APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5029509-69.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO BARAO DE MAUA DE DEFESA DE VITIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO
Advogado do(a) APELANTE: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A
APELADO: BANCO BRADESCO SA
Advogados do(a) APELADO: EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM - SP118685-A, FERNANDO ANSELMO RODRIGUES - SP132932-A, JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO - SP12363-A, RICARDO VINICIUS EID FRENEDA - SP323504-A
OUTROS PARTICIPANTES:
ASSISTENTE: INSTITUTO BARÃO DE MAUÁ DE DEFESA DE VÍTIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES
TERCEIRO INTERESSADO: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5029509-69.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO BARAO DE MAUA DE DEFESA DE VITIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES Advogado do(a) APELANTE: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A APELADO: BANCO BRADESCO SA Advogados do(a) APELADO: EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM - SP118685-A, JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO - SP12363-A OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: INSTITUTO BARÃO DE MAUÁ DE DEFESA DE VÍTIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES R E L A T Ó R I O Trata-se de dupla apelação e remessa oficial, tida por submetida, à sentença que, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o Banco do Bradesco S/A visando à devolução do valor cobrado dos correntistas a título de taxa ou tarifa pela compensação de cheques de baixo valor e ao pagamento de indenização pelo dobro do ganho ou no valor de R$ 50.000.000,00 a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, julgou improcedente a pretensão autoral, nos termos do artigo 487, I, do CPC, sob o fundamento de que inexiste abusividade na cobrança impugnada. O feito foi extinto sem resolução do mérito, na forma do art. 485, inc. IV, CPC, em relação ao Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores, o qual foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Apelou o Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores (ID 39869650 e 39869651), alegando, em suma, (1) preliminarmente, a sua legitimidade ativa na presente demanda e a impossibilidade de condenação de honorários sucumbenciais, em razão do que determina o artigo 18 da Lei 7.347/1985; e no mérito sustenta (2) a necessidade de reforma da sentença pois a Resolução 3.518, de 06/12/2007 do Bacen não serve de anistia e não havia antes dela fundamento legal para essa cobrança de cunho arrecadatório; (3) a aplicabilidade do CDC ao caso; (4) a cobrança indevida gerou enriquecimento sem causa do Banco Apelou, por sua vez, o Ministério Público Federal, alegando, em suma que (1) mesmo antes da edição da Resolução BACEN 3.518/2007, a cobrança, pelas instituições financeiras, de taxa pela emissão de cheque de baixo valor já era vedada por nomas constitucionais e consumeristas; e (2) a tarifa de emissão de cheque de baixo valor, por um lado, não encontra correspondência em qualquer atividade que configure prestação de serviço por parte da instituição financeira, bem como, por outro lado, constitui serviço intrínseco à relação entre cliente e banco, cuja cobrança se mostra irregular e provoca prejuízo tão somente em desfavor de pequenos correntistas, traduzindo-se em violação à isonomia e em enriquecimento ilícito da Ré. Houve contrarrazões. O parecer ministerial foi pelo provimento das apelações e da remessa oficial, para o fim de julgar procedente a Ação Civil Pública. É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A
DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY: Acompanho o voto do Relator para (i) reconhecer a legitimidade ativa do Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores, tal como já decidido por esta Turma no agravo de instrumento n° 0010883-35.2010.4.03.0000, (ii) declarar a abusividade da cobrança de tarifa para pagamento e compensação de cheques de baixo valor e (iii) condenar o banco réu à devolução da tarifa indevidamente cobrada de seus correntistas. Consigno que, em caso relativamente semelhante, esta Turma condenou a Caixa Econômica Federal à restituição em dobro dos valores indevidamente cobrados (TRF3, Apelação Cível n° 0008319-33.2007.4.03.6000/MS, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy, Primeira Turma, julgamento em 09/04/2019, e-DJF3: 22/05/2019). Nada obstante, o MPF não deduziu pedido de restituição em dobro neste caso (ID 39869414 - pág. 14). Peço-lhe vênia, no entanto, para divergir quanto ao alegado dano moral coletivo. Inicialmente, destaco que tenho decidido pela impossibilidade de o Ministério Público Federal postular reparação por dano moral, por entender que nenhum ente estatal é omni-titular de qualquer espécie de segmento moral (individual ou coletivo). Nada obstante, no caso concreto estamos a admitir o Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores, de sorte que tenho por superada essa preliminar. De toda forma, reputo impossível acolher o pedido de dano moral coletivo. Com efeito, o C. Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a possibilidade de fixação de indenização por dano moral coletivo nas hipóteses em que se verifica lesão a "interesses essencialmente coletivos", que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais", como exemplifica o seguinte precedente: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ALIENAÇÃO DE TERRENOS A CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA EM LOTEAMENTO IRREGULAR. PUBLICIDADE ENGANOSA. ORDENAMENTO URBANÍSTICO E DEFESA DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. CONCEPÇÃO OBJETIVA DO DANO EXTRAPATRIMONIAL TRANSINDIVIDUAL. 1. O dano moral coletivo caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando um dever de reparação, que tem por finalidade prevenir novas condutas antissociais (função dissuasória), punir o comportamento ilícito (função sancionatório-pedagógica) e reverter, em favor da comunidade, o eventual proveito patrimonial obtido pelo ofensor (função compensatória indireta). 2. Tal categoria de dano moral — que não se confunde com a indenização por dano extrapatrimonial decorrente de tutela de direitos individuais homogêneos — é aferível in re ipsa, pois dimana da lesão em si a "interesses essencialmente coletivos" (interesses difusos ou coletivos stricto sensu) que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais" (REsp 1.473.846/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21.02.2017, DJe 24.02.2017), revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo à integridade psicofísica da coletividade. 3. No presente caso, a pretensão reparatória de dano moral coletivo, deduzida pelo Ministério Público estadual na ação civil pública, tem por causas de pedir a alienação de terrenos em loteamento irregular (ante a violação de normas de uso e ocupação do solo) e a veiculação de publicidade enganosa a consumidores de baixa renda, que teriam sido submetidos a condições precárias de moradia. 4. As instâncias ordinárias reconheceram a ilicitude da conduta dos réus, que, utilizando-se de ardil e omitindo informações relevantes para os consumidores/adquirentes, anunciaram a venda de terrenos em loteamento irregular — com precárias condições urbanísticas — como se o empreendimento tivesse sido aprovado pela municipalidade e devidamente registrado no cartório imobiliário competente; nada obstante, o pedido de indenização por dano moral coletivo foi julgado improcedente. 5. No afã de resguardar os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha dos consumidores — protegendo-os, de forma efetiva, contra métodos desleais e práticas comerciais abusivas —, o CDC procedeu à criminalização das condutas relacionadas à fraude em oferta e à publicidade abusiva ou enganosa (artigos 66 e 67), tipos penais de mera conduta voltados à proteção do valor ético-jurídico encartado no princípio constitucional da dignidade humana, conformador do próprio conceito de Estado Democrático de Direito, que não se coaduna com a permanência de profundas desigualdades, tal como a existente entre o fornecedor e a parte vulnerável no mercado de consumo. 6. Nesse contexto, afigura-se evidente o caráter reprovável da conduta perpetrada pelos réus em detrimento do direito transindividual da coletividade de não ser ludibriada, exposta à oferta fraudulenta ou à publicidade enganosa ou abusiva, motivo pelo qual a condenação ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial coletivo é medida de rigor, a fim de evitar a banalização do ato reprovável e inibir a ocorrência de novas e similares lesões. 7. Outrossim, verifica-se que o comportamento dos demandados também pode ter violado o objeto jurídico protegido pelos tipos penais descritos na Lei 6.766/1979 (que dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos), qual seja: o respeito ao ordenamento urbanístico e, por conseguinte, a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, valor ético social — intergeracional e fundamental — consagrado pela Constituição de 1988 (artigo 225), que é vulnerado, de forma grave, pela prática do loteamento irregular (ou clandestino). 8. A quantificação do dano moral coletivo reclama o exame das peculiaridades de cada caso concreto, observando-se a relevância do interesse transindividual lesado, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, o proveito obtido com a conduta ilícita, o grau da culpa ou do dolo (se presente), a verificação da reincidência e o grau de reprovabilidade social (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 163-165). O quantum não deve destoar, contudo, dos postulados da equidade e da razoabilidade nem olvidar os fins almejados pelo sistema jurídico com a tutela dos interesses injustamente violados. 9. Suprimidas as circunstâncias específicas da lesão a direitos individuais de conteúdo extrapatrimonial, revela-se possível o emprego do método bifásico para a quantificação do dano moral coletivo a fim de garantir o arbitramento equitativo da quantia indenizatória, valorados o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do caso. 10. Recurso especial provido para, reconhecendo o cabimento do dano moral coletivo, arbitrar a indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a incidência de juros de mora desde o evento danoso. (STJ, REsp n° 1.539.056/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe: 18/05/2021). No caso concreto, não vislumbro lesão a valores essenciais à sociedade, uma vez que o réu tão somente promoveu a cobrança de tarifa bancária indevida, não havendo, aí, tamanha imoralidade ou significativos efeitos deletérios à sociedade, a ponto de ensejar a configuração de um dano moral coletivo. Para efeito de comparação, veja-se que, no precedente mencionado, os réus estavam a vender terrenos em loteamento irregular como se regular fosse, daí decorrendo sérias lesões aos direitos individuais dos adquirentes e aos direitos difusos dos consumidores, dado o teor da publicidade enganosa ali empregada. Situação diversa - e muito mais amena - é a do presente feito, em que houve apenas cobrança de tarifa pela emissão de cheque de baixo valor. Referida tarifa, sem dúvidas, é ilegal, como bem consignou o Relator. Mas não vejo como afirmar que essa prática lese tão gravemente direitos da coletividade. Demais disso, o mesmo Tribunal da Cidadania já decidiu que a lesão a direitos individuais homogêneos não dá ensejo ao dano moral coletivo, in verbis: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral. Precedentes. 2. Independentemente do número de pessoas concretamente atingidas pela lesão em certo período, o dano moral coletivo deve ser ignóbil e significativo, afetando de forma inescusável e intolerável os valores e interesses coletivos fundamentais. 3. O dano moral coletivo é essencialmente transindividual, de natureza coletiva típica, tendo como destinação os interesses difusos e coletivos, não se compatibilizando com a tutela de direitos individuais homogêneos. 4. A condenação em danos morais coletivos tem natureza eminentemente sancionatória, com parcela pecuniária arbitrada em prol de um fundo criado pelo art. 13 da LACP - fluid recovery -, ao passo que os danos morais individuais homogêneos, em que os valores destinam-se às vítimas, buscam uma condenação genérica, seguindo para posterior liquidação prevista nos arts. 97 a 100 do CDC. 5. Recurso especial a que se nega provimento". (STJ, REsp n° 1.610.821/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe: 26/02/2021) (destaquei). Com efeito, o caso dos autos é tipicamente de tutela de direitos individuais homogêneos, uma vez que os atos ilícitos do réu consistiram na cobrança indevida de tarifa de clientes específicos - configurando, portanto, lesões a direitos individuais subjetivos, decorrentes de uma origem comum, na forma do artigo 81, parágrafo único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor. Em se tratando de tutela de direitos individuais homogêneos, não há que se falar em dano moral coletivo. Ante o exposto, divirjo para rejeitar o pedido de indenização por dano moral coletivo, acompanhando, no mais, o voto do E. Relator. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5029509-69.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO BARAO DE MAUA DE DEFESA DE VITIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO
Advogado do(a) APELANTE: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A
APELADO: BANCO BRADESCO SA
Advogados do(a) APELADO: EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM - SP118685-A, JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO - SP12363-A
V O T O – V I S T A
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:
Pedi vista dos autos para melhor estudar a questão aqui debatida diante de sua relevância. Após minuciosa análise do recurso, não tenho dúvidas em acompanhar o voto do Eminente Relator que nega provimento ao agravo interno.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5029509-69.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO BARAO DE MAUA DE DEFESA DE VITIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO
Advogado do(a) APELANTE: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A
APELADO: BANCO BRADESCO SA
Advogados do(a) APELADO: EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM - SP118685-A, JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO - SP12363-A
OUTROS PARTICIPANTES:
ASSISTENTE: INSTITUTO BARÃO DE MAUÁ DE DEFESA DE VÍTIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A
V O T O
Senhores Desembargadores, a presente ação civil pública foi ajuizada em 09/06/2008, inicialmente pelo Ministério Público Federal em face do Banco do Bradesco S/A, para condenar a ré à devolução do valor cobrado dos correntistas a título de taxa ou tarifa pela compensação de cheques de baixo valor e ao pagamento de indenização pelo dobro do ganho ilícito, ou no valor de R$ 50.000.000,00, a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
A inicial foi fundamentada, em síntese na violação do Código de Defesa do Consumidor, na abusividade da cláusula que estipulava a cobrança ilegal, na violação do princípio da isonomia, no enriquecimento ilícito da ré, constando o seguinte pedido (ID. 39869414, f. 14/15):
"(...)
c) condenação da ré a promover o ressarcimento do valor ilicitamente auferido durante todo o período de cobrança de taxa pela compensação de cheque de 'baixo valor', o qual será apurado na instrução, corrigido monetariamente e incidência de juros;
d) condenação da ré ao pagamento de indenização no montante de duas vezes o valor do ganho ilícito obtido durante todo o período de cobrança de taxa pela compensação de cheque de 'baixo valor' ou no valor de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), o que for maior, a ser revertida ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos - FDD, ex vi do disposto no artigo 13 da Lei 7.347/1985 c/c artigo 2º,I, do Decreto 1.306/1994;
e) a condenação da ré nos ônus de sucumbência."
O Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores integrou a lide como litisconsorte ativo (ID.39869425, f. 2/5 e 39869559, f. 1/7.). O juízo de 1º grau acolheu impugnação em relação ao ingresso do Instituto. A questão chegou a este Tribunal, que reconheceu a sua legitimidade ativa (Agravo Legal em Agravo de Instrumento 0010883-35.2010.4.03.0000)
A sentença excluiu o Instituto Barão de Mauá da lide, por falta de apresentação do CNPJ e julgou a demanda improcedente, por entender não haver qualquer irregularidade na cobrança da taxa de compensação de cheques de pequeno valor (ID. 39869648, f. 1/13).
Preliminarmente, a legitimação da associação interveniente está expressamente prevista no artigo 5º, § 2º, da Lei 7.347/1985, que autoriza sua habilitação na qualidade de litisconsorte ativo da parte autora, desde que satisfeitas as condições impostas pelos incisos I e II do mesmo artigo.
No caso, a documentação encartada aos autos comprova o atendimento dos requisitos legais, pois a associação está legalmente constituída há mais de um ano e prevê, dentre seus fins institucionais, a defesa dos direitos e interesses dos consumidores, não havendo que se falar na ausência de qualquer documento essencial a subsidiar sua integração ao polo ativo da lide.
Além disso, vê-se que o próprio autor da ação civil pública externou sua concordância com a intervenção requerida, restando evidenciada a legalidade da integração do Instituto Barão de Mauá ao polo ativo da demanda.
Observa-se, ainda, que tal matéria já havia sido oportunamente apreciada e decidida pela Primeira Turma desta Corte Regional, no julgamento do agravo de instrumento nº 0010883-35.2010.4.03.0000 (DJ 27/03/2015), em que foi dado provimento ao recurso da referida associação para determinar sua reintegração ao polo ativo do feito.
De rigor, portanto, o provimento do recurso do Instituto Barão de Mauá, para que seja reconhecida sua legitimidade ativa ad causam e afastada a extinção do feito sem resolução do mérito em relação à associação apelante.
No mérito, sustenta o MPF que tramitou, no âmbito da Procuradoria da República em São Paulo/SP, o Procedimento Administrativo 1.34.001.004794/2005-50, instaurado a partir de denúncia questionando a legalidade da cobrança de taxa pela emissão de cheque de baixo valor por parte das instituições bancárias, e que, em 21/11/2006, foi expedida Recomendação às instituições financeiras, para que se procedesse à extinção da cobrança da mencionada tarifa, não havendo a orientação, contudo, sido atendida pelos bancos.
Alega o Autor que a cobrança de taxa de emissão de cheque de baixo valor pela Instituição Financeira configura prática abusiva, violadora das normas do Código de Defesa do Consumidor e geradora de enriquecimento ilícito da Ré. Pleiteia, assim, a condenação da Requerida à devolução do valor cobrado dos correntistas a título de taxa ou tarifa pela compensação de cheques de baixo valor, bem como ao pagamento de indenização a ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
Não há dúvidas quanto à aplicabilidade das medidas protetivas do consumidor, previstas no Código de Defesa do Consumidor, aos contratos bancários.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que as instituições financeiras, como prestadoras de serviços especialmente contemplados no artigo 3º, §2º, estão submetidas às disposições do Código de Defesa do Consumidor, editando, nesse sentido, a Súmula 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
No mesmo sentido firmou-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.591, DJ 29/09/2006, p. 31, assentando-se que "as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor", excetuando-se da sua abrangência apenas "a definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas na exploração da intermediação de dinheiro na economia".
No caso, a controvérsia subjacente à lide refere-se à análise da legalidade da cobrança de tarifa pela compensação de cheque de baixo valor, devendo a questão ser apreciada sob o prisma constitucional e da legislação consumerista.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece, dentre os direitos consumeristas básicos, a proteção contra práticas ou cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços, nos seguintes termos:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
O mesmo diploma, em seu art. 39, inc. V, elenca, ainda, dentre as práticas abusivas, a exigência, por parte de fornecedor, de vantagem manifestamente excessiva:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(...)
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
No que concerne, especificamente, à disciplina da remuneração dos serviços bancários, facultava-se às instituições financeiras, até a edição da Resolução BACEN 3.518/2007, a cobrança de tarifas pela prestação de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles definidos como básicos pela normatização de regência (Resolução BACEN 2.303/1996), desde que efetivamente contratados e prestados ao cliente, devendo apenas ser observada a transparência da política de preços adotada pela instituição, mediante a fixação de tabela com menção aos fatos geradores e os respectivos valores e a disponibilização nos extratos da razão para os lançamentos.
A partir da Resolução 3.518/2007 – que tem por objeto regulamentar as operações decorrentes de contratos de depósito, de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, de prestação de serviços ou de aplicação financeira –, a cobrança de tarifas passou a se limitar aos serviços taxativamente previstos na normativa do BACEN, sendo vedada para os demais, entendidos como essenciais e vinculados à prestação e ao bom funcionamento dos serviços de conta corrente e conta poupança.
No que tange à cobrança, pelas instituições bancárias, pelo serviço de compensação de cheques em função do valor transacionado, o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes no sentido de que tal conduta constitui prática abusiva, por violação aos artigos 6°, IV, e 39, inciso V, ambos do Código de Defesa do Consumidor, ainda que no período anterior à vigência da Resolução BACEN 3.518/2007, sob o fundamento de tratar-se de serviço estritamente vinculado ao efetivo cumprimento das obrigações inerentes ao contrato formalizado junto à instituição financeira, não constituindo atividade excepcional e diferenciada que justifique a cobrança de tarifas bancárias.
Confira-se:
REsp 1.208.567, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 10/3/2014: "RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TAXA PARA COMPENSAÇÃO DE CHEQUES DE VALOR IGUAL OU SUPERIOR A CINCO MIL REAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO. RESOLUÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. INOCORRÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ESPECIAL. ABUSIVIDADE RECONHECIDA.
1. Demanda coletiva proposta por associação nacional postulando o reconhecimento da abusividade da cobrança de tarifa pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) para a compensação de cheques emitidos com valor igual ou superior a R$ 5.000,00.
2. Inocorrência de maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, não estando o magistrado obrigado a rebater, um a um, os argumentos deduzidos pelas partes.
2. A regra do artigo 81, inciso III, do CDC autoriza expressamente a defesa coletiva dos chamados direito individuais homogêneos. Doutrina e jurisprudência.
3. Não conhecimento do recurso especial quando a orientação do STJ firmou-se no mesmo sentido da decisão recorrida. Súmula n.º 83/STJ.
4. A Resolução n.º 3.919/10, veda expressamente a cobrança de tarifas em contraprestação de serviços essenciais às pessoas naturais.
5. Não demonstrada a efetiva prestação de serviço especial a justificar a cobrança da referida taxa de compensação de cheques, deve ser reconhecida a sua abusividade.
6. Recurso especial desprovido"
REsp 1.762.979, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 06/02/2019: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. TAXA PARA COMPENSAÇÃO DE CHEQUES DE VALOR IGUAL OU SUPERIOR A CINCO MIL REAIS. RESOLUÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ESPECIAL. ABUSIVIDADE RECONHECIDA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
A controvérsia diz respeito à configuração de eventual abusividade pela cobrança da tarifa pela compensação de cheque de baixo valor (até R$ 40,00). A respeito desta questão, a Terceira Turma do STJ já se manifestou no sentido do reconhecimento da abusividade da aludida tarifa. A propósito:
“RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TAXA PARA COMPENSAÇÃO DE CHEQUES DE VALOR IGUAL OU SUPERIOR A CINCO MIL REAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO. RESOLUÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. INOCORRÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ESPECIAL. ABUSIVIDADE RECONHECIDA.
1. Demanda coletiva proposta por associação nacional postulando o reconhecimento da abusividade da cobrança de tarifa pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) para a compensação de cheques emitidos com valor igual ou superior a R$ 5.000,00. 2. Inocorrência de maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, não estando o magistrado obrigado a rebater, um a um, os argumentos deduzidos pelas partes. 2. A regra do artigo 81, inciso III, do CDC autoriza expressamente a defesa coletiva dos chamados direito individuais homogêneos. Doutrina e jurisprudência. 3. Não conhecimento do recurso especial quando a orientação do STJ firmou-se no mesmo sentido da decisão recorrida. Súmula n.º 83/STJ. 4. A Resolução n.º 3.919/10, veda expressamente a cobrança de tarifas em contraprestação de serviços essenciais às pessoas naturais. 5. Não demonstrada a efetiva prestação de serviço especial a justificar a cobrança da referida taxa de compensação de cheques, deve ser reconhecida a sua abusividade. 6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO (REsp n. 1.208.567/RS, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, DJe 10/3/2014)”.
No caso dos autos, o Tribunal de origem considerou válida a tarifa para emissão de cheque de pequeno valor, conforme se observa dos trechos a seguir transcritos:
“Neste contexto, a liberalidade exercida pela requerida no sentido de conceder isenção ao serviço de compensação de cheques com valores acima de R$ 40,00 (quarenta reais) não afronta o sistema de proteção consumerista, muito menos a ordem constitucional, na medida em que é inerente ao exercício da atividade bancária dispensar tratamento diferenciado de acordo com o perfil e o relacionamento que os clientes mantêm com os bancos. Outrossim, a generalização e a distribuição indiscriminada dos custos das operações bancárias a todos os clientes oneraria aqueles que não gozam do serviço, violando o princípio da isonomia sob o aspecto material (e-STJ, fl. 546)”.
Desse modo, nota-se que a conclusão do acórdão recorrido destoa do entendimento firmado por esta Corte Superior, devendo por isso ser reformado. Nessas condições, com fundamento no art. 255 do RISTJ (com a nova redação que lhe foi dada pela emenda nº 22 de 16/3/2016, DJe 18/3/2016), DOU PROVIMENTO ao recurso especial reconhecer a abusividade da cobrança de tarifa para pagamento e compensação de cheque emitido em valor inferior a R$ 40,00 (quarenta reais) e condenar ITAÚ UNIBANCO à devolução da tarifa indevidamente cobrada de seus correntistas."
Infere-se, portanto, que, consoante a legislação de regência e a orientação jurisprudencial, a apreciação da legalidade da cobrança de tarifas bancárias pelas instituições financeiras deve se pautar pela análise da natureza do serviço prestado pela instituição aos seus clientes, de forma que, tratando-se a compensação de cheque de atividade intrínseca ao bom funcionamento e à prestação dos serviços regulares de conta corrente e conta poupança, mostra-se abusiva a sua cobrança.
Tal entendimento veio a ser consolidado pelos termos da Resolução BACEN 3.518/2007 – que vedou expressamente a tarifação pelo bancos de serviços entendidos como essenciais –, porém o reconhecimento da abusividade da cobrança pela tarifa em exame deve se estender também ao período precedente à aludida regulamentação, sob pena de incorrer-se em convalidação de prática manifestamente lesiva ao princípio constitucional da isonomia (artigo 5°, CF), bem como aos direitos básicos do consumidor (artigos 6°, IV, e 39,V, CDC).
Nesse sentido, é relevante notar que o estabelecimento de tarifa pela compensação de cheques, definida com base na importância veiculada na ordem de pagamento constante do título, consubstancia tratamento injustificadamente desigual em detrimento dos consumidores que emitem cheques considerados de baixo valor e, por conseguinte, caracteriza flagrante violação ao princípio da isonomia. Tal princípio possui elevada densidade normativa e sua observância impõe-se também às relações jurídicas de direito privado, por força da eficácia diagonal dos direitos fundamentais, notadamente àquelas marcadas pela desigualdade entre os particulares, nas quais há um contraponto entre o poder econômico e a vulnerabilidade da parte cujo direito é violado (art. 4º, § 2º, do CDC).
Conforme sedimentado pelo STF, no leading case RE 201.819/RJ (Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ 27/10/2006), “a autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais”.
Observa-se, ainda, que, no que concerne à sistemática do serviço cuja cobrança é impugnada na presente demanda, “o parecer do Setor Pericial do Ministério Público Federal (MEMO nº 038/08 – NUM 39869419) esclarece que a compensação realizada entre as instituições financeiras é um processo importante para o sistema à medida que agiliza as operações realizadas, permitindo a integração das instituições para que, ao final de cada dia, transfiram às suas congêneres apenas os saldos (ou diferenças) entre o valor total das ordens de pagamentos emitidas (cheques) e recebidas. Ou seja, o processo de compensação de cheques envolve a prestação de serviço bancário, independentemente do seu valor (...) o processo de compensação é feito pelas instituições financeiras de forma integrada em relação a quaisquer cheques emitidos, independentemente de seus valores” (ID 65544313).
Depreende-se, portanto, que a cobrança de tarifa pela compensação de cheques de baixo valor não representa, efetivamente, uma contraprestação a um serviço prestado ao cliente da instituição financeira, mas sim uma tarifação imposta injustificadamente a parcela dos consumidores que decorre de um serviço prestado, em verdade, às próprias instituições financeiras participantes do sistema, e não aos clientes destas instituições.
A Recorrida, por sua vez, não logrou demonstrar que a compensação de cheques em determinada faixa de valor represente efetiva contraprestação de um serviço excepcional e diferenciado que possa justificar sua tarifação, sendo, portanto, forçoso reconhecer tratar-se de prática abusiva que impõe ao consumidor desvantagem excessiva.
Em suma, encontra-se caracterizado o descumprimento contratual por parte da Apelada, que, na cobrança indevida pelos serviços de compensação de cheques de baixo valor, incorreu em violação ao pacta sunt servanda, bem como à isonomia, à probidade e à boa-fé objetiva (artigos 113 e 422, do Código Civil), a qual, por sua vez, constitui derivação do próprio paradigma da eticidade, que rege o Direito Civil.
Por conseguinte, eventual cláusula contratual que sirva de fundamento à cobrança da referida tarifa deve ser declarada nula, na forma do artigo 51, IV e XV, do Código de Defesa do Consumidor.
Configurado o dano a um bem juridicamente tutelado, impõe-se a restauração deste ao seu status quo ante, restabelecendo-se o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima.
No caso, reconhecido o caráter abusivo da cobrança de tarifa pela emissão de cheque de baixo valor e, por conseguinte, caracterizado o enriquecimento sem causa por parte da Recorrida, impõe-se a condenação da Ré, na forma do artigo 884, do Código Civil, à restituição, em favor dos consumidores que emitiram cheques no valor tarifado, da importância auferida pela Instituição Financeira durante todo o período de cobrança indevida.
Como é cediço, referindo-se a pretensão autoral, neste ponto, à tutela de direitos individuais homogêneos, o provimento jurisdicional exarado na fase de conhecimento deve ser genérico e abranger tão somente os elementos comuns, integrante do núcleo de homogeneidade do direito coletivamente tutelado (artigo 95, do CDC), sendo reservada à ação de liquidação a individualização completa do objeto da prestação, mediante cognição específica sobre as situações individuais de cada um dos lesados (artigo 97, do CDC).
Portanto, os valores a serem restituídos deverão ser apurados em sede de liquidação imprópria, onde se procederá à individualização das situações específicas de cada um dos lesados, apurando-se o montante devido a título de reparação pela conduta lesiva (quantum debeatur), como também a efetiva configuração do dano individualmente sofrido em cada caso e o respectivo nexo de causalidade (an debeatur).
Quanto ao pedido de condenação da Instituição Financeira Ré ao pagamento de compensação pecuniária por danos morais coletivos, a ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), também assiste razão ao autor.
O FDD – instituído a partir dos artigos 13 e 20, da Lei 7.347/1985, e regulado pela Lei 9.008/1995 e pelo Decreto 1.306/1994 – constitui instrumento legal destinado a assegurar a reparação integral (restitutio in integrum) por danos patrimoniais e morais causados a direitos difusos e coletivos, nas hipóteses em que não seja possível a reparação in natura.
Nos termos dos §§ 1º e 3º do art. 1º da Lei 9.008/1995, as indenizações pecuniárias destinadas ao FDD têm por finalidade a reparação de danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos, destinando-se à recuperação destes bens e à promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano causado.
Estabelecidas tais premissas, observo que, no caso em apreço, encontram-se presentes todos os elementos configuradores do dano extrapatrimonial e da responsabilidade da Ré pelo evento lesivo.
Consoante exposto, a conduta adotada pela Apelada consubstanciou-se em tratamento desigual os clientes que emitem cheques de determinado valor, impondo-lhes a cobrança indevida de tarifas, com o escopo de desestimular a prestação de serviços contratados e já cobrados dos correntistas e submeter-lhes a situação de desvantagem excessiva, restando caracterizada, assim, notória violação a princípios constitucionais (artigos 5º, caput e I e XXXII; e 170,V, CF, ao paradigma da eticidade (artigos 113 e 422, CC), e às normas do Código de Defesa do Consumidor (artigos 6°, IV, e 39, V), configurando ofensa à dignidade dos consumidores e a seus interesses econômicos.
Mostra-se de rigor, portanto, a reparação pelos danos causados à coletividade.
Reconhecida a ocorrência do dano extrapatrimonial (an debeatur), passo à sua quantificação (quantum debeatur).
Os tribunais trazem parâmetros para a sua fixação. Desta forma, o C. Superior Tribunal de Justiça fixou diretrizes para a quantificação das compensações pecuniárias, orientando que esta deve ser determinada segundo o critério da razoabilidade e do não enriquecimento sem causa, nos seguintes moldes, in verbis:
REsp n. 214.381/MG, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 29/11/1999, p. 171: "A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de suas experiências e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso."
Ressalte-se, ainda, que a condenação em tais casos deve se dar em patamar expressivo, não somente em razão da gravidade da situação concreta, mas também pela necessidade de se coibir reiterações, devendo-se atentar para que a vantagem econômica auferida não se sobreponha aos riscos advindos da violação a direitos constitucionalmente garantidos.
Assim, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e considerando as características do caso concreto, bem como que a condenação tem também como função sancionar o autor do ato ilícito, de forma a desestimular a sua repetição, decido por acolher a pretensão ministerial e fixar a reparação pecuniária no valor de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
Conforme exposto pelo MPF, a estipulação de tal montante teve como parâmetro o valor aproximado da arrecadação da cobrança ilícita realizada em detrimento dos correntistas aos quais foi imposta a denominada Taxa pela Compensação de Cheques de Baixo Valor, durante o período de 5 (cinco) anos, segundo apurado nos autos do Procedimento Administrativo nº 1.34.001.004794/2005-50, instaurado junto à Procuradoria da República em São Paulo/SP.
Ademais, no curso da lide, veio a ser apresentado o Parecer Técnico nº 507/2016, elaborado pela Secretaria de Apoio Pericial da Procuradoria Geral da República (ID 39869642), a partir de dados informados nos autos pela própria Instituição Financeira Ré (ID 39869641), havendo sido apurado que o valor total atualizado efetivamente cobrado pela Requerida, a título de tarifa de emissão de cheques de pequeno valor, corresponde a R$ 149.125.092,29 (cento e quarenta e nove milhões, cento e vinte e cinco mil e noventa e dois reais e vinte e nove centavos).
Assim, o valor indenizatório pleiteado, a título de reparação pelos direitos coletivos lesados, encontra-se pautado em parâmetros razoáveis e objetivamente justificados, correspondendo a aproximadamente um terço do montante ilicitamente auferido pela Apelada, não se mostrando, portanto, desarrazoado ou desproporcional.
Nesses termos, a fixo a indenização em R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), a ser revertida ao FDD, em conformidade com o artigo 13, da Lei 7.347/1985, c/c o artigo 2°, I, do Decreto 1.306/1994.
Ante o exposto, dou provimento aos recursos de apelação para reconhecer a legitimidade ativa ad causam do Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores, afastando a extinção parcial do feito sem resolução do mérito, bem como para declarar a abusividade da cobrança de tarifa para pagamento e compensação de cheques de baixo valor e condenar o “BANCO BRADESCO S/A” à devolução da tarifa indevidamente cobrada de seus correntistas, assim como ao pagamento de indenização, no valor de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), a ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. SUBMISSÃO AO ART. 942 DO CPC/15. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO INSTITUTO BARÃO DE MAUÁ. COBRANÇA DE TARIFA PELA COMPENSAÇÃO DE CHEQUE DE BAIXO VALOR. ILEGALIDADE. PRÁTICA ABUSIVA. CONFIGURAÇÃO. APLICAÇÃO DAS NORMAS PROTETIVAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS. CONDENAÇÃO DO BANCO RÉU À DEVOLUÇÃO DA TARIFA INDEVIDAMENTE COBRADA DE SEUS CORRENTISTAS. DANO MORAL COLETIVO. CONDENAÇÃO. NÃO CABIMENTO.
1. Diante do resultado não unânime, o julgamento teve prosseguimento conforme o disposto no art. 942 do CPC/15.
2. Ação civil pública ajuizada inicialmente pelo Ministério Público Federal em face do Banco do Bradesco S/A, para condenar a ré à devolução do valor cobrado dos correntistas a título de taxa ou tarifa pela compensação de cheques de baixo valor ou no valor de R$ 50.000.000,00, a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
3. A legitimação da associação interveniente (Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores) está expressamente prevista no artigo 5º, § 2º, da Lei 7.347/1985, que autoriza sua habilitação na qualidade de litisconsorte ativo da parte autora, desde que satisfeitas as condições impostas pelos incisos I e II do mesmo artigo.
4. No caso, a documentação encartada aos autos comprova o atendimento dos requisitos legais, pois a associação está legalmente constituída há mais de um ano e prevê, dentre seus fins institucionais, a defesa dos direitos e interesses dos consumidores, não havendo que se falar na ausência de qualquer documento essencial a subsidiar sua integração ao polo ativo da lide.
5. O próprio autor da ação civil pública externou sua concordância com a intervenção requerida, restando evidenciada a legalidade da integração do Instituto Barão de Mauá ao polo ativo da demanda.
6. Tal matéria já havia sido oportunamente apreciada e decidida pela Primeira Turma desta Corte Regional, no julgamento do agravo de instrumento nº 0010883-35.2010.4.03.0000 (DJ 27/03/2015), em que foi dado provimento ao recurso da referida associação para determinar sua reintegração ao polo ativo do feito.
7. De rigor, portanto, o provimento do recurso do Instituto Barão de Mauá, para que seja reconhecida sua legitimidade ativa e afastada a extinção do feito sem resolução do mérito em relação à associação apelante.ad causam
8. No mérito, a controvérsia subjacente à lide refere-se à análise da legalidade da cobrança de tarifa pela compensação de cheque de baixo valor, devendo a questão ser apreciada sob o prisma constitucional e da legislação consumerista.
9. Não há dúvidas quanto à aplicabilidade das medidas protetivas do consumidor, previstas no Código de Defesa do Consumidor, aos contratos bancários.
10. O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que as instituições financeiras, como prestadoras de serviços especialmente contemplados no artigo 3º, § 2º, estão submetidas às disposições do Código de Defesa do Consumidor, editando, nesse sentido, a Súmula 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
11. No mesmo sentido firmou-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.591, DJ 29/09/2006, p. 31, assentando-se que "as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor", excetuando-se da sua abrangência apenas "a definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas na exploração da intermediação de dinheiro na economia".
12. O Código de Defesa do Consumidor estabelece, dentre os direitos consumeristas básicos, a proteção contra práticas ou cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (arts. 6º e 39).
13. No que concerne, especificamente, à disciplina da remuneração dos serviços bancários, facultava-se às instituições financeiras, até a edição da Resolução BACEN 3.518/2007, a cobrança de tarifas pela prestação de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles definidos como básicos pela normatização de regência (Resolução BACEN 2.303/1996), desde que efetivamente contratados e prestados ao cliente, devendo apenas ser observada a transparência da política de preços adotada pela instituição, mediante a fixação de tabela com menção aos fatos geradores e os respectivos valores e a disponibilização nos extratos da razão para os lançamentos.
14. A partir da Resolução 3.518/2007 – que tem por objeto regulamentar as operações decorrentes de contratos de depósito, de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, de prestação de serviços ou de aplicação financeira –, a cobrança de tarifas passou a se limitar aos serviços taxativamente previstos na normativa do BACEN, sendo vedada para os demais, entendidos como essenciais e vinculados à prestação e ao bom funcionamento dos serviços de conta corrente e conta poupança.
15. No que tange à cobrança, pelas instituições bancárias, pelo serviço de compensação de cheques em função do valor transacionado, o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes no sentido de que tal conduta constitui prática abusiva, por violação aos artigos 6°, IV, e 39, inciso V, ambos do Código de Defesa do Consumidor, ainda que no período anterior à vigência da Resolução BACEN 3.518/2007, sob o fundamento de tratar-se de serviço estritamente vinculado ao efetivo cumprimento das obrigações inerentes ao contrato formalizado junto à instituição financeira, não constituindo atividade excepcional e diferenciada que justifique a cobrança de tarifas bancárias.
16. A cobrança de tarifa pela compensação de cheques de baixo valor não representa, efetivamente, uma contraprestação a um serviço prestado ao cliente da instituição financeira, mas sim uma tarifação imposta injustificadamente a parcela dos consumidores que decorre de um serviço prestado, em verdade, às próprias instituições financeiras participantes do sistema, e não aos clientes destas instituições.
17. A Recorrida, por sua vez, não logrou demonstrar que a compensação de cheques em determinada faixa de valor represente efetiva contraprestação de um serviço excepcional e diferenciado que possa justificar sua tarifação, sendo, portanto, forçoso reconhecer tratar-se de prática abusiva que impõe ao consumidor desvantagem excessiva.
18. Caracterizado o descumprimento contratual por parte da Apelada, que, na cobrança indevida pelos serviços de compensação de cheques de baixo valor, incorreu em violação ao pacta sunt servanda, bem como à isonomia, à probidade e à boa-fé objetiva (artigos 113 e 422, do Código Civil), a qual, por sua vez, constitui derivação do próprio paradigma da eticidade, que rege o Direito Civil.
19. Eventual cláusula contratual que sirva de fundamento à cobrança da referida tarifa deve ser declarada nula, na forma do artigo 51, IV e XV, do Código de Defesa do Consumidor.
20. Configurado o dano a um bem juridicamente tutelado, impõe-se a restauração deste ao seu status quo ante, restabelecendo-se o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima.
21. Reconhecido o caráter abusivo da cobrança de tarifa pela emissão de cheque de baixo valor e, por conseguinte, caracterizado o enriquecimento sem causa por parte da Recorrida, impõe-se a condenação da Ré, na forma do artigo 884, do Código Civil, à restituição, em favor dos consumidores que emitiram cheques no valor tarifado, da importância auferida pela Instituição Financeira durante todo o período de cobrança indevida.
22. Referindo-se a pretensão autoral, neste ponto, à tutela de direitos individuais homogêneos, o provimento jurisdicional exarado na fase de conhecimento deve ser genérico e abranger tão somente os elementos comuns, integrante do núcleo de homogeneidade do direito coletivamente tutelado (artigo 95, do CDC), sendo reservada à ação de liquidação a individualização completa do objeto da prestação, mediante cognição específica sobre as situações individuais de cada um dos lesados (artigo 97, do CDC).
23. Os valores a serem restituídos deverão ser apurados em sede de liquidação imprópria, onde se procederá à individualização das situações específicas de cada um dos lesados, apurando-se o montante devido a título de reparação pela conduta lesiva (quantum debeatur), como também a efetiva configuração do dano individualmente sofrido em cada caso e o respectivo nexo de causalidade (an debeatur).
24. Não cabe acolher o pedido de dano moral coletivo. O Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a possibilidade de fixação de indenização por dano moral coletivo nas hipóteses em que se verifica lesão a "interesses essencialmente coletivos", que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais".
25. No caso concreto, não se vislumbra lesão a valores essenciais à sociedade, uma vez que o réu tão somente promoveu a cobrança de tarifa bancária indevida, não havendo, aí, tamanha imoralidade ou significativos efeitos deletérios à sociedade, a ponto de ensejar a configuração de um dano moral coletivo.
26. A cobrança de tarifa pela emissão de cheque de baixo valor é, sem dúvidas, ilegal, mas essa prática não lesa tão gravemente direitos da coletividade.
27. O Tribunal da Cidadania já decidiu que a lesão a direitos individuais homogêneos não dá ensejo ao dano moral coletivo. O caso dos autos é tipicamente de tutela de direitos individuais homogêneos, uma vez que os atos ilícitos do réu consistiram na cobrança indevida de tarifa de clientes específicos - configurando, portanto, lesões a direitos individuais subjetivos, decorrentes de uma origem comum, na forma do artigo 81, parágrafo único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor. Em se tratando de tutela de direitos individuais homogêneos, não há que se falar em dano moral coletivo.
28. Apelação parcialmente provida para (i) reconhecer a legitimidade ativa do Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores, tal como já decidido por esta Turma no agravo de instrumento n° 0010883-35.2010.4.03.0000, (ii) declarar a abusividade da cobrança de tarifa para pagamento e compensação de cheques de baixo valor e (iii) condenar o banco réu à devolução da tarifa indevidamente cobrada de seus correntistas.