Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014446-38.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: BRUNO BANDEIRA DOS SANTOS

Advogados do(a) APELADO: DENER JORGE BARROSO - SP142659-A, ROSANA SARMENTO ROCHA - SP159180-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014446-38.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: BRUNO BANDEIRA DOS SANTOS

Advogados do(a) APELADO: DENER JORGE BARROSO - SP142659-A, ROSANA SARMENTO ROCHA - SP159180-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação da UNIÃO nos autos de ação ordinária objetivando a imediata reintegração do Autor às fileiras do Exército e, como provimento final, a anulação do ato administrativo de licenciamento, bem como a sua reintegração na condição de adido até completa recuperação médica.

A sentença julgou o pedido parcialmente procedente para que seja anulado o ato de licenciamento do Exército, reintegrando o autor às Forças Armadas Militares, na condição de adido, devendo ainda receber tratamento médico adequado por até um ano (artigo 82, I, da Lei n. 6.880/80) e, não obtida a cura, será agregado por até dois anos (artigo 106, III da mesma Lei), sendo-lhe assegurada a percepção de soldo correspondente ao grau hierárquico que ocupava e demais vantagens remuneratórias desde a data do indevido licenciamento.

Apelou a União, sustentando, em suma, a ausência de comprovação do nexo causal entre a doença e o serviço militar; aduz que o autor foi licenciado com parecer Apto; afirma pela inexistência de invalidez; afirma que ao militar temporário, é possível o licenciamento “ex officio”; em razão de vínculo denominado “encostamento”, o militar não deve fazer jus à remuneração; aduz que o os atos emitidos pelo Exército são revestidos de Legalidade Institucional; pugna pela imposição de multa caso o militar não compareça para o tratamento.

Com contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014446-38.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: BRUNO BANDEIRA DOS SANTOS

Advogados do(a) APELADO: DENER JORGE BARROSO - SP142659-A, ROSANA SARMENTO ROCHA - SP159180-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O - V I S T A

 

 

 

 

 

 

 

O EXMO. SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO ALESSANDRO DIAFERIA: Trata-se de apelação interposta pela União em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para que seja anulado o ato de licenciamento do Exército, reintegrando o autor às Forças Armadas Militares, na condição de adido, devendo ainda receber tratamento médico adequado por até um ano (artigo 82, I, da Lei n. 6.880/80) e, não obtida a cura, será agregado por até dois anos (artigo 106, III da mesma Lei), sendo-lhe assegurada a percepção de soldo correspondente ao grau hierárquico que ocupava e demais vantagens remuneratórias desde a data do indevido licenciamento.

O eminente relator negou provimento ao apelo, ao entendimento de que estão presentes os pressupostos para a reintegração do autor para tratamento médico, admitindo a agregação por até dois anos, nos termos do art. 106, III, da Lei nº 6.880/1980.

Pedi vista para melhor examinar a questão e após análise dos autos, com a devida vênia do Relator, voto pelo provimento do recurso da União Federal,  com base  fundamentos que passo a expor.

Com efeito. O militar temporário integra o efetivo das Forças Armadas em caráter transitório e se submete aos ditames da Lei nº 4.375/1964 e da Lei nº 6.880/1980, não possuindo estabilidade na carreira. Após concluir o tempo a que estiver obrigado, pode requerer a prorrogação por uma ou mais vezes, permanecendo como engajado ou reengajado. A concessão da prorrogação do tempo de serviço além do previsto está submetida à discricionariedade da autoridade militar competente, devendo ser observado o disposto na Constituição, na legislação ordinária e também em atos normativos estabelecidos pelos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

A exclusão do serviço ativo das Forças Armadas pode se dar por vários motivos previstos no art. 94 da Lei 6.880/1980: transferência para a reserva remunerada (art. 96 e seguintes, podendo ser suspensa na vigência do estado de guerra, estado de sítio, estado de emergência ou em caso de mobilização); reforma (art. 104 e seguintes, marcando o desligamento definitivo); demissão de oficiais (art. 115 e seguintes, com ou sem indenização das despesas efetuadas pela União com a sua preparação, formação ou adaptação); perda de posto e patente (art. 118 e seguintes, em casos de o oficial ser declarado indigno ou incompatível ao oficialato); licenciamento (art. 121 e seguintes, para militares de carreira, da reserva ou temporários, após concluído o tempo de serviço, por conveniência do serviço, ou também a bem da disciplina e outras hipóteses legais); anulação de incorporação ou desincorporação da praça (art. 124, em casos de interrupção do serviço militar ativo previstas na legislação); exclusão da praça a bem da disciplina (art. 125 e seguintes, mesmo que o militar tenha estabilidade assegurada, em caso de infrações descritas na legislação); deserção (art. 128, atrelada à tipificação criminal correspondente); falecimento (art. 129); e extravio (art. 130, em casos de desaparecimento do militar). A publicação do ato oficial correspondente em Diário Oficial, em Boletim ou em Ordem de Serviço de sua organização militar é o marco temporal do desligamento, não podendo exceder 45 dias da data da primeira publicação oficial. Ultrapassado o prazo, o militar será considerado desligado da organização a que estiver vinculado, deixando de contar tempo de serviço, para fins de transferência para a inatividade.

A estabilidade no serviço militar somente é alcançada após 10 anos de efetivo serviço para praças, nos termos do art. 50, IV, “a” da Lei nº 6.880/1980 – a se destacar que a referência à praça de carreira somente foi prevista com as alterações promovidas pela Lei nº 13.954/2019-, verbis:

Art. 50. São direitos dos militares:

(...)

IV - nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas:

a) a estabilidade, quando praça com 10 (dez) ou mais anos de tempo de efetivo serviço.

(...)

É cediço que não há direito subjetivo ao engajamento ou reengajamento, sendo que o militar temporário passa para a reserva não remunerada desde o licenciamento, devendo constar do ato a causa determinante da exclusão do serviço ativo.

Registre-se que o Poder Judiciário não pode impor prorrogações além das previstas para o serviço militar temporário, e o controle judicial do mérito de atos discricionários da administração pública somente é possível em casos de inequívoca violação de seus limites ou das garantias do devido processo legal.

No caso em tela, o autor foi incorporado ao Exército Brasileiro em 1º/03/2013, tendo sido licenciado ex officio em 29/02/2016. Conforme atas de inspeção de saúde, realizadas em 06/11/2014, 07/11/2014,  15/10/2015, 06/11/2014, e 14/12/2015, o autor sempre foi considerado  “Apto A" (id 253804834).

Conforme perícia médica acostadas aos autos (id 253804869), realizada em 16/04/2016, por médica especialista em psiquiatria, o autor foi diagnosticado com transtorno misto ansioso e depressivo. Acrescentou a expert em seu laudo que o autor não apresenta sintomas depressivos no momento do exame pericial indicando que o quadro psiquiátrico está estabilizado. Concluiu, com base nos documentos médicos acostados aos autos, que é possível averiguar que o autor foi inicialmente atendido por psicólogo e, a partir de 16/02/2016, passou a tomar medicamentos para ansiedade e depressão, sendo que, em maio de 2017, estava medicado com dois comprimidos de Sertralina e aparentemente o quadro do autor passou a se estabilizar nos últimos dois anos. Asseverou, ainda, que atualmente a doença do autor está estabilizada e em remissão com o tratamento medicamentoso instituído, ressaltando que no momento do desligamento o autor ainda se encontrava sintomático com crises de ansiedade. Por fim, concluiu que não está caracterizada situação de incapacidade atual para qualquer tipo de atividade (militar ou civil), sob a ótica psiquiátrica, não havendo incapacidade laborativa atual quer para o serviço militar quer para atividades laboriosas civis.

Do conjunto de provas trazidas aos autos, infere-se que o militar foi diagnosticado com transtorno misto ansioso e depressivo psiquiátrico, mas encontra-se com quadro estabilizado, tendo sido, a partir de fevereiro de 2016, atendido por psicólogo, passando a ser medicado para ansiedade e depressão.  A corroborar a capacidade para outras atividades, tem-se o fato de que o autor passou a exercer atividade civil, em outubro de 2017, com vínculo empregatício até dezembro  de 2020 e posteriormente como contribuinte individual, conforme consulta ao CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais.

Assim, não se mostra desacertada a conduta da Administração Militar ao licenciar o autor, uma vez que não foi constatada a incapacidade total e definitiva, remanescendo capacidade para atividades civis, ainda que não pudesse exercer atividade militar. Destaque-se que, em se tratando de militar temporário, se não constatada a incapacidade total e definitiva, não tem direito o militar a manter-se incorporado e tampouco à reforma. Nesse sentido, veja-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:

 

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO E SEM ESTABILIDADE ASSEGURADA. INCAPACIDADE APENAS PARA AS ATIVIDADES MILITARES E SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM O SERVIÇO MILITAR. AUSÊNCIA DE INVALIDEZ. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À REFORMA EX OFFICIO. CABIMENTO DA DESINCORPORAÇÃO. PRECEDENTES. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 

1. Cinge-se a controvérsia em debate acerca da necessidade ou não do militar temporário acometido de moléstia incapacitante apenas o serviço militar de comprovar a existência do nexo de causalidade entre a moléstia/doença e o serviço castrense a fim de fazer jus à reforma ex officio. 

2. O militar temporário é aquele que permanece na ativa por prazo determinado e enquanto for da conveniência do Administrador, destinando-se a completar as Armas e Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações Militares de Praças, nos moldes do art. 3º, II, da Lei 6.391/1976, de sorte que, o término do tempo de serviço implica no seu licenciamento quando, a critério da Administração, não houver conveniência na permanência daquele servidor nos quadros das Forças Armadas (ex vi do art. 121, II e § 3º, da Lei 6.880/1980), a evidenciar um ato discricionário da Administração Militar, que, contudo, encontra-se adstrito a determinados limites, entre eles a existência de higidez física do militar a ser desligado, não sendo cabível o término do vínculo, por iniciativa da Administração, quando o militar se encontrar incapacitado para o exercício das atividades relacionadas ao serviço militar, hipótese em que deve ser mantido nas fileiras castrenses até sua recuperação ou, não sendo possível, eventual reforma. 

3. No caso do militar temporário contar com mais de 10 (dez) anos de efetivo serviço e preencher os demais requisitos legais autorizadores, ele adquirirá a estabilidade no serviço militar (art. 50, IV, "a", da Lei 6.880/1980), não podendo ser livremente licenciado ex offício. No entanto, antes de alcançada a estabilidade, o militar não estável poderá ser licenciado ex officio, sem direito a qualquer remuneração posterior. 

4. A reforma e o licenciamento são duas formas de exclusão do serviço ativo das Forças Armadas que constam do art. 94 da Lei 6.880/1980, podendo ambos ocorrer a pedido ou ex officio (arts. 104 e 121 da Lei 6.880/1980). O licenciamento ex officio é ato que se inclui no âmbito do poder discricionário da Administração Militar e pode ocorrer por conclusão de tempo de serviço, por conveniência do serviço ou a bem da disciplina, nos termos do art. 121, § 3º, da Lei 6.880/1980. A reforma, por sua vez, será concedida ex officio se o militar alcançar a idade prevista em lei ou se enquadrar em uma daquelas hipóteses consignadas no art. 106 da Lei 6.880/1980, entre as quais, for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas (inciso II), entre as seguintes causas possíveis previstas nos incisos do art. 108 da Lei 6.880/1980 ("I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações; III - acidente em serviço; IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, COM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO A CONDIÇÕES INERENTES AO SERVIÇO; V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM O SERVIÇO"). 

5. Desse modo, a incapacidade definitiva para o serviço militar pode sobrevir, entre outras causas, de doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço, conforme inciso IV do art. 108 da Lei 6.880/1980. Outrossim, quando o acidente ou doença, moléstia ou enfermidade não tiver relação de causa e efeito com o serviço (art. 108, IV, da Lei 6.880/1980), a Lei faz distinção entre o militar com estabilidade assegurada e o militar temporário, sem estabilidade. 

6. Portanto, os militares com estabilidade assegurada terão direito à reforma ex officio ainda que o resultado do acidente ou moléstia seja meramente incapacitante. Já os militares temporários e sem estabilidade, apenas se forem considerados INVÁLIDOS tanto para o serviço do Exército como para as demais atividades laborativas civis. 

7. Assim, a legislação de regência faz distinção entre incapacidade definitiva para o serviço ativo do Exército (conceito que não abrange incapacidade para todas as demais atividades laborais civis) e invalidez (conceito que abrange a incapacidade para o serviço ativo do Exército e para todas as demais atividades laborais civis). É o que se extrai da interpretação conjunta dos arts. 108, VI, 109, 110 e 111, I e II, da Lei 6.880/1980. 

8. A reforma do militar temporário não estável é devida nos casos de incapacidade adquirida em função dos motivos constantes dos incisos I a V do art. 108 da Lei 6.880/1980, que o incapacite apenas para o serviço militar e independentemente da comprovação do nexo de causalidade com o serviço militar, bem como quando a incapacidade decorre de acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço militar, que impossibilite o militar, total e permanentemente, de exercer qualquer trabalho (invalidez total). 

9. Precedentes: AgRg no AREsp 833.930/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 08/03/2016; AgRg no REsp 1331404/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/09/2015, DJe 14/09/2015; AgRg no REsp 1.384.817/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 14/10/2014; AgRg no AREsp 608.427/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 25/11/2014; AgRg no Ag 1300497/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 14/09/2010. 10. Haverá nexo de causalidade nos casos de ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública (inc. I do art. 108, da Lei 6.880/1980); b) enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações (inciso II do art. 108, da Lei 6.880/1980 ); c) acidente em serviço (inciso III do art. 108, da Lei 6.880/1980 ), e; d) doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço (inciso IV, do art. 108, da Lei 6.880/1980). 

11. Portanto, nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço militar e o militar temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades próprias do Exército, é cabível a desincorporação, nos termos do art. 94 da Lei 6.880/1980 c/c o art. 31 da Lei de Serviço Militar e o art. 140 do seu Regulamento - Decreto n.º 57.654/1966. 

12. Embargos de Divergência providos." 

(ERESP - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL - 1123371 2009.00.27380-0, OG FERNANDES, STJ - CORTE ESPECIAL, DJE DATA:12/03/2019 IP VOL.:00117 PG:00271 ) 

 (grifos nossos)

Não destoa a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, verbis:

"ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. DESLIGAMENTO. REINTEGRAÇÃO. REFORMA. IMPOSSIBILIDADE. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. INOCORRÊNCIA DE ATO DE SERVIÇO. AMPUTAÇÃO DE MEMBRO INFERIOR ESQUERDO. INEXISTÊNCIA DE INVALIDEZ SOCIAL. INDENIZAÇÃO. NÃO CABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

1. Apelação interposta pelo autor contra sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais de anulação de ato de licenciamento, reintegração ao serviço e posterior reforma. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, com exigibilidade suspensa por ser beneficiário da assistência judiciária gratuita.

2. O acidente ou doença, moléstia ou enfermidade sem relação de causa e efeito com o serviço militar (art. 108, VI), dá ensejo à reforma ao militar estável, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, ou quando não estável, estiver incapacitado permanentemente para qualquer trabalho (inválido).

3. Inexistência de vínculo entre o acidente e a atividade militar. Conforme se verifica do Boletim de Ocorrência (ID 7110431) e da certidão de Assentamentos Funcionais do autor (Id 711962) que o mesmo encontrava-se em gozo de férias. Logo afastada a ocorrência de acidente por ato de serviço.

4. Inaptidão para o exercício de qualquer atividade laboral inexistente. O exame pericial revelou que o autor não está incapacitado para o exercício laboral, não apresentando a invalidez social. Embora haja limitações, especialmente para as atividades vinculadas às Forças Armadas em decorrência da amputação de membro inferior, o autor não necessita de auxílio permanente de terceiros para realização de tarefas diárias. Inclusive, segundo o laudo, o autor pratica atividades físicas: “A partir do tratamento recebido, confirma-se que este atingiu seu objetivo, isto confirmado pelo relato da pratica de "triatlon", atividade esportiva de alta complexidade, e, não bastante, em nível competitivo. Ao exame físico, documentam-se as sequelas pelo trauma, entretanto, não há pontos que sustente a tese de invalidez, sob óptica pericial ortopédica.”

5. Legítimo o ato de desligamento e indevidas a reintegração e reforma, diante da ausência de nexo de causalidade entre a lesão do autor e a atividade castrense, bem como em razão de não atestada a invalidez permanente para qualquer atividade laboral.

6. Indenização: o autor não demonstrou a ocorrência de lesão a seus direitos da personalidade. Não se pode imputar à Administração Militar a prática de conduta ilícita tendente a gerar indenização.

7. Recurso desprovido.

(APELAÇÃO CÍVEL 5004163-93.2017.4.03.6119, TRF3 - 1ª Turma, Relator Desembargador Hélio Nogueira; Intimação via sistema DATA: 11/12/2019)

 

"ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. MILITAR TEMPORÁRIO. ACIDENTE SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM O SERVIÇO MILITAR. CABÍVEL O LICENCIAMENTO EX OFFICIO . INCAPACIDADE PARA TODO E QUALQUER TRABALHO NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE REQUISITOS PARA A REFORMA MILITAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS INDEVIDA.

1. Trata-se de ação ordinária proposta por CLAYTON BORGES DA SILVA em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando anular o ato administrativo que determinou seu desincorporação do Exército Brasileiro, com a consequente reforma do mesmo com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico de Terceiro-Sargento, além da condenação da ré por danos materiais e morais. 2. O autor foi incorporado às fileiras do Exército em 01/05/2015 como soldado, vindo a sofrer a amputação de sua perna esquerda em acidente ocorrido em via férrea sem relação de causa e efeito com o serviço militar. Em 16/05/2016, ocorreu o seu licenciamento, após passar por perícia em junta médica, onde restou constatado que não estava incapaz para as atividades laborativas civis, permanecendo, porém, na condição de encostamento ao 20º Batalhão Logístico Paraquedista, unicamente para fins de tratamento de saúde até a estabilização do quadro. Tratava-se, portanto, de militar temporário, observando-se que, de acordo com o disposto no art. 50, inciso IV, alínea "a", da Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), as praças só fazem jus à estabilidade após 10 anos de serviços prestados. 3. A Lei nº 6.880/80 disciplina o regime jurídico aplicável à reforma, assim dispondo seus artigos 106, 108, 109, 110 e 111. De acordo com o Estatuto dos Militares, o militar julgado incapaz definitivamente para o serviço castrense, decorrente de doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço; por acidente em serviço; ou por enfermidade descrita no inciso V do artigo 108, obedecida a regulamentação específica de cada Força Singular, fará jus à reforma com qualquer tempo de serviço, sendo a remuneração calculada na forma do art. 110. 4. Nas hipóteses de acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço (inc. VI do art. 108), a lei somente previu o direito à reforma aos militares com estabilidade assegurada e julgados definitivamente incapazes para o serviço militar, ou àqueles considerados inválidos para todo e qualquer trabalho, inclusive na vida civil, enquadrando-se, nesse último caso, os militares temporários (art. 111). 5. Para fazer jus à reforma, não basta que a doença se enquadre em uma das hipóteses previstas no art. 108 do Estatuto dos Militares e surja durante a atuação nas Forças Armadas; é necessário que se demonstre a incapacidade definitiva do militar, ou, no caso do militar 1 temporário acometido de doença ou que tenha sofrido acidente sem relação de causa e efeito com o serviço castrense, a incapacidade total e permanente para qualquer trabalho. 6. Em que pese a gravidade das consequências do acidente sofrido, o suporte probatório anexado aos autos é no sentido da inexistência de incapacidade total e definitiva para todo e qualquer trabalho e para os atos da vida civil a ensejar a pretendida reforma do militar temporário, sendo certo que a parte autora não requereu a produção de prova pericial na exordial ou mesmo quando instada a especificar provas, de modo a elidir as conclusões obtidas pela junta médica oficial. 7. O ato de licenciamento ex officio de militar temporário, assim como o reaproveitamento, é ato discricionário, conforme critérios de conveniência e oportunidade da Administração Pública, a qual não está obrigada a manter em seus quadro militares não estabilizados, mormente porque a lei não os ampara a permanecerem em definitivo no serviço ativo militar. Tal ato de licenciamento prescinde de motivação e de instauração de processo administrativo, com observância de contraditório. 8. Eventual incapacidade para o serviço ativo das Forças Armadas não obsta o licenciamento militar, considerando que, nos termos dos arts. 140 e 149 do Decreto nº 57.654/66, é possível a desincorporação de militar temporário, julgado incapaz para o serviço ativo quando não fizer jus à reforma, assegurada a continuidade do tratamento médico em unidade de saúde militar até a efetivação da alta, por restabelecimento ou a pedido. Precedentes: TRF2, 8ª Turma Especializada, APELREEX 01199344120144025117, Rel. Des. Fed. MARCELO PEREIRA DA SILVA, E-DJF2R 19.10.2016; TRF2, 7ª Turma Especializada, AC 201351010187186, Rel. Des. Fed. JOSÉ ANTONIO NEIVA, E-DJF2R 6.4.2017. 9. Ressalta-se que a própria certidão de assentamentos do autor no Exército Brasileiro dispõe sobre a garantia de manutenção do tratamento médico em Organização Militar de Saúde (OMS) após o licenciamento e exclusão do militar até a estabilização do quadro. 10. Não configurada a prática de qualquer conduta ilegal por parte da Administração Castrense, é indevida a reparação por dano material ou moral por ausência dos pressupostos do dever de indenizar. 11. Apelação desprovida."

(AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho 0185389-30.2016.4.02.5101, MARCELO PEREIRA DA SILVA, TRF2 - 8ª TURMA ESPECIALIZADA..ORGAO_JULGADOR:.)

(grifos nossos)

Registre-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a aplicabilidade do art. 106, III, da Lei 6.880/1980 deve ter sua abrangência restrita às hipóteses em que não atestada a capacidade posterior do militar, sob pena de por em xeque a racionalidade por trás do diploma legal em referência, conforme se depreende da ementa abaixo colacionada: 

 

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO. AGREGADO. CAPACIDADE PARA O TRABALHO RESTABELECIDA. PRETENSÃO DE REFORMA EM RAZÃO DO DECURSO DO PRAZO MÁXIMO PARA AGREGAÇÃO. ART. 106, III, DA LEI 6.880/1980. IMPOSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. DECISÃO MONOCRÁTICA. IMPRESTABILIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 

1. Cinge-se a controvérsia em exame acerca da possibilidade de concessão de reforma ex offício prevista no art. 106, III, da Lei 6.880/1980, ao militar temporário que a despeito de ter permanecido agregado por mais de 02 (dois) anos para tratamento de saúde, recupera a sua higidez, não estando mais incapacitado para o serviço castrense. 

2. O instituto da agregação, previsto na Lei 6.880/1980, busca, entre outras hipóteses, assegurar ao militar acometido de moléstia incapacitante temporária o direito ao devido tratamento médico-hospital, no intuito de restabelecer sua plena capacidade laborativa e, naqueles casos em que não seja possível a recuperação, a o direito à reforma ex offício (art. 106, III, da Lei 6.880/1980: "A reforma ex officio será aplicada ao militar que: [...] III - estiver agregado por mais de 2 (dois) anos por ter sido julgado incapaz, temporariamente, mediante homologação de Junta Superior de Saúde, ainda que se trate de moléstia curável"). 

3. Da interpretação do dispositivo legal, percebe-se tratar-se de espécie de reforma ex officio por incapacidade de militar agregado por mais de dois anos, ainda que se trate de moléstia curável, ou seja, o reconhecimento do direito do militar agregado à reforma pressupõe que, ao tempo da inspeção de saúde, seja verificada a permanência da incapacidade laboral, ainda que se trate de moléstia que no futuro posso vir a ser curada. Assim, o militar agregado que venha a se recuperar da moléstia incapacitante, restabelecendo a sua condição laboral, não fará jus à reforma, nos moldes do art. 106, III, da Lei 6.880/1980, porquanto não está mais incapacitado. 

4. "A outra espécie de reforma de ofício por incapacidade está no artigo 106, III, o qual trás a situação do agregado, a abranger tanto estáveis como temporários, e prevê reforma de ofício ao militar agregado por mais de dois anos, e que esteja temporariamente incapaz. [...] Nos termos deste artigo 106, III, cabe reforma de ofício se o militar estiver agregado por mais de dois anos, por ter sido julgado incapaz temporariamente, ainda que se trate de moléstia curável. Porém, também aqui a lei deve ser corretamente interpretada: em qualquer dos dois casos de reforma de ofício por incapacidade (art. 106, II - incapacidade definitiva - e III - incapacidade temporária, agregação), a incapacidade definitiva dada pelos artigos 108 e 109 deverá ser exigida, até mesmo em homenagem ao Princípio da Isonomia Constitucional. Caso contrário, o agregado, bastando-lhe a incapacidade temporária, terá um tratamento mais benéfico do que o incapaz definitivamente do artigo 106, II. Por isso, os artigos 108 e 109 devem ser aplicados a ambos. E, repita-se, naquele sentido antes exposto, ou seja, a incapacidade definitiva dos artigos 108 e 109 é mais do que a mera incapacidade para o serviço ativo das Forças Armadas, insculpida no artigo 106, II (eis que atinge também a capacidade laboral civil), embora não chegue a ser a invalidez dos artigos 110§ 1º e 111, II. [...] Concluindo, se o militar fica mais de dois anos agregado, por motivo de saúde que o incapacitou temporariamente, ele será reformado nos termos do artigo 106, III, mas em combinação com os artigos 108 e 109 do Estatuto, sendo inclusive necessária a incapacidade tanto para os atos da vida militar como civil; assim, tal situação irá, na prática, desembocar na mesma disciplina da incapacidade definitiva, portanto (que é a do 106, II c/c 108 e 109), em se interpretando o Estatuto de acordo com a isonomia constitucional, como aqui se propõe" (KAYAT, Roberto Carlos Rocha, Forças Armadas: Reforma, Licenciamento e Reserva Remunerada. In: Publicações da Escola da AGU: Direito Militar, 2010, p. 161-192). 

5. Não havendo a incapacidade laboral não há o direito à reforma ex offício, não se podendo estender tal benefício àqueles que possuem incapacidade temporária e/ou parcial e ainda existe uma real possibilidade de recuperação da doença e da capacidade laboral, e muito menos àqueles que, mesmo estando agregado há mais de 02 anos, verifica-se o restabelecimento da sua capacidade plena por meio de posterior prova técnica. 

6. A lógica por trás do art. 106, III, da Lei 6.880/1980 busca amparar o militar que, "diante do alargamento do período que possa se encontrar incapacitado para as atividades laborais, tenha uma fonte de subsistência segura e permanente, já que, afinal, os egressos na atividades militares não podem ser devolvidos à vida civil em condições diversas daquelas ostentadas no momento de ingresso na caserna. [...] Nesse norte, entendo que a aplicabilidade do art. 106, III, da Lei 6.880/80 deve ter sua abrangência restrita às hipóteses em que não atestada a plena capacidade posterior do militar, sob pena de por em xeque a racionalidade por trás do diploma legal em referência. Ao prevalecer entendimento inverso, estar-se-ia autorizando, por via oblíqua, que pessoas no auge de sua capacidade laborativa, possam passar à inatividade, recebendo proventos, onerando sobremaneira toda a sociedade brasileira" (acórdão regional). 

7. O STJ já decidiu que o militar da ativa tem direito à agregação quando incapacitado temporariamente para o serviço castrense, e de, nessa condição, receber o adequado tratamento médico-hospitalar até a sua cura e, caso apurada, posteriormente, a incapacidade definitiva, o direito a reforma ex officio. Precedentes: REsp 1265429/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 06/03/2012; REsp 1195149/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 14/04/2011. 

8. No caso ora em apreço, o Tribunal de origem, com base na análise das provas colhidas nos autos, consignou que o Autor teve sua capacidade física reestabelecida integralmente no período que permaneceu agregado, se encontrando plenamente apto ao serviço castrense. Desta forma, inexistindo qualquer incapacidade do autor para o trabalho civil ou militar, não merece prosperar o seu pedido para a reforma, sob pena de estabelecer-se tratamento diferenciado para a concessão desse instituto que tem como pressuposto básico a impossibilidade laborativa do militar, sob pena de violação ao princípio da isonomia. 

9. É pacífico o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que decisão monocrática não serve como paradigma para fins de demonstração de dissídio jurisprudencial, porquanto se trata de manifestação unipessoal do relator, não compreende o conceito coletivo de "Tribunal" almejado pelo art. 105, III, "c", da Constituição Federal ("der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal"). Precedentes. 

10. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. 

(STJ, REsp 1506737/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/2015, DJe 27/11/2015) 

(grifos nossos) 

 

 

Destarte, em que pese a moléstia diagnosticada, remanescendo capacidade para outras atividades, atestada por perícia médica, conclui-se pela legalidade do licenciamento concedido pela Administração Militar, com base em conveniência da Administração, devendo ser destacado ainda que foi concedido ao militar tratamento médico após o licenciamento.

Considerando o resultado do julgamento, nos termos do art. 85 do CPC, condeno a parte-autora ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros. Devem ser observados os termos do art. 98, § 3º, do CPC, ante a concessão de gratuidade de justiça.

Ante o exposto, com a devida vênia, voto por dar provimento à apelação da União Federal para reconhecer a legalidade do licenciamento, com a improcedência da demanda.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014446-38.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: BRUNO BANDEIRA DOS SANTOS

Advogados do(a) APELADO: DENER JORGE BARROSO - SP142659-A, ROSANA SARMENTO ROCHA - SP159180-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Narrou o autor que foi incorporado às fileiras do Exército Brasileiro em 01/03/2013 para prestar o Serviço Militar inicial, sendo licenciado em 29/02/2016. Alega que, desde 2015, vem apresentando patologia psiquiátrica (estado depressivo, síndrome do pânico, além de forte transtorno de ansiedade). Informa que permanece em tratamento médico no Hospital Militar de Área de São Paulo (FIMASP). Entende, assim, que a Administração Pública Militar não poderia licenciá-lo do serviço em razão da patologia que apresentava, devendo permanecer como adido, para fins de tratamento médico adequado à sua recuperação.

Inicialmente, sobreleva diferenciar o conceito de militares temporários por exclusão, como sendo aqueles que não pertencem à categoria dos militares estáveis (quadro efetivo permanente ou estabilizados). Daí que, o serviço militar temporário tem a natureza jurídica de vínculo precário do militar com a Administração, em razão de prestação temporária do serviço militar por tempo determinado, com a possibilidade de prorrogações de tempo (engajamentos e reengajamentos), sob os critérios de discricionariedade da Administração Militar.

O serviço militar temporário pode ser prestado sob duas modalidades: serviço obrigatório, por força da CF/88 art. 143 e de forma voluntária, com ingresso através de processo seletivo simplificado, de convocação regional, diverso de concurso público de convocação nacional, sendo ambos por prazo determinado ou com possibilidade de prorrogação do tempo de serviço, após o término do prazo determinado.

Cumpre registrar que a Lei 13.954/2019 trouxe alterações significativas quanto ao regime jurídico dos militares, especialmente no tocante as hipóteses de licenciamento e desligamento por incapacidade para o serviço nas Forças Armadas. Com relação à incapacidade do militar, na redação anterior a Lei 6.880/80, mencionava “militares da ativa”, incluindo dentre eles tanto os militares de carreira e temporários. No entanto, na redação trazida pela Lei 13.954/2019 houve expressa diferenciação no tratamento dos militares de carreira e dos militares temporários.

No tocante a matéria, destaca-se os dispositivos da Lei 6.880/80 com a nova redação dada pela Lei 13.954/2019:

 

Art. 106. A reforma será aplicada ao militar que: (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

I. (...)

II - se de carreira, for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas; (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

II-A. se temporário: (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

a) for julgado inválido; (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

b) for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas, quando enquadrado no disposto nos incisos I e II do caput do art. 108 desta Lei; (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

III - estiver agregado por mais de 2 (dois) anos por ter sido julgado incapaz, temporariamente, mediante homologação de Junta Superior de Saúde, ainda que se trate de moléstia curável;

(...)”

 

“Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:

I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública;

II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações;

III - acidente em serviço;

IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;

V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e (Redação dada pela Lei nº 12.670, de 2012)

VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço.

§ 1º Os casos de que tratam os itens I, II, III e IV serão provados por atestado de origem, inquérito sanitário de origem ou ficha de evacuação, sendo os termos do acidente, baixa ao hospital, papeleta de tratamento nas enfermarias e hospitais, e os registros de baixa utilizados como meios subsidiários para esclarecer a situação.

§ 2º Os militares julgados incapazes por um dos motivos constantes do item V deste artigo somente poderão ser reformados após a homologação, por Junta Superior de Saúde, da inspeção de saúde que concluiu pela incapacidade definitiva, obedecida à regulamentação específica de cada Força Singular.”

 

“Art. 109. O militar de carreira julgado incapaz definitivamente para a atividade militar por uma das hipóteses previstas nos incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei será reformado com qualquer tempo de serviço. (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos I e II do caput do art. 108 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

§2º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei se, concomitantemente, for considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

§ 3º O militar temporário que estiver enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei, mas não for considerado inválido por não estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada, será licenciado ou desincorporado na forma prevista na legislação do serviço militar. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)”

 

“Art. 111. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes do item VI do artigo 108 será reformado:

I - com remuneração proporcional ao tempo de serviço, se oficial ou praça com estabilidade assegurada; e

II - com remuneração calculada com base no soldo integral do posto ou graduação, desde que, com qualquer tempo de serviço, seja considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.

§ 1º O militar temporário, na hipótese prevista neste artigo, só fará jus à reforma se for considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

§ 2º Será licenciado ou desincorporado, na forma prevista na legislação pertinente, o militar temporário que não for considerado inválido. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)”

 

O art. 111, inciso I, da Lei 6.880/80, na redação original, afirma que somente o militar com estabilidade assegurada terá direito a reforma sem necessidade de comprovação da relação de causa e efeito entre a moléstia ou lesão e a prestação do serviço castrense.

Conforme a redação do inciso II do art. 111, o militar temporário se acometido de doença ou lesão sem relação de causa e efeito com o serviço militar, poderá ser concedida a reforma somente se for considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho, com remuneração calculada com base no soldo integral do posto ou graduação.

Nos casos de incapacidade apenas para as Forças Armadas, ao militar temporário, é exigido o nexo causal entre a doença, lesão ou sequelas de acidente sofrido em serviço com as condições inerentes ao serviço militar, para que faça jus à reintegração para tratamento médico-hospitalar até a cura ou estabilização da incapacidade, inclusive com percepção de soldos.

Sobreleva destacar que o STJ possui o entendimento de que "o militar temporário, acometido de debilidade física ou mental não definitiva, não pode ser licenciado, fazendo jus à reintegração ao quadro de origem para tratamento médico-hospitalar adequado à incapacidade temporária, como adido, sendo-lhe assegurada a percepção de soldo e demais vantagens remuneratórias desde a data do indevido licenciamento até sua recuperação" (AgRg no REsp 1.545.331/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/9/2015, DJe 28/9/2015; AgInt no REsp 1628860/PE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2020, DJe 09/10/2020).

Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO E SEM ESTABILIDADE ASSEGURADA. INCAPACIDADE APENAS PARA AS ATIVIDADES MILITARES E SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM O SERVIÇO MILITAR. AUSÊNCIA DE INVALIDEZ. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À REFORMA EX OFFICIO. CABIMENTO DA DESINCORPORAÇÃO. PRECEDENTES. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.

1. Cinge-se a controvérsia em debate acerca da necessidade ou não do militar temporário acometido de moléstia incapacitante apenas o serviço militar de comprovar a existência do nexo de causalidade entre a moléstia/doença e o serviço castrense a fim de fazer jus à reforma ex officio.

2. O militar temporário é aquele que permanece na ativa por prazo determinado e enquanto for da conveniência do Administrador, destinando-se a completar as Armas e Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações Militares de Praças, nos moldes do art. 3º, II, da Lei 6.391/1976, de sorte que, o término do tempo de serviço implica no seu licenciamento quando, a critério da Administração, não houver conveniência na permanência daquele servidor nos quadros das Forças Armadas (ex vi do art. 121, II e § 3º, da Lei 6.880/1980), a evidenciar um ato discricionário da Administração Militar, que, contudo, encontra-se adstrito a determinados limites, entre eles a existência de higidez física do militar a ser desligado, não sendo cabível o término do vínculo, por iniciativa da Administração, quando o militar se encontrar incapacitado para o exercício das atividades relacionadas ao serviço militar, hipótese em que deve ser mantido nas fileiras castrenses até sua recuperação ou, não sendo possível, eventual reforma.

3. No caso do militar temporário contar com mais de 10 (dez) anos de efetivo serviço e preencher os demais requisitos legais autorizadores, ele adquirirá a estabilidade no serviço militar (art. 50, IV, "a", da Lei 6.880/1980), não podendo ser livremente licenciado ex offício. No entanto, antes de alcançada a estabilidade, o militar não estável poderá ser licenciado ex officio, sem direito a qualquer remuneração posterior.

4. A reforma e o licenciamento são duas formas de exclusão do serviço ativo das Forças Armadas que constam do art. 94 da Lei 6.880/1980, podendo ambos ocorrer a pedido ou ex officio (arts. 104 e 121 da Lei 6.880/1980). O licenciamento ex officio é ato que se inclui no âmbito do poder discricionário da Administração Militar e pode ocorrer por conclusão de tempo de serviço, por conveniência do serviço ou a bem da disciplina, nos termos do art. 121, § 3º, da Lei 6.880/1980. A reforma, por sua vez, será concedida ex officio se o militar alcançar a idade prevista em lei ou se enquadrar em uma daquelas hipóteses consignadas no art. 106 da Lei 6.880/1980, entre as quais, for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas (inciso II), entre as seguintes causas possíveis previstas nos incisos do art. 108 da Lei 6.880/1980 ("I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações; III - acidente em serviço; IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, COM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO A CONDIÇÕES INERENTES AO SERVIÇO; V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM O SERVIÇO").

5. Desse modo, a incapacidade definitiva para o serviço militar pode sobrevir, entre outras causas, de doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço, conforme inciso IV do art. 108 da Lei 6.880/1980. Outrossim, quando o acidente ou doença, moléstia ou enfermidade não tiver relação de causa e efeito com o serviço (art. 108, IV, da Lei 6.880/1980), a Lei faz distinção entre o militar com estabilidade assegurada e o militar temporário, sem estabilidade.

6. Portanto, os militares com estabilidade assegurada terão direito à reforma ex officio ainda que o resultado do acidente ou moléstia seja meramente incapacitante. Já os militares temporários e sem estabilidade, apenas se forem considerados INVÁLIDOS tanto para o serviço do Exército como para as demais atividades laborativas civis.

7. Assim, a legislação de regência faz distinção entre incapacidade definitiva para o serviço ativo do Exército (conceito que não abrange incapacidade para todas as demais atividades laborais civis) e invalidez (conceito que abrange a incapacidade para o serviço ativo do Exército e para todas as demais atividades laborais civis). É o que se extrai da interpretação conjunta dos arts. 108, VI, 109, 110 e 111, I e II, da Lei 6.880/1980.

8. A reforma do militar temporário não estável é devida nos casos de incapacidade adquirida em função dos motivos constantes dos incisos I a V do art. 108 da Lei 6.880/1980, que o incapacite apenas para o serviço militar e independentemente da comprovação do nexo de causalidade com o serviço militar, bem como quando a incapacidade decorre de acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço militar, que impossibilite o militar, total e permanentemente, de exercer qualquer trabalho (invalidez total).

9. Precedentes: AgRg no AREsp 833.930/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 08/03/2016; AgRg no REsp 1331404/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/09/2015, DJe 14/09/2015; AgRg no REsp 1.384.817/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 14/10/2014; AgRg no AREsp 608.427/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 25/11/2014; AgRg no Ag 1300497/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 14/09/2010.

10. Haverá nexo de causalidade nos casos de ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública (inc. I do art. 108, da Lei 6.880/1980); b) enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações (inciso II do art. 108, da Lei 6.880/1980 ); c) acidente em serviço (inciso III do art. 108, da Lei 6.880/1980 ), e; d) doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço (inciso IV, do art. 108, da Lei 6.880/1980).

11. Portanto, nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço militar e o militar temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades próprias do Exército, é cabível a desincorporação, nos termos do art. 94 da Lei 6.880/1980 c/c o art. 31 da Lei de Serviço Militar e o art. 140 do seu Regulamento - Decreto n.º 57.654/1966.

12. Embargos de Divergência providos.

(EREsp 1123371/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/09/2018, DJe 12/03/2019)”

 

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO. ACIDENTE DE SERVIÇO. EXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. DIREITO À REINTEGRAÇÃO COMO AGREGADO/ADIDO PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. PERCEPÇÃO DO SOLDO ATÉ A RECUPERAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1. Cuida-se, na origem, de Ação Ordinária ajuizada contra a União, objetivando sua reintegração ao Exército Brasileiro na condição de agregado/adido para fins de tratamento médico ou sua reforma, com pagamento de soldo e demais vantagens correspondentes ao grau hierárquico ocupado na ativa.

2. Conforme assentado na decisão monocrática, o Tribunal de origem deu provimento à Apelação da União "para - não obstante a garantia de reintegração para fins de recuperação da saúde da parte autora -, afastar o pagamento de soldo, na medida em que a moléstia não possui relação de causa e efeito com as atividades militares" (fl. 447, e-STJ, grifei).

3. O STJ possui o entendimento de que "o militar temporário, acometido de debilidade física ou mental não definitiva, não pode ser licenciado, fazendo jus à reintegração ao quadro de origem para tratamento médico-hospitalar adequado à incapacidade temporária, como adido, sendo-lhe assegurada a percepção de soldo e demais vantagens remuneratórias desde a data do indevido licenciamento até sua recuperação" (AgRg no REsp 1.545.331/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/9/2015, DJe 28/9/2015).

4. Hipótese em que o Tribunal Regional garantiu ao militar apenas o direito à reintegração na condição de adido, para recebimento de tratamento médico-hospitalar adequado à sua recuperação, nos termos da legislação que rege a matéria, sem que lhe fosse assegurado qualquer direito à percepção de prestação pecuniária, o que justifica a reforma do decisum a quo.

5. Convém, ainda, assinalar que o entendimento sedimentado pela Corte Especial nos EREsp 1.123.371/RS (DJe 12/03/2019) exige nexo causal entre a moléstia e o serviço castrense para que o militar temporário faça jus à reforma de ofício, hipótese diversa da presente, pois, in casu, a Corte Regional apenas outorgou ao autor o direito à reintegração como adido, mantendo-lhe em tratamento médico até sua completa recuperação (fls. 438-447, e-STJ).

6. Agravo Interno não provido.

(AgInt no AREsp 1658449/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2020, DJe 02/10/2020)

No caso em comento, se verifica que as Inspeções de Saúde realizadas durante a prestação do serviço militar, o militar obteve os seguintes pareceres:

- IS nº 2011/2014, Sessão 06/11/2014, obteve parecer “Apto”.

- IS nº 2083/2014, Sessão 07/11/2014, obteve parecer “Apto”.

- IS nº 2336/2015, Sessão 15/10/2015, obteve parecer “Apto”.

- IS nº 2563/2015, Sessão 14/12/2015, obteve parecer “Apto”.

Nos termos constantes das Informações prestadas pelo Exército, em Ofício nº 292-Asse Ap As jurd/2RM (253804834 - Pág. 1), o militar foi licenciado em 29/02/2016.

Da leitura do Laudo Pericial produzido nos autos (253804869 - Pág. 1/ss.), a perita judicial exarou a seguinte conclusão:

“Com base nos elementos e fatos expostos e analisados, conclui-se: Não caracterizada situação de incapacidade atual para qualquer tipo de atividade (militar ou civil), sob a ótica psiquiátrica.

O autor esteve incapacitado por doença mental entre novembro de 2015 a maio de 2017.” (destacamos)

 

A perita judicial, em relação ao nexo de causalidade entre a doença e o serviço militar, não encontrou elementos para afastar e nem para reconhecer o nexo causal, no entanto afirma que, atualmente, o autor está em tratamento e com quadro estabilizado.

Ainda, em resposta aos quesitos elaborados pelas partes, a perita respondeu (253804869 - Pág. 4/ss.):

“(...)

5- Especificar o estado físico e diagnóstico atuais do autor, esclarecendo se está realizando algum tratamento no presente. Se positivo, favor indicá-lo.

R: Transtorno misto ansioso e depressivo, atualmente estabilizado com a medicação (dois comprimidos de Sertralina). O autor se beneficiaria de psicoterapia que ainda não conseguiu no serviço público.

(...)

9. A partir do Exame efetuado pela Requerida, o qual constatou que fisicamente o Autor estava apto para adentrar e ser dispensado das fileiras do Exército poderia a Senhora Perita Judicial dizer se tal exame também poderia constatar que o Autor estava plenamente sadio psicologicamente?

R: Não foi feita avaliação psicológica criteriosa na ocasião.

(...).

11. O conjunto de problemas apresentados pelo Requerido (síndrome do pânico, depressão e estado de ansiedade) pode ser simples doenças que possam ensejar a sua dispensa das fileiras militares sem qualquer ônus para a Requerida no caso em tela a União?

R: Não. Ele deveria ter sido mantido afastado do serviço militar e em tratamento até estabilização do quadro clínico.

12. Finalmente poderia expert dizer se o tratamento parcial que a Requerida vem dispensando ao Autor é suficiente para atuar de forma independente em sua vida civil?

R: A requerida não tem provido o autor com psicoterapia que é fundamental para que elabore suas inseguranças e lide melhor com as adversidades da vida.

Através da prova pericial produzida nos autos se verifica que, em que pese em Inspeções de Saúde terem julgado o militar “Apto”, a perita deixa claro que à época não foi realizada avaliação psicológica criteriosa (quesitos do autor, item 9). Vale dizer, que o Exército ao realizar inspeções de saúde do militar não o examinou sob o aspecto psicológico, tão somente em relação a higidez e robustez física, que levou ao parecer Apto.

Por sua vez, a perita afirma que o autor esteve incapacitado por doença mental no período de novembro de 2015 a maio de 2017, no entanto, é noticiado que a Administração Militar procedeu ao licenciamento em 29/02/2016 (treze dias depois da introdução da medicação - 253804869 - Pág. 3). Logo, se verifica que a Administração Militar licenciou o autor enquanto se encontrava em tratamento e o quando do desligamento o militar ainda se encontrava sintomático, principalmente com crises de ansiedade.

Disso deflui que na data do licenciamento, o militar não se encontrava apto em relação às capacidades psicológicas, de forma que o ato de licenciamento não se revestiu de legalidade. A Administração não poderia ter licenciado o autor enquanto acometido de doença mental não definitiva, fazendo jus à reintegração para tratamento médico-hospitalar adequado à incapacidade temporária, como adido, dispensada a relação de causa e efeito da moléstia com o serviço prestado, na medida em que sofreu a doença enquanto estava prestando o serviço ativo e não recebeu o adequado tratamento.

O Magistrado sentenciante entendeu que a “Ata de Inspeção de Saúde: 2563/2015”, emitida em 14 de dezembro de 2015, ao atestar o autor como “Apto A”, ou seja, que o inspecionado “satisfaz os requisitos regulamentares, possuindo boas condições de robustez física, podendo apresentar pequenas lesões, defeitos físicos ou doenças, desde que compatíveis com o serviço militar (ID 4437357 - pág. 6), não avaliou o militar na em sua capacidade psicológica, ou seja, não houve avaliação criteriosa do ponto de vista psiquiátrico, na época do licenciamento, a concluir que a Administração Militar não poderia ter licenciado o militar antes de ter dado o tratamento adequado.

De fato, se verifica que o autor foi licenciado sem o tratamento adequado para a incapacidade temporária, eis que era portador de transtorno misto ansioso e depressivo, nos termos do laudo pericial. Em que pese a não comprovação do nexo causal entre a doença e o serviço militar, se observa que se encontrava em serviço ativo e a Administração não prestou nenhuma assistência médica quanto a doença mental, não houve disponibilização de tratamento psiquiátrico ou psicoterapêutico para a melhora do estado de saúde do militar.

Portanto, acertada a decisão “a quo” quanto a reintegração do autor na condição de adido, com a percepção de vencimentos até a cura ou estabilização da doença devendo ainda receber tratamento médico adequado por até um ano (artigo 82, I, da Lei n. 6.880/80) e, não obtida a cura, será agregado por até dois anos (artigo 106, III da mesma Lei), sendo-lhe assegurada a percepção de soldo correspondente ao grau hierárquico que ocupava e demais vantagens remuneratórias desde a data do indevido licenciamento.

Nesse sentido:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO. ILEGALIDADE. SUBMISSÃO A TRATAMENTO MÉDICO EM RAZÃO DE DEBILIDADE ADQUIRIDA DURANTE O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE MILITAR. REINTEGRAÇÃO. CABIMENTO. RESTABELECIMENTO DOS VENCIMENTOS E FORNECIMENTO DE TRATAMENTO DE SAÚDE ADEQUADO. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA. AGRAVO PROVIDO.

1. A despeito do reconhecimento da incapacidade física e mental para o desempenho das atividades profissionais da agravante, a agravada indeferiu o pedido de prorrogação do tempo de serviço.

2. Da análise dos documentos carreados ao feito de origem é possível extrair que no momento de sua desincorporação a agravante se encontrava submetida a tratamento médico, tendo sido comprovada a necessidade de se submeter a tratamento médico em sucessivos exames.

3. O C. STJ tem proferido reiterados julgados reconhecendo a ilegalidade do licenciamento do militar temporário submetido a tratamento médico em razão de debilidade adquirida durante o exercício da atividade militar, caso em que o militar faz jus à reintegração para que lhe seja assegurado o tratamento, bem como o recebimento do respectivo soldo.

4. Agravo provido para determinar a reintegração da agravante às fileiras das Forças Armadas com o consequente restabelecimento dos vencimentos e fornecimento de tratamento de saúde adequado.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5026857-07.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 10/03/2023, DJEN DATA: 15/03/2023)

 

Cumpre mencionar, todavia, que a reintegração para tratamento médico não garante, por si, o direito à reforma “ex officio”, devendo o militar ser submetido à Inspeções de Saúde periódicas a fim de reavaliar o estado de saúde e caso verificada a melhora cura ou estabilização da lesão, deverá o militar retornar à vida civil, nos termos previstos na legislação castrense, sendo de rigor a manutenção da sentença.

Diante do exposto, nego provimento à apelação da União, nos termos da fundamentação desenvolvida.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO.  SERVIDOR MILITAR NÃO ESTÁVEL. LICENCIAMENTO EX OFFICIO. ACIDENTE. NEXO CAUSAL NÃO CONFIGURADO. INCAPACIDADE APENAS PARA O SERVIÇO MILITAR. LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO.

- O militar temporário integra o efetivo das Forças Armadas em caráter transitório e se submete aos ditames da Lei nº 4.375/1964 e da Lei nº 6.880/1980, não possuindo estabilidade na carreira. Após concluir o tempo a que estiver obrigado, pode requerer a prorrogação por uma ou mais vezes, permanecendo como engajado ou reengajado. A concessão da prorrogação do tempo de serviço além do previsto está submetida à discricionariedade da autoridade militar competente, devendo ser observado o disposto na Constituição, na legislação ordinária e também em atos normativos estabelecidos pelos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

- A exclusão do serviço ativo das Forças Armadas pode se dar por vários motivos previstos no art. 94 da Lei 6.880/1980: transferência para a reserva remunerada (art. 96 e seguintes, podendo ser suspensa na vigência do estado de guerra, estado de sítio, estado de emergência ou em caso de mobilização); reforma (art. 104 e seguintes, marcando o desligamento definitivo); demissão de oficiais (art. 115 e seguintes, com ou sem indenização das despesas efetuadas pela União com a sua preparação, formação ou adaptação); perda de posto e patente (art. 118 e seguintes, em casos de o oficial ser declarado indigno ou incompatível ao oficialato); licenciamento (art. 121 e seguintes, para militares de carreira, da reserva ou temporários, após concluído o tempo de serviço, por conveniência do serviço, ou também a bem da disciplina e outras hipóteses legais); anulação de incorporação ou desincorporação da praça (art. 124, em casos de interrupção do serviço militar ativo previstas na legislação); exclusão da praça a bem da disciplina (art. 125 e seguintes, mesmo que o militar tenha estabilidade assegurada, em caso de infrações descritas na legislação); deserção (art. 128, atrelada à tipificação criminal correspondente); falecimento (art. 129); e extravio (art. 130, em casos de desaparecimento do militar). A publicação do ato oficial correspondente em Diário Oficial, em Boletim ou em Ordem de Serviço de sua organização militar é o marco temporal do desligamento, não podendo exceder 45 dias da data da primeira publicação oficial. Ultrapassado o prazo, o militar será considerado desligado da organização a que estiver vinculado, deixando de contar tempo de serviço, para fins de transferência para a inatividade.

- A estabilidade no serviço militar somente é alcançada após 10 anos de efetivo serviço para praças, nos termos do art. 50, IV, “a” da Lei nº 6.880/1980 – a se destacar que a referência à praça de carreira somente foi prevista com as alterações promovidas pela Lei nº 13.954/2019.

- Não há direito subjetivo ao engajamento ou reengajamento, sendo que o militar temporário passa para a reserva não remunerada desde o licenciamento, devendo constar do ato a causa determinante da exclusão do serviço ativo.

- O Poder Judiciário não pode impor prorrogações além das previstas para o serviço militar temporário, e o controle judicial do mérito de atos discricionários da administração pública somente é possível em casos de inequívoca violação de seus limites ou das garantias do devido processo legal.

- No caso em tela, o autor foi incorporado ao Exército Brasileiro em 1º/03/2013, tendo sido licenciado ex officio em 29/02/2016. Conforme atas de inspeção de saúde, realizadas em 06/11/2014, 07/11/2014,  15/10/2015, 06/11/2014, e 14/12/2015, o autor sempre foi considerado  “Apto A" (id 253804834).

- Conforme perícia médica acostadas aos autos, realizada em 16/04/2016, por médica especialista em psiquiatria, o autor foi diagnosticado com transtorno misto ansioso e depressivo. Acrescentou a expert em seu laudo que o autor não apresenta sintomas depressivos no momento do exame pericial indicando que o quadro psiquiátrico está estabilizado. Concluiu, com base nos documentos médicos acostados aos autos, que é possível averiguar que o autor foi inicialmente atendido por psicólogo e, a partir de 16/02/2016, passou a tomar medicamentos para ansiedade e depressão, sendo que, em maio de 2017, estava medicado com dois comprimidos de Sertralina e aparentemente o quadro do autor passou a se estabilizar nos últimos dois anos. Asseverou, ainda, que atualmente a doença do autor está estabilizada e em remissão com o tratamento medicamentoso instituído, ressaltando que no momento do desligamento o autor ainda se encontrava sintomático com crises de ansiedade. Por fim, concluiu que não está caracterizada situação de incapacidade atual para qualquer tipo de atividade (militar ou civil), sob a ótica psiquiátrica, não havendo incapacidade laborativa atual quer para o serviço militar quer para atividades laboriosas civis.

- Do conjunto de provas trazidas aos autos, infere-se que o militar foi diagnosticado com transtorno misto ansioso e depressivo psiquiátrico, mas encontra-se com quadro estabilizado, tendo sido, a partir de fevereiro de 2016, atendido por psicólogo, passando a ser medicado para ansiedade e depressão.  A corroborar a capacidade para outras atividades, tem-se o fato de que o autor passou a exercer atividade civil, em outubro de 2017, com vínculo empregatício até dezembro de 2020 e posteriormente como contribuinte individual, conforme consulta ao CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais.

- Não se mostra desacertada a conduta da Administração Militar ao licenciar o autor, uma vez que não foi constatada a incapacidade total e definitiva, remanescendo capacidade para atividades civis, ainda que não pudesse exercer atividade militar. Destaque-se que, em se tratando de militar temporário, se não constatada a incapacidade total e definitiva, não tem direito o militar a manter-se incorporado e tampouco à reforma.

- O STJ firmou entendimento no sentido de que a aplicabilidade do art. 106, III, da Lei 6.880/1980 deve ter sua abrangência restrita às hipóteses em que não atestada a capacidade posterior do militar, sob pena de por em xeque a racionalidade por trás do diploma legal em referência

- Em que pese a moléstia diagnosticada, remanescendo capacidade para outras atividades, atestada por perícia médica, conclui-se pela legalidade do licenciamento concedido pela Administração Militar, com base em conveniência da Administração, devendo ser destacado ainda que foi concedido ao militar tratamento médico após o licenciamento.

- Apelação da União provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do Código de Processo Civil, a Primeira Turma, por maioria, deu provimento à apelação da União Federal para reconhecer a legalidade do licenciamento, com a improcedência da demanda, nos termos do voto do senhor Juiz Federal Convocado Alessandro Diaferia, acompanhado pelos votos dos senhores Desembargadores Federais Carlos Muta, Nelton dos Santos e Antonio Morimoto; vencido o senhor Desembargador Federal Wilson Zauhy (relator), que lhe negava provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.