RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5001585-96.2022.4.03.6115
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
RECORRIDO: CESAR EMANUEL GUIMENEZ
Advogados do(a) RECORRIDO: EDIVANIA DOS SANTOS MARTINS - SP414731-A, EDNEIDE DOS SANTOS MARTINS - SP421565-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5001585-96.2022.4.03.6115 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP RECORRIDO: CESAR EMANUEL GUIMENEZ Advogados do(a) RECORRIDO: EDIVANIA DOS SANTOS MARTINS - SP414731-A, EDNEIDE DOS SANTOS MARTINS - SP421565-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisão (Id 268507339) proferida pelo Exmo. Juiz Federal Alexandre Carneiro Lima, da 1ª Vara Federal de São Carlos/SP, que reconheceu a incompetência da Justiça Federal para o deslinde da ação penal n° 5001585-96.2022.4.03.6115, em que CÉSAR EMANUEL GUIMENEZ foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 33, caput, combinado com o art. 40, I, ambos da Lei n° 11.343/2006, e declinou da competência para a Justiça do Estado de São Paulo. Em suas razões recursais, o órgão de acusação sustenta que os elementos de convicção coligidos ao processo bem demonstram a transnacionalidade do crime, uma vez que o réu foi preso em flagrante enquanto transportava significativa quantidade de pasta base de cocaína em região próxima à fronteira com o Paraguai (Id 268507345). Recebido o recurso, com contrarrazões (Id 268507349), o r. Juízo a quo manteve a decisão em juízo negativo de retratação (Id 268507351). Oficiando nesta instância, a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso interposto pelo órgão de acusação (Id 268865900). É o relatório. Dispensada revisão, na forma regimental.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5001585-96.2022.4.03.6115 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP RECORRIDO: CESAR EMANUEL GUIMENEZ Advogados do(a) RECORRIDO: EDIVANIA DOS SANTOS MARTINS - SP414731-A, EDNEIDE DOS SANTOS MARTINS - SP421565-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisão proferida pelo Exmo. Juiz Federal Alexandre Carneiro Lima, da 1ª Vara Federal de São Carlos/SP, que reconheceu a incompetência da Justiça Federal para o deslinde da ação penal n° 5001585-96.2022.4.03.6115, em que CÉSAR EMANUEL GUIMENEZ foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 33, caput, combinado com o art. 40, I, ambos da Lei n° 11.343/2006, e declinou da competência para a Justiça do Estado de São Paulo. Em suas razões recursais, o órgão de acusação sustenta que os elementos de convicção coligidos ao processo bem demonstram a transnacionalidade do crime, uma vez que o réu foi preso em flagrante enquanto transportava significativa quantidade de pasta base de cocaína em região próxima à fronteira com o Paraguai. Razão assiste ao Ministério Público Federal. É certo que a transnacionalidade do tráfico de drogas enseja a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 70 da Lei n.º 11.343/2006 c.c. art. 109, V, da CF, in verbis: Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal. Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; (...) É relevante salientar que a transnacionalidade difere da antiga internacionalidade, então prevista no diploma revogado, a qual pressupunha transação criminosa envolvendo agentes de dois ou mais Estados soberanos. Para a configuração da transnacionalidade, cujo alcance é mais dilatado, o delito deve, tão-somente, ultrapassar os limites da soberania nacional, com ou sem identificação de vínculo entre nacionais e estrangeiros, de modo que serão as circunstâncias do fato, a natureza e a procedência da substância que servirão para evidenciar se a hipótese é ou não de delito transnacional. Em outras palavras, basta que a droga seja originária de outro país e que não tenha havido interrupção do fluxo de comércio com o exterior, sem outros questionamentos, para que se identifique a transnacionalidade do tráfico de entorpecentes. Se ao menos um dos atos executórios se iniciar fora do território nacional, a competência será da Justiça Federal. Nesse passo, menciono a definição que consta do art. 3º, n. 2, da Convenção Contra o Crime Organizado Transnacional (Decreto n.º 5.015 de 12 de março de 2004): (...) a infração será de caráter transnacional se: a) For cometida em mais de um Estado; b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planeamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado; c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado. No caso concreto, CÉSAR EMANUEL GUIMENEZ foi preso em flagrante por policiais militares rodoviários no Município de São Carlos/SP em 22.09.2022 enquanto transportava, em um automóvel modelo Ford Focus, 44,6Kg (quarenta e quatro quilogramas e seiscentos gramas) de pasta base de cocaína, divididos em 48 (quarenta e oito) tabletes que estavam acondicionados sob o banco traseiro – cuja posição chamou a atenção dos agentes públicos durante a revista veicular, uma vez que estava mal encaixado – e foram trazidos do Paraguai. No veículo também transitavam Luane Caren Guimenez e Kamylla Pereira da Silva, irmã e namorada do réu, respectivamente, que embarcaram no Município de Dourados/MS. Em audiência de instrução e julgamento, os policiais militares rodoviários Pedro Henrique Moreno e Glederson Rodrigo Franchi declararam que durante a abordagem, o réu inicialmente aduziu que havia buscado o entorpecente em Dourados/MS, mas confessou, em delegacia de polícia, que iniciara o transporte da droga no Paraguai e que a levaria até Campinas/SP (Ids 268507315, 268507315 e 268507316). O réu, por sua vez, permaneceu eu silêncio na fase inquisitiva da persecução penal (Id 268507120 – fls. 24/25) e sustentou, em juízo, que pegou o veículo já carregado com a droga em Dourados/MS, após receber ligação de pessoa desconhecida, e que a levaria até Campinas/SP para o que receberia cinco mil reais. Disse, ainda, que desconfiava da ilicitude da carga que transportava, mas que não tinha certeza do que se tratava. Declarou, ademais, que residia em Ponta Porã/MS (Ids 268507322, 268507323 e 268507324). Entretanto, além de Kamylla Pereira da Silva, namorada do réu, ter relatado, em Delegacia de Polícia, que “CESAR mora na cidade de Pedro Juan Caballero, onde o conheceu há menos de um ano” (Id 268507120 – fl. 11) – assertiva que, sob o pretexto do nervosismo, procurou desconstituir em audiência de instrução e julgamento (Ids 268507316, 268507317 e 268507318), o próprio CÉSAR EMANUEL GUIMENEZ, durante sua audiência de custódia, afirmou inequivocamente que residia em Pedro Juan Caballero e repetiu a informação três vezes: inicialmente, relatou que é de Ponta Porã/MS, mas mora “no lado do Paraguai”; indagado sobre seu endereço, confirmou que reside em Pedro Juan Caballero e perguntou se “tem mais problema por ser do Paraguai”; a uma terceira indagação do magistrado singular, reiterou que residia no Paraguai e forneceu seu endereço completo (Rua Humaitá, n° 388 ou 383, bairro Mariscal Estigarribia); foi, enfim, perguntado uma quarta vez sobre o local em que morava, ao que respondeu novamente que era no Paraguai. Na mesma ocasião, aliás, o réu forneceu número de telefone pertencente ao país vizinho (Ids 268507145 e 268507196). Posto isso, é evidente que a tentativa em juízo de ocultar seu verdadeiro endereço foi motivada pela intenção de descaracterizar a transnacionalidade do crime, uma vez que a natureza e quantidade do entorpecente, por si sós já indicadoras de sua origem – uma vez que é sabido que o Brasil não é produtor de cocaína – aliadas ao endereço do réu, demonstram, com segurança, que a viagem foi iniciada no Paraguai. A respeito do tema, já decidiu este Tribunal Regional Federal: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRÁFICO DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE CARACTERIZADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO. 1. Compete à Justiça Federal processar e julgar “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”, nos termos do art. 109, V, da Constituição da República. 2. No tocante aos delitos de tráfico de drogas, o art. 70 da Lei n. 11.343/06 dispõe que serão da competência da Justiça Federal “se caracterizado ilícito transnacional”. 3. Considerados os elementos da fase do inquérito policial, as declarações das testemunhas prestadas em Juízo e as circunstâncias da prática delitiva, em que os acusados foram detidos na região próxima da fronteira com a Bolívia, rota comum do tráfico de cocaína, com 2,705 kg (dois quilogramas, setecentos e cinco gramas) da droga, tem-se a comprovação da transnacionalidade a configurar hipótese de competência da Justiça Federal. 4. Recurso em sentido estrito provido. (TRF 3ª Região, 5ª Turma, - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 5000171-76.2020.4.03.6004, Rel. Desembargador Federal ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW, julgado em 20/05/2020, Intimação via sistema DATA: 27/05/2020) RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CARÁTER TRANSNACIONAL VERIFICADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. O caráter transnacional do delito não depende, necessariamente, de os próprios autores do tráfico terem transposto fronteiras estatais no curso de sua conduta (em regra, a de transportar as drogas), mas sim de um vínculo de internacionalidade que a envolva de maneira minimamente próxima. As circunstâncias demonstram haver elementos sólidos não só no sentido de que o entorpecente proveio do Paraguai (país conhecido mundialmente pela produção de maconha), mas também, de que há um vínculo fático entre a internalização e o posterior transporte da droga pela ré para distribuição. Tratando-se de operações encadeadas entre si, forçosa a conclusão de que se trata de crime de natureza transnacional. Competente a Justiça Federal, nos termos do art. 109, V da Constituição Federal. Recurso em Sentido estrito provido. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ReSe - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 0001166-16.2016.4.03.6005, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 10/03/2023, Intimação via sistema DATA: 15/03/2023) Caracterizada, portanto, a transnacionalidade do crime de tráfico de drogas, deve ser provido o Recurso em Sentido Estrito interposto pelo órgão de acusação, com a consequente manutenção da ação penal na esfera da Justiça Federal CONCLUSÃO Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO ao RECURSO EM SENTIDO ESTRITO interposto pelo Ministério Público Federal, a fim de reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito. É o voto.
E M E N T A
PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, COMBINADO COM O ART. 40, I, AMBOS DA LEI Nº 11.343/2006. DECISÃO QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DO PROCESSO PARA A JUSTIÇA ESTADUAL. TRANSNACIONALIDADE DEMONSTRADA. AÇÃO PENAL CUJO JULGAMENTO COMPETE À JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.
- A competência da Justiça Federal relativamente ao tráfico transnacional de drogas possui assento constitucional e legal, e natureza absoluta, face à caracterização do interesse da União na hipótese de transnacionalidade do delito, a qual faz incidir o art. 109, V, da Constituição Federal, que firma a competência funcional de juízes federais em relação ao chamado "crime à distância" (cujas etapas de consumação ou exaurimento perpassem por, pelo menos, dois países distintos), bem como em razão do disposto no art. 70, caput, da Lei nº 11.343/2006.
- O réu foi preso em flagrante por policiais militares rodoviários no Município de São Carlos/SP enquanto transportava, em um automóvel modelo Ford Focus, 44,6Kg (quarenta e quatro quilogramas e seiscentos gramas) de pasta base de cocaína, divididos em 48 (quarenta e oito) tabletes que estavam acondicionados sob o banco traseiro. A natureza e quantidade do entorpecente, por si sós já indicadoras de sua origem – uma vez que é sabido que o Brasil não é produtor de cocaína – aliadas ao endereço do réu, que, em audiência de custódia, declarou que residia no Paraguai, e, enfim, às palavras em juízo dos agentes públicos responsáveis pela apreensão, que relataram que o réu, em Delegacia de Polícia, confessou informalmente que trouxe o entorpecente do país vizinho, permitem concluir-se, com segurança, pela transnacionalidade do crime.
- Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal provido, a fim de reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito.