível desvio de finalidade no uso de verba repassada pelo Estado, com base em convênio, ao Município, e se o próprio autor aponta a utilização da verba desviada para o custeio de outras despesas públicas.
(TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.120937-8/001, Relator(a): Des.(a) Moreira Diniz , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/10/2019, publicação da súmula em 01/11/2019)
Cabe mencionar que, a despeito do pedido formulado pela Procuradora do Ministério Público de Contas de aplicação de multa, nos termos do artigo 104, inciso II, da LCE 709/93 (Id. 107500563 – fls. 256 /258), a corte de contas estadual julgou irregulares o edital, o contrato, os termos aditivos e os de rerratificação, com aplicação dos incisos XV e XXVII do artigo 2º da Lei Complementar Estadual n° 709/93 e fixação do prazo para que o Prefeito Municipal de Marília apresentasse as providências adotadas em decorrência do decidido, mas não responsabilizou pecuniariamente os acusados.
Os atos praticados poderiam configurar a conduta negligente e culposa dos requeridos e evidenciar a existência de irregularidades administrativas, sujeitas à responsabilização funcional, como ocorreu, caso em que poderiam ter sido penalizados pelo Tribunal de Contas de São Paulo e pela comissão especial de sindicância municipal, mas não autorizam a aplicação da LIA. Nessa acepção, cabe citar o saudoso Ministro Teori Zavascki, no voto proferido no RESP 827.455/SP, verbis: “ (...) Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. (...) A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade” (STJ, REsp n. 827.445/SP, relator Ministro Luiz Fux, relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 2/2/2010, DJe de 8/3/2010):
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. LEI 8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. IMPRESCINDIBILIDADE.
1. A ação de improbidade administrativa, de matriz constitucional (art.37, § 4º e disciplinada na Lei 8.429/92), tem natureza especialíssima, qualificada pelo singularidade do seu objeto, que é o de aplicar penalidades a administradores ímprobos e a outras pessoas - físicas ou jurídicas - que com eles se acumpliciam para atuar contra a Administração ou que se beneficiam com o ato de improbidade. Portanto, se trata de uma ação de caráter repressivo, semelhante à ação penal, diferente das outras ações com matriz constitucional, como a Ação Popular (CF, art. 5º, LXXIII, disciplinada na Lei 4.717/65), cujo objeto típico é de natureza essencialmente desconstitutiva (anulação de atos administrativos ilegítimos) e a Ação Civil Pública para a tutela do patrimônio público (CF, art. 129, III e Lei 7.347/85), cujo objeto típico é de natureza preventiva, desconstitutiva ou reparatória.
2. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência dominante no STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos culposa, nas do artigo 10 (v.g.: REsp 734.984/SP, 1 T., Min. Luiz Fux, DJe de 16.06.2008; AgRg no REsp 479.812/SP, 2ª T., Min. Humberto Martins, DJ de 14.08.2007; REsp 842.428/ES, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 21.05.2007; REsp 841.421/MA, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 04.10.2007; REsp 658.415/RS, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 03.08.2006; REsp 626.034/RS, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de 05.06.2006; REsp 604.151/RS, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 08.06.2006).
3. É razoável presumir vício de conduta do agente público que pratica um ato contrário ao que foi recomendado pelos órgãos técnicos, por pareceres jurídicos ou pelo Tribunal de Contas. Mas não é razoável que se reconheça ou presuma esse vício justamente na conduta oposta: de ter agido segundo aquelas manifestações, ou de não ter promovido a revisão de atos praticados como nelas recomendado, ainda mais se não há dúvida quanto à lisura dos pareceres ou à idoneidade de quem os prolatou. Nesses casos, não tendo havido conduta movida por imprudência, imperícia ou negligência, não há culpa e muito menos improbidade. A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade.
4. Recurso especial do Ministério Público parcialmente provido.
Demais recursos providos.
(REsp n. 827.445/SP, relator Ministro Luiz Fux, relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 2/2/2010, DJe de 8/3/2010.)
Destacam-se, mais:
REMESSA NECESSÁRIA - NÃO CONHECIMENTO - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRELIMINAR - SOBRESTAMENTO DO FEITO - REJEIÇÃO - DANO AO ERÁRIO - LEI Nº 14.230/21 - DOLO NÃO DEMONSTRADO - ATO ÍMPROBO DESCARACTERIZADO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Não se submete à remessa necessária a sentença proferida em ação de improbidade administrativa(art. 17-C, § 3º, da Lei nº 8.429/92).
2. Rejeita-se a preliminar de sobrestamento do feito, em consonância com a decisão proferida pelo STF no ARE 843989/PR(Tema 1199), segundo a qual "não se afigura recomendável o sobrestamento dos processos nas instâncias ordinárias", estando a suspensão restrita aos "Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021".
3. A existência de meras irregularidades administrativas não enseja, por si só, a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992, porquanto imprescindível que seja demonstrado o dolo na conduta dos requeridos.
4. Inexistindo comprovação de que os réus teriam agido com dolo ou má-fé, não há que se falar em improbidade administrativa.
5. Sentença mantida.
6. Recurso não provido.
(TJMG - Apelação Cível 1.0693.09.094109-9/001, Relator(a): Des.(a) Raimundo Messias Júnior , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/11/2022, publicação da súmula em 29/11/2022)
Apelação Cível – Administrativo – Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público em fade de ex-prefeito do Município de Lucélia e servidor público municipal visando o reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa com a consequente condenação por ato de improbidade e sujeição às sanções do art. 12, II, da Lei Federal nº 8.429/92 e devolução dos valores – Pretensão fundada em suposto pagamento indevido do adicional de insalubridade ao servidor - Sentença de improcedência – Recurso pelo MP – Desprovimento de rigor. 1. De proêmio, na forma do assentado pelo C. STF no Tema nº 1.199, anote-se que a nova Lei Federal nº 14.230/2021 se aplica aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado - Assim, em virtude da revogação expressa do texto anterior deverá o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente – Em suma: necessária a comprovação de que teriam os agentes públicos envolvidos agido com dolo. 2. No caso em apreço não restaram evidenciados seja o dolo, seja a ocorrência dano ao erário ou ainda o locupletamento dos agentes públicos envolvidos – Pagamento do adicional de insalubridade que seria devido em razão do exercício da função de motorista no setor de Assistência Social, ainda que em concomitância com desempenho em outro setor – Prova testemunhal segura no sentido da concomitância – Pagamento retroativo da vantagem que também não se mostrava descabido de plano – Atos de improbidade que não restaram suficientemente configurados e provados, impondo-se a improcedência – Precedentes da Corte. 3. Condenação do MP nas custas, despesas processuais e honorários advocatícios – Descabimento – Inteligência do art. 18 da Lei Federal nº 7.347/85 – Precedentes do C. STJ. Sentença mantida - Apelação do MP desprovida.
(TJSP; Apelação Cível 1001041-45.2021.8.26.0326; Relator (a): Sidney Romano dos Reis; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Lucélia - 2ª Vara; Data do Julgamento: 01/12/2022; Data de Registro: 01/12/2022)
5.3.2. DA IRREGULARIDADE DA CONCORRÊNCIA PÚBLICA E DO CONTRATO CO-729/02
Como reportado, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo julgou irregulares a Concorrência Pública nº 001/2002 e o Contrato CO – 729/02 por ter constado a existência de vícios insanáveis no edital que macularam o certame e exigências que teriam restringido o seu caráter competitivo. A corte considerou descabida a cobrança do valor de R$ 500,00, para aquisição da pasta técnica, inaceitável a disposição contida no item 6.5.2 do instrumento convocatório, que vedava a participação de empresas que haviam solicitado, há pelo menos seis meses, rescisão e contrato com a prefeitura municipal, considerou que uma simples declaração da empresa, de que não utilizava trabalho de menores, em lugar da certidão emitida pela Delegacia Regional do Trabalho, bastaria para o atendimento do item 6.1.10, e que a exigência de comprovante de posse ou propriedade de usina de solo ou termo de compromisso de locação, firmado pelo proprietário em favor da licitante, prevista no item 6.1.3.3, caracterizava vício insanável capaz de macular o certame. Por fim, reconheceu que as exigências impugnadas no edital poderiam ter contribuído com o número restrito de interessados na licitação (Id. 107493757 – fls. 13/20).
FÁTIMA ALBIERI, Procuradora Jurídica do Município de Marília, desde 1992, declarou ao Procurador do MPF, em 03/08/2009, que, à vista da contratação irregular da empresa de Andrade Galvão Engenharia LTDA., houve a instauração de procedimento administrativo para apuração de eventual ocorrência de prejuízo ao erário, irregularidades e providências a serem adotadas. Recomendou a instauração de processo administrativo tão logo o Tribunal de Contas reconheceu a nulidade da licitação, procedimento que tramitou concomitantemente com a ação rescisória proposta pelo município (Id. 107493757 – fls. 06/09).
No âmbito da prefeitura, foi instaurado, em 12/12/2005, processo administrativo (Portaria nº 17.827/2005) para apuração de responsabilidades concernentes às ilegalidades verificadas na concorrência pública e no contrato firmado com a empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA., referente ao Processo TC-002269/004/02 (Id. 107493757 – fls. 55/56, Id. 107500588 – fl. 204). A comissão de sindicância concluiu, em 13/04/2006, que as irregularidades não haviam restringido a participação de interessados na licitação, as cláusulas impugnadas não tinham causado nenhum prejuízo efetivo ou potencial ao erário e o Tribunal de Contas poderia ter considerado o certame regular, embora com ressalvas (Id. 107493757 – fls. 143/148 e 150 e Id. 107500635 – fls. 203/209). O gestor municipal acatou, em 03/05/2006, o parecer da comissão especial de sindicância e autorizou o arquivamento do procedimento (Id. 107493757 – fl. 149 e Id. 107500635 – fl. 210).
Para o magistrado, o fato de os requeridos terem autorizado a publicação do edital com diversas irregularidades, mas com base em parecer favorável da assessoria jurídica, não era suficiente para concluir que eram coniventes com suposta fraude ou qualquer irregularidade perpetrada na licitação. Considerou que os acusados não poderiam responder pessoalmente por atos de terceiros, a não ser que tivesse ficado comprovado que agiram ou deixaram de agir por determinação daqueles (Id. 107500544 – fls. 04/113).
O requerido JOSÉ LUIS DÁTILO afirma que seus atos foram pautados na ética e moral e precedidos de pareceres das secretarias competentes. Conforme documento parecer, o Edital nº 017/2002, referente à Concorrência Pública nº 001/2002, foi encaminhado pelo Chefe da Divisão de Licitação à Procuradoria Geral, em 14/02/2002, para fins do disposto no artigo 38, parágrafo único, da lei nº 8.666/93. No parecer elaborado, em 14/02/2002, a Procuradora Municipal Fátima Albieri afirmou que o edital estava em consonância com as formalidades legais previstas no artigo 40 da Lei Federal 8.666/93, modificada pelas Leis nº 8.883/94, nº 9.032/95 e nº 9.640/98 (Id. 107500462 – fls. 53/54).
Importante destacar que não há prova de desvio dos recursos transferidos, porquanto está comprovada a aplicação integral das verbas federais no empreendimento. Não há prova do dolo ou erro intencional dos requeridos, que tenham obtido vantagens com as ilegalidades ou beneficiado terceiros. O reconhecimento da irregularidade da concorrência pública e do contrato pelo TCE/SP decorreu de vícios existentes no edital do certame, sem análise técnica dos termos contratuais. Ademais, cabe ressaltar que o edital do certame foi encaminhado à Procuradoria, que se manifestou pela sua legalidade.
No caso concreto, não está configurada a prática de ato de improbidade doloso, uma vez que não foi demonstrado o erro intencional e má-fé dos acusados e não há prova de que tenham sido favorecidos com as irregularidades verificadas. A despeito do julgamento irregular do edital e contrato e da existência de inconformidades apuradas pelo TCE/SP, o dolo e a má-fé não foram comprovados, o que afasta a caracterização do ato de improbidade, como prevê o § 1ª do artigo 17-C da LIA, segundo o qual: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Os atos praticados poderiam configurar ilegalidades ou irregularidades administrativas por parte dos réus, mas não podem ser considerados ímprobos, dada a não comprovação do dolo. Nessa acepção, destaca-se:
APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã.
1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência.
2. Processo licitatório realizado no ano de 2014 que não observou pesquisa de preços. Pregão Presencial efetivado no ano de 2015, cuja cotação preliminar de preços ocorreu em dia anterior à sessão pública. Prejuízo ao erário no gasto excessivo, não se falando em superfaturamento de preços. Pregões que foram regularmente publicados, havendo competição entre os interessados. Dolo não configurado sob esse aspecto. Comportamento negligente, mas ausência de má-fé com relação às discrepâncias apontadas.
3. Excesso de gastos com combustíveis nos anos de 2014 e 2015 comprovados. Ao menos não justificadas com fatos novos ou supervenientes. Significativa elevação de consumo que corresponde no ano de 2013 a R$438.252,16 e passou a R$706.140,22 em 2014 e R$909.874,92 no ano de 2015. Alegação no sentido de que houve aumento da frota, o que justificaria a elevação dos gastos. Inocorrência. Municipalidade que possuía 41 veículos no ano de 2014 e passou a ter 44 veículos em 2015, quantia insuficiente para justificar o consumo excessivo no importe de R$98.317,82. Situação que foi identificada pelo Tribunal de Contas, que alertou o ex-Prefeito em diversas oportunidades acerca do gasto desordenado com combustível.
4. Controle de percurso e quilometragem de parte da frota que vinha sendo realizado e que poderia ter sido observado com relação aos demais veículos públicos. Laudo elaborado pelo CAEX que apontou ausência no controle de abastecimentos, de quilometragem e horas de uso.
5. Desvio de finalidade evidenciada. Dever indissociável da função pública exercida, que nasce da própria Carta Constitucional, das Leis nº 8.429/92 e 4.320/64. Responsabilidade que recai sobre o gestor da Municipalidade que tem o dever de zelar pelo dinheiro público, inerente à sua função o controle e fiscalização das contas desembolsadas sob o seu mandato. Negligência configurada no trato do dinheiro público. Despreparo na condução da faina do cargo.
6. Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. Ato de improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária.
7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão.
8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido.
(TJSP; Apelação Cível 1001594-31.2019.8.26.0369; Relator (a): Oswaldo Luiz Palu; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Monte Aprazível - 2ª Vara; Data do Julgamento: 10/11/2021; Data de Registro: 10/11/2021) [ressaltado]
PROCESSO CIVIL – Entrada em vigor da Lei 14.230/21 - Aplicação as ações em andamento - Inteligência de seu artigo 1º, § 4º - Direito Administrativo Sancionador. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade Administrativa - Contas desaprovadas pelo TCE no período compreendido entre 2000 e 2005 - Repasse de duodécimos ao Legislativo além do limite permitido e inexistência de segregação contábil do FUSSBE que, embora constituam irregularidades administrativas não são condutas aptas a justificar a aplicação da LIA – Ausência de dolo – Artigo 1º, § 1º da Lei 14.230/01 - Improbidade administrativa não configurada – Precedentes - R. sentença mantida. Recurso improvido
(TJSP; Apelação Cível 0005734-58.2010.8.26.0655; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Várzea Paulista - 1ª Vara; Data do Julgamento: 17/12/2021; Data de Registro: 17/12/2021)
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTATIVA – Dispensa de licitação - Contratações diretas realizadas no exercício de 2006 pela EMDHAP em favor de diversas empresas, que atingiram o total de R$ 1.007.934,65 - Montante negociado que ultrapassa em muito o limite permitido dos incisos I e II do art. 24 da lei nº 8.666/93 – Dispensa de licitação indevida – Dano ao erário presumido – Inteligência do artigo 10 inciso VIII da Lei nº 8.429/92 - Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º § 4º determina a aplicação, no sistema de improbidade, dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador - Retroatividade da norma mais benéfica - Supressão do dano presumido constante na antiga redação do citado artigo 10 inciso VIII da Lei nº 8.429/92 – Sentença reformada para julgar improcedente o pedido inicial – Recurso provido.
(TJSP; Apelação Cível 3010759-26.2013.8.26.0451; Relator (a): José Luiz Gavião de Almeida; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro de Piracicaba - 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 15/12/2021; Data de Registro: 15/12/2021)
5.4. DA REVOGAÇÃO DOS INCISOS I E II DO ARTIGO 11 DA LEI Nº 8.429/92
Na inicial, o autor enquadrou as condutas dos requeridos no artigo 11, incisos I e II, da LIA, no que se refere aos atos que atentaram contra os princípios da administração pública, especialmente o da legalidade, moralidade, eficiência, finalidade, interesse público e razoabilidade. Confira-se:
“(...) A improbidade administrativa, por sua vez, segundo José Afonso da Silva, uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem". Tanto é que esse tipo de ato é sancionado com severidade pelo legislador Constitucional (art. 37, § 4°, da Lei Maior, já transcrito) e pelo legislador infraconstitucional. A esse respeito, a Lei n.° 8.429/92 (que "dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências"), preconiza:
(...)
Art. 11 Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
(...)”
Os incisos I e II do artigo 11 da LIA, no texto anterior, estabeleciam como atos de improbidade, que atentavam contra os princípios da administração pública, a prática de ato: “visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”, e que tivesse por finalidade: "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício". Entretanto, os dispositivos foram revogados pela Lei nº 14.230/2021.
De acordo com a nova redação do artigo 11, constitui ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública, a ação ou omissão dolosa que viola os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade, caracterizada por uma das condutas descritas nos seus incisos, entre os quais não se encontra a prática de ato que tenha objetivo proibido em lei ou regulamento ou de retardar ou deixar de praticar dever de oficio.
Marçal Justen Filho ao comentar sobre a revogação dos incisos I e II do artigo 11 da LIA, faz a seguinte observação: “O inc. I do art. 11 referia-se ao desvio de finalidade. A tipificação do desvio de finalidade como hipótese de improbidade administrativa implicava desnaturação do instituto. Não significa admitir a validade ou o descabimento de punição a condutas eivadas de desvio de finalidade. Atos praticados com desvio de finalidade comportam sancionamento severo, em diversas órbitas. Mas não se enquadram no instituto da improbidade, ressalvadas hipóteses diferenciadas, em que estejam presentes elementos peculiares à referida figura. A revogação do dispositivo foi orientada pela preocupação de evitar a banalização da improbidade administrativa. As razões que justificam a revogação do inc. II do art. 11 são semelhantes àquelas que nortearam a revogação do inc. I do mesmo artigo. Trata-se também nesse caso de afastar a identificação entre ilegalidade e improbidade. O retardamento ou a omissão indevidos na prática de ato de ofício são condutas sancionáveis por diversos meios, mas que não se confundem com a improbidade administrativa” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 118-119).
A abolição dos dispositivos está em consonância com as alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.230/2021, segundo as quais: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade” (artigo 17-C, § 1º). Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Portanto, fica afastada a condenação por improbidade sem a presença do dolo, ainda que configurada a ilegalidade do ato, de modo que a conduta considerada negligente, culposa ou ilegal não autoriza a aplicação da LIA. Nessa acepção, destaco:
APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã.
1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência.
2. Processo licitatório realizado no ano de 2014 que não observou pesquisa de preços. Pregão Presencial efetivado no ano de 2015, cuja cotação preliminar de preços ocorreu em dia anterior à sessão pública. Prejuízo ao erário no gasto excessivo, não se falando em superfaturamento de preços. Pregões que foram regularmente publicados, havendo competição entre os interessados. Dolo não configurado sob esse aspecto. Comportamento negligente, mas ausência de má-fé com relação às discrepâncias apontadas.
3. Excesso de gastos com combustíveis nos anos de 2014 e 2015 comprovados. Ao menos não justificadas com fatos novos ou supervenientes. Significativa elevação de consumo que corresponde no ano de 2013 a R$438.252,16 e passou a R$706.140,22 em 2014 e R$909.874,92 no ano de 2015. Alegação no sentido de que houve aumento da frota, o que justificaria a elevação dos gastos. Inocorrência. Municipalidade que possuía 41 veículos no ano de 2014 e passou a ter 44 veículos em 2015, quantia insuficiente para justificar o consumo excessivo no importe de R$98.317,82. Situação que foi identificada pelo Tribunal de Contas, que alertou o ex-Prefeito em diversas oportunidades acerca do gasto desordenado com combustível.
4. Controle de percurso e quilometragem de parte da frota que vinha sendo realizado e que poderia ter sido observado com relação aos demais veículos públicos. Laudo elaborado pelo CAEX que apontou ausência no controle de abastecimentos, de quilometragem e horas de uso.
5. Desvio de finalidade evidenciada. Dever indissociável da função pública exercida, que nasce da própria Carta Constitucional, das Leis nº 8.429/92 e 4.320/64. Responsabilidade que recai sobre o gestor da Municipalidade que tem o dever de zelar pelo dinheiro público, inerente à sua função o controle e fiscalização das contas desembolsadas sob o seu mandato. Negligência configurada no trato do dinheiro público. Despreparo na condução da faina do cargo.
6. Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. Ato de improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária.
7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão.
8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido.
(TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível 1001594-31.2019.8.26.0369, j. 10/11/2021, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu). [ressaltado]
Como mencionado, o Supremo Tribunal Federal, ao finalizar o julgamento do ARE 843989 RG/PR, em 18/08/2022, com repercussão geral, reconheceu que a supressão dos dispositivos que tratavam da modalidade culposa das condutas não retroage, entretanto a sua revogação inviabiliza condenações de atos culposos, a partir da edição da Lei nº 14.230/2021. Referido entendimento aplica-se ao caso concreto, considerada a condenação pela prática de atos de improbidade descritos no artigo 11, inciso I, da Lei n.º 8.429/92, dispositivo revogado pela norma.
À vista da revogação dos incisos I e II do artigo 11 da LIA pela Lei nº 14.230/2021 e da impossibilidade de condenação com base no texto revogado, como decidido pelo STF no julgamento do ARE 843989 RG/PR, os atos imputados tornaram-se atípicos pela abolição da figura ímproba, o que torna inviável a pretensão sancionatória. Destaca-se, nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, I, DA LEI 8.429/92. REVOGAÇÃO. ALTERAÇÕES DA LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO IMEDIATA DOS DISPOSITIVOS. ART. 1º § 4º DA LEI 14.230/2021. NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO DO ACUSADO. PREJUDICIALIDADE. ABSOLVIÇÃO. ART. 10, CAPUT, E XI DA LEI 8.429/92. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. Os apelantes foram condenados pela prática do ato ímprobo previsto no art. 11, I da Lei 8.429/92, na redação anterior à Lei 14.230/2021.
2. A partir da alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. O art. 11, I da Lei 8.429/92 foi revogado.
3. A referida norma se aplica ao caso concreto, eis que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa por beneficiar o réu.
4. Considerando que a partir da vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta pela qual os ora apelantes foram condenados deixou de ser típica, deve ser reformada a sentença.
(...) 8. Apelações parcialmente providas, para absolver os requeridos quanto à prática da conduta do art. 11, I da Lei 8.429/92, revogado, e reduzir a sanção de proibição para contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, para o prazo de três anos.
(TRF 1ª Região, TERCEIRA TURMA, AC 1001610-62.2017.4.01.3900, Rel. JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), PJe 25/04/2022 PAG.)"
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MUNICÍPIO DE CARMO DA MATA. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. SERVIDORES DA ÁREA DA EDUCAÇÃO. ENQUADRAMENTO DA CONDUTA. ART. 11, INCISOS I, II E V, DA LEI 8.429/92. REVOGAÇÃO EXPRESSA DOS INCISOS I E II PELA LEI Nº 14.230/2021. RETROATIVIDADE DA NORMA DE DIREITO MATERIAL MAIS BENÉFICA (NOVATIO LEGIS IN MELLIUS). TEMA Nº 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. HIPÓTESE DO INCISO V. NÃO ENQUADRAMENTO DA CONDUTA AO TIPO LEGAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. Dentre as principais inovações trazidas pela Lei nº 14.230/2021 está a alteração procedida no texto do art. 11 da Lei nº 8.429/1992, que versa sobre os atos de improbidade que atentem contra os princípios da Administração Pública. A novel legislação transmudou o rol das condutas ímprobas até então exemplificativo ( numerus apertus) em taxativo (numerus clausus), revogou expressamente os incisos I, II, IX e X, e alterou a redação dos incisos III, IV, V, VI, XI e XII.
2. Consoante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal no âmbito do ARE nº 843.989 (Tema nº 1.199 da repercussão geral), a Lei nº 14.230/2021 se aplica aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior, deixando clara, portanto, a retroatividade das normas de direito material mais benéficas, desde que respeitada a eficácia da coisa julgada (art. 5º, XXXVI).
3. Considerando a natureza material da norma inserta no art. 11, devem ser observados os princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição da República, dentre eles, o da retroatividade da norma de direito material mais benéfica ao réu (novatio legis in mellius) (art. 5º, XL, da CR/88).
4. In casu, considerando que o Parquet enquadrou a conduta do agente nos incisos I, II e V, da LIA, forçoso o reconhecimento da atipicidade da conduta quanto aos dois primeiros incisos, já que revogados pela Lei nº 14.230/2021. Quanto ao último, é de se concluir que a conduta do agente não se amolda ao tipo legal - seja em sua redação original, seja na nova -, na medida em que não se trata de frustração de licitude ou do caráter concorrencial de certame (art. 37, II, da CR/88), com o fito de se obter benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros, mas, antes, de realização de contratações temporárias supostamente em desconformidade com o texto constitucional (art. 37, IX, CR/88), em ofensa ao princípio do concurso público.
(TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.263685-6/001, Relator(a): Des.(a) Bitencourt Marcondes , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/12/2022, publicação da súmula em 16/01/2023)
V) DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, rejeito as preliminares, dou provimento às apelações dos acusados para julgar improcedente a ação e nego provimento ao reexame necessário e ao recurso do MPF e UNIÃO, nos termos da fundamentação.
É como voto.
EMENTA
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO SUJEIÇÃO.
1. No tocante à submissão da sentença ao reexame necessário, verifica-se que, em 26/04/2023, houve o cancelamento da afetação do Tema nº 1.042, ocasião em que o e. Ministro Relator Paulo Sérgio Domingues apontou que a questão objeto do tema ficou prejudicada, pois “não há dúvida alguma de que a Lei 14.230/2021 aboliu a figura da remessa necessária e de que, portanto, é negativa a resposta para a pergunta acerca da possibilidade de aplicação do procedimento para as ações de improbidade no atual cenário”. Nesse sentido, a remessa obrigatória não merece conhecimento.
2. E, malgrado discutível a questão à luz da Lei n.º 8.429/92, em sua redação originária, a partir das alterações introduzidas pela Lei n.º 14.230/21, o não cabimento da remessa necessária passou a ser expressamente previsto - artigo 17, §19, inciso IV e artigo 17-C, §3º. Por sua vez, tratando-se de norma de caráter processual, impõe-se a aplicabilidade imediata aos processos em curso, ex vi do artigo 14, do CPC, mesmo que a sentença tenha sido proferida anteriormente à Lei nº 14.230/21, pois o juízo de admissibilidade do reexame necessário ocorre no momento do julgamento. Precedentes.
3. De rigor, portanto, o não conhecimento da remessa oficial.
4. Quanto à preliminar de incompetência absoluta da Justiça Federal, extrai-se da inicial que a União, por intermédio da Caixa Econômica Federal, e o Município de Marília/SP celebraram, em 26/12/2000, contratos de repasse, que tinham como objeto comum a transferência de recursos financeiros para a implantação e ampliação dos serviços de abastecimento de água, para a execução de ações relativas ao “Programa Morar Melhor” (Id. 107493832 – fls. 28/48). Os contratos sofreram alterações por aditivos, pelos quais o município ficou responsabilizado pela conclusão do empreendimento e aporte de recursos adicionais necessários à consecução do objeto contratado (Id. 107493832 – fls. 49/53). De acordo com o item 3.1 da cláusula terceira, comum aos contratos de repasse, a União tinha como obrigações, entre outras, manter o acompanhamento da execução do empreendimento, atestar a aquisição dos bens pelo município, constantes no projeto, e analisar eventuais solicitações de reformulação do plano de trabalho feitas pelo contratado. Por sua vez, consoante o item 3.2, competia ao município manter conta bancária vinculada ao contrato em agência da CEF, apresentar mensalmente à UNIÃO relatórios de execução físico-financeira relativa ao contrato e contrapartida, prestar contas à UNIÃO dos recursos transferidos e dos eventuais rendimentos provenientes das aplicações financeiras legalmente autorizadas, propiciar os meios e as condições necessários para realização de inspeções periódicas pela UNIÃO e órgãos de controle externo, bem como restituir o saldo dos recursos não utilizados. A cláusula quinta previa que o desembolso dos recursos ocorreria em conformidade com o cronograma físico-financeiro, após atestada pelo contratante a execução física da etapa correspondente e comprovação financeira da etapa anterior pelo contratado, e a última parcela ficaria condicionada ao ateste pelo contratante da execução total do empreendimento e comprovação da integral aplicação do valor relativo à contrapartida. Segundo os itens 7.3, 7.4 e 7.4.3 da cláusula sétima, os recursos transferidos não poderiam ser utilizados em finalidade diversa da estabelecida e deveriam ser movimentados, única e exclusivamente, em conta mantida junto à Caixa Econômica Federal, vinculada ao contrato de repasse, e eventuais saldos financeiros verificados quando da conclusão da obra, denúncia, rescisão ou extinção do contrato de repasse, inclusive provenientes das receitas obtidas em aplicações financeiras, deveriam ser restituídos à União Federal, no prazo improrrogável de trinta dias do evento, com a cominação de instauração de tomada de contas especial pela UNIÃO. O item 7.5 da cláusula sétima obrigava o município a restituir os valores transferidos, acrescidos de juros legais e atualizados monetariamente, a partir da data de recebimento, nos casos em que o objeto pactuado não fosse executado, a prestação de contas não fosse apresentada no prazo regulamentar ou os recursos fossem empregados em finalidade diversa da estabelecida. Conforme a cláusula nona, cabia ao contratante o acompanhamento e avaliação das ações constantes no plano de trabalho. O município era obrigado a registrar, em sua contabilidade, em conta específica, vinculado ao ativo financeiro, os recursos recebidos da UNIÃO e como contrapartida conta adequada ao passivo financeiro, com identificação do contrato de repasse e especificação das despesas (item 10 da cláusula décima). As faturas, recibos, notas fiscais e outros documentos comprobatórios de despesas deveriam ser emitidos com a identificação do número do contrato de repasse (item 10.1 da cláusula décima). O município deveria apresentar à UNIÃO a prestação de contas referente ao total dos recursos, no prazo de até 60 dias após a data da liberação da última parcela, com a cominação de instauração de tomada de contas especial pela contratante (cláusula décima primeira). A cláusula décima segunda previa que os serviços de auditoria seriam realizados pelos órgãos de controle interno e externo da União, sem prejuízo da competência de fiscalização do município. A cláusula décima quinta conferia à União a prerrogativa de promover a inspeção físico-financeira das atividades referentes ao contrato de repasse e a faculdade de assumir ou transferir a responsabilidade da execução da obra/serviço, no caso de paralisação ou da ocorrência de fato relevante.
5. Diferentemente do alegado, não se trata de recurso incorporado ao patrimônio municipal, mas de verba transferida pela União, vinculada a uma finalidade estipulada pelo órgão federal, sujeita à fiscalização e prestação de contas à administração pública federal e restituição dos recursos não utilizados ou empregados em desacordo com o contrato de repasse. Acrescenta-se que a UNIÃO manifestou interesse em integrar a lide, na qualidade de assistente litisconsorcial do MPF (Id. 107500463 – fl. 74). Desse modo, como os recursos repassados têm origem federal, foram transferidos por força de contrato de repasse, são controlados e fiscalizados pela União e sujeitos à devolução, aliado ao interesse processual manifestado pelo ente federal, constata-se a competência da Justiça Federal. Nesse sentido, a Súmula 208 do STJ: “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal”. (SÚMULA 208, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/1998, DJ 03/06/1998, p. 68). Precedentes.
6. A presença do Ministério Público Federal como autor da ação também atrai, regra geral, a competência da Justiça Federal. Precedentes.
7. Não comporta acolhimento a alegação de ilegitimidade passiva formulada pelo demandado JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, ao argumento de que era prefeito, ou seja, agente político, figura não inserida no artigo 2º da LIA. O artigo 1º da Lei nº 8.429/92, na sua redação original, previa que o ato de improbidade praticado por agente público contra a administração direta, indireta ou fundacional ou o patrimônio de entidade que recebia subvenção de órgão público seria punido na forma estabelecida pela norma. Por sua vez, o artigo 2º considerava como agente público todo aquele que exercia, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas referidas entidades. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 576 da Repercussão Geral, fixou a seguinte tese jurídica: "o processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias" (STF, RE 976566, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 13/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-210 DIVULG 25-09-2019 PUBLIC 26-09-2019).
8. Consoante entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, é admitida a responsabilização de agentes políticos nos termos da lei de improbidade e aplicação das respectivas sanções: “e não ocorre, desse modo, bis in idem nem incompatibilidade entre a responsabilização política e a criminal” (AgInt no REsp n. 1.856.755/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 22/6/2020, DJe de 26/6/2020.). Precedentes.
9. Também não prospera a preliminar de falta de interesse recursal da UNIÃO, suscitada em contrarrazões pelo requerido JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA ao argumento de que o objetivo de recuperação de eventual prejuízo foi satisfeito, visto que a sentença condenou os requeridos à devolução de valores. A ação foi ajuizada pelo MPF, que requereu na inicial a notificação da UNIÃO para manifestar interesse em ingressar no feito. Intimada, pediu seu ingresso na ação, na qualidade de assistente litisconsorcial do autor (Id. 107500463 – fl. 74), o que foi deferido (Id. 107500547 – fls. 87/94). Assim, atuou ao lado do Parquet e praticou atos inerentes à sua condição, como o requerimento de oitiva de testemunhas (Id. 107500547 – fls. 96/97), participação nas audiências de instrução (Id. 107500547 – fls. 183/184 e 232), solicitação de encaminhamento de documentos para instrução de cartas precatórias (Id. Id. 107500547 – fls. 147 e 216), apresentação de alegações finais conjuntamente com o MPF (Id. 107500547 – fls. 241/277), oposição de embargos de declaração (Id. 107500544 – fls. 123/125), interposição de apelação e apresentação de contrarrazões juntamente com o Autor (Id. 107500544 – fls. 154/197 e Id. 107500475 – fls. 137/195) e apresentação de manifestação (Id. 107500476 – fls. 09/10).
10. A UNIÃO tem legitimidade concorrente com o MPF para ajuizar a ação de improbidade, na qualidade de pessoa jurídica interessada, com fundamento no artigo 17, caput, da LIA, na redação vigente à época do ajuizamento da ação. Desse modo, o seu interesse não se limita à condenação dos acusados ao ressarcimento dos danos, mas também à aplicação das sanções previstas no artigo 12 da lei. Nesse sentido, o STJ reconhece que a União tem legitimidade ativa para ajuizar a ação civil pública por improbidade administrativa e que seu interesse processual não se limita a questões de natureza patrimonial. Precedentes.
11. A despeito da previsão contida no artigo 17 da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, que confere ao Ministério Público a legitimidade exclusiva para o ajuizamento da ação, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADI 7043/DF e ADI 7042/DF, declarou a inconstitucionalidade parcial do caput do dispositivo, para: “restabelecer a legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Parquet e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil”. Os acórdãos transitaram em julgado em 07/03/2023 e 08/03/2023, respectivamente.
12. No que tange à alegação de prescrição externada pelo acusado JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA sob o argumento de que teria ultrapassado o prazo de cinco anos do término do mandato, considerado que deixou o cargo de prefeito em 2004, a mesma não merece conhecimento, considerando que tal altercação, concernente às sanções previstas na Lei nº 8.429/92 já foi objeto de análise no julgamento do Agravo de Instrumento nº 0029932-23.2014.4.03.0000, interposto pelo requerido. A Quarta Turma deu parcial provimento ao recurso, para rejeitar a prescrição (Id. 107500544 – fls. 205/213). O agravante não se insurgiu contra o acórdão, que transitou em julgado em 13/06/2016. Diferentemente do alegado, a matérias de ordem pública estão sujeitas à preclusão, como tem reconhecido o Superior Tribunal de Justiça, Precedente.
13. Relativamente à prescrição concernente ao pedido de devolução de valores, cabe registrar que o magistrado reconheceu que as condutas praticadas pelos acusados configuravam ato de improbidade administrativa, previsto no artigo 10 da LIA, nas modalidades dolosa e culposa, bem como a atitude dolosa no descumprimento do contrato (Id. 107500544 – fls. 04/113). Nessa acepção, o STF, no julgamento do RE 852475, com repercussão geral reconhecida, consolidou o entendimento de que as ações de ressarcimento ao erário decorrente da prática de atos dolosos tipificados na lei de improbidade são imprescritíveis por expressa disposição constitucional (artigo 37, § 5º) (RE 852475 RG, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-058 DIVULG 22-03-2019 PUBLIC 25-03-2019)
14. Extrai-se dos autos que o Município de Marília/SP recebeu três emendas do orçamento geral da União, do exercício de 2000, e apresentou proposta para aplicação na construção da barragem Ribeirão dos Índios. De acordo com a Caixa Econômica Federal, o orçamento global da obra, após a licitação, era de R$ 7.014.252,16, parte dos serviços foi executada com verbas repassadas pela União por meio de três contratos, e a prefeitura assumiu a responsabilidade pela conclusão do empreendimento (Id. 107493832 – fls. 60/61). Os Contratos de Repasse n° 0108769-66/2000/SEDU/CAIXA, nº 0106191-42/2000/SEDU/CAIXA e nº 0102739-67/2000/SEDU/CAIXA foram firmados entre a UNIÃO, por intermédio da CEF, e o Município de Marília/SP, em 26/12/2000, tinham como objeto a transferência de recursos financeiros da União para a implantação e ampliação dos serviços de abastecimento de água e os respectivos valores de R$ 150.000,00, R$ 200.000,00 e R$ 500.000,00 (Id. 107493832 – fls. 28/48). As avenças foram assinadas pelo acusado JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, sendo certo que, segundo a instituição financeira, o valor de cada proposta, acrescida da contrapartida, foi de R$ 190.000,00 (Contrato n°0108769-66/2000), R$ 300.000,00 (Contrato n°0106191-42/2000) e R$ 700.000,00 (Contrato n°0102739-67/2000) (Id. 107493832 – fls. 60/61). As avenças sofreram alterações pelos Termos Aditivos ao Contrato de Repasse nº 0108769-66/2000/SEDU/CAIXA, nº 0106191-42/2000/SEDU/CAIXA e nº 0106191-42/2000/SEDU/CAIXA, em 29/10/2021, para acrescentar à cláusula terceira, subitem 3.2, o seguinte item: “m) responsabilizar-se pela conclusão do empreendimento, a fim de assegurar sua funcionalidade, quando o objeto do contrato prever apenas a execução de parte desse empreendimento” (Id. 107493832 – fls. 49/51).
15. O Contrato de Repasse n° 0102739-67/2000/SEDU/CAIXA sofreu outras modificações por termos aditivos firmados, em 17/02/2004 e 30/10/2004, para alterar o valor da contrapartida do município, do montante de R$ 200.000,00 para R$ 203.769.45, e R$ 511.202.64, respectivamente, bem como prever a possibilidade de implementação com a execução de obras e serviços pelo contratado (Id. 107493832 – fls. 52/53). A Caixa Econômica informou, em 13/10/2006, que durante a execução da obra, aprovada pela engenharia da Caixa, houve alteração nos quantitativos de alguns itens por parte da prefeitura, além do previsto inicialmente, com a finalidade de avançar no andamento do empreendimento, com o correspondente aumento na contrapartida. Após as modificações contratuais, os valores dos investimentos foram alterados para R$ 222.275,66 (Contrato n°0108769-66/2000), R$ 434.332,29 (Contrato n°0106191-42/2000) e R$ 1.125.543,33 (Contrato n°0102739-67/2000) (Id. 107493832 – fls. 60/61). De acordo com os planos de trabalho modificados (Id. 107493832 – fls. 63/66, 72/75 e 83/87), as alterações do valor do investimento decorreram do aumento do valor da contrapartida do município e acréscimo dos rendimentos de aplicações financeiras dos recursos, sem alteração do montante originário repassado pela instituição financeira. Registra-se que os Contratos de Repasse nº 0108770-94/2000/SEDU/CAIXA e nº 0115880-72/2000/SEDU/CAIXA, nos valores de R$ 700.000,00 e R$ 1.000.000,00, foram extintos, em 31/10/2002, e os recursos e rendimentos financeiros devolvidos à UNIÃO, visto que as propostas apresentadas pelo município eram voltadas às ações de saneamento e tinham como objetivo a melhoria do abastecimento e distribuição de água, ao passo que os recursos deveriam ser aplicados em ações de urbanização de áreas ocupadas por sub-habitações, conforme diretrizes do programa “Morar Melhor", para o qual as emendas ao orçamento geral da União haviam sido selecionadas (Id. 107493769 – fl. 122).
16. A prefeitura lançou o Edital nº 017/2002, referente à Concorrência Pública nº 001/2002, em 14/02/2002, para contratação de empresa para: “o fornecimento de material e mão-de-obra para execução de obras de urbanização e de recuperação de áreas degradadas e sistema de água da zona norte, compreendendo: a) construção de barragem, sistema de captação, adução e estação de tratamento; b) canalização do afluente da margem direita do Córrego Ribeirão dos Índios; c) construção de trinta e duas moradias visando desfavelamento", com valor estimado de R$ 8.022.102,75, e prazo de vinte e quatro meses para conclusão (Id. 107500460 – fls. 85/99). O acusado JOSÉ LUIS DÁTILO, Secretário de Obras, era o presidente da comissão especial de licitação, nomeado pelo requerido JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, prefeito à época dos fatos (Id. 107500460 – fl. 82). A empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA. apresentou proposta, no valor de R$ 7.782.186,28, e sagrou-se vencedora (Id. 107500546 – fl. 45). O Contrato CO – 729/02 foi firmado, em 11/06/2002, pelos acusados José Abelardo Guimarães Camarinha e José Luis Dátilo (Id. 107493832 – fls. 13/22), e alterado por dez aditivos, nove concernentes aos reajustes do valor da medição e um relativo à prorrogação do prazo da obra em vinte e quatro meses (Id. 107500420 – fls. 21/22, Id. 107500423 – fls. 18/21, fls. 31/36, fls. 57/66), e dois termos de rerratificação, o primeiro para modificar a cláusula do valor dos Termos Aditivos de n° 01, nº 02 e nº 03 e o segundo para mudar a cláusula do objeto, incorporar ao contrato a nova planilha, feita após o balanço dos serviços executados e eliminados, bem como estabelecer que os valores referentes à construção do conjunto habitacional e canalização de afluentes seriam transferidos para a edificação da barragem (Id. 107500423 – fls. 37/42).
17. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, na sessão ocorrida em 04/11/2003, julgou irregulares a Concorrência Pública nº 001/2002 e o Contrato CO – 729/02 e notificou o Prefeito do Município de Marília, nos termos dos incisos XV e XXVII do artigo 2° da Lei Complementar n° 709/93, para que adotasse providências necessárias ao exato cumprimento da lei (TC-002269/004/02). A corte de contas considerou descabida a cobrança do valor de R$ 500,00 para aquisição da pasta técnica, inaceitável a disposição contida no item 6.5.2 do instrumento convocatório, que vedava a participação de empresas que haviam solicitado, há pelo menos seis meses, rescisão e contrato com a prefeitura municipal, considerou que uma simples declaração da empresa de que não utilizava trabalho de menores, em lugar da certidão emitida pela Delegacia Regional do Trabalho, bastaria para o atendimento do item 6.1.10 e que a exigência de comprovante de posse ou propriedade de usina de solo ou termo de compromisso de locação, firmado pelo proprietário em favor da licitante, prevista no item 6.1.3.3, caracterizava vício insanável capaz de macular o certame. Por fim, reconheceu que as exigências impugnadas no edital poderiam ter contribuído com o número restrito de interessados na licitação (Id. 107493757 – fls. 13/20). Na sessão realizada em 15/12/2004, o Tribunal Pleno negou provimento ao recurso ordinário interposto pela Prefeitura Municipal de Marília (Id. 107493757 – fls. 30/39). O acórdão transitou em julgado em 18/01/2005 (Id. 107493757 – fl. 40). Na sessão realizada em 21/03/2007, a ação de rescisão ajuizada pelo município (TC-658/004/07) não foi conhecida (Id. 107500430 – fls. 139/159 e 187).
18. O prazo de execução da obra foi suspenso por cento e vinte dias, sucessivamente, em 05/11/2004, 04/03/2005, 01/07/2005, 31/10/2005 e 28/02/2006, considerados o encerramento dos contratos de repasse, a falta de recursos da municipalidade e a necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. O primeiro termo de suspensão foi assinado pelo requerido JOSÉ LUIS DÁTILO e os demais por ANTONIO CARLOS NASRAUI, Secretário de Obras que o sucedeu (Id. 107493832 – fls. 23/27), sendo que, no âmbito da prefeitura, foi instaurado, em 12/12/2005, processo administrativo (Portaria nº 17.827/2005) para apuração de responsabilidades concernentes às ilegalidades verificadas na concorrência pública e no contrato firmado com a empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA., referente ao Processo TC-002269/004/02 (Id. 107493757 – fls. 55/56, Id. 107500588 – fl. 204). A comissão de sindicância concluiu, em 13/04/2006, que as irregularidades não haviam restringido a participação de interessados na licitação, as cláusulas impugnadas não tinham causado nenhum prejuízo efetivo ou potencial ao erário e o Tribunal de Contas poderia ter considerado o certame regular, embora com ressalvas (Id. 107493757 – fls. 143/148 e 150 e Id. 107500635 – fls. 203/209). O gestor municipal acatou, em 03/05/2006, o parecer da comissão especial de sindicância e autorizou o arquivamento do procedimento (Id. 107493757 – fl. 149 e Id. 107500635 – fl. 210).
19. À vista do encerramento dos contratos de repasse e das suspensões sucessivas do ajuste firmado com a Andrade Galvão Engenharia LTDA., dada a falta de recursos próprios da municipalidade para dar andamento às obras, a necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e o julgamento do Tribunal de Contas, o Secretário Municipal de Obras Públicas encaminhou, em 24/10/2006, o Comunicado Interno nº 149/06-SOP à Procuradoria Jurídica do Município para solicitar providências quanto ao futuro da avença (Id. 107500430 – fl. 68 e Id. 107500591 – fl. 16). No parecer emitido, em 30/03/2007, o órgão manifestou-se pela abertura de processo administrativo para verificação de irregularidades e eventual ocorrência de prejuízo ao erário público em face da contratação, bem como das providências que seriam adotadas (Id. 107500430 – fl. 69 e Id. 107500591 – fl. 17). Posteriormente, o Chefe de Gabinete solicitou à SOP.10 a confecção de relatório pormenorizado da obra (Id. 107500430 – fl. 74 e Id. 107500591 – fl. 22). Em novo parecer, emitido em 02/07/2009, a Procuradoria Geral concluiu que o prefeito, em decisão fundamentada, poderia determinar a rescisão do contrato, nos termos da legislação aplicável e decisão proferida pelo Tribunal de Contas, com a posterior notificação da contratada, bem como orientou ao município que passasse a promover a guarda do local do empreendimento para proteção das obras realizadas, tão logo formalizado o ato (Id. 107500591 – fls. 23/24). O prefeito municipal acolheu, em 13/07/2009, a manifestação jurídica e autorizou a rescisão do contrato (Id. 107500591 – fl. 123). O termo rescisório foi formalizado em 17/07/2009 (Id. 107500591 – fl. 125/126).
20. O Procurador da República requereu à assessoria técnica do MPF, em 11/10/2007, a elaboração de perícia. Para a efetivação do trabalho foram analisados documentos e realizada vistoria no local, no dia 15/01/2008. De acordo com o Laudo Pericial nº 006/2008, da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a obra encontrava-se paralisada, com a estrutura executada até a cota de 493,0 m, o que correspondia a, aproximadamente, 30,0% do volume total da estrutura da barragem e nenhum serviço relativo à captação, adução e a estação de tratamento de água havia sido realizado. O perito pontuou que, após as alterações efetuadas, o valor global da obra foi mantido em R$ 7.782.186,28, mas sua composição foi modificada significativamente, visto que o valor relativo à construção da barragem e do sistema de captação, adução e tratamento passou de R$ 5.165.975,44 para R$ 7.549.932,73, o que correspondia a um acréscimo de R$ 46,15%, ao passo que a construção do conjunto habitacional (R$ 767.934,12) foi eliminada e o serviço de canalização de afluentes reduzido de R$ 1.848.276,72 para R$ 232.253,55, equivalente a 87,43% do valor inicialmente contratado. Ressaltou que o valor total dos serviços alocados para a construção da barragem correspondia a 30,63%, o que contrariava a Lei nº 8.666/93, que estabelecia o limite de 25%, e que, a despeito da paralisação com 30% da estrutura projetada construída, o empreendimento havia consumido 80,84% do valor inicial contratado ou 55,31% do repactuado (Id. 107493832 – fls. 117/135). O Parecer Técnico nº 049/2009, da Assessoria Técnica da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, realizado para auxiliar a elaboração do termo de ajustamento de conduta, atestou que a obra estava paralisada, em 27/05/2009, e nas mesmas condições físicas em que se encontrava na vistoria realizada em 15/01/2008. Recomendou fossem abordadas no acordo a correta avaliação dos recursos necessários para a conclusão do empreendimento e a adequação entre o objeto do convênio e as obras a serem executadas, providências que evitariam a ocorrência de problemas decorrentes da falta de recursos, que levaram à paralisação do empreendimento em outubro de 2004 (Id. 107493832 – fls. 182/187).
21. O Ministério Público Federal e o Município de Marília/SP firmaram, em 30/06/2009, o termo de compromisso de ajustamento de conduta, nos autos do Procedimento Administrativo nº 1.34.007.000113/2006-13, com o objetivo de finalizar a obra e construção da barragem, resguardar os recursos aplicados, preservar o solo e recursos hídricos lesados em decorrência da paralisação do empreendimento e proteger a nascente que o abasteceria. Pelo ajuste, a administração municipal se comprometeu, relativamente às medidas ambientais, a apresentar os protocolos das solicitações de licenças ambientais de instalação e o relatório preliminar sobre os danos ambientais constatados, bem como indicar as medidas efetivas que seriam tomadas para proteger a nascente do Córrego do Ribeirão dos Índios. Com relação ao empreendimento, caberia ao município exibir o termo de rescisão de contrato com a empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA., responsável pela execução dos serviços até o momento de sua paralisação, para que a complementação pudesse ser licitada, apresentar o projeto e orçamento atualizados da barragem, com indicação dos serviços executados e os que seriam objeto de nova contratação e as justificativas para a retirada do escopo técnico da construção do conjunto habitacional, indicar o valor necessário para a conclusão da obra e as fontes de recursos para sua execução completa, bem como iniciar novo procedimento licitatório para a contratação de empresa para a finalização dos serviços, que deveriam ser executados num prazo máximo de vinte e quatro meses (Id. 107493832 – fls. 198/208). As partes firmaram, em 25/01/2010, o aditamento ao termo, para o fim de prorrogar por cento e cinco dias o prazo previsto na cláusula terceira do instrumento, acrescentar o mesmo período aos demais prazos previstos e determinar ao município a apresentação da ordem de serviço expedida pela Secretaria Municipal de Obras, mencionada no Edital 026/2009, para o início dos trabalhos e de cópia do contrato firmado (Id. 107500591 – fls. 166/169). O autor mencionou na inicial o cumprimento do TAC pela administração municipal.
22. O Contrato CO 729/02, firmado entre o Município de Marília e a empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA., foi rescindido em 17/07/2009 (Id. 107493832 – fls. 226/227). De acordo com a declaração prestada por MARIO BULGARELI, em 12/03/2010, prefeito em exercício, foi instaurado procedimento administrativo, apurados os motivos da paralisação da obra e concluído que não era devida qualquer indenização à contratada (Id. 107500591 – fl. 175). No Parecer Técnico nº 118/2009, elaborado em 14/09/2009, para análise do cumprimento do TAC por parte da prefeitura, o Expert recomendou fosse solicitado ao município o complemento das justificativas apresentadas, com indicação técnica dos motivos para a exclusão das obras de construção do conjunto habitacional, que seria edificado para abrigar os moradores da favela existente nas áreas de influência do reservatório, bem como apresentou quesitos que deveriam ser respondidos (Id. 107493757 – fls. 161/164). A prefeitura encaminhou ao MPF, em 22/09/2009, o relatório preliminar ambiental, elaborado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, e manifestações prestadas pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Diretoria de Suprimentos da Secretaria Municipal da Administração (Id. 107493757 – fls. 175/186).
23. O Edital nº 026/2009 foi lançado, em 13/10/2009, na modalidade Tomada de Preços nº 026/2009, para a contratação de empresa especializada na elaboração de estudos, atualização de projetos, especificações, orçamento e memorial descritivo para a retomada das obras (Id. 107493769 – fls. 56/79 e Id. 107493757 – fls. 189/197). A empresa Geotechnique - Consultoria e Engenharia LTDA. foi contratada pela prefeitura municipal (Contrato nº CST-962/10) e apresentou o projeto executivo, em 09/06/2010 (Id. 107500463 – fls. 81/184, Id. 107500464 – fls. 01/46 e Id. 107500547 – fls. 01/55). O Contrato CO-974/11, para retomada da execução do empreendimento, no valor de R$ 9.298.722,16, objeto do Edital nº 018/10 (Id. 107500563 - fls. 202/211) e Concorrência Pública nº 018/10, foi firmado com a empresa SEMENGE S/A ENGENHARJA E EMPREENDIMENTOS, em 25/02/2011 (Id. 107500563 - fls. 191/198). À vista da não expedição da ordem para o início dos serviços (Id. 107500563 – fl. 184), a contratada ajuizou ação contra a prefeitura, que foi julgada procedente para o fim de declarar rescindido o contrato, sem aplicação de qualquer penalidade ou condenação ao pagamento de indenização (Id. 107500563 – fl. 200).
24. O Edital nº 001/2012, referente à Concorrência Pública nº 001/2012, destinado ao fornecimento de material e mão de obra especializada para a retomada da execução das obras, foi disponibilizado em 24/01/2012 (Id. 107500563 – fls. 202/211). Consoante os esclarecimentos prestados pelo procurador municipal ao TCE, em 13/05/2013, o certame foi julgado deserto e revogado, dada a ausência de interessados (Id. 107500563 – fls. 181/190). Na reunião realizada, em 12/03/2012, entre o MPF e o Município de Marília, para tratar de assuntos relativos à necessidade de cumprimento das obrigações assumidas no termo de ajustamento de conduta e conclusão das obras, o representante municipal informou que pretendia fazer um estudo técnico-econômico acerca da viabilidade do projeto do empreendimento e discutir com o setor jurídico sobre a apresentação de posição oficial a respeito da execução do TAC. O MPF deferiu o prazo para o município apresentar um posicionamento e explanou acerca da necessidade de continuidade da obra pública, considerados os vultosos recursos públicos aplicados (Id. 107500563 – fls. 215/216). Em 02/04/2012 foi realizada nova reunião para prestação de informações por parte do município (Id. 107500563 – fls. 235/238). A Secretaria Municipal de Obras Públicas informou ao Tribunal de Contas, em 12/07/2012, relativamente à Concorrência Pública nº 01/2002, que não havia sido iniciada a construção das unidades habitacionais e executados apenas 50,00m da canalização do córrego (Id. 107500563 – fls. 127/128).
25. Nas justificativas apresentadas ao TCE, em 13/05/2013, o procurador municipal informou que a obra não havia sido finalizada, pois o início dos trabalhos dependia da desapropriação da área onde seria construída a barragem, bem como por se tratar de local onde existia área de preservação permanente, dependente de licenciamento ambiental. Informou que não havia sido disponibilizado, até aquele momento, novo certame para o objeto pretendido e que na reunião com o Procurador da República, ocorrida em 12/03/2012, ficou entabulado que seria deflagrado novo processo licitatório, mas com efeitos financeiros a partir do exercício financeiro de 2013, dada a necessidade de: "previsão/adequação financeira e orçamentária com a lei anual e compatibilidade coma Lei de Diretrizes Orçamentárias e Plano Plurianual" (Id. 107500563 – fls. 181/190). Consulta efetuada ao Processo TC-002269/004/02, no sítio eletrônico do TCE SP, demonstra que, na sessão realizada, em 01/10/2019, a corte de contas estadual julgou irregulares os Termos Aditivos nº 01, de 20/01/04, nº 02, de 01/04/04, nº 03, de 14/04/04, nº 04, de 17/06/04, nº 05, de 16/07/04, nº 06, de 13/08/04, nº 07, de 13/08/04, nº 08, de 6/08/04, nº 09, de 16/09/04 e nº 10, de 24/01/05, e os Termos de Rerratificação nº 01, de 07/07/04, e nº 02, de 08/11/04, com aplicação dos incisos XV e XXVII do artigo 2º da Lei Complementar Estadual n° 709/93 e fixação do prazo de sessenta dias, contados do decurso do prazo recursal, para que o Prefeito Municipal de Marília apresentasse as providências adotadas em decorrência do decidido. Na mesma ocasião, os conselheiros votaram fosse conhecido o termo de rescisão unilateral, firmado em 17/07/2009. Na sessão de 18/05/2022, os recursos ordinários interpostos pela contratada Andrade Galvão Engenharia LTDA., Prefeitura de Marília e pelo ex-Secretário Municipal de Obras Públicas Antônio Carlos Nasrauí foram desprovidos. A decisão transitou em julgado em 08/07/2022.
26. Extrai-se do voto proferido pela Conselheira Cristiana de Castro Moraes do TCE, no Processo TC-002269/004/02, que VINÍCIUS ALMEIDA CAMARINHA, prefeito municipal no período de 2013 a 2016, informou ao TCE/SP, no início de 2015, que a obra não havia sido novamente licitada e não tinha ocorrido fiscalização, mas que o município procurava cumprir o TAC, apesar das dificuldades financeiras, licenças ambientais pendentes e falta de registro de imóveis desapropriados. Declarou, mais: “No que tange ao levantamento do cronograma físico-financeiro com a planilha orçamentária para realização de nova licitação a Prefeitura teria refeito os cálculos de atualização do valor da obra, chegando ao montante de R$ 14.136.108,10”.
27. Segundo o Autor, os acusados teriam desrespeitado a cláusula 3.2, itens “a”, “b”, “j” e “m” dos contratos de repasse firmados com a UNIÃO, com intermediação da Caixa Econômica Federal, visto que, a despeito da transferência das verbas públicas federais, as obras previstas não foram executadas.
28. O caput do artigo 37 da Carta Magna estabelece que: "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]". O §4º do dispositivo constitucional prevê a punição por atos de improbidade administrativa a serem especificados em lei (no caso, a Lei nº 8.429/1992), sem prejuízo da ação penal.
29. Marçal Justen Filho define improbidade como: "uma ação ou omissão dolosa, violadora do dever constitucional de probidade no exercício da função pública ou na gestão de recursos públicos, que acarreta a imposição pelo Poder Judiciário de sanções políticas diferenciadas, tal como definido em lei" (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 250-251).
30. A Lei nº 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, na esteira do disposto no artigo 37 e seu §4º da Constituição Federal, estabelece, em seu artigo 1º, §1º, que são considerados atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos artigos 9º ao 11º da lei e enumera as condutas dos agentes públicos que configuram atos ímprobos, discriminados entre os que: importem em enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11). Impõe aos responsáveis, independentemente do ressarcimento integral do dano efetivo e das sanções penais, civis e administrativas, as cominações que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato (art. 12, caput) e considerados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a natureza, gravidade e o impacto da infração cometida, a extensão do dano causado, o proveito patrimonial obtido pelo agente, as circunstâncias agravantes ou atenuantes, a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva e os antecedentes do acusado (artigo 17-C, inciso IV). De acordo com a nova redação do artigo 1º da LIA, o dolo específico, para fins de caracterização de ato de improbidade, é o eivado de má-fé e praticado com o intuito de cometer conscientemente a ilicitude. O erro não intencional, a falta de zelo e a ausência de diligência não configuram ato ímprobo.
31. O artigo 21, inciso I, da Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, estabelece que a aplicação da pena de ressarcimento e das condutas previstas no artigo 10 depende da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Segundo o artigo 10, § 1º, da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares que não implicar perda patrimonial efetiva não acarretará a imposição da pena de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades mencionadas no artigo 1º. Por sua vez, o § 4º do artigo 11, introduzido pela mesma norma, estabelece que os atos de improbidade de que trata o dispositivo, passíveis de sancionamento, exigem a comprovação de lesividade relevante ao bem jurídico tutelado e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos.
32. As penas pela prática do ato ímprobo, independentemente do ressarcimento integral do dano e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, estão discriminadas no artigo 12, entre a quais, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
33. A Lei nº 14.230/2021 passou expressamente a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). O artigo 1º, § 2º, da LIA, com redação dada pela lei em comento, prevê a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, o § 3º do mesmo dispositivo exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o § 1º do artigo 17-C estabelece que: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nesse sentido, a jurisprudência, anterior às alterações legislativas, já reconhecia a necessidade de comprovação do dolo para as hipóteses de improbidade descritas nos artigos 9 e 11 da LIA. Precedente.
34. Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, ao comentar acerca das alterações do artigo 1º da LIA, faz as seguintes observações: “Seguindo a proposta didática da Lei o § 1º, basicamente, define como sendo atos de improbidade as condutas dolosas descritas nos arts. 9º ao 11º da Lei. Os três primeiros parágrafos, assim, já “dão o recado”, passando a mensagem e a tônica da nova Lei, pois modificam substancialmente a caracterização do ato de improbidade, excluindo a possibilidade de ato de improbidade culposo, o que se revela como um dos pontos mais sensíveis e relevantes da Lei em comento, pois terá o condão de alterar de forma substancial a forma como se tutela a improbidade administrativa. (...)A alteração, conforme já falado, traz equilíbrio, a partir do momento que deixa de tratar da mesma forma aquele que pratica ato de forma negligente, desleixada, imprudente, daquele que intencionalmente lesa o erário” (Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 44-45). A jurista, ao tratar do dolo específico como requisito para caracterização do ato de improbidade, faz a seguinte análise: “Há de se ter em mente que o dolo, especialmente para fins de caracterização de ato de improbidade, poderá e deverá ser tratado como não apenas a vontade livre e consciente, mas a vontade livre e consciente de praticar os atos de tal maneira, que vão além do ato praticado sem cuidado, sem cautela, e sim com a ausência de cuidado deliberadas de lesarem o erário. Então dolo específico, especialmente para fins de caracterização de ato de improbidade, é o ato eivado de má-fé. O erro grosseiro, a falta de zelo com a coisa pública, a negligência, podem até ser punidos em outra esfera, de modo que não ficarão necessariamente impunes, mas não mais caracterizarão atos de improbidade (...) Conforme dito, portanto, da mesma forma que a má-fé passa a ser elemento essencial para caracterização do ato de improbidade, a boa-fé também deverá ser levada em consideração para a excludente da caracterização” (Ibidem, p. 46).
35. Desse modo, o ato de improbidade considerado doloso depende da consciência da ilicitude por parte do agente e do desejo de praticar o ato, ou seja, da vontade explícita e clara de lesar os cofres públicos. Caracteriza-se como ato intencional, consciente, eivado de má-fé e praticado com vontade livre e deliberada de lesar o erário, o que não se confunde com atitudes negligentes, desleixadas e imprudentes ou executadas sem cuidado ou cautela. A LIA não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé. Nesse sentido, consoante entendimento jurisprudencial, não configura dolo o comportamento negligente ou irregularidades administrativas, sem a comprovação da má-fé do acusado. Precedentes.
36. O Supremo Tribunal Federal, ao finalizar o julgamento do ARE 843989 RG/PR, em 18/08/2022, com repercussão geral, reconheceu que a Lei nº 14.230/2021 tem aplicação imediata e não retroativa, que a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa não se aplica às condenações transitadas em julgado e na fase de execução da pena, em virtude do disposto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, mas apenas aos atos culposos praticados na vigência do texto anterior, sem condenação transitada em julgado, considerada sua revogação expressa. Para a Colenda Corte, a supressão dos dispositivos que tratavam da modalidade culposa das condutas não retroage, entretanto a sua revogação inviabiliza condenações por atos culposos, a partir da edição da Lei nº 14.230/2021. (ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022)
37. O artigo 10, caput, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, estabelece, verbis: “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente”. Nota-se que o dispositivo exige, além da demonstração da conduta dolosa do agente, que o dano ao erário seja efetivo.
38. Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto ao tecerem comentários sobre o artigo 10 da LIA, fazem a seguinte observação: “Claro que nos atos indicados no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa o que se verifica é a necessidade de punição de condutas estritamente dolosas, jamais culposas (destacamos como culpa grave, resvalando no dolo nas edições anteriores, agora afastadas por expressa previsão legal), que sejam originárias de má-fé, da intenção de causar ao dano. (...) Agora a diretriz normativa é bem clara e precisa: ausente ato de improbidade sem dolo. Ao contrário do que se afirma, isso não impede outras formas de responsabilização do agente, mas não pela via da ação de improbidade que exige mesmo uma conduta dolosa do agente” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, GOMES JUNIOR, Luís Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 117 e 119). Por sua vez, Marçal Justen Filho menciona que: “A Lei 14.230/2021 estabeleceu que o elemento subjetivo do tipo do art. 10 é o dolo, não se configurando improbidade em hipótese de lesão ao erário por conduta culposa do agente público. As condutas especificadas nos diversos incisos do art. 10 pressupõem a existência da consciência e da intencionalidade quanto à lesividade da prática adotada (...) Portanto, toda e qualquer conduta elencada em qualquer dos incisos do art. 10 apenas se submete à disciplina do diploma quando presentes os elementos da improbidade, que compreendem o dolo e o dano patrimonial ao erário” (Justen Filho, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 92 e 96).
39. É oportuno mencionar que, de acordo com o § 10-F do artigo 17 da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021:“Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. Segundo Marçal Justen Filho: “É nula a sentença que promova a condenação mediante o enquadramento da conduta em dispositivo diverso daquele que fora definido ao longo do processo” (Ibidem, p. 213). Portanto, a condenação deve estar necessariamente fundamentada no dispositivo indicado na exordial.
40. In casu, cabe registrar, inicialmente, que o empreendimento não foi integralmente financiado com recursos federais, visto que os valores aplicados eram provenientes de transferências realizadas pela UNIÃO e aportes pelo município. Extrai-se dos autos que o Secretário Municipal de Fazenda e a Diretora de Contabilidade da Prefeitura declararam ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em 14/05/2010, que havia sido pago o montante de R$ 5.507.269,24, no período de 2002 a 2005, referente ao Contrato CO 729/02, firmado com a contratada Andrade Galvão Engenharia LTDA. (Id. 107500591 – fl. 189). No mesmo sentido, a análise da execução do contrato efetuada pela Unidade Regional de Marília do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Id. 107500564 – fls. 99/103) e a planilha elaborada pelo assessor contábil da prefeitura, que sintetiza os valores pagos, demonstra que foi aplicado na obra o valor total de R$ 5.500.669,24 (Id. 107500405 – fl. 07). Por sua vez, constata-se que a soma dos recursos disponibilizados pela UNIÃO (Contratos de Repasse n° 0108769-66/2000/SEDU/CAIXA, nº 0106191-42/2000/SEDU/CAIXA e nº 0102739-67/2000/SEDU/CAIXA), acrescidos dos rendimentos financeiros, totalizou o valor de R$ 1.042.035,43 (Id. 107493832 – fls. 28/48). Assim, os recursos federais representavam, aproximadamente, 18,92% dos valores empregados na obra. Desse modo, mostra-se descabida a condenação dos acusados ao ressarcimento de R$ 5.507.269,24, que atualizado perfazia a importância de R$ 11.272.940,90, correspondente aos valores aplicados na obra, porquanto as verbas federais empregadas totalizaram a quantia de R$ 1.042.035,43.
41. Ressalta-se, novamente, que os valores de R$ 700.000,00 e R$ 1.000.000,00, recebidos em 01/02/2002 e 11/03/2002, respectivamente, transferidos pela CEF em decorrência dos Contratos de Repasse nº 0108770-94/2000/SEDU/CAIXA e nº 0115880-72/2000/SEDU/CAIXA (Id. 107500563 – fls. 112/113), foram devolvidos à UNIÃO, no dia 31/10/2002, em virtude da extinção das avenças (Id. 107493769 – fl. 122), circunstância não considerada pelo Tribunal de Contas Estadual. Como citado, o Contrato CO–729/02 foi alterado por dez aditivos, nove concernentes aos reajustes do valor da medição e um relativo à prorrogação do prazo de conclusão da obra em vinte e quatro meses (Id. 107500420 – fls. 21/22, Id. 107500423 – fls. 18/21, fls. 31/36, fls. 57/66), e dois termos de rerratificação, o primeiro para modificar a cláusula do valor dos Termos Aditivos de n° 01, nº 02 e nº 03 e o segundo para mudar a cláusula do objeto, incorporar ao contrato a nova planilha, feita após o balanço dos serviços executados e eliminados, bem como estabelecer que os valores referentes à construção do conjunto habitacional e canalização de afluentes seriam transferidos para a edificação da barragem (Id. 107500423 – fls. 37/42).
42. As alterações contratuais foram precedidas de pareceres da Procuradoria Jurídica do Município, que se manifestou pelo seu deferimento (Id. 107500462 – fls. 56/65). Acrescenta-se que a cláusula quarta do Contrato CO 729/02 previa que o reajuste dos preços seria efetuado segundo a Lei nº 8.666/93, com a utilização da fórmula indicada e índices de preços divulgados mensalmente pela FIPE.
43. Relativamente às alterações contratuais concernentes ao aumento do custo relativo à construção da barragem e do sistema de captação, adução e tratamento, redução do serviço de canalização de afluentes e exclusão da construção do conjunto habitacional, o acusado JOSÉ LUIS DÁTILO, então Secretário Municipal de Obras Públicas, encaminhou o Memorando nº 101/04-SOP 10 à Procuradoria Geral, em 05/11/2004, para solicitar a elaboração do termo de rerratificação do Contrato CO 729/02, e apresentou as seguintes justificativas (Id. 107500597 – fls. 26/27): “A justificativa para os extrapolamentos de quantitativos., é que quando do detalhamento do projeto executivo e também do alteamento da barragem da cota 501 para a cota 507, foram constatadas alterações significativas nos quantitativos, conforme mostrado nas planilhas em anexo. Com relação ao alteamento, é importante esclarecer que o estudo básico desenvolvido na cota inicial com a elevação do topo da barragem, bem como a análise dos dados preliminares, e a realização de estudos complementares, foi possível constatar que através das projeções de consumo de água no município, a implantação da barragem na cota 501 não atenderia de forma satisfatória as necessidades de abastecimento a médio e longo prazos na região, e foi identificado a necessidade do alteamento da barragem para a cota 507, com a finalidade de reforçar o abastecimento de água na referida região, elevando desta forma a capacidade de reservação de 90.000m3 para 295.000m3. Assim sendo, estamos na presente data apresentando um balanço preliminar das quantidades executadas e extrapoladas, e também de quantitativos executados e não pagos, uma vez que nesta data, esta SOP está emitindo Termo de Suspensão do Contrato, haja visto o encerramento dos contratos de repasse da Caixa Económica Federal de números 0106191-42/2000, 0102739-67/2000 e 0108769-66/2000, e também da falta de recursos próprios desta municipalidade, aliado à necessidade de se cumprir com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com relação aos quantitativos executados e não pagos. (Itens 10.33, 10.34 e 10.35) trata-se de serviços que não fazem parte da planilha da obra, serviços estes essenciais e de necessidade comprovada por esta SOP, e autorizados pela fiscalização da obra no protocolo n° 10924 de 10/05/2004, que optou pela inclusão dos referidos serviços no presente balanço. Com este balanço além da solicitação de rerratificação do referido contrato, estamos também suprimindo as quantidades inicialmente previstas para a Construção de Conjunta Habitacional com 32 Unidades no valor total de R$ 767.934, 12 (setecentos e sessenta e sete mil, novecentos e trinta e quatro reais e doze centavos), e o saldo da Canalização de Afluente da Margem Direita do Córrego Ribeirão dos Índios no valor de R$ 1.616.023.17 (Um milhão seiscentos e dezesseis mil, vinte e três reais e dezessete centavos), perfazendo o total de R$2.383.957.29 (Dois milhões, trezentos e oitenta e três mil, novecentos e cinqüenta e sete reais e vinte e nove centavos), valor este que estamos solicitando seja transferido para a obra “Construção da Barragem. Sistema de Captação, Adução e Estação de Tratamento de Agua", como forma de cobrir o acréscimo de custos da referida obra, em função do detalhamento do projeto executivo e alteamento da cota 501 para a cota 507. Com relação ã supressão, tais serviços não mais serão executados pelos seguintes motivos: a) O município celebrou com a União Federal por intermédio da Caixa Económica Federal contratos de repasse de números 0108770-94/2000 no valor de R$. 700.000,00 (setecentos mil reais) e 0115880-72/2000 no valor de RS 1.000.000.00 (um milhão de reais) os quais seriam aplicados nas obras da Canalização do Afluente da margem direita do Ribeirão dos Índios, bem como na Urbanização de áreas ocupadas por sub-habitações, onde seriam removidas 32 famílias alojadas em favelas e recolocadas nas novas habitações que seriam executadas com recursos dos contratos cancelados. b) Tendo em vista o exposto acima, esta municipalidade achou por bem priorizar os recursos para a obra de construção da Barragem, uma vez que seus contratos de repasse não foram cancelados, objetivando atender o maior número de famílias possível, onde a área a ser beneficiada possui uma população em torno de 1500 famílias. Complementando a justificativa, também pesou nesta decisão os fatos acima citados os quais justificaram a execução do projeto de alteamento da referida barragem. Com relação a obra de Canalização do Afluente da Margem Direita do Ribeirão dos Índios, a mesma estava prevista para ser executada no prolongamento da Avenida Eliezer Rocha, a partir da Avenida Reverendo Crisanto César com extensão de 560 metros, porém em virtude do cancelamento dos contratos de repasse acima citados, e diante da impossibilidade da administração executar a referida obra, optou se pela execução de 50 metros de canalização também em afluente da margem direita do referido Ribeirão dos Índios, porém localizado no Bairro Parque das Nações, situado à rua Fablino Botelho, entre as ruas Leonor Mazalli e Rua Juvenal de Oliveira, Zona Norte de Marilia, obra esta imprescindível, uma vez que o processo de erosão no local estava bastante acentuado, atingindo as ruas lindeiras ao canal, e trazendo sérios riscos à segurança da população. Assim sendo solicitamos que seja constado no referido termo de rerratificação do presente contrato, a alteração de local previsto contido no memorial descritivo da obra, para o novo local acima citado. Diante do exposto submetemos a esta PG, para a elaboração do referido Termo de Rerratificação ao presente contrato, haja visto as justificativas apresentadas”.
44. De acordo com as informações constantes da solicitação citada, o requerido JOSÉ LUIS DÁTILO informou que havia sido constatado, por estudos básicos/complementares e análise dos dados preliminares, que a implantação da barragem na cota 501 não iria atender de forma satisfatória às necessidades de abastecimento de água a médio e longo prazos da região e que havia sido identificada a necessidade de alteamento da barragem para a cota 507, com a finalidade de reforçar o abastecimento e elevar a capacidade de reservação de 90.000 m3 para 295.000 m3. À vista da suspensão da obra, apresentou um balanço preliminar das quantidades executadas e extrapoladas e dos quantitativos executados e não pagos, em virtude do encerramento dos contratos de repasse da CEF, da insuficiência de recursos municipais e necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Esclareceu que os últimos itens correspondiam aos serviços não integrantes da planilha da obra, considerados essenciais e necessários pela SOP, e autorizados pela fiscalização, que optou pela sua inclusão no balanço. Informou que a supressão da construção do conjunto habitacional, com trinta e duas unidades, no valor de R$ 767.934,12, e do saldo da canalização do afluente da margem direita, no montante de R$ 1.616.023,17, transferidos para a construção da barragem, ocorreu como forma de cobrir os acréscimos do custo do alteamento, considerado que os serviços não mais seriam executados, visto que os contratos de repasse que disponibilizariam os recursos haviam sido cancelados, bem como pela prioridade da construção da barragem dada pelo município, como forma de atender o maior número de famílias possível. Nas declarações prestadas ao Procurador da República, em 11/05/2009, o acusado JOSÉ LUIS DÁTILO afirmou que era o responsável pela equipe técnica que elaborou o orçamento inicial constante da Concorrência Pública n° 001/2002, que não fazia as medições da obra, mas tinha plena confiança nos fiscais (engenheiros) que as realizavam, que o diário de obras era preenchido, que a segunda rerratificação, em que houve supressão da construção do conjunto habitacional e todos os serviços não executados, foi efetivada em virtude da ausência de recursos financeiros por parte do município para o término da barragem, que recebeu ordens do então Prefeito Abelardo Camarinha para que apresentasse justificativas para tais acréscimos e supressões e que não tratou com o prefeito acerca do descumprimento da lei de licitações, no que se refere ao limite de 25% para alterações, uma vez que confiou no entendimento da Procuradoria Geral do Município e da Secretaria de Planejamento Econômico (Id. 107493832 – fls. 146/152). O acusado informou, em 08/03/2004, que foi constatado, no decorrer da execução da obra, que alguns itens extrapolaram em quantidade os valores previstos no orçamento, ao passo que outros ficaram abaixo do orçado. Desse modo, em atendimento ao pedido verbal da Caixa Econômica Federal – REDUR, formulado em reunião realizada, no dia 08/03/2004, solicitou parecer jurídico à Procuradoria Geral do Município acerca da legalidade de medição de itens acima do previsto, respeitado o valor global contratado, considerado que o contrato era de empreitada por preço unitário e os valores dos convênios não eram suficientes para a conclusão da obra (Id. 107500430 – fl. 05). No parecer, emitido em 09/03/2004, o procurador municipal manifestou-se de forma favorável à possibilidade de medição de itens que ultrapassavam os valores previstos e outros que ficavam abaixo do orçado, pois ocorreria uma espécie de compensação, desde que o valor do contrato original permanecesse o mesmo e fosse celebrado um aditivo contratual. O procurador orientou à Secretaria de Obras que informasse à Procuradoria acerca dos serviços e materiais acrescidos e suprimidos, para o fim de celebração do aditivo (Id. Id. 107500430 – fls. 09/10). Em nova manifestação, informou, em 25/03/2004, que a execução do contrato ocorria dentro da legalidade, nos termos da Lei nº 8.666/93, e que, após todas as medições, deveria ser feito pela Secretaria de Obras um levantamento geral para aferição dos itens acrescidos e suprimidos, bem como celebrado o necessário aditivo contratual (Id. 107500430 – fl. 07).
45. Verifica-se que a contratada solicitou, em 10/05/2004, a inclusão de novos itens que não faziam parte da proposta inicial e que foram executados na realização da obra (Id. 107500430 – fls. 11/13). O pedido foi encaminhado à Procuradoria Geral pelo acusado JOSÉ LUIS DÁTILO, para análise e parecer jurídico (Id. 107500430 – fl. 16). O Setor Jurídico se manifestou, em 13/07/2004, pelo deferimento parcial do pedido, desde que cumpridas as exigências solicitadas pela Secretaria de Obras (Id. 107500430 – fls. 17/19). A divisão de fiscalização municipal aceitou e aprovou, em 04/11/2004, a inclusão dos itens na planilha da obra, com base no Memorando nº 101/04 e autorização da Procuradoria Jurídica, considerado que os preços ofertados eram os mesmos praticados pelo mercado (Id. 107500430 – fl. 20). É salutar mencionar, novamente, que as alterações contratuais foram precedidas de pareceres da Procuradoria Jurídica do Município (Id. 107500462 – fls. 56/65). Cabe salientar que a possibilidade de inclusão ou supressão de itens do objeto licitado estava prevista na cláusula décima primeira.
46. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo julgou irregulares a Concorrência Pública nº 001/2002 e o Contrato CO – 729/02 por ter verificado a existência de vícios insanáveis no edital que macularam o certame, bem como exigências que poderiam ter restringido o caráter competitivo. Por sua vez, no julgamento dos termos aditivos e de rerratificação, reconheceu que os instrumentos não poderiam ser considerados regulares, com fundamento, especialmente, no entendimento jurisprudencial dominante da corte e no princípio da acessoriedade, visto que, como contrato originário havia sido julgado irregular, os acessórios, dependentes da sua existência e validade, não poderiam ser admitidos como legítimos.
47. Após o julgamento da Concorrência Pública nº 001/2002 e do Contrato CO – 729/02, o setor de fiscalização do TCE/SP fez uma análise da execução contratual, no Processo TC-2269/004/02, com respaldo no termo de compromisso e ajustamento de conduta firmado com o MPF, para verificação das etapas dos cronogramas físico-financeiros que haviam sido cumpridas e os respectivos valores. A unidade atestou, em 18/06/2010, com base nos documentos apresentados e medições efetuadas, que o montante indicado como pago à contratada (R$ 5507.269,24) estava correto, e a consistência das informações (Id. 107500564 – fls. 99/103). O Assessor Técnico do TCE/SP afirmou, em 10/11/2010, com base no exame efetuado, que as etapas cumpridas do cronograma eram compatíveis com os desembolsos e manifestou-se pela regularidade da matéria (Id. 107500564 – fls. 106/107). O Assessor Procurador-Chefe da Corte de Contas Estadual baseou-se na manifestação da assessoria técnica, que havia atestado a regularidade das medições efetuadas, e concluiu ter havido boa ordem na execução do pacto (Id. 107500564 – fls. 108/110). O Secretário-Diretor Geral atestou, em 14/03/2012, o cumprimento das condições estabelecidas no TAC pela prefeitura, com vista a realizar e concluir a obra da barragem, e demais cláusulas e a demonstração de atendimento das etapas do cronograma e respectivos desembolsos até a rescisão do contrato (Id. 107500564 – fls. 111/113). A unidade de fiscalização financeira do TCE/SP, ao examinar os termos aditivos, atestou que as justificativas apresentadas para o reajuste do valor das medições e prorrogação do prazo contratual eram aceitáveis. Contudo, à vista da não edificação das unidades habitacionais e execução de apenas cinquenta metros da canalização, concluiu que não havia sido dada destinação correta dos valores recebidos, em desacordo com o artigo 63, §§ 1º e 2º, da Lei nº 4.320/64. A unidade regional manifestou-se pela regularidade da formalização dos Termos Aditivos nº 01 ao nº 10 e do Termo de Rerratificação nº 01 e irregularidade do Temo de Rerratificação nº 02, nos aspectos formal e de execução, porquanto entendeu que deveria ter sido formalizado por aditivo, bem como por não ter sido comprovada a execução do acréscimo de alteamento da cota da barragem de 501 para 507 (Id. 107500563 – fls. 134/143). O posicionamento de setor de fiscalização foi ratificado pelo Diretor Técnico de Divisão Substituto do TCE (Id. 107500563 – fl. 145). Após esclarecimentos prestados pelo município, a Assessoria Técnica do TCE/SP considerou que as justificativas apresentadas esclareciam o aspecto formal da irregularidade do termo de rerratificação e a emissão do termo de suspensão do contrato e manifestou-se, sob o aspecto técnico, pela regularidade dos termos aditivos e de rerratificação (Id. 107500563 – fl. 161). O Secretário Diretor-Geral apresentou manifestação, em 19/02/2013, para afirmar que, no seu entender, a despeito da celebração do TAC, contratação da empresa Geotechnique - Consultoria e Engenharia LTDA., formalização da rescisão unilateral do contrato e justificativas apresentadas, os aditamentos celebrados estavam comprometidos em face do princípio da acessoriedade, previsto no artigo 92 do Código Civil, aplicável: “aos atos posteriores a outros cuja irregularidade já tenha sido decretada” (Id. 107500563 - fls. 167/169). A Assessoria Técnica do TCE/SP apresentou nova manifestação, em 22/10/2013, sob o aspecto técnico, pela regularidade dos termos aditivos e de rerratificação e irregularidade do contrato (Id. 107500563 – fl. 250). O Assessor Procurador-Chefe opinou haver irregularidade nos termos aditivos, de rerratificação e rescisão, considerada a paralisação do empreendimento e a não comprovação do estágio das obras, ao argumento de que a obra estava maculada desde o início e não existiam indícios de que seria finalizada (Id. 107500563 – fls. 251/255).
48. Conclui-se, como já pontuado, que o reconhecimento da irregularidade da concorrência pública e do contrato pelo TCE/SP decorreu de vícios existentes no edital do certame, sem análise técnica dos termos contratuais. Nada obstante, o setor de fiscalização, as assessorias técnica e jurídica e a secretaria da Diretoria Geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo manifestaram-se pela regularidade da execução do contrato, bem como do reajuste dos valores das medições e prorrogação do prazo contratual. As alterações contratuais somente foram consideradas irregulares, salvo o segundo termo de rerratificação, em virtude da reprovação do instrumento originário, que não foi objeto de análise pela corte de contas. De acordo com o TCE/SP, a segunda rerratificação deveria ter sido formalizada por termo aditivo, porquanto objetivou o aumento/redução do objeto inicial, e por não ter sido comprovada a efetivação do acréscimo de alteamento da cota da barragem. Constata-se que a não conclusão das obras remanescentes foi relevante para que o TCE/SP não aprovasse os ajustes alteradores.
49. A cláusula terceira dos contratos de repasse estabelecia, como obrigação da UNIÃO, o acompanhamento da execução do empreendimento e certificação da aquisição dos bens pelo município, constantes no plano de trabalho. Determinava ao município o dever de apresentar mensalmente à UNIÃO os relatórios de execução físico-financeira, relativos ao contrato, prestar contas dos recursos recebidos, inclusive dos eventuais rendimentos provenientes das aplicações financeiras, e propiciar os meios e condições necessários para que a UNIÃO e os órgãos de controle externo pudessem realizar inspeções periódicas. Por sua vez, de acordo com a cláusula quinta, o desbloqueio dos recursos ocorreria em parcelas, após atestada pela UNIÃO a execução física da etapa correspondente e comprovação financeira da etapa anterior pelo município, e o pagamento da última parcela estava condicionada à confirmação pelo contratante da execução total do empreendimento e comprovação da integral aplicação do valor relativo à contrapartida realizada pela prefeitura. A cláusula nona previa que a UNIÃO faria o acompanhamento e avaliação das ações constantes no plano de trabalho e conferia ao gestor do programa a prerrogativa de promover visitas in loco, com o propósito de acompanhar e avaliar os resultados das atividades desenvolvidas. O município estava obrigado à apresentação de prestação de contas à UNIÃO da totalidade dos recursos recebidos, com a cominação de instauração de tomada de contas especial pela contratante (cláusula décima primeira). Por fim, a cláusula décima quinta conferia à UNIÃO, por intermédio do gestor do programa, a prerrogativa de assumir ou transferir a responsabilidade da execução da obra, no caso de sua paralisação ou de fato relevante que pudesse ocorrer e promover a fiscalização físico-financeira das atividades referentes ao contrato (Id. 107493832 – fls. 28/48).
50. Demonstrado que a execução do contrato foi monitorada pelo ente federal e pela CEF, vez que a UNIÃO era obrigada a acompanhar o andamento do empreendimento, avaliar as ações constantes no plano de trabalho, certificar a aquisição de bens pelo município, promover a fiscalização físico-financeira das atividades contratuais e, no caso de paralisação, assumir ou transferir a responsabilidade da execução da obra. Por seu turno, a CEF, na qualidade de gestor do programa, poderia promover visitas in loco, com o propósito de acompanhar e avaliar os resultados das atividades desenvolvidas. Ademais, a liberação dos recursos estava condicionada à apresentação pelo município de relatórios mensais concernentes à execução do contrato, prestação de contas dos recursos recebidos e certificação da execução física da etapa correspondente. Registra-se que a Caixa Econômica informou à Procuradoria da República, em 13/10/2006, que a execução da obra havia sido aprovada pela sua engenharia (Id. 107493832 – fls. 60/61).
51. À vista do recebimento integral dos valores provenientes dos contratos de repasse e da ausência de informações quanto à não prestação de contas ou instauração de tomada de contas especial, pode-se concluir que o município apresentou os relatórios exigidos, prestou contas dos recursos recebidos e que as etapas físicas da obra foram certificadas pela CEF. Verifica-se que o reajuste das medições decorreu de previsão contratual e com a utilização dos índices previstos no contrato (Id. 107500467 – fls. 195, 110/112, Id. 107500465 – fl. 09, 15, 18/19, 26, 31/32, 38, 45, 64, 130, 150, 176, 200 e 206, Id. 107500420 – fls. 09, 12/17, 26/34, 43/51, 59/68, 78/85). Ademais, a Procuradoria Jurídica do Município manifestou-se pelo deferimento dos pedidos de reajustamento do valor das medições, como pode ser observado pelos pareceres colacionados aos autos pelo requerido JOSÉ LUIS DÁTILO (Id. 107500462 – fls. 56/65). Como citado, a fiscalização do TCE/SP considerou aceitáveis as justificativas apresentadas para o reajuste dos valores das medições e prorrogação do prazo contratual. (Id. 107500563 – fl. 161).
52. De acordo com os termos de suspensão, as interrupções da obra foram fundamentadas nos incisos XIV e XVII da Lei nº 8.666/93 e decorreram do encerramento dos contratos de repasse e da falta de recursos da municipalidade, com a ressalva de que perduraria até a normalização da situação (Id. 107493832 – fls. 23/27). A primeira suspensão foi autorizada pelo acusado JOSÉ LUIS DÁTILO, em 05/11/2004, e ocorreu na gestão de JOSÉ ABELARDO GUIMARAES CAMARINHA. As demais foram autorizadas, em 04/03/2005, 01/07/2005, 31/10/2005 e 28/02/2006, por Antonio Carlos Nasraui, Secretário de Obras na gestão de Mário Bulgareli.
53. ANTONIO CARLOS NASRAUI, Secretário de Obras, no período de 01/2005 a 08/2008, na gestão de Mário Bulgareli, afirmou ao Procurador da República, em 11/05/2009, que recebeu ordens do gabinete do prefeito, repassadas pelo Chefe de Gabinete Nelson, para que não desse seguimento à construção da obra no Córrego Ribeirão dos Índios, em virtude de ordem judicial ou da emanada do Tribunal de Contas, e que nenhum pagamento foi efetivado na sua gestão. Disse que quando assumiu o cargo a obra já estava paralisada, em virtude do encerramento dos contratos de repasse com a CEF, da falta de recursos da municipalidade e da necessidade de cumprimento da LRF e que os termos de suspensão eram encaminhados pelo gabinete do prefeito, mas não sabia se passavam pelo crivo do setor jurídico (Id. 107493832 – fls. 154/157). MARIO BULGARELI, prefeito de Marília a partir de 01/2005, afirmou ao Procurador do MPF, em 15/05/2009, que, após conferir a medição da obra, autorizou o pagamento dos serviços realizados e comprovados e posteriormente não mais “mexeu” com a obra, que a suspensão do empreendimento ocorreu na gestão do Prefeito Abelardo Camarinha, em 11/2004, que em sua gestão também não houve condições de continuar a obra, em virtude da falta de recursos financeiros da municipalidade, do encerramento dos contratos de repasse e da decisão do Tribunal de Contas, e que, à vista da decisão do TCE e de não ter havido qualquer cobrança por parte da contratada, considerava que o contrato estava rescindido. Afirmou que a Secretaria Municipal de Obras acompanhava a situação do empreendimento, que fazia visitas periódicas ao local, que pretendia terminar a obra e tinha em mãos um estudo de viabilidade técnico-econômica para juntada aos autos. Informou que seria protocolado junto ao Ministério das Cidades o pedido de liberação de verba para o término do projeto, com 80% da verba proveniente da União e 20% do município, que acreditava que a verba seria disponibilizada, caso contrário faria um esforço para concluir a obra paulatinamente, bem como se comprometeu a celebrar o termo de ajustamento de conduta com o MPF para o término do empreendimento (Id. 107493832 – fls. 167/170). O Assessor Procurador-Chefe do TCE/SP, na manifestação apresentada no Processo TC-2269/004/002, em 25/10/2013, considerou que as explicações prestadas pelo município esclareciam as razões que levaram à paralisação da obra. Salientou que estava evidenciado o acúmulo de despesas com licitações destinadas à contratação do remanescente da obra, que não terminavam, geravam ações judiciais e gastos com a manutenção dos canteiros. (Id. 107500563 – fls. 251).
54. É importante mencionar que, a despeito da suspensão da obra, o empreendimento não foi abandonado. A contratada Andrade Galvão Engenharia LTDA., nos esclarecimentos prestados à prefeitura, em 11/07/2006, informou que, por longo período, desde a suspensão dos serviços e na expectativa de reinício da construção, manteve as instalações do canteiro de obras, conservou os barracões em perfeitas condições para posterior utilização e disponibilizou equipe mínima de engenharia, pessoal administrativo, energia elétrica, água, comunicação e vigilância ininterrupta (Id. 107500430 – fls. 70/71): “Desde a emissão do Primeiro Termo de Suspensão do Contrato o qual nos foi entregue em 05 de novembro de 2004, foram suspensos todos os trabalhos de execução da obra, ficando a estrutura do maciço da barragem executada até a cota 551,72 metros. Nesta data, a galeria de Inspeção se encontrava com o seu fundo e suas paredes 100% concluídas, porém sem a conclusão da laje superior a qual permitiria a perfeita vedação da mesma. Restava, portanto terminar a estrutura do barramento", os sistemas de captação e adução além da estação de tratamento de água. Entretanto há de se verificar que até a presente data transcorreram 607 (seiscentos sete dias) em que a obra se encontra paralisada, estando a estrutura, parcialmente executada, exposta à ação de Intempéries sujeita a todo o tipo de ocorrências, sendo a mais Incidente, a de transbordamento do dique formado em função de assoreamento do tubo de descarga por falta de manutenção de limpeza permanente que em consequência carreia materiais Indesejáveis aos drenos de sub pressão existentes na galeria ainda não concluída, obstruindo os mesmos. A maior preocupação em virtude do período de paralisação é com o comportamento da estrutura de concreto, com as ocorrências de erosões motivadas peia ação das chuvas, as quais podem comprometido a estrutura das ombreiras, assim como a possível obstrução dos drenos situados na galeria de inspeção. Outro a ser considerado é a falia de manutenção dos caminhos de acesso ao maciço da barragem, os quais foram executados em pavimentos revestidos com pedra britada, estando em inúmeros pontos rompidos pela ação das águas das chuvas motivados pelos entupimentos das linhas de drenagens também executadas. Esclarecemos, entretanto que desde o recebimento do Primeiro Termo de Suspensão a empresa mantém as instalações do canteiro de obras, utilizando vigilância 24 horas por dia, conservando os barracões em perfeitas condições para serem reutilizados a qualquer momento, disponibilizando equipe mínima de Engenheiro e Pessoal Administrativo, além de energia elétrica, água e comunicação, durante um largo tempo, na expectativa de reinício das obras. (...)”
55. Após a manifestação da empresa contratada, a Procuradoria Geral, no parecer emitido, em 02/07/2009, orientou ao município que passasse a promover a guarda do local do empreendimento, de modo a proteger as obras realizadas, tão logo formalizada a rescisão contratual do ato (Id. 107500591 – fls. 23/24). O Parquet menciona a existência de divergências entre as medições e anotações do diário de obras, ao argumento de que na medição realizada, em 04/11/2004, o valor empregado acumulado correspondia a 55,31% do total, após a rerratificação contratual, e a obra foi suspensa com execução de apenas 30% do volume estrutural da barragem. O analista pericial da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF mencionou no laudo pericial que (Id. 107493832 – fl. 122): “(...) 25. A última medição do contrato foi realizada em 04 de novembro de 2004, realizando-se nessa etapa uma adequação, em função do Termo de Rerratificação indicado anteriormente. O valor acumulado até essa medição, de R$ 4.176.067,65 (quatro milhões, cento e setenta e seis mil, sessenta e sete reais e sessenta e cinco centavos) corresponde a 55,31% (cinqüenta e cinco vírgula finta e um por cento) do valor após a rerratificação. 26. Fisicamente, a obra encontra-se atualmente paralisada, com a estrutura executada até a Cota 493,m (quatrocentos e noventa e três metros), o que corresponde a, aproximadamente, 30,0% (trinta por cento) do volume total da estrutura da barragem. Nenhum serviço relativo à captação, adução e a estação de tratamento de égua foi realizado. (...)”
56. Verifica-se que o autor faz uma relação equivocada entre o valor gasto (R$ 4.176.067,65) até 04/11/2004, o que era equivalente a 55,31% do montante total, com a execução física da edificação da barragem, que correspondia a 30% na data da paralisação do empreendimento.
57. Do exame dos elementos anexados aos autos constata-se que não está evidenciado o cometimento de ato de improbidade por parte dos acusados. Como mencionado, o dolo específico, para fins de caracterização de ato de improbidade, é o eivado de má-fé e praticado com o intuito de cometer conscientemente a ilicitude. O erro não intencional, a falta de zelo, a gestão ineficiente de recursos públicos e a ausência de diligência não configuram ato ímprobo. Nessa acepção, segundo Rafael de A. Araripe Carneiro: “não há mais espaço para a aplicação indiscriminada da lei em toda e qualquer infração normativa. Pelo contrário: a partir dos contornos dados pela Lei nº 14.230/2021, houve o oferecimento de parâmetros que distinguem (i) o ato ímprobo, (ii) a ilegalidade e (iii) a má política pública. Isso tudo para realçar que a tutela da probidade só sucede na ocorrência de lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados” (coordenadores Mendes, Gilmar Ferreira e Carneiro, Rafael de A. Araripe. Nova lei de improbidade administrativa: inspirações e desafios. São Paulo: Almedina, 2022, p. 115). Precedente.
58. É certo que a prefeitura municipal responsabilizou-se pela finalização da obra e que o empreendimento não foi concluído. Contudo, como visto, o término foi inviabilizado pela insuficiência de recursos. Ainda que os acusados não tenham observado os termos do convênio e desrespeitado o artigo 66 da Lei nº 8.666/93, artigo 22 da IN/STN nº 01/97 e outras regras correlatas, o descumprimento contratual e de normas legais, sem a comprovação do dolo, não caracteriza ato de improbidade ou autoriza a aplicação de sanções previstas na LIA. Como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Ademais, segundo o § 1ª do artigo 17-C da LIA:“A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Precedentes.
59. O encerramento dos contratos de repasse e a insuficiência de recursos próprios, aliados à má gestão dos valores recebidos, ocasionaram a paralisação do empreendimento, situação que foi mantida na gestão municipal posterior. A obra não foi abandonada, como afirmado, mas paralisada e em condições de ser retomada, o acusado JOSÉ LUIS DÁTILO foi o responsável pela primeira suspensão (05/11/2004) e as demais foram autorizadas pela administração seguinte. As modificações contratuais foram amparadas em pareceres jurídicos, que atestaram a regularidade dos atos. Não há alegações ou evidências de apropriação de recursos públicos, mas de gestão deficiente e inábil das verbas recebidas e da falta de planejamento financeiro, condutas que não configuram improbidade administrativa. De acordo com o entendimento jurisprudencial, a lei de improbidade não tem como finalidade a punição do gestor inábil ou incompetente, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé. Precedentes.
60. Diferentemente do afirmado na sentença, o pagamento por obra incompleta não significa pagamento indevido ou prejuízo à UNIÃO, porquanto restou demonstrado que a obra poderia ser retomada do ponto em que paralisada e que os valores empregados não foram “desperdiçados”.
61. Conclui-se que os acusados foram negligentes e incompetentes no trato do dinheiro público e violaram cláusulas contratuais e normas legais (artigos 65 e 66 da Lei nº 8.666/93), mas não está demonstrado que tiveram a intenção de praticar o ato ilegal ou agido com dolo ou má-fé, ou seja, a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito, como definido pelo artigo 1º, § 2º da LIA, elemento essencial para a caracterização do ato ímprobo, e não há sequer menção de que tenham obtido vantagem indevida. Ressalta-se que a conduta dos requeridos foi fundamentada nos pareceres jurídicos, que a não conclusão da obra decorreu da insuficiência de recursos financeiros, que o empreendimento não foi abandonado, mas paralisado e em condições de prosseguimento, e que a execução do contrato foi aprovada pela CEF, gestora do programa, e pelo TCE/SP. É certo que o mero exercício de função ou desempenho de competência pública, sem a comprovação do dolo, afasta a responsabilidade por ato de improbidade, como prevê o § 3º do mesmo dispositivo. Acrescenta-se que a ilegalidade sem a presença do dolo que a qualifique não configura ato ímprobo (artigo 17-C, § 1º). Precedentes.
62. É fato incontroverso que os recursos transferidos pela UNIÃO, a despeito da não conclusão da obra, foram integralmente aplicados no empreendimento. Relativamente ao remanejamento dos valores destinados à canalização do afluente da margem direita do córrego e construção das moradias para a edificação da barragem, bem como da divergência apontada pelo perito do MPF entre o RN (referência de nível) empregado na obra e o previsto no projeto, cabe pontuar que a jurisprudência tem reconhecido que a aplicação de verba pública em finalidade diversa da ajustada não caracteriza ato de improbidade, mas mera irregularidade, considerada a destinação pública dada aos recursos. Precedente.
63. Cabe mencionar que, a despeito do pedido formulado pela Procuradora do Ministério Público de Contas de aplicação de multa, nos termos do artigo 104, inciso II, da LCE 709/93 (Id. 107500563 – fls. 256 /258), a corte de contas estadual julgou irregulares o edital, o contrato, os termos aditivos e os de rerratificação, com aplicação dos incisos XV e XXVII do artigo 2º da Lei Complementar Estadual n° 709/93 e fixação do prazo para que o Prefeito Municipal de Marília apresentasse as providências adotadas em decorrência do decidido, mas não responsabilizou pecuniariamente os acusados.
64. Os atos praticados poderiam configurar a conduta negligente e culposa dos requeridos e evidenciar a existência de irregularidades administrativas, sujeitas à responsabilização funcional, como ocorreu, caso em que poderiam ter sido penalizados pelo Tribunal de Contas de São Paulo e pela comissão especial de sindicância municipal, mas não autorizam a aplicação da LIA. Nessa acepção, cabe citar o saudoso Ministro Teori Zavascki, no voto proferido no RESP 827.455/SP, verbis: “ (...) Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. (...) A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade” (STJ, REsp n. 827.445/SP, relator Ministro Luiz Fux, relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 2/2/2010, DJe de 8/3/2010).
65. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo julgou irregulares a Concorrência Pública nº 001/2002 e o Contrato CO – 729/02 por ter constado a existência de vícios insanáveis no edital que macularam o certame e exigências que teriam restringido o seu caráter competitivo. A corte considerou descabida a cobrança do valor de R$ 500,00, para aquisição da pasta técnica, inaceitável a disposição contida no item 6.5.2 do instrumento convocatório, que vedava a participação de empresas que haviam solicitado, há pelo menos seis meses, rescisão e contrato com a prefeitura municipal, considerou que uma simples declaração da empresa, de que não utilizava trabalho de menores, em lugar da certidão emitida pela Delegacia Regional do Trabalho, bastaria para o atendimento do item 6.1.10, e que a exigência de comprovante de posse ou propriedade de usina de solo ou termo de compromisso de locação, firmado pelo proprietário em favor da licitante, prevista no item 6.1.3.3, caracterizava vício insanável capaz de macular o certame. Por fim, reconheceu que as exigências impugnadas no edital poderiam ter contribuído com o número restrito de interessados na licitação (Id. 107493757 – fls. 13/20).
66. FÁTIMA ALBIERI, Procuradora Jurídica do Município de Marília, desde 1992, declarou ao Procurador do MPF, em 03/08/2009, que, à vista da contratação irregular da empresa de Andrade Galvão Engenharia LTDA., houve a instauração de procedimento administrativo para apuração de eventual ocorrência de prejuízo ao erário, irregularidades e providências a serem adotadas. Recomendou a instauração de processo administrativo tão logo o Tribunal de Contas reconheceu a nulidade da licitação, procedimento que tramitou concomitantemente com a ação rescisória proposta pelo município (Id. 107493757 – fls. 06/09). No âmbito da prefeitura, foi instaurado, em 12/12/2005, processo administrativo (Portaria nº 17.827/2005) para apuração de responsabilidades concernentes às ilegalidades verificadas na concorrência pública e no contrato firmado com a empresa Andrade Galvão Engenharia LTDA., referente ao Processo TC-002269/004/02 (Id. 107493757 – fls. 55/56, Id. 107500588 – fl. 204). A comissão de sindicância concluiu, em 13/04/2006, que as irregularidades não haviam restringido a participação de interessados na licitação, as cláusulas impugnadas não tinham causado nenhum prejuízo efetivo ou potencial ao erário e o Tribunal de Contas poderia ter considerado o certame regular, embora com ressalvas (Id. 107493757 – fls. 143/148 e 150 e Id. 107500635 – fls. 203/209). O gestor municipal acatou, em 03/05/2006, o parecer da comissão especial de sindicância e autorizou o arquivamento do procedimento (Id. 107493757 – fl. 149 e Id. 107500635 – fl. 210).
67. Para o magistrado, o fato de os requeridos terem autorizado a publicação do edital com diversas irregularidades, mas com base em parecer favorável da assessoria jurídica, não era suficiente para concluir que eram coniventes com suposta fraude ou qualquer irregularidade perpetrada na licitação. Considerou que os acusados não poderiam responder pessoalmente por atos de terceiros, a não ser que tivesse ficado comprovado que agiram ou deixaram de agir por determinação daqueles (Id. 107500544 – fls. 04/113). O requerido JOSÉ LUIS DÁTILO afirma que seus atos foram pautados na ética e moral e precedidos de pareceres das secretarias competentes. Conforme documento parecer, o Edital nº 017/2002, referente à Concorrência Pública nº 001/2002, foi encaminhado pelo Chefe da Divisão de Licitação à Procuradoria Geral, em 14/02/2002, para fins do disposto no artigo 38, parágrafo único, da lei nº 8.666/93. No parecer elaborado, em 14/02/2002, a Procuradora Municipal Fátima Albieri afirmou que o edital estava em consonância com as formalidades legais previstas no artigo 40 da Lei Federal 8.666/93, modificada pelas Leis nº 8.883/94, nº 9.032/95 e nº 9.640/98 (Id. 107500462 – fls. 53/54).
68. Importante destacar que não há prova de desvio dos recursos transferidos, porquanto está comprovada a aplicação integral das verbas federais no empreendimento. Não há prova do dolo ou erro intencional dos requeridos, que tenham obtido vantagens com as ilegalidades ou beneficiado terceiros. O reconhecimento da irregularidade da concorrência pública e do contrato pelo TCE/SP decorreu de vícios existentes no edital do certame, sem análise técnica dos termos contratuais. Ademais, cabe ressaltar que o edital do certame foi encaminhado à Procuradoria, que se manifestou pela sua legalidade.
69. No caso concreto, não está configurada a prática de ato de improbidade doloso, uma vez que não foi demonstrado o erro intencional e má-fé dos acusados e não há prova de que tenham sido favorecidos com as irregularidades verificadas. A despeito do julgamento irregular do edital e contrato e da existência de inconformidades apuradas pelo TCE/SP, o dolo e a má-fé não foram comprovados, o que afasta a caracterização do ato de improbidade, como prevê o § 1ª do artigo 17-C da LIA, segundo o qual: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Os atos praticados poderiam configurar ilegalidades ou irregularidades administrativas por parte dos réus, mas não podem ser considerados ímprobos, dada a não comprovação do dolo. Precedentes.
70. Na inicial, o autor enquadrou as condutas dos requeridos no artigo 11, incisos I e II, da LIA, no que se refere aos atos que atentaram contra os princípios da administração pública, especialmente o da legalidade, moralidade, eficiência, finalidade, interesse público e razoabilidade. Confira-se: “(...) A improbidade administrativa, por sua vez, segundo José Afonso da Silva, uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem". Tanto é que esse tipo de ato é sancionado com severidade pelo legislador Constitucional (art. 37, § 4°, da Lei Maior, já transcrito) e pelo legislador infraconstitucional. A esse respeito, a Lei n.° 8.429/92 (que "dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências"), preconiza: (...) Art. 11 Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; (...)”
71. Os incisos I e II do artigo 11 da LIA, no texto anterior, estabeleciam como atos de improbidade, que atentavam contra os princípios da administração pública, a prática de ato: “visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”, e que tivesse por finalidade: "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício". Entretanto, os dispositivos foram revogados pela Lei nº 14.230/2021.
72. De acordo com a nova redação do artigo 11, constitui ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública, a ação ou omissão dolosa que viola os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade, caracterizada por uma das condutas descritas nos seus incisos, entre os quais não se encontra a prática de ato que tenha objetivo proibido em lei ou regulamento ou de retardar ou deixar de praticar dever de oficio.
73. Marçal Justen Filho ao comentar sobre a revogação dos incisos I e II do artigo 11 da LIA, faz a seguinte observação: “O inc. I do art. 11 referia-se ao desvio de finalidade. A tipificação do desvio de finalidade como hipótese de improbidade administrativa implicava desnaturação do instituto. Não significa admitir a validade ou o descabimento de punição a condutas eivadas de desvio de finalidade. Atos praticados com desvio de finalidade comportam sancionamento severo, em diversas órbitas. Mas não se enquadram no instituto da improbidade, ressalvadas hipóteses diferenciadas, em que estejam presentes elementos peculiares à referida figura. A revogação do dispositivo foi orientada pela preocupação de evitar a banalização da improbidade administrativa. As razões que justificam a revogação do inc. II do art. 11 são semelhantes àquelas que nortearam a revogação do inc. I do mesmo artigo. Trata-se também nesse caso de afastar a identificação entre ilegalidade e improbidade. O retardamento ou a omissão indevidos na prática de ato de ofício são condutas sancionáveis por diversos meios, mas que não se confundem com a improbidade administrativa” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 118-119).
74. A abolição dos dispositivos está em consonância com as alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.230/2021, segundo as quais: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade” (artigo 17-C, § 1º). Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Portanto, fica afastada a condenação por improbidade sem a presença do dolo, ainda que configurada a ilegalidade do ato, de modo que a conduta considerada negligente, culposa ou ilegal não autoriza a aplicação da LIA. Precedente.
75. O Supremo Tribunal Federal, ao finalizar o julgamento do ARE 843989 RG/PR, em 18/08/2022, com repercussão geral, reconheceu que a supressão dos dispositivos que tratavam da modalidade culposa das condutas não retroage, entretanto a sua revogação inviabiliza condenações de atos culposos, a partir da edição da Lei nº 14.230/2021. Referido entendimento aplica-se ao caso concreto, considerada a condenação pela prática de atos de improbidade descritos no artigo 11, inciso I, da Lei n.º 8.429/92, dispositivo revogado pela norma.
76. À vista da revogação dos incisos I e II do artigo 11 da LIA pela Lei nº 14.230/2021 e da impossibilidade de condenação com base no texto revogado, como decidido pelo STF no julgamento do ARE 843989 RG/PR, os atos imputados tornaram-se atípicos pela abolição da figura ímproba, o que torna inviável a pretensão sancionatória. Precedentes.
77. Reexame necessário não conhecido. Preliminares rejeitadas. Apelações dos requeridos providas. Recursos do MPF e da UNIÃO improvidos.