Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001801-78.2022.4.03.6108

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, ABINER HENRIQUE DA SILVA, THIAGO FERREIRA MOURA

Advogado do(a) APELANTE: LIDIA DA SILVA LEAL ALVES - SP426719-A
Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO MANGILI PACHELLI - SP375996-A
Advogados do(a) APELANTE: JULIANE ALINE DE ANDRADE FRAGA - SP365038-A, MARINES SANZOVO NOVELLI - SP334651-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001801-78.2022.4.03.6108

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, ABINER HENRIQUE DA SILVA, THIAGO FERREIRA MOURA

Advogado do(a) APELANTE: LIDIA DA SILVA LEAL ALVES - SP426719-A
Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO MANGILI PACHELLI - SP375996-A
Advogados do(a) APELANTE: JULIANE ALINE DE ANDRADE FRAGA - SP365038-A, MARINES SANZOVO NOVELLI - SP334651-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de recursos de apelação interpostos pelas defesas de HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, ABINER HENRIQUE DA SILVA e THIAGO FERREIRA MOURA em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Bauru/SP (Id 272147869) que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para:

a) absolver os réus da acusação relacionada ao crime tipificado no art. 35, c.c. art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, nos termos do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal (atipicidade dos fatos);

b) condenar ABINER HENRIQUE DA SILVA pela prática do crime previsto no art. 33, caput e § 1º, inciso III, c.c art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo nacional vigente ao tempo da prática do crime;

c) condenar o réu HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, pela prática do delito do art. 33, caput e § 1º, inciso III, c.c. o art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 9 (nove) anos, 10 (dez) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 989 (novecentos e oitenta e nove) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo nacional vigente ao tempo da prática do crime;

d) condenar o réu THIAGO FERREIRA MOURA, pela prática do crime do art. 33, caput e § 1º, inciso III, c.c. art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

O direito de recorrer em liberdade foi concedido aos réus THIAGO e ABINER. Mantida a prisão preventiva do acusado HUGO.

Em suas razões de apelação (Id 272147940), a defesa de HUGO RENATO requer, em síntese, a absolvição do réu por insuficiência de provas e, subsidiariamente, a redução da pena imposta ao apelante.

A defesa de ABINER HENRIQUE DA SILVA, por sua vez, em suas razões de recurso (Id 272148037), requer a absolvição do acusado com fundamento no art. 386, incisos IV, V e VII do Código de Processo Penal.

A defesa de THIAGO FERREIRA MOURA, em suas razões de apelação (Id 272148040), aduz, preliminarmente, violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, pois os laudos periciais relativos às conversas via aplicativo WhatsApp foram juntados aos autos após a audiência de instrução, o que prejudicou a defesa do réu. No mérito, pugna pela absolvição do acusado por ausência de provas e, subsidiariamente, requer a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº. 11.343/06, em seu patamar máximo de 2/3 (dois terços), e a fixação do regime aberto para o cumprimento da pena.

Contrarrazões apresentadas pela acusação (Id 272148049).

Subindo os autos a esta E. Corte Regional, o Exmo. Sr. Procurador Regional da República, Pedro Barbosa Pereira Neto, opinou pela nulidade da sentença pela ilicitude de colheita de prova e, consequentemente, pela absolvição dos apelantes (Id 273994202).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

 

 


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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001801-78.2022.4.03.6108

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APELANTE: HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, ABINER HENRIQUE DA SILVA, THIAGO FERREIRA MOURA

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V O T O

 

 

Do caso dos autos. HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, ABINER HENRIQUE DA SILVA e THIAGO FERREIRA MOURA foram denunciados pela prática dos crimes previstos no art. 33, caput, e §1º, inciso III, e art. 35, ambos da Lei nº 11.343/2006, pois, no dia 28.06.2022, em Bauru/SP, transportaram 18.210 g (dezoito mil, duzentos e dez gramas) de Cannabis Sativa Linneu (maconha), cujo conteúdo (tetraidrocanabinol – THC) é identificado como substância psicotrópica que pode causar, quando do seu uso, dependência física e/ou psíquica e está proscrita em todo o território nacional. A droga era proveniente do Paraguai.

Narra a denúncia (Id 272147310) o que se segue:

"Consta dos autos de inquérito que, em 28 de junho de 2022, por volta das 11h10min, policiais militares, em patrulhamento tático em um conhecido ponto de tráfico de drogas nesta cidade (quadra 4 da Rua Benedito Daniel, Bairro Fortunato Rocha Lima), fizeram a abordagem dos ocupantes do veículo VW/Gol, branco, placas AFH2526-Bauru/SP; e na inspeção veicular localizaram sob o banco do passageiro cinco tabletes contendo erva seca com odor característico da droga “maconha”.

Os indivíduos, identificados como THIAGO FERREIRA MOURA e HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, confessaram aos policiais a propriedade da droga e apresentaram uma mesma versão sobre os fatos: que aqueles tabletes serviriam de amostra para um terceiro (do qual não quiseram declinar o nome); que a maconha havia sido trazida do Paraguai no dia anterior; que, para tanto, tinham viajado em um ônibus dirigido por ABINER, veículo em que estaria escondido o restante da droga.

Sendo assim, partindo das coordenadas fornecidas pelos indigitados (proximidades da Rua Cuba e Cemitério São Benedito), uma equipe de apoio localizou o ônibus Mercedes-Benz OF 1620, branco, 1994/1995, placas LWX3B73, estacionado na quadra 8 da Rua Newton Prado, habitualmente conduzido pelo motorista identificado como ABINER HENRIQUE DA SILVA.

Questionado acerca do ocorrido, o acusado apresentou-se aos policiais como o proprietário do ônibus e revelou o esconderijo de outros 20 tabletes da mesma substância entorpecente, além de uma espingarda de procedência ignorada, calibre 32, com sete munições intactas; também admitiu que havia transportado a droga do Paraguai até Bauru, ressalvando, contudo, que tanto a maconha como a arma pertenciam a HUGO e THIAGO.

Além das confissões, a transnacionalidade da ação ficou evidenciada pelos recibos de pedágios e de abastecimentos indicativos da rota percorrida no dia anterior, bem como pela quantia de dinheiro paraguaio em espécie (itens apreendidos na mochila de ABINER), comprovando que o ônibus em que estavam ocultados os tabletes de maconha era proveniente da região fronteiriça.

Logo, os três foram conduzidos à Autoridade de Polícia Federal, perante a qual permaneceram silentes (p. 9/14 do id 255209565).

O material suspeito apreendido (tabletes) foi submetido à perícia, que confirmou a natureza e o peso bruto da droga: 18.210 g (dezoito mil, duzentos e dez gramas) de Cannabis Sativa Linneu (maconha), cujo conteúdo (tetraidrocanabinol – THC) é identificado como “substância psicotrópica que pode causar, quando do seu uso, dependência física e/ou psíquica e está proscrita em todo o Território Nacional nos termos da Portaria Nº 344 (Anexo I: Lista de Substâncias Psicotrópicas - Lista F2), de 12 de maio de 1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, republicada em 1º de fevereiro de 1999 no Diário Oficial da União e atualizada pela Resolução de Diretoria Colegiada – RDC Nº 676/2022, de 28 de abril de 2022, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, publicada no Diário Oficial da União em 29 de abril de 2022”; estando a Cannabis “na Lista de Plantas Proscritas que Podem Originar Substâncias Entorpecentes e/ou Psicotrópicas (Lista E)” (Termo de Apreensão: id 255209565 – p. 16/17; Laudo Preliminar de Constatação nº 2353346/2022: id 255209565 – p. 19/20; e Laudo de Perícia Criminal nº 2485/2022–SETEC/SR/PF/SP: id 257867990 – p. 46/49).

Conclui-se, então, que os ora denunciados, consciente e voluntariamente, associaram-se para fins de importar, transportar, ter em depósito e trazer consigo 18.210 g (dezoito mil, duzentos e dez gramas) de substância definida como droga (maconha), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar. Assim agindo, THIAGO FERREIRA MOURA, HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA e ABINER HENRIQUE DA SILVA praticaram os crimes previstos no artigo 33, caput, e §1º, inciso III, e artigo 35, ambos da Lei nº 11.343/2006, incidindo na hipótese, ainda, a causa especial de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso I, da mesma lei, pela evidente transnacionalidade do delito.

Diante do exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:

a) a notificação dos denunciados para responderem à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 55, caput e §§, da Lei nº 11.343/2006;

b) não se tratando, evidentemente, de caso de absolvição sumária (Código de Processo Penal, artigo 397, por analogia), que seja recebida a presente denúncia, designando-se, no prazo máximo de 30 dias, dia e hora para a realização da audiência de instrução e julgamento a que alude o artigo 56, caput e §§, da Lei nº 11.343/2006, com a devida citação pessoal dos acusados e intimação deste Órgão Ministerial e dos Defensores, observando-se, nessa audiência, os trâmites preconizados pelos artigos 57 e 58 da Lei nº 11.343/2006; e

c) a intimação dos policiais militares Fabrício Ishikawa Rigoni (matrícula 130473-9, lotado em 4º BC/CIA FT) e José Natal de Andrade (matrícula 115274-2, lotado em 4º BC/CIA FT) para prestarem depoimento no presente processo, na condição de testemunhas (id 255209565 – p. 5/8).

A denúncia foi recebida em 13.10.2022 (Id 272147448).

Após a instrução processual, sobreveio a sentença (Id 189967003 – p. 242/269 e 271/272) proferida pelo Juízo da 1ª Vara de Ponta Porã/MS que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para absolver os réus da acusação relacionada ao crime tipificado no art. 35, c.c art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, nos termos do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal (atipicidade dos fatos); e para condenar os acusados pela prática do crime previsto no art. 33, caput e § 1º, inciso III, c.c art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, às seguintes penas: a) ABINER HENRIQUE DA SILVA: pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa; b) HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA: pena de 9 (nove) anos, 10 (dez) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 989 (novecentos e oitenta e nove) dias-multa; e c) THIAGO FERREIRA MOURA: pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa. Foi fixado o valor unitário da pena de multa em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo nacional vigente ao tempo da prática do crime para todos os acusados.

Da violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

A defesa de THIAGO FERREIRA MOURA, alega, preliminarmente, violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, pois os laudos periciais relativos aos diálogos registrados nos celulares apreendidos, via aplicativo WhatsApp, foram juntados aos autos após a audiência de instrução, o que prejudicou a defesa do réu.

Sem razão.

Verifica-se que os Laudos de Perícia Criminal Federal (Informática) de nº 304/2022 e 306/2022 (Ids 272147348 e 272147351) foram elaborados, respectivamente, em 28.07.2022 e em 01.08.2022, e juntados aos autos na fase de Inquérito Policial. A audiência de instrução, por sua vez, foi realizada em 30.11.2022 (Id 272147532), ocasião em que o Ministério Público Federal requereu a expedição de ofício à Polícia Federal para que fosse anexado aos autos o relatório de análise dos aparelhos celulares que foram objeto de perícia (laudos números 304/2022 – NUTEC/DPF/MII/SP e 306/2022 – NUTEC/DPF/MII/SP), o que foi deferido pelo Juízo de primeiro grau.

O Juiz a quo determinou, ainda, que após a juntada do relatório, fosse aberta vista dos autos para as partes apresentarem alegações finais, no prazo legal.

Após a audiência de instrução, foi juntada a Informação de Polícia Judiciária nº 4245393/2022 relativa à análise dos dados dos aparelhos celulares apreendidos que foram objeto de perícia (Id 272147823).

Nota-se, portanto, que apesar de tardia, a Informação de Polícia Judiciária foi juntada aos autos no dia 02.12.2022, antes da apresentação de memoriais pela defesa de THIAGO, o que ocorreu em 17.01.2023 (Id 272147849), e de ser proferida sentença (em 09.02.2023 – Id 272147869).

Dessa forma, a defesa de THIAGO teve acesso a todo o teor da Informação e dispôs de tempo suficiente para apresentar seu inconformismo, o que poderia ter sido feito até na ocasião da apresentação das alegações finais. Assim, exerceu de forma satisfatória o contraditório e a ampla defesa, razão pela qual inexiste nulidade nos autos.

Ainda que assim não fosse, como bem fundamentado na sentença, o réu não demonstrou efetivo prejuízo à sua defesa pela juntada das aludidas transcrições na fase processual prevista no artigo 402 do Código de Processo Penal. Em outras palavras, com fundamento no art. 563 do Código de Processo Penal, o acusado tinha o ônus de demonstrar o prejuízo sofrido pela alegada inversão de atos processuais.

Por conseguinte, afasto a preliminar arguida.

Da materialidade.

A defesa do réu não se insurgiu em relação à materialidade delitiva.

A Procuradoria Regional da República, em seu parecer de Id 273994202, opinou pela nulidade da sentença pela ilicitude de colheita de prova e, consequentemente, pela absolvição dos apelantes (Id 273994202).

Aduz que a dinâmica dos fatos, conforme descrita na denúncia, revela que a abordagem inicial da polícia, ou seja, a busca pessoal no veículo Gol, violou o disposto no art. 240, § 2º, do Código de Processo Penal.

Afirma que a narrativa ministerial reproduz integralmente e exclusivamente a versão policial (Id 272147240), de que a razão para a busca pessoal foi a de que o veículo se encontrava em ponto conhecido como de tráfico de drogas.

Alega que não se pode encampar diligência baseada nesse contexto, pois não se tratou de fiscalização de rotina da polícia, como ocorre, por exemplo, em estradas e rodovias, mas que a única informação que consta é que os agentes da polícia surpreenderam os apelantes num “ponto de tráfico”, na cidade de Bauru/SP, sem qualquer outra informação que pudesse permitir a sindicabilidade da atuação policial. Assim, a narrativa da polícia de que o local da abordagem se tratava de um “ponto de tráfico”, sem qualquer outra referência, infringe a ideia de objetividade.

Por fim, ressaltou que não se pode passar ao largo do surpreendente peso que a denúncia e a sentença deram a uma suposta “confissão informal” dos suspeitos – e que em nenhum momento foi ratificada no inquérito policial ou em juízo, onde inclusive se alegou abuso por parte dos policiais (sentença, id 272147882 – pág. 10). Citou precedentes sobre o tema de nulidade e salientou que a diligência que embasou a denúncia e a condenação criminal não demonstrou a justa causa ou causa provável para abordagem realizada, expondo-se à nulidade por infringência do art. 240, § 2º, do Código de Processo Penal, na conformidade do art. 157 do Estatuto Processual. Opinou pela nulidade da sentença pela ilicitude de colheita da prova, com a consequente absolvição dos apelantes, nos termos do art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal, e revogação de eventuais medidas constritivas.

De fato, os acusados foram abordados de maneira arbitrária, pois a polícia militar procedeu a busca pessoal nos réus e a vistoria no veículo sob o único fundamento de que o automóvel se encontrava estacionado em ponto conhecido como de tráfico de drogas.

Não há, nos autos, qualquer indício de que houve a fundada suspeita exigida pelo artigo 244 do Código de Processo Penal, para que fosse efetuada a busca pessoal dos réus.

Dispõe o artigo 244 do Código de Processo Penal que:

“Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”.

No caso dos autos, a busca pessoal realizada nos acusados padece de legalidade à míngua de fundada suspeita de que os réus estivessem na posse de drogas.

Na peça indiciária, o policial militar Fabrício Ishikawa Rigoni (Id 272147240 - p. 05/06) disse que:

“QUE nesta data (28/06/2022), estavam em patrulhamento de Força Tática pelo bairro Fortunato Rocha Lima em Bauru/SP, quando visualizaram um veículo VW/Gol, branco, placas AFH2526 – Bauru/SP, com dois indivíduos em um local conhecido como ponto de tráfico de drogas (Rua Benedito Daniel, quadra 04); QUE diante das razões, por volta das 11h10m, procederam a abordagem e durante a busca veicular, embaixo do banco do passageiro, foram localizadas 5 (cinco) embalagens com características e odor de maconha; QUE os dois indivíduos foram identificados como sendo THIAGO FERREIRA MOURA e HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA; QUE ambos confessaram serem os donos da droga; QUE diante dos fatos, foi dada voz de prisão a ambos pelo crime de tráfico de drogas”.

A testemunha Jose Natal de Andrade, policial militar, por sua vez, narrou em seu depoimento na fase policial (Id 272147240 – p. 07/08) que:

“QUE é Sgto da Força Tática da PM; QUE nesta data (28/06/2022) por volta das 11h10m, recebeu acionamento do Ten. ISHIKAWA informando que tinha abordado um veículo com dois indivíduos (THIAGO FERREIRA MOURA e HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA) e havia encontrado drogas nesse veículo e os indivíduos disseram que próximo a Rua Cuba e Cemitério São Banedito teria um ônibus de cor branca estacionado em uma das ruas e que teria mais drogas e uma arma de fogo escondida nesse ônibus; QUE informaram que o dono do ônibus seria pessoa de nome ABINER e que este tinha conhecimento que havia arma e drogas escondidas no ônibus, uma vez disseram que ABINER teria trazido do Paraguai THIAGO e HUGO e a droga na noite anterior, tendo chegado por volta das 22h; QUE lhe foram passadas as características de ABINER como sendo pessoa morena de barba por fazer e que usava óculos; QUE prosseguiram para o local e na Rua Newton Prado, quadra 08, Bairro Jd. Independência, Bauru/SP localizaram, por volta das 11h30m, o ônibus branco e pessoa com as características citadas; QUE realizaram a abordagem em ABINER e com ele foi localizada na mochila que portava a quantia de R$ 13.857,00 em espécie 12.000 Guaranis,
assim como diversos tickets de abastecimento e pedágios da rota percorrida; QUE foi questionado sobre o ônibus, tendo ABNER dito ser o proprietário do veículo; QUE informado da prisão de THIAGO e HUGO, ABINER indicou aos policiais os locais em que a droga estava escondida dentro do ônibus; QUE ABINER indicou ainda onde estava escondida a arma de fogo; QUE ABINER disse que a droga e a arma pertenciam a HUGO e THIAGO e que a droga era oriunda do Paraguai; QUE ABINER confessou que, na data de ontem, transportou a droga vinda do Paraguai até a cidade de Bauru/SP; QUE ele disse que leva pessoas para vender bacias em diversas cidades; QUE acredita que esse seja a história utilizada para na volta transportar a droga oriunda do Paraguai; QUE inclusive o ônibus encontrava-se bastante descaracterizado, ou seja, com poucos bancos e com espaços vazios; QUE percebe-se que o forro do ônibus funciona como uma espécie de fundo falso; QUE no interior do ônibus foram localizados 20 tabletes envoltos em fitas plásticas, com odor característico de maconha; QUE havia 19 pacotes lacrados e um com uma abertura lateral; QUE também apreenderam a arma de fogo, pistola, calibre 32, com sete munições; QUE QUE em razão dos fatos, lhe foi dada voz de prisão pela prática do crime de tráfico de drogas e porte ilegal de armas; QUE ABINER e as drogas foram apresentados na Polícia Civil em Bauru, contudo, a autoridade policial deliberou pelo encaminhamento à Delegacia de Polícia Federal em Bauru em razão da transnacionalidade do delito.”

A denúncia (Id 272147310) narra que no dia 28 de junho de 2022, por volta das 11h10min, policiais militares, em patrulhamento tático em um conhecido ponto de tráficos de drogas em Bauru/SP (quadra 4 da Rua Benedito Daniel, Bairro Fortunato Rocha Lima), fizeram a abordagem dos ocupantes do veículo VW/Gol, branco, placas AFH2526-Bauru/SP; e na inspeção veicular localizaram, sob o banco do passageiro, cinco tabletes contendo erva seca com odor característico da droga “maconha”. Assim, a peça inaugural acusatória também não traz qualquer outro fundamento para a busca pessoal e vistoria nos réus, e narra apenas se tratar de local comum de tráfico de entorpecentes.

A decisão de recebimento da denúncia também veio embasada pelo mesmo fundamento (Id 272147448):

“2.2 Cabe dizer, ainda, que a acusação está lastreada em inquérito policial instaurado a partir da prisão em flagrante dos denunciados, surpreendidos por policiais militares em local conhecido como ponto de vendas de drogas, tendo havido apreensão de quantidade significativa de substância entorpecente (Termo de Apreensão - id 255209565 – p. 16/17; Laudo Preliminar de Constatação nº 2353346/2022 - id 255209565 – p. 19/20; e Laudo de Perícia Criminal nº 2485/2022–SETEC/SR/PF/SP - id 257867990 – p. 46/49), além de uma arma de fogo desprovida de registro no Sistema Nacional de Armas, e apontamento de reincidência específica, para o denunciado que permanece preso, HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, estando presente, assim, justa causa para a persecução penal”.

Na fase judicial, a testemunha Fabrício Ishikawa Rigoni (Id 272147566) narrou que estava em patrulhamento na Rua Benedito Daniel, Bairro Fortunato Rocha Lima, local conhecido pela polícia como de tráfico de drogas, quando avistou um veículo gol branco com 2 (dois) indivíduos, que demonstraram preocupação com a presença da viatura, ou seja, não sabiam se entravam no veículo ou se distanciavam dele, o que motivou os policiais realizarem a abordagem. No momento em que fizeram uma busca pessoal nos réus, nada foi encontrado com eles. Porém, na vistoria veicular, foram localizados, embaixo do banco de passageiros, 5 (cinco) invólucros com maconha.

A testemunha Jose Natal de Andrade, na fase judicial (Id 272147596), afirmou que não participou da abordagem inicial, pois foi acionado pelo Ten. ISHIKAWA após a revista ao veículo ocupado pelos acusados THIAGO e HUGO.

Os depoimentos dos policiais militares, portanto, não indicam que os réus tenham apressado o passo, ou procurado se esconder dos agentes de polícia, ou que tenham tomado qualquer atitude concreta que pudesse levantar suspeita quanto aos seus comportamentos, sendo que o fato de eles estarem em local conhecido como de tráfico de drogas não evidencia qualquer atitude suspeita.

Assim, restou cristalina a ausência de fundamentos ou justificativa plausível para a realização da busca pessoal dos réus ou da vistoria no veículo.

Destarte, a busca pessoal foi realizada em decorrência de critério meramente subjetivo e arbitrário da polícia militar, o que não se coaduna com as garantias individuais previstas em nosso atual regime constitucional.

Nesse sentido já decidiu esta E. Quinta Turma, por ocasião do julgamento da Apelação Criminal nº 2018.61.81.012737-9, sessão de 10/05/2021, relator e. Desembargador Federal Maurício Kato, ao negar provimento ao apelo ministerial:

“PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. MOEDA FALSA. ABORDAGEM POLICIAL. BUSCA PESSOAL. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE OU FUNDADA SUSPEITA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. 

1. A busca pessoal realizada no acusado padece de irregularidade, uma vez que a fundada suspeita deve constituir um comportamento objetivo e bem definido, voltado para a ilicitude, de modo a fazer com que o agente público detecte as hipóteses autorizadoras da abordagem para fins de busca pessoal, consoante os preceitos do artigo 244 do Código de Processo Penal.

2. Ausente objetividade em circunscrever um comportamento tendente ao ilícito por parte do abordado, a ação dos policiais militares torna-se desprovida de legalidade, de modo a contaminar todos os atos subsequentes da persecução penal e ferir o princípio constitucional do devido processo legal.

3. Apelação da acusação desprovida”.

Neste sentido, julgou o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ATUAÇÃO DAS GUARDAS MUNICIPAIS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO CLARA, DIRETA E IMEDIATA COM A TUTELA DOS BENS, SERVIÇOS E INSTALAÇÕES MUNICIPAIS. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 157 E 244 DO CPP. RECURSO PROVIDO.

1. A Constituição Federal de 1988 não atribui à guarda municipal atividades ostensivas típicas de polícia militar ou investigativas de polícia civil, como se fossem verdadeiras “polícias municipais”, mas tão somente de proteção do patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações. A exclusão das guardas municipais do rol de órgãos encarregados de promover a segurança pública (incisos do art. 144 da Constituição) decorreu de opção expressa do legislador constituinte - apesar das investidas em contrário -  por não incluir no texto constitucional nenhuma forma de polícia municipal.

2. Tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil - em contrapartida à possibilidade de exercerem a força pública e o monopólio estatal da violência - estão sujeitas a rígido controle correcional externo do Ministério Público (art. 129, VII, CF) e do Poder Judiciário (respectivamente da Justiça Militar e da Justiça Estadual). Já as guardas municipais - apesar da sua relevância - não estão sujeitas a nenhum controle correcional externo do Ministério Público nem do Poder Judiciário. É de ser ver com espanto, em um Estado Democrático de Direito, uma força pública imune a tais formas de fiscalização, a corroborar, mais uma vez, a decisão conscientemente tomada pelo Poder Constituinte originário quando restringiu as balizas de atuação das guardas municipais à vigilância do patrimônio municipal.

3. Não é preciso ser dotado de grande criatividade para imaginar - em um país com suas conhecidas mazelas estruturais e culturais - o potencial caótico de se autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo. Ora, se mesmo no modelo de policiamento sujeito a controle externo do Ministério Público e concentrado em apenas 26 estados e um Distrito Federal já se encontram dificuldades de contenção e responsabilização por eventuais abusos na atividade policial, é fácil identificar o exponencial aumento de riscos e obstáculos à fiscalização caso se permita a organização de polícias locais nos 5.570 municípios brasileiros.

4. A exemplificar o patente desvirtuamento das guardas municipais na atualidade, cabe registrar que muitas delas estão alterando suas denominações para “Polícia Municipal”. Ademais, inúmeros municípios pelo país afora - alguns até mesmo de porte bastante diminuto - estão equipando as suas guardas com fuzis, equipamentos de uso bélico, de alto poder letal e de uso exclusivo das Forças Armadas.

5. A adequada interpretação do art. 244 do CPP é a de que a fundada suspeita de posse de corpo de delito é um requisito necessário, mas não suficiente, por si só, para autorizar a realização de busca pessoal, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar a presença dele; isto é, não é a todo indivíduo que cabe definir se, naquela oportunidade, a suspeita era fundada ou não e, por consequência, proceder a uma abordagem seguida de revista. Em outras palavras, mesmo se houver elementos concretos indicativos de fundada suspeita da posse de corpo de delito, a busca pessoal só será válida se realizada pelos agentes públicos com atribuição para tanto, a quem compete avaliar a presença de tais indícios e proceder à abordagem do suspeito.

6. Ao dispor no art. 301 do CPP que “qualquer do povo poderá [...] prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”, o legislador, tendo em conta o princípio da autodefesa da sociedade e a impossibilidade de que o Estado seja onipresente, contemplou apenas os flagrantes visíveis de plano, como, por exemplo, a situação de alguém que, no transporte público, flagra um indivíduo subtraindo sorrateiramente a carteira do bolso da calça de outrem e o detém. Diferente, porém, é a hipótese em que a situação de flagrante só é evidenciada após realizar atividades invasivas de polícia ostensiva ou investigativa como a busca pessoal ou domiciliar, uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes.

7. Da mesma forma que os guardas municipais não são equiparáveis a policiais, também não são cidadãos comuns. Trata-se de agentes públicos com atribuição sui generis de segurança, pois, embora não elencados no rol de incisos do art. 144, caput, da Constituição, estão inseridos § 8º de tal dispositivo; dentro, portanto, do Título V, Capítulo III, da Constituição, que trata da segurança pública em sentido lato. Assim, se por um lado não podem realizar tudo o que é autorizado às polícias, por outro lado também não estão plenamente reduzidos à mera condição de “qualquer do povo”; são servidores públicos dotados do importante poder-dever de proteger o patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações.

8. É possível e recomendável, dessa forma, que exerçam a vigilância, por exemplo, de creches, escolas e postos de saúde municipais, de modo a garantir que não tenham sua estrutura física danificada ou subtraída por vândalos ou furtadores e, assim, permitir a continuidade da prestação do serviço público municipal correlato a tais instalações. Nessa esteira, podem realizar patrulhamento preventivo na cidade, mas sempre vinculados à finalidade específica de tutelar os bens, serviços e instalações municipais, e não de reprimir a criminalidade urbana ordinária, função esta cabível apenas às polícias, tal como ocorre, na maioria das vezes, com o tráfico de drogas.

9. Não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações municipais. Poderão, todavia, realizar busca pessoal em situações absolutamente excepcionais - e por isso interpretadas restritivamente - nas quais se demonstre concretamente haver clara, direta e imediata relação de pertinência com a finalidade da corporação, isto é, quando se tratar de instrumento imprescindível para a tutela dos bens, serviços e instalações municipais. Vale dizer, só é possível que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se houver, além de justa causa para a medida (fundada suspeita de posse de corpo de delito), relação clara, direta e imediata com a necessidade de proteger a integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais, o que não se confunde com permissão para realizarem atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinária.

10. Na hipótese dos autos, os guardas municipais estavam em patrulhamento quando depararam com o recorrente sentado na calçada, o qual, ao avistar a viatura, levantou-se e colocou uma sacola plástica na cintura. Por desconfiar de tal conduta, decidiram abordá-lo e, depois de revista pessoal, encontraram no referido recipiente certa quantidade de drogas que ensejou a prisão em flagrante delito.

11. Ainda que eventualmente se considerasse provável que a sacola ocultada pelo réu contivesse objetos ilícitos, não estavam os guardas municipais autorizados, naquela situação, a avaliar a presença da fundada suspeita e efetuar a busca pessoal no acusado.

Caberia aos agentes municipais, apenas, naquele contexto totalmente alheio às suas atribuições, acionar os órgãos policiais para que realizassem a abordagem e revista do suspeito, o que, por não haver sido feito, macula a validade da diligência por violação do art. 244 do CPP e, por conseguinte, das provas colhidas em decorrência dela, nos termos do art. 157 do CPP, também contrariado na hipótese.

12. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.977.119/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 23/8/2022.)

Dessa forma, com razão a Procuradoria Regional da República pois, nessa toada, tem-se que a prova colhida na fase inquisitiva foi obtida por meio ilícito, contaminando as demais provas dela derivadas, de maneira a tornar imprestável o suporte probatório que alicerçou a peça acusatória, não havendo demonstração da materialidade delitiva.

De rigor, portanto, a absolvição dos acusados, com amparo no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Ante o exposto, rejeito a preliminar e dou provimento aos recursos defensivos para, por outro fundamento, absolver os acusados HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, ABINER HENRIQUE DA SILVA e THIAGO FERREIRA MOURA, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Expeça-se alvará de soltura em nome do enclausurado HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, desde que ele não esteja detido por outros fatos.

É o voto.


DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Desembargador Federal Ali Mazloum: Trata-se de recursos de apelação interpostos pelas defesas de HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, ABINER HENRIQUE DA SILVA e THIAGO FERREIRA MOURA em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Bauru/SP (Id 272147869) que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para:

a) absolver os réus da acusação relacionada ao crime tipificado no art. 35, c.c. art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, nos termos do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal (atipicidade dos fatos);

b) condenar ABINER HENRIQUE DA SILVA pela prática do crime previsto no art. 33, caput e § 1º, inciso III, c.c art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo nacional vigente ao tempo da prática do crime;

c) condenar o réu HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, pela prática do delito do art. 33, caput e § 1º, inciso III, c.c. o art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 9 (nove) anos, 10 (dez) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 989 (novecentos e oitenta e nove) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo nacional vigente ao tempo da prática do crime;

d) condenar o réu THIAGO FERREIRA MOURA, pela prática do crime do art. 33, caput e § 1º, inciso III, c.c. art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Em suas razões de apelação (Id 272147940), a defesa de HUGO RENATO requer, em síntese, a absolvição do réu por insuficiência de provas e, subsidiariamente, a redução da pena imposta ao apelante.

A defesa de ABINER HENRIQUE DA SILVA, por sua vez, em suas razões de recurso (Id 272148037), requer a absolvição do acusado com fundamento no art. 386, incisos IV, V e VII do Código de Processo Penal.

A defesa de THIAGO FERREIRA MOURA, em suas razões de apelação (Id 272148040), aduz, preliminarmente, violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, pois os laudos periciais relativos às conversas via aplicativo WhatsApp foram juntados aos autos após a audiência de instrução, o que prejudicou a defesa do réu. No mérito, pugna pela absolvição do acusado por ausência de provas e, subsidiariamente, requer a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº. 11.343/06, em seu patamar máximo de 2/3 (dois terços), e a fixação do regime aberto para o cumprimento da pena.

A e. Relatoria rejeitou a preliminar e deu provimento aos recursos defensivos para, por outro fundamento, absolver os acusados (com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal).

Em que pesem os judiciosos fundamentos expostos no voto, data vênia, divirjo do e. Relator quanto à absolvição dos acusados, sob a alegação de ilicitude das provas, que passo a enfrentar em sede preliminar.

Segundo a peça acusatória (ID 272147310):

“[…] Consta dos autos de inquérito que, em 28 de junho de 2022, por volta das 11h10min, policiais militares, em patrulhamento tático em um conhecido ponto de tráfico de drogas nesta cidade (quadra 4 da Rua Benedito Daniel, Bairro Fortunato Rocha Lima), fizeram a abordagem dos ocupantes do veículo VW/Gol, branco, placas AFH2526-Bauru/SP; e na inspeção veicular localizaram sob o banco do passageiro cinco tabletes contendo erva seca com odor característico da droga “maconha”.

Os indivíduos, identificados como THIAGO FERREIRA MOURA e HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, confessaram aos policiais a propriedade da droga e apresentaram uma mesma versão sobre os fatos: que aqueles tabletes serviriam de amostra para um terceiro (do qual não quiseram declinar o nome); que a maconha havia sido trazida do Paraguai no dia anterior; que, para tanto, tinham viajado em um ônibus dirigido por ABINER, veículo em que estaria escondido o restante da droga.

Sendo assim, partindo das coordenadas fornecidas pelos indigitados (proximidades da Rua Cuba e Cemitério São Benedito), uma equipe de apoio localizou o ônibus Mercedes-Benz OF 1620, branco, 1994/1995, placas LWX3B73, estacionado na quadra 8 da Rua Newton Prado, habitualmente conduzido pelo motorista identificado como ABINER HENRIQUE DA SILVA.

Questionado acerca do ocorrido, o acusado apresentou-se aos policiais como o proprietário do ônibus e revelou o esconderijo de outros 20 tabletes da mesma substância entorpecente, além de uma espingarda de procedência ignorada, calibre 32, com sete munições intactas; também admitiu que havia transportado a droga do Paraguai até Bauru, ressalvando, contudo, que tanto a maconha como a arma pertenciam a HUGO e THIAGO.

Além das confissões, a transnacionalidade da ação ficou evidenciada pelos recibos de pedágios e de abastecimentos indicativos da rota percorrida no dia anterior, bem como pela quantia de dinheiro paraguaio em espécie (itens apreendidos na mochila de ABINER), comprovando que o ônibus em que estavam ocultados os tabletes de maconha era proveniente da região fronteiriça. (...)

Na hipótese, não se vislumbra qualquer ilegalidade na atuação dos policiais, amparados que estão pelo Código de Processo Penal para abordar quem quer que esteja atuando de modo suspeito ou furtivo, ainda mais em um ponto de venda de drogas, não havendo razão para manietar a atividade policial sem indícios de que a abordagem ocorreu por perseguição pessoal ou preconceito de raça ou classe social, motivos que, obviamente, conduziriam à nulidade da busca pessoal, o que não se verificou no caso.

O veículo parado em um conhecido ponto de tráfico de drogas consubstancia fundada suspeita a ensejar a abordagem policial em seus ocupantes. Esse é um dado objetivo revelador da fundada suspeita exigida pelo artigo 240 do C.P.P.

Acrescente-se, ainda, que tanto os policiais militares quanto os réus negaram se conhecerem até o referido flagrante, o que denota que inexiste qualquer motivo para os policiais quererem imputar algo irreal aos acusados, por questões de perseguição ou vingança.

Outrossim, demonstram-se inverossímeis as afirmações de HUGO e THIAGO de que teriam sido agredidos pelos policiais, até porque ao serem ouvidos na Polícia Federal, por ocasião do flagrante, nada disseram à autoridade policial nesse sentido, conforme inclusive destacado pelo MM. Juiz “a quo” na audiência de custódia (ID 255259426), além de não terem sido constatadas lesões quando do exame de corpo de delito (ID 255209565).

Nestes termos, a abordagem dos policiais, demonstrou-se legítima, a qual independe de mandado quando amparada em fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de objetos ilícitos, o que evidentemente ocorreu no caso em apreço.

Nesse sentido, julgados do C. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. JUSTA CAUSA DEVIDADEMENTE DEMONSTRADA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO OU APLICAÇÃO DA MINORANTE DO TRÁFICO DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIÁVEL NA ESTREITA VIA DO WRIT. DOSIMETRIA. ALEGAÇÃO DE BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. REGIME PRISIONAL FECHADO. ADEQUADO. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL QUE ELEVOU A PENA-BAE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I - É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos.

II - A busca pessoal, nos termos do que dispõem os arts. 240, § 2º, e 244 do CPP, é legítima e independe de mandado quando amparada em fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de objetos ilícitos. Assim, configura justa causa quando, a partir de elementos concretos, fique constada a necessidade da revista III - A partir da leitura dos autos (e-STJ fls. 71-79), não se vislumbra qualquer ilegalidade na atuação dos policiais, amparados que estão pelo Código de Processo Penal para abordar quem quer que esteja atuando de modo suspeito ou furtivo, não havendo razão para manietar a atividade policial sem indícios de que a abordagem ocorreu por perseguição pessoal ou preconceito de raça ou classe social, motivos que, obviamente, conduziriam à nulidade da busca pessoal, o que não se verificou no caso. Cito precedentes nesse sentido: (AgRg no HC n. 723.390/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 13/6/2022); (AgRg no HC n. 688.825/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 20/5/2022);

(AgRg no HC n. 746.064/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 22/8/2022); (AgRg no RHC n. 164.112/MG, Quinta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 8/8/2022).

IV - Conforme jurisprudência do STJ, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, não se declara a nulidade de ato processual sem que haja efetiva demonstração de prejuízo, em observância ao princípio pas de nullité sans grief. No mesmo sentido, estabelece a Súmula n. 523 do STF que, "no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu".

V – (... omissis ...)

VI - (... omissis ...)

VII - (... omissis ...)

VIII - (... omissis ...)

IX - (... omissis ...)

X - (... omissis ...)

XI - A toda evidência, o decisum agravado, ao confirmar o aresto impugnado, rechaçou as pretensões da defesa por meio de judiciosos argumentos, os quais encontram amparo na jurisprudência deste Sodalício. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 818.239/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 31/8/2023.)

 

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INAPLICABILIDADE. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA EVIDENCIADA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Hipótese em que a atuação policial se originou do comportamento do agravante, que estava com o veículo "estacionado ao final de uma via sem saída, em local escuro e ermo, por volta das 22h10min de um dia de semana (2-4-2021)." O Tribunal de origem ressaltou que "nenhum ocupante descia do veículo e, em certo momento, o automóvel deslocou-se para outro ponto da mesma rua. Novamente, ninguém desceu do veículo. Consta, ainda, que, feita a abordagem, os policiais notaram que o réu "apresentava evidente nervosismo". Sob tal contexto, é justa a busca pessoal diante do caso concreto em exame.

2. (... omissis ...)

3. (... omissis ...)

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no HC n. 828.485/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/8/2023, DJe de 24/8/2023.)

 

Ante o exposto, divirjo da e. Relatoria, compreendendo a questão de nulidade, sob a alegada ilicitude da prova,  como preliminar ao mérito e, rejeitando-a.  

É como voto.

 


E M E N T A

 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. PRELIMINAR REJEITADA. BUSCA PESSOAL. VISTORIA VEICULAR. ARTIGO 244 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ILICITUDE DA PROVA. PARECER DA PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA PELA ABSOLVIÇÃO DOS ACUSADOS. NULIDADE DE PROVAS. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. APELAÇÕES DEFENSIVAS PROVIDAS PARA, POR OUTRO FUNDAMENTO, ABSOLVER OS ACUSADOS (ART. 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL).

1. A defesa teve acesso a todo o teor da Informação de Polícia Judiciária e dispôs de tempo suficiente para apresentar seu inconformismo, o que poderia ter sido feito até na ocasião da apresentação das alegações finais. Assim, exerceu de forma satisfatória o contraditório e a ampla defesa, razão pela qual inexiste nulidade nos autos.

2. Dispõe o artigo 244 do Código de Processo Penal que: “Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”.

3. Os acusados foram abordados de maneira arbitrária, pois a polícia militar procedeu a busca pessoal nos réus e a vistoria no veículo sob o único fundamento de que o automóvel se encontrava estacionado em ponto conhecido como de tráfico de drogas.

4. Com razão a Procuradoria Regional da República pois, nessa toada, tem-se que a prova colhida na fase inquisitiva foi obtida por meio ilícito, contaminando as demais provas dela derivadas, de maneira a tornar imprestável o suporte probatório que alicerçou a peça acusatória, não havendo demonstração da materialidade delitiva.

5. Preliminar rejeitada. Apelações defensivas providas para, por outro fundamento, absolver os acusados (art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal).


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por maioria, decidiu rejeitar a preliminar e dar provimento aos recursos defensivos para, por outro fundamento, absolver os acusados HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, ABINER HENRIQUE DA SILVA e THIAGO FERREIRA MOURA, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal e determinar a expedição de alvará de soltura em nome do enclausurado HUGO RENATO VALENCIO BARBOSA, desde que ele não esteja detido por outros fatos, nos termos do voto do Relator Des. Fed. Paulo Fontes, acompanhado pelo Juiz Federal Convocado Décio Gimenez, vencido o Des. Fed. Ali Mazloum que compreendendo a questão de nulidade, sob a alegada ilicitude da prova, como preliminar ao mérito e, rejeitava-a, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.