Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022744-44.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022744-44.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

 

AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):

 

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União Federal contra decisão do r. Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Ponta Porã/MS, que deferiu parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência formulado em ação civil pública para (...) determinar à União Federal, em coordenação com os demais entes federativos, o fornecimento diário de 40 (quarenta) litros de água potável por pessoa, nas comunidades objeto desta ação (...) Comunidade Indígena Ñande Ru Marangatu (...), pelos meios pertinentes, até o estabelecimento do fornecimento de água potável de forma perene e intermitente, no prazo de 90 (noventa) dias.

Alega a agravante, em breve síntese, que houve equívoco na fixação, pela decisão agravada, de responsabilidade da União para a execução de serviços públicos de saneamento básico, os quais são de competência do Estado e do Município, nos termos do disposto nos arts. 8º e 16 da Lei 11.445/2007.

Afirma que, com base no princípio de especialização, o atendimento aos indígenas não aldeados fica a cargo de Estados e Municípios de modo prioritário, tal como ocorre nas demais ações relacionadas à saúde.

Assevera que não é lícito qualquer investimento ou execução de benfeitorias pela União em terras que não sejam de sua propriedade, sob pena de responsabilização administrativa, civil e penal de quem lhe der causa (...) assim como que (...) a imposição de outra política pública na área em questão, por meio da presente demanda, acaba por conferir ao autor a prerrogativa de se transformar no verdadeiro gestor das políticas públicas, em franca ofensa às regras de competências materiais dos entes federativos, de organização administrativa e ao próprio princípio da separação de poderes (ID 196251549).

Apresentou o Ministério Público Federal contraminuta (ID 274534800), opinando, na qualidade de custos legis, pelo desprovimento do recurso (ID 261053613).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022744-44.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

 

AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):

 

Não assiste razão à agravante.

Há de se enfocar o presente recurso sob o ângulo da necessidade de prover os habitantes da Comunidade Indígena Ñande Ru Marangatu com água potável, de forma perene e intermitente, imprescindível à preservação de suas vidas.

Versa, destarte, a demanda em questão sobre o direito fundamental à vida e, pois, à saúde, cuja proteção é pressuposto do direito à vida. O direito à vida está assegurado, como inalienável, logo no caput, do art. 5º da Lex Major. Portanto, como direito a ser primeiramente garantido pelo Estado brasileiro, isto é, pela República Federativa do Brasil, tal como se define o estatuto político-jurídico desta Nação.

Na forma do art. 196 da Constituição da República: A saúde é direito de todos e dever do Estado. Assim, sendo o Estado brasileiro o titular da obrigação de promover os meios assecuratórios da vida e da saúde de seus súditos, e constituindo-se este pelo conjunto das pessoas políticas, quais sejam, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, emerge o entendimento de que todas essas pessoas de direito público interno são responsáveis, nos termos da Constituição, pela vida e pela saúde dos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil.

Por sua vez, o art. 23, X do mesmo texto prevê que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover a melhoria das condições de saneamento básico, o que corrobora a responsabilidade solidárias de todos os entes federados pela omissão no fornecimento diário de água potável na comunidade em questão.

Por outro lado, não há que se falar em burla ao Princípio da Separação de Poderes.

Ao Poder Judiciário cabe fazer valer o ordenamento jurídico nacional, prestigiando e assegurando a eficácia de cada uma das normas da Constituição e das leis, inclusive quando a decisão judicial tenha por fito obrigar as instituições públicas e privadas, a fazer cumpri-las.

A Constituição de 1934 proibia o Poder Judiciário de decidir questões políticas. Eis a redação do artigo 68: É vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas. Da mesma forma, a Carta de 1937, por seu artigo 94: É vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas.

Atualmente, porém, não existe previsão de regra semelhante, ao contrário, o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário impõe ampla e irrestrita abrangência da função jurisdicional, na forma do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República de 1988, que dispõe que (...) a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Como nos ensina Kazuo Watanabe, (...) a problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa (Acesso à Justiça e sociedade moderna. Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, pp. 128).

Tanto é assim, que o c. Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, já se pronunciou sobre a possibilidade de o Poder Judiciário garantir a prestação de direitos constitucionais, desde que reconhecidos como essenciais a partir da interpretação do Texto Magno, bem assim de aferir a constitucionalidade de atos dos demais Poderes, sem que isso implique violação à separação de poderes. Vejam-se, nesse sentido, os seguintes enunciados:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO VERIFICADA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES.

1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos poderes, inserto no art. 2º da Constituição Federal.

2. Agravo regimental não provido, sem majoração da verba honorária, tendo em vista a ausência de sua fixação pela origem.

(STF, RE 1.392.657 AgR/CE, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, j. 19/12/2022, Publicação: 24/02/2023)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ÁREA COM RISCO DE DESABAMENTO. MONITORAMENTO. FATOS E PROVAS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279/STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. OFENSA. INOCORRÊNCIA. SUBSISTÊNCIA DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I - Consoante a Súmula 279/STF, é inviável, em recurso extraordinário, o reexame do conjunto fático-probatório da causa.

II - A jurisprudência da Corte é no sentido de que o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente previstos, sem que isso configure violação do princípio da separação dos poderes.

III - Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF, ARE 1343059 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, j. 06/12/2021, Publicação 13/12/2021)

 

Da mesma forma, esse é o entendimento do c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTENTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. SAÚDE PÚBLICA. REALIZAÇÃO DE OBRAS E ADEQUAÇÕES NECESSÁRIAS EM HOSPITAL MUNICIPAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA SE RESTABELECER A SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO DA SUPREMA CORTE DA POSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TAIS CASOS, EXCEPCIONALMENTE. PRECEDENTES: AGRG NO ARE 886.710, REL. MIN. ROSA WEBER, DJE 19.11.2015 E AGRG NO RE 669.635, REL. MIN. DIAS TOFFOLI, DJE 13.4.2015. EXISTÊNCIA DE PRECEDENTES TAMBÉM DESTA CORTE: AGRG NO RESP. 1.366.329/RS, REL. MIN. HUMBERTO MARTINS, DJE 15.9.2014 E RESP. 1.367.549/MG, REL. MIN. HUMBERTO MARTINS, DJE 8.9.2014. NÃO COMPETE AO STJ, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, APRECIAR DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS, SOB PENA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O STF firmou entendimento de que não ofende o princípio da separação de poderes, a atuação do Poder Judiciário em determinados casos, onde se pretenda obrigar o Poder Executivo a adotar medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais.

2. Esta Corte vem adotando o referido posicionamento, de modo que a sua aplicação monocrática não configura violação ao princípio do Colegiado.

3. Não compete ao STJ, em sede de Recurso Especial, ainda que em Aclaratórios, apreciar a violação de dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF.

4. Agravo Regimental a que se nega provimento.

(STJ, AgRg no REsp 1.192.779/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, j. 01/03/2016, DJe 11/03/2016)

 

No caso vertente, como bem destacou o r. Juízo a quo, (...) a problemática da falta de água potável na Comunidade Nande Ru Marangatu é manifesta, levando a população indígena a viver sem o mínimo necessário à dignidade humana e à vida saudável. O Inquérito Civil Público nº 1.21.005.000428/2016-01, instaurado em dezembro do ano de 2016, evidencia o fato de que a situação perdura há anos sem intervenção dos entes federativos, elevando a urgência na tomada de providências (...), sendo, portanto, (...) necessária a antecipação da tutela para, tanto quanto possível, salvaguardar os direitos daquela comunidade.

Acerca do tema, esta c. Terceira Turma já decidiu em casos semelhantes, in verbis:

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. ABASTECIMENTO E FORNECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL À ALDEIA INDÍGENA OFAYÉ-XAVANTE. OMISSÃO REITERADA DO PODER PÚBLICO FEDERAL POR CINCO ANOS. LESÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS INDISSOCIÁVEIS AO MÍNIMO EXISTENCIAL. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. APELO DA UNIÃO IMPROVIDO. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

01. O cerne da controvérsia diz respeito à aferição da responsabilidade civil da União por omissão no fornecimento de água, em condições adequadas para o consumo, representada pelo não cumprimento de seu dever de construir poços na parte baixa da aldeia indígena Ofayé-Xavante, localizada no Município de Brasilândia/MS, desde o ano 2009; e os danos morais coletivos advindos da privação do mínimo existencial por cinco anos.

02. Inicialmente, cumpre mencionar que o ordenamento jurídico pátrio adotou a responsabilidade civil objetiva, no que concerne às entidades de direito púbico, com fulcro na teoria do risco administrativo, porquanto, prescinde da comprovação da culpa do agente ou da má prestação do serviço, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta perpetrada pelo agente e o dano sofrido pela vítima, à luz do art. 37, §6º da Constituição Federal.

03. Nos casos de omissão da Administração Pública, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 841.526/RS, com repercussão geral reconhecida, estabeleceu que a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no art. 37, §6º da Constituição Federal, ou seja, a configuração do nexo causal impõe o dever de indenizar, independente da prova da culpa administrativa.

04. O compulsar dos autos revela que as medidas extrajudiciais promovidas pelo Parquet Federal não conduziram ao resultado almejado pelas recomendações ministeriais, tendo em vista que a União, representada pela SESAI na espécie, retardou a resolução do problema acerca do fornecimento de água à comunidade indígena, ao condicioná-la à definição da demarcação das terras indígenas, situadas na parte baixa da aldeia Ofayé-Xavante.

05. Restou incontroversa a questão da titularidade das terras que compõe a parte baixa da aludida aldeia, de posse permanente indígena, declarada pela Portaria nº 264/1992, não havendo que se perquirir sobre a regularização da situação fundiária.

06. Ao retardar a resolução do problema de fornecimento de água, por cinco anos, a Administração Pública Federal imprimiu uma conduta omissiva, postergando, injustificadamente, a concretização de um direito fundamental à saúde, que corresponde ao saneamento básico e ao abastecimento de água potável, essenciais à sadia qualidade de vida. Exatamente por ser indissociável aos direitos à vida e à dignidade da pessoa humana, o legislador constituinte incluiu o direito à saúde não só no rol de direitos fundamentais sociais (art. 6º da CF/88), mas também no seleto grupo de direitos que compõem o mínimo existencial.

07. Não se trata, portanto, de ingerência indevida do Poder Judiciário sobre a forma como deve atuar a Administração Pública, mas, precisamente, de se determinar o cumprimento de norma constitucional destinada à concretização de políticas públicas para se assegurar o direito fundamental da população indígena afetada pela omissão estatal. Ainda que se não fosse, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem admitido a intervenção do Judiciário na implementação de políticas públicas na hipótese de mora estatal. Precedentes: RE 1219482 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 03/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-245  DIVULG 07-10-2020  PUBLIC 08-10-2020; REsp 1068731/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 08/03/2012.

08. Conforme orientação jurisprudencial do STJ, quando a lesão atinge valores fundamentais da sociedade, protegidos pela Constituição Federal, o dano moral coletivo se afigura in re ipsa, dispensando, portanto, a demonstração dos prejuízos concretos. Precedente: REsp 1840463/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 03/12/2019.

09. Em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em conta a dimensão do dano sofrido pela coletividade, as consequências do dever obrigacional infringido, notadamente ante o descumprimento de liminar e a omissão do dever estatal por durante cinco anos, a tutela dos direitos coletivos, a natureza pedagógica do ressarcimento e a gravidade concreta do ato ilícito perpetrado, comporta parcial procedência a pretensão autoral. Majoração dos danos morais para R$ 100.000,00 (cem mil reais).

10. Com efeito, as astreintes perfazem instrumento processual de cunho coercitivo, a cargo do juiz, sem convolar-se em meio de satisfação ressarcitória ou como sucedâneo de pedido de reparação. Nesse sentido, os seguintes precedentes do STJ: AgInt no AREsp 1553557 / PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, QUARTA TURMA, j. 10/03/2020, DJe 17/03/2020; REsp 1324029/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, TERCEIRA TURMA, J. 16/06/2016, DJe 29/06/2016.

11. Consectários legais (juros e correção monetária) aplicados à luz dos Enunciados das Súmulas nº 54 e 43, ambos do STJ.

12. Apelo da União improvido. Apelo do MPF parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000667-09.2014.4.03.6003, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 15/07/2021, Intimação via sistema DATA: 02/08/2021)

 

CONSTITUCIONAL - ALDEIA INDÍGENA - FORNECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL - PREVALÊNCIA DO DIREITO À VIDA - PROCEDÊNCIA À AÇÃO COLETIVA - IMPROVIDO O APELO

1. A alegação da parte apelante quanto à carência superveniente da ação, porque ausente interesse de agir, não merece prosperar.

2. Do constante aos autos, notadamente às fls. 298/313, o fornecimento de água potável às aldeias indígenas era feito de forma insuficiente e irregular.

3. A provisória saída adotada pela FUNASA, qual seja, o convênio para fornecimento de água firmado com a SABESP mostrou-se insuficiente, já que, conforme os ofícios enviados à SABESP, o reabastecimento somente era feito quando constatada ausência de água nos reservatórios (fl. 298).

4. Ainda que as licitações para a construção de poços estivessem em andamento, fls. 315/329, não pode a Administração Pública usar deste argumento para justificar as irregularidades constatadas no abastecimento.

5. Não se mostra razoável aguardar pela morosa implementação destes poços, já que as populações indígenas em questão encontram-se em evidente necessidade de tal bem, sendo dever do Poder Público fornecê-lo de forma a atender às necessidades mínimas dos indígenas.

6. Com razão o E. Juízo a quo, superior a tudo o fundamental direito à vida, caput do art. 5º da Lei Maior, evidentemente também para as populações indígenas em foco, cujo indefinido aguarde por contratada construção de poços a não mais suportar, por veemente, portanto sem sentido, naquelas regiões delimitadas, não lhe seja assegurado acesso a tão valioso/tão precioso bem.

7. Revela-se ter a Administração Pública incidido em falha lesiva aos interesses das populações indígenas em questão, quando deixou de fornecer com regularidade bem essencial e tão preciso à vida.

8. Irrepreensível a r. sentença, aos limites em que lavrada, não se sustenta a postulação recursal.

9. Improvimento à apelação. Procedência à Ação Coletiva.

(TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1457989 - 0004583-49.2008.4.03.6104, Rel. JUIZ CONVOCADO SILVA NETO, julgado em 18/12/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/01/2015)

 

Mantida, portanto, a decisão agravada.

Em face do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO. COMUNIDADE INDÍGENA. FORNECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. COMPETÊNCIA COMUM. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO VERIFICADA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Há de se enfocar o presente recurso sob o ângulo da necessidade de prover os habitantes da Comunidade Indígena Ñande Ru Marangatu com água potável, de forma perene e intermitente, imprescindível à preservação de suas vidas.

2. Versa a demanda em questão sobre o direito fundamental à vida e, pois, à saúde, cuja proteção é pressuposto do direito à vida.

3. Na forma do art. 196 da Constituição da República: A saúde é direito de todos e dever do Estado. Assim, sendo o Estado brasileiro o titular da obrigação de promover os meios assecuratórios da vida e da saúde de seus súditos, e constituindo-se este pelo conjunto das pessoas políticas, quais sejam, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, emerge o entendimento de que todas essas pessoas de direito público interno são responsáveis, nos termos da Constituição, pela vida e pela saúde dos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil.

4. O art. 23, X do mesmo texto prevê que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover a melhoria das condições de saneamento básico, o que corrobora a responsabilidade solidárias de todos os entes federados pela omissão no fornecimento diário de água potável na comunidade em questão.

5. Ao Poder Judiciário cabe fazer valer o ordenamento jurídico nacional, prestigiando e assegurando a eficácia de cada uma das normas da Constituição e das leis, inclusive quando a decisão judicial tenha por fito obrigar as instituições públicas e privadas, a fazer cumpri-las.

6. Atualmente, o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário impõe ampla e irrestrita abrangência da função jurisdicional, na forma do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República de 1988, que dispõe que (...) a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

7. Tanto é assim, que o c. Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, já se pronunciou sobre a possibilidade de o Poder Judiciário garantir a prestação de direitos constitucionais, desde que reconhecidos como essenciais a partir da interpretação do Texto Magno, bem assim de aferir a constitucionalidade de atos dos demais Poderes, sem que isso implique violação à separação de poderes.

8. No caso vertente, a problemática da falta de água potável na Comunidade Nande Ru Marangatu é manifesta, levando a população indígena a viver sem o mínimo necessário à dignidade humana e à vida saudável. O Inquérito Civil Público 1.21.005.000428/2016-01, instaurado em dezembro do ano de 2016, evidencia o fato de que a situação perdura há anos sem intervenção dos entes federativos, elevando a urgência na tomada de providências, sendo, portanto, necessária a antecipação da tutela para, tanto quanto possível, salvaguardar os direitos daquela comunidade.

9. Agravo de instrumento desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.