Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005486-44.2009.4.03.6106

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: PEIXE VIVO RESTAURANTE LTDA, MUNICIPIO DE ICEM

Advogado do(a) APELANTE: VALDICLEIA CRISTINA DO VALE DE OLIVEIRA - SP419724
Advogados do(a) APELANTE: FABIANO REIS DE CARVALHO - SP168880-N, JECSON SILVEIRA LIMA - SP225991-B

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005486-44.2009.4.03.6106

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: PEIXE VIVO RESTAURANTE LTDA, MUNICIPIO DE ICEM

Advogados do(a) APELANTE: FABIANO REIS DE CARVALHO - SP168880-N, JECSON SILVEIRA LIMA - SP225991-B
Advogados do(a) APELANTE: HORTIS APARECIDO DE SOUZA - SP194294-A, NELSON JACOB CAMINADA FILHO - SP254371-A, RAFAEL FELISBINO DE AQUINO SILVA - SP333128-A, VALDICLEIA CRISTINA DO VALE DE OLIVEIRA - SP419724

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelações interpostas por PEIXE VIVO RESTAURANTE LTDA. ME e pelo MUNICÍPIO DE ICÉM/SP, visando a reforma da r. sentença que, em sede de ação civil pública, julgou parcialmente procedentes os pedidos para:

“a) condenar os réus Peixe Vivo Restaurante Ltda. e Município de Icém-SP, de forma solidária, à obrigação de fazer, consistente na completa recuperação da área de preservação permanente descrita nos autos, mediante a demolição das edificações existentes, bem como de qualquer área impermeabilizada, retirando, também, entulhos e espécies da flora que não sejam nativas, adotando técnicas de plantio e de manutenção da área aprovadas pelo IBAMA, bem como produtos não lesivos ao meio ambiente, tudo isso mediante supervisão da autarquia federal, a quem deverão submeter projeto específico para tal finalidade, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado, com igual prazo para decisão e início dos trabalhos, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00; em que pese tal condenação de todos os réus, é comezinho de entender que somente os atuais proprietários terão a legitimidade e o ônus de providenciar o cumprimento de tais determinações perante quem de direito, o que não exime os não proprietários do encargo financeiro ou, mesmo, em eventual ação de regresso no foro competente.

b) Consoante a fundamentação, condenar o réu Peixe Vivo a pagar multa total no importe de R$ 15.000,00.

c) Determinar que o IBAMA promova a análise - no prazo de 30 dias após a sua apresentação, bem como a fiscalização e o acompanhamento técnico ambiental do projeto referido acima e de sua execução, até a completa recuperação da área de preservação permanente já mencionada”.

Sentença submetida ao reexame necessário.

Em seus recursos, PEIXE VIVO RESTAURANTE LTDA. ME e o MUNICÍPIO DE ICÉM/SP sustentam, em síntese, que o restaurante foi fundado em 1956 e é considerado um patrimônio cultural e turístico da região. Afirmam que o restaurante funciona em imóvel localizado em área urbana consolidada do Município de Icém/SP, nos termos da Lei municipal nº 720/1977, de modo que a controvérsia deveria ser solucionada à luz da Lei nº 6.766/79 (Uso e Parcelamento do Solo Urbano) e não do Código Florestal. Aduzem que a r. a sentença desconsiderou o fato de que não houve responsabilização criminal e, além disso, contrariou a conclusão do perito judicial, segundo o qual não houve intervenção em APP e, tampouco, dano ambiental.

Com contrarrazões, subiram os autos a este Egrégio Tribunal Regional Federal.

Com vista à Procuradoria Regional da República da 3ª Região, foi ofertado o parecer com manifestação pelo não provimento ao recurso.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005486-44.2009.4.03.6106

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: PEIXE VIVO RESTAURANTE LTDA, MUNICIPIO DE ICEM

Advogados do(a) APELANTE: FABIANO REIS DE CARVALHO - SP168880-N, JECSON SILVEIRA LIMA - SP225991-B
Advogados do(a) APELANTE: HORTIS APARECIDO DE SOUZA - SP194294-A, NELSON JACOB CAMINADA FILHO - SP254371-A, RAFAEL FELISBINO DE AQUINO SILVA - SP333128-A, VALDICLEIA CRISTINA DO VALE DE OLIVEIRA - SP419724

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

Destaco, de imediato, que o art. 225 da Constituição Federal consagrou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, criando o dever de o agente degradador reparar os danos causados e estabeleceu o fundamento de responsabilização de agentes poluidores, pessoas físicas e jurídicas. Para assegurar a efetividade desse direito, a CF determina ao Poder Público, entre outras obrigações, que crie espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos em todas as unidades da Federação.

Essa disposição constitucional recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária, destacando-se, em especial, a Lei nº 4.771/1965, que instituiu o antigo Código Florestal. Em 18 de julho de 1989 foi editada a Lei nº 7.803, que incluiu um parágrafo único ao art. 2º do Código Florestal então vigente, informando que os limites definidos como áreas de proteção permanente (que haviam sido ampliados pela Lei nº 7.511/86), também se aplicavam às áreas urbanas e deveriam ser observados nos planos diretores municipais.

Referida legislação infraconstitucional foi revogada com a edição do novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012).

Sobre a Lei nº 12.651/2012, ressalto que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de ação declaratória de constitucionalidade (ADC 42) e de 4 (quatro) ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937), analisou a constitucionalidade de dispositivos do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que estabeleceu normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de preservação permanente e as áreas de reserva legal; bem como sobre a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais.

Ressalto, também, o entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal “no sentido de que a aplicação dos princípios tempus regit actum e do não retrocesso ambiental para fazer incidir a Lei 4.771/1965 (Código Florestal revogado) em detrimento da Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal) afronta o que restou decidido pelo Plenário deste E. STF no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 4.937, 4.903 e 4.902 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 42, bem como em inobservância da Súmula Vinculante nº 10” (STF, Rcl nº 49147, Relator Edson Fachin, Julgado em 29/04/2022, Publicado em 02/05/2022).

Como se vê, a presente ação deve se submeter às decisões do Supremo Tribunal Federal e, consequentemente, às disposições contidas na Lei nº 12.651/2012.

O mesmo diploma legal (Lei nº 12.651/2012) fixou, em seus artigos 7º e 8º, o regime de proteção das Áreas de Preservação Permanente.

Feitas as devidas considerações, ratifico, portanto, que as Áreas de Preservação Permanente são espaços de proteção impositiva e integral, que não admitem qualquer tipo de exploração. Em outros termos, são áreas destinadas, unicamente, à proteção do meio ambiente. A delimitação do uso de tais terrenos pelo legislador objetivou, portanto, evitar a ocorrência de desequilíbrio irreparável ao ecossistema, mediante proteção dos recursos hídricos, da biodiversidade, da fauna e da flora.

Observo que, com relação à tutela ambiental, se aplica a responsabilidade objetiva, ou seja, não há espaço para a discussão de culpa, bastando a comprovação da atividade e o nexo causal com o resultado danoso, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c/c artigo 14, § 1º, ambos, da Lei nº 6.938/1981.

Vale lembrar, ainda, quanto ao cometimento de danos ambientais e ao dever de repará-los, tem-se que as obrigações decorrentes de eventuais prejuízos ou interferências negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. Está claro que o adquirente é responsável pelo passivo ambiental do imóvel adquirido. Caso contrário, a degradação ambiental dificilmente seria reparada, uma vez que bastaria cometer-se a infração e desfazer-se do bem lesado para que o dano ambiental estivesse consolidado e legitimado, sem qualquer ônus reparatório.

Cabe reconhecer, na realidade, que o simples fato de o novo proprietário/possuidor se omitir no que tange à necessária regularização ambiental é mais do que suficiente para caracterizar o nexo causal. Ademais, sua ação ou omissão, além de não garantir a desejada reparação, permitirá a continuidade do dano ambiental iniciado por outrem. Daí, ser inegável sua responsabilidade civil. Neste sentido, o atual Código Florestal (Lei nº 12.651/12) preceitua, em seu artigo 2º, § 2º, que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural".

Registro que a Constituição Federal estabelece que "a propriedade atenderá a sua função social" (art. 5º, inciso XXIII) e que o Código Civil assinala que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas" (artigo 1.228, § 1º, da Lei 10.406/02).

Não se pode negar, portanto, que a função social da propriedade só é observada se utilizada de forma racional, com a preservação do meio ambiente, e se atendidos os objetivos previstos na legislação para cada tipo de área protegida. Desrespeitar uma área definida como de Preservação Permanente, construindo-se, por exemplo, um imóvel no local protegido, significa descumprir sua função ambiental, o que é suficiente para caracterizar o dano ao meio ambiente. Tal prejuízo só pode ser reparado com a destruição do imóvel erguido em local indevido, o que possibilitará a regeneração natural da vegetação originariamente existente e garantirá o retorno da função socioambiental daquela propriedade.

Pois bem.

No caso dos autos, a controvérsia diz respeito em verificar se o requerido PEIXE VIVO RESTAURANTE LTDA. ME (representado por Manoel da Costa Braga e Joaquim Candido da Silva), ora apelante, possui empreendimento em área de preservação permanente, em descumprimento de normas protetivas ambientais.

Nesse sentido, a Lei nº 12.651/12 estabelece faixas protegidas nas margens de cursos d'água, lagos, reservatórios artificiais, nascentes, dentre outros. Reproduzo os artigos 3º, II, e 4º, II, ambos, da Lei nº 12.651/12:

“Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

(...)

II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

(...)

Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:    

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;

b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;

c) 100 (cem) metros, para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros”

O conjunto probatório demonstrou, com clareza, a ocorrência do dano ambiental em área de preservação permanente.

Como bem detalhado na r. sentença: “O laudo pericial (ID 43281262), emitido em 11/12/2020 a partir de vistoria efetivada em 26/08/2020, indica que o Rio Grande, em cuja margem está o imóvel descrito nos autos, é de mais de 100m de largura e na região de Icém, SP, não é represado e não possui concessão da UHE de Marimbondo e nem da UHE de Água Vermelha, sendo que, ali é curso d’água natural perene e existe APP.

Ainda, que o Sr. Joaquim Cândido, que afirmou ser um dos proprietários do Restaurante, presente na vistoria, declarou que a construção existia desde 1956 (conforme autorização da Prefeitura), mas que ele estaria lá desde 1981 aproximadamente (conforme contrato social).

Diz o trabalho técnico que a propriedade é de alvenaria, construção antiga mas bem preservada, que, no dia da vistoria, o local se achava limpo e com sinais de manutenção, que na área do estacionamento o solo é de terra batida e brita, que há distribuição de energia elétrica e iluminação pública, recolhimento de resíduos sólidos urbanos e tratamento de resíduos sólidos urbanos, mas ausentes malha viária com canalização de águas pluviais, rede de abastecimento de água e rede de esgoto.

Informa a perita que, no dia da vistoria medimos que a área construída tem 1.818,90m² em alvenaria. Portanto, o imóvel possui menos de 1 (um) módulo fiscal em tamanho de área, seguindo o tamanho do Módulo Fiscal para o Município de Icém, SP (tabela do INCRA em Anexo III). (Lei 12.651/12, Art. 61-A, §1, §13). Às margens do Rio Grande em área ciliar e em frente ao rancho vistoriado observamos a existência de uma parcela de APP bem preservada, com espécies nativas, e sem sinais de erosão nem de assoreamento. O Restaurante vistoriado está a 43,69m da borda da calha do leito regular do Rio, no dia da perícia.

(...)

Aos quesitos do MPF, respondeu que o imóvel está totalmente em APP, considerando o Antigo Código Florestal, Lei n° 4.771/65, Art. 2°, alínea a, item 4. Nessa Lei a APP era contada à partir da máxima cheia, do leito maior, ou seja, abrangia a área de várzea, portanto, a área de várzea não era contada como sendo APP. Como o Rio Grande em frente o local da perícia possui mais de 150 metros de largura, a APP seria de 150 metros.

(...)

Pelo minudente exame pericial, vejo que o imóvel em questão está inserido, em sua totalidade, em Área de Proteção Permanente, à beira do Rio Grande, assim considerada, na região, a faixa de 75 metros a partir do nível mais alto em faixa marginal, em harmonia com o disposto no artigo 2º, “a”, 2, da Lei nº 4.771/65 (antigo Código Florestal), com a redação original, considerando-se a provável data de construção do imóvel apontada no laudo, 1956. Observo que a Lei 7.511/86 alterou a redação do Código, inserindo o item 4 na alínea “a” do artigo 2º - igual à distância entre as margens para os cursos d’água com largura superior a 200 (duzentos) metros – e a Lei 7.803/89 deu nova redação ao item 4 - de 150 (cento e cinquenta) metros para os cursos d’água que possuam entre 100 (cem) e 200 (duzentos) metros de largura. 

(...)

A Lei 12.651/12 (novo Código Florestal), em seu artigo 4º, I, Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de (inciso I da redação original); I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (inciso I incluído pela Lei nº 12.727/2012), indica que a APP é de 100 metros (alínea “c”).

Com base em tais regramentos é que foi lavrada a autuação e, de fato, pode-se dizer que o imóvel encontra-se, efetivamente, dentro de uma APP”.

Saliento, por oportuno, que não há que se falar em aplicação do art. 61-A do Código Florestal, haja vista que o empreendimento em questão não pode ser classificado como atividade agropastoril, ecoturismo ou turismo rural. Não é o caso de se confundir esse tipo de atividade, voltada para uma compatibilização entre o meio ambiente e atividades turísticas, com o turismo simplesmente localizado em área selvagem.

Por fim, o Ministério Público Federal lembrou que o “STJ deixou claro seu entendimento de que a Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano fortalece a aplicação do novo Código Florestal e, por conseguinte, a proteção ambiental. Ou seja, sinalizou a inaplicabilidade da Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano em detrimento do Código Florestal, norma especial e mais restritiva, que deverá ser respeitada para a proteção das faixas marginais de cursos de água em áreas urbanas, homenageando, assim, o princípio in dubio pro natura. É o que se extrai do voto do Ministro Og Fernandes no julgamento recente do REsp 1.518.490/SC”.

Assim, a r. sentença deve ser mantida.

Diante do exposto, nego provimento à REMESSA OFICIAL e às APELAÇÕES. Mantenho, integralmente, a r. sentença.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E PROPTER REM DO POSSUIDOR. FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 61-A DO CÓDIGO FLORESTAL. EMPREENDIMENTO QUE NÃO SE ENQUADRA COMO ATIVIDADE AGROPASTORIL, ECOTURISMO OU TURISMO RURAL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÕES NÃO PROVIDAS.

- Destaca-se, de imediato, que o art. 225 da Constituição Federal consagrou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, criando o dever de o agente degradador reparar os danos causados e estabeleceu o fundamento de responsabilização de agentes poluidores, pessoas físicas e jurídicas. Para assegurar a efetividade desse direito, a CF determina ao Poder Público, entre outras obrigações, que crie espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos em todas as unidades da Federação.

- Essa disposição constitucional recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária, destacando-se, em especial, a Lei nº 4.771/1965, que instituiu o antigo Código Florestal. Em 18 de julho de 1989 foi editada a Lei nº 7.803, que incluiu um parágrafo único ao art. 2º do Código Florestal então vigente, informando que os limites definidos como áreas de proteção permanente (que haviam sido ampliados pela Lei nº 7.511/86), também se aplicavam às áreas urbanas e deveriam ser observados nos planos diretores municipais.

- Referida legislação infraconstitucional foi revogada com a edição do novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012).

- Sobre a Lei nº 12.651/2012, ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de ação declaratória de constitucionalidade (ADC 42) e de 4 (quatro) ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937), analisou a constitucionalidade de dispositivos do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que estabeleceu normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de preservação permanente e as áreas de reserva legal; bem como sobre a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais.

- Ressalta-se, também, o entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal “no sentido de que a aplicação dos princípios tempus regit actum e do não retrocesso ambiental para fazer incidir a Lei 4.771/1965 (Código Florestal revogado) em detrimento da Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal) afronta o que restou decidido pelo Plenário deste E. STF no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 4.937, 4.903 e 4.902 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 42, bem como em inobservância da Súmula Vinculante nº 10” (STF, Rcl nº 49147, Relator Edson Fachin, Julgado em 29/04/2022, Publicado em 02/05/2022).

- Como se vê, a presente ação deve se submeter às decisões do Supremo Tribunal Federal e, consequentemente, às disposições contidas na Lei nº 12.651/2012.

- O mesmo diploma legal (Lei nº 12.651/2012) fixou, em seus artigos 7º e 8º, o regime de proteção das Áreas de Preservação Permanente.

- Feitas as devidas considerações, ratifica-se, portanto, que as Áreas de Preservação Permanente são espaços de proteção impositiva e integral, que não admitem qualquer tipo de exploração. Em outros termos, são áreas destinadas, unicamente, à proteção do meio ambiente. A delimitação do uso de tais terrenos pelo legislador objetivou, portanto, evitar a ocorrência de desequilíbrio irreparável ao ecossistema, mediante proteção dos recursos hídricos, da biodiversidade, da fauna e da flora.

- Observa-se que, com relação à tutela ambiental, se aplica a responsabilidade objetiva, ou seja, não há espaço para a discussão de culpa, bastando a comprovação da atividade e o nexo causal com o resultado danoso, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c/c artigo 14, § 1º, ambos, da Lei nº 6.938/1981.

- Vale lembrar, ainda, quanto ao cometimento de danos ambientais e ao dever de repará-los, tem-se que as obrigações decorrentes de eventuais prejuízos ou interferências negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. Está claro que o adquirente é responsável pelo passivo ambiental do imóvel adquirido. Caso contrário, a degradação ambiental dificilmente seria reparada, uma vez que bastaria cometer-se a infração e desfazer-se do bem lesado para que o dano ambiental estivesse consolidado e legitimado, sem qualquer ônus reparatório.

- Cabe reconhecer, na realidade, que o simples fato de o novo proprietário/possuidor se omitir no que tange à necessária regularização ambiental é mais do que suficiente para caracterizar o nexo causal. Ademais, sua ação ou omissão, além de não garantir a desejada reparação, permitirá a continuidade do dano ambiental iniciado por outrem. Daí, ser inegável sua responsabilidade civil. Neste sentido, o atual Código Florestal (Lei nº 12.651/12) preceitua, em seu artigo 2º, § 2º, que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural".

- Registra-se que a Constituição Federal estabelece que "a propriedade atenderá a sua função social" (art. 5º, inciso XXIII) e que o Código Civil assinala que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas" (artigo 1.228, § 1º, da Lei 10.406/02).

- Não se pode negar, portanto, que a função social da propriedade só é observada se utilizada de forma racional, com a preservação do meio ambiente, e se atendidos os objetivos previstos na legislação para cada tipo de área protegida. Desrespeitar uma área definida como de Preservação Permanente, construindo-se, por exemplo, um imóvel no local protegido, significa descumprir sua função ambiental, o que é suficiente para caracterizar o dano ao meio ambiente. Tal prejuízo só pode ser reparado com a destruição do imóvel erguido em local indevido, o que possibilitará a regeneração natural da vegetação originariamente existente e garantirá o retorno da função socioambiental daquela propriedade.

- No caso dos autos, a controvérsia diz respeito em verificar se o requerido PEIXE VIVO RESTAURANTE LTDA. ME (representado por Manoel da Costa Braga e Joaquim Candido da Silva), ora apelante, possui empreendimento em área de preservação permanente, em descumprimento de normas protetivas ambientais.

- Nesse sentido, a Lei nº 12.651/12 estabelece faixas protegidas nas margens de cursos d'água, lagos, reservatórios artificiais, nascentes, dentre outros.

- O conjunto probatório demonstrou, com clareza, a ocorrência do dano ambiental em área de preservação permanente.

Salienta-se, por oportuno, que não há que se falar em aplicação do art. 61-A do Código Florestal, haja vista que o empreendimento em questão não pode ser classificado como atividade agropastoril, ecoturismo ou turismo rural. Não é o caso de se confundir esse tipo de atividade, voltada para uma compatibilização entre o meio ambiente e atividades turísticas, com o turismo simplesmente localizado em área selvagem.

- Por fim, o Ministério Público Federal lembrou que o “STJ deixou claro seu entendimento de que a Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano fortalece a aplicação do novo Código Florestal e, por conseguinte, a proteção ambiental. Ou seja, sinalizou a inaplicabilidade da Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano em detrimento do Código Florestal, norma especial e mais restritiva, que deverá ser respeitada para a proteção das faixas marginais de cursos de água em áreas urbanas, homenageando, assim, o princípio in dubio pro natura. É o que se extrai do voto do Ministro Og Fernandes no julgamento recente do REsp 1.518.490/SC”.

- R. sentença mantida.

- Remessa oficial e apelações não providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Na sequência do julgamento, após os votos da Des. Fed. MÔNICA NOBRE (Relatora), do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e da Des. Fed. MARLI FERREIRA, foi proclamado o seguinte resultado: a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à REMESSA OFICIAL e às APELAÇÕES, nos termos do voto da Des. Fed. MÔNICA NOBRE (Relatora), com quem votaram o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e a Des. Fed. MARLI FERREIRA. Ausentes, justificadamente, o Des. Fed. MARCELO SARAIVA (férias) e o Des. Fed. RENATO BECHO (compensação) , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.