APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001506-32.2022.4.03.6111
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: HELENICE ATHAYDE CARDOSO, LUIZ ANTONIO ATHAYDE CARDOSO
Advogado do(a) APELADO: DIEGO EVANGELISTA SILVA - SP344428-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001506-32.2022.4.03.6111 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM MARÍLIA//SP, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM BAURU//SP, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DE PESSOAS FISICAS EM SAO PAULO, DELEGADO DA DELEGACIA DE PESSOAS FÍSICAS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DERPF/SPO) APELADO: HELENICE ATHAYDE CARDOSO, LUIZ ANTONIO ATHAYDE CARDOSO Advogado do(a) APELADO: DIEGO EVANGELISTA SILVA - SP344428-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação da União e remessa oficial contra sentença que concedeu a segurança. HELLENICE ATHAYDE CARDOSO e LUIZ ANTONIO ATHAYDE CARDOSO impetraram Mandado de Segurança, com pedido de liminar, em face de ato do Delegado da Receita Federal do Brasil de Administração Tributária em Bauru/SP, visando afastar a exação do Imposto de Renda sobre o resgate dos planos de previdência privada contratados pelo seu falecido pai, na modalidade VGBL e PGBL, sendo justamente o que ocorreu na presente demanda. Segundo alegam, a legislação garante o direito à isenção do Imposto de Renda na hipótese de resgate dos valores acumulados dos referidos planos, em razão da morte do contratante. Atribuído à causa o valor de R$ 10.000,00 (ID 274581209). A liminar foi indeferida (ID 274581334). A autoridade impetrada prestou informações (ID 274581339). A Sentença concedeu a segurança, “para determinar que a autoridade coatora se abstenha de exigir imposto de renda retido na fonte sobre os valores recebidos pelos impetrantes, referentes ao seguro dos planos Prev Invest VGBL 421950, PREVINVEST Empresarial 15124810, Prev Renda Caixa VGBL 16143681 e Prev Investidor Caixa VGBL 15379436”. Consequentemente, determinou as custas, em reembolso, pelo vencido, bem como deixou condenar em honorários advocatícios, a teor do artigo 25 da Lei 12.016/2009 (ID 274581343) Apela a União, pugnando pela reforma da Sentença, sustentando que em decorrência do artigo 1º da Lei 11.053/2004 os valores resgatados de planos de benefícios de caráter previdenciário, sofrem a incidência do Imposto de Renda na fonte. Por outro lado, alega que só é isento do Imposto de Renda o recebimento do benefício do plano e não o seu resgate que é o saque da sua totalidade. Sustenta a sua argumentação, cintando e transcrevendo a Solução de Consulta COSIT nº 99042/2017 (ID 274581353). Os autores apresentaram contrarrazões de apelação, requerendo o não provimento do recurso (ID 274581358). Vieram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal apresentou manifestação pelo regular prosseguimento do feito (ID 276634600) É como voto.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001506-32.2022.4.03.6111 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM MARÍLIA//SP, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM BAURU//SP, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DE PESSOAS FISICAS EM SAO PAULO, DELEGADO DA DELEGACIA DE PESSOAS FÍSICAS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DERPF/SPO) APELADO: HELENICE ATHAYDE CARDOSO, LUIZ ANTONIO ATHAYDE CARDOSO Advogado do(a) APELADO: DIEGO EVANGELISTA SILVA - SP344428-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Trata-se de mandado de segurança concernente a isenção tributária do imposto de renda sobre o resgate de PGBL VGBL, em razão da morte do contratante. Inicialmente, assinalo que é isento da exação do imposto de renda o resgate de planos de previdência privada decorrente da morte ou invalidez permanente, a teor do artigo 6º, VII, da Lei nº 7.713/1988 e artigo 35, II, alínea “I”, do Decreto 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda), que transcrevo: Lei 7.713/1988 Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (...) VII - os seguros recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou invalidez permanente do participante. Decreto 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda) Art. 35. São isentos ou não tributáveis: (...) II - os seguintes rendimentos pagos pelas previdências públicas e privadas: (...) l) os seguros recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou de invalidez permanente do participante(Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º,caput, inciso VII); Assim, segundo a Lei são isentos da exação do Imposto de Renda os valores relativos ao resgate dos planos de previdência privada. Nesse passo, observo que a União sustenta que a isenção do Imposto de Renda só se aplica aos benefícios e não ao resgate dos valores. Ocorre que, o legislador não diferenciou entre resgate e benefício, assim não cabe ao interprete fazê-lo. Por outro lado, observo que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem decidido que os valores de resgate de VGBL e PGBL se revestem de natureza secundária, entendimento que foi sintetizado na Ementa do REsp 1.961.488/RS, que transcrevo: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ITCMD. VALORES RECEBIDOS POR BENEFICIÁRIO DE PLANO VGBL INDIVIDUAL - VIDA GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE, EM DECORRÊNCIA DA MORTE DO SEGURADO. NÃO INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 280 E 284/STF E 5 E 7/STJ. NATUREZA LEGAL DA CONTROVÉRSIA. PLANO VGBL. NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. NÃO INCIDÊNCIA DO ITCMD. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. II. Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, objetivando reconhecer a "inexigibilidade da inclusão do seguro de vida VGBL em nome do falecido em sua sobrepartilha e da cobrança do ITCD sobre o seguro". O Juízo singular concedeu a segurança, "para, reconhecendo a ilegalidade da cobrança do ITCD sobre valores aplicados em VGBL, determinar que o impetrado se abstenha de incluir estes valores na base de cálculo" do tributo. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença. III. No acórdão recorrido não houve discussão e decisão fundamentada a respeito da legislação estadual que dispõe sobre o ITCMD. O aresto impugnado extraiu sua conclusão a partir apenas da interpretação do art. 794 do CC/2002 - que dispõe que o seguro de vida não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança, para todos os efeitos de direito - e do conceito de VGBL Individual - Vida Gerador de Benefício Livre constante do site da SUSEP. No acórdão recorrido, o Tribunal de origem apenas transcreve o art. 1º do Decreto estadual 33.156/89, mas o faz lateralmente, en passant, sem sobre ele emitir qualquer consideração ou dele extrair qualquer fundamentação que o levasse a negar provimento à Apelação do Estado do Rio Grande do Sul. Em termos lógicos, o acórdão recorrido está estruturado em três premissas: i) o ITCMD incide sobre a transmissão causa mortis, isto é, sobre os bens que se transmitem pela sucessão hereditária; ii) o art. 794 do CC/2002 estabelece que o seguro de vida, para todos os efeitos, não se considera herança; e iii) o VGBL consiste em seguro de vida. É da conjugação dessas três premissas que a Corte extraiu a conclusão de que o VGBL não pode ser tributado pelo ITCMD. Revela-se patente, pois, que a discussão central do presente feito gira em torno da correta interpretação do art. 794 do CC/2002, dispositivo que o Tribunal de origem fez incidir, na espécie, e que o Estado do Rio Grande do Sul pretende afastar, no Recurso Especial. IV. Poder-se-ia cogitar da incidência da Súmula 284/STF, na espécie, ao fundamento de que o art. 794 do CC/2002 não teria comando suficiente a sustentar a pretensão do Estado do Rio Grande do Sul. A esse argumento, é possível acrescentar outro na mesma linha. Dir-se-ia que, em se tratando de causa tributária, o art. 794 do CC/2002 deveria ser conjugado com outros dispositivos do Código Tributário Nacional, como os arts. 109 e 110, ou até mesmo com outros dispositivos de lei federal, como os arts. 79 e 83 da Lei 11.196/2005. Há nisto, porém, um equívoco. Em lição lapidar, o Ministro ARI PARGENDLER, no REsp 324.638/SP (DJU de 25/06/2001) anotou que "o recurso especial interposto pela letra 'a' supõe a indicação da norma que foi aplicada sem ter incidido, ou que deixou de ser aplicada não obstante tenha incidido, ou que, muito embora tenha incidido, foi mal aplicada, por interpretação errônea; e o respectivo conhecimento implica, sempre, o provimento para afastar a norma que foi aplicada sem ter incidido, ou para aplicar a norma que deixou de ser aplicada a despeito de ter incidido, ou para dar a norma, incidente e aplicada, a melhor interpretação". No caso concreto, o Tribunal de origem, assentando a incidência do art. 794 do CC/2002, aplicou-o à espécie, daí por que o ente público, supondo a não incidência do aludido dispositivo legal, toma-o por violado. O ente público recorrente, consoante a lição do Ministro ARI PARGENDLER, indicou como violada a "norma que foi aplicada sem ter", no seu entendimento, "incidido". Irreprochável, portanto, a admissibilidade do Recurso Especial, ante a Súmula 284/STF. V. Alguns Estados editaram leis prevendo expressamente a incidência do ITCMD sobre o VGBL. Em casos tais, não cabe a esta Corte Superior verificar a compatibilidade da lei local com a lei federal. Com efeito, "nos casos em que há conflito entre lei local e lei federal, a questão só pode ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos da EC 45/2004, que passou para a Corte Suprema a competência para apreciar, em Recurso Extraordinário, as decisões que julgarem válida lei local contestada em face de lei federal (art. 102, III, d da CF)" (STJ, AgInt no AREsp 1.588.963/RJ, Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), PRIMEIRA TURMA, DJe de 20/05/2021). Isso não se dá, porém, no caso concreto, em que a legislação estadual, como transcrita no acórdão recorrido, é genérica, prevendo a incidência do ITCMD sobre a) propriedade ou domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos; e b) bens móveis, títulos e créditos, bem como dos direitos a eles relativos, além de ela não ter sido debatida, no aresto recorrido, que dela não extraiu fundamento para a sua conclusão. VI. A Segunda Turma do STJ, em sessão virtual encerrada em 29/03/2021, no julgamento do AgInt no AREsp 1.702.870/RS, de relatoria do Ministro FRANCISCO FALCÃO (DJe de 06/04/2021), deixou de conhecer de Recurso Especial versando questão idêntica à que ora se apresenta. Na oportunidade, o Relator afirmou que "a irresignação do recorrente acerca da incidência de ITCMD sobre o plano VGBL, vai de encontro às convicções do julgador a quo, que, com lastro no conjunto probatório constante dos autos, ou seja, as cláusulas do contrato, decidiu que o plano específico se enquadra na categoria de seguro pessoal, sendo aplicável o art. 794 do CC". O entendimento, porém, respeitosamente, merece ser revisto. A questão posta no Recurso Especial é de direito, ou seja, a de saber se podem ser tributados pelo ITCMD os valores recebidos pelo beneficiário, em decorrência da morte do titular de plano VGBL, produto financeiro profundamente regulamentado e padronizado. Assim posta a questão, ressai irrelevante a análise da situação fática concreta ou dos termos contratuais, razão pela qual deve ser afastado o óbice da Súmula 7/STJ e, até mesmo, o da Súmula 5/STJ. VII. A par das razões técnicas acima apontadas, o conhecimento do Apelo traz vantagens institucionais. A controvérsia tem potencial multiplicador e pode ensejar decisões divergentes nos diversos Tribunais de Justiça do país. Prova disso é o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, apontado como paradigma, no Recurso Especial. Desse modo, o julgamento do mérito, por este Superior Tribunal de Justiça, permite o incremento de segurança jurídica, seja qual for o resultado, ao mercado financeiro, setor da atividade econômica que presumivelmente movimenta cifras elevadas, contribuindo para o desenvolvimento nacional. VIII. Consoante esclarece a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia, responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro, "o VGBL Individual - Vida Gerador de Benefício Livre é um seguro de vida individual que tem por objetivo pagar uma indenização, ao segurado, sob a forma de renda ou pagamento único, em função de sua sobrevivência ao período de diferimento contratado". IX. Não é outro o entendimento da Quarta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, para a qual o VGBL "tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida" (AgInt nos EDcl no AREsp 947.006/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), QUARTA TURMA, DJe de 21/05/2018). No julgamento do AgInt no AREsp 1.204.319/SP - no qual a Corte de origem concluíra pela natureza securitária do VGBL, não podendo ele ser incluído na partilha -, a Quarta Turma do STJ fez incidir a Súmula 83/STJ, afirmando que "o entendimento da Corte Estadual está em harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema. Incidência da Súmula 83 do STJ" (STJ, AgInt no AREsp 1.204.319/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 20/04/2018). X. Embora tratando de questão tributária diversa, a Segunda Turma do STJ, no REsp 1.583.638/SC (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 10/08/2021), já teve a oportunidade de assentar que o plano VGBL constitui espécie de seguro. Também tratando de questão diversa, a saber, a constitucionalidade da cobrança de alíquotas diferenciadas de CSLL para empresas de seguros, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.485/DF (Rel. Ministro LUIZ FUX, TRIBUNAL PLENO, DJe de 03/07/2020), já teve a oportunidade de afirmar, em obiter dictum, a natureza securitária do VGBL. XI. Assim, não apenas a jurisprudência reconhece a natureza de seguro do plano VGBL, mas também a própria agência reguladora do setor econômico classifica-o como espécie de seguro de vida. Resta evidente, pois, que os valores a serem recebidos pelo beneficiário, em decorrência da morte do segurado contratante de plano VGBL, não se consideram herança, para todos os efeitos de direito, como prevê o art. 794 do CC/2002. Nesse sentido: STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.618.680/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe de 11/09/2018; AgInt nos EDcl no AREsp 947.006/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), QUARTA TURMA, DJe de 21/05/2018. XII. Reforça tal compreensão o disposto no art. 79 da Lei 11.196/2005, segundo o qual, no caso de morte do segurado, "os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ou procedimento semelhante". XIII. Não integrando a herança, isto é, não se tratando de transmissão causa mortis, está o VGBL excluído da base de cálculo do ITCMD. Nessa linha, a Resposta à Consulta Tributária 5.678/2015, em que o Fisco paulista conclui pela não incidência do ITCMD, na espécie. XIV. Registre-se que, em precedentes recentes, a Terceira Turma do STJ tem reconhecido a natureza de "investimento" dos valores aportados ao plano VGBL, durante o período de diferimento, assim entendido "o período compreendido entre a data de início de vigência da cobertura por sobrevivência e a data contratualmente prevista para início do pagamento do capital segurado" (art. 5º, XXI, da Resolução 140/2005, do Conselho Nacional de Seguros Privados), de modo que seria possível a sua inclusão na partilha, por ocasião da dissolução do vínculo conjugal. Reconhece, ainda, que "a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante, no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumular ao longo da vida". Nesse sentido: STJ, REsp 1.880.056/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 22/03/2021; REsp 1.698.774/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 09/09/2020. XV. O aludido entendimento, contudo, não parece contradizer a tese ora esposada. Primeiro, porque ali estava em questão, não o art. 794, mas o art. 1.659, VII, do CC/2002, que dispõe sobre os bens excluídos do regime da comunhão parcial de bens. Em segundo lugar, porque, com a morte do segurado, sobreleva o caráter securitário do plano VGBL, sobretudo com a prevalência da estipulação em favor do terceiro beneficiário, como deixa expresso o art. 79 da Lei 11.196/2005. XVI. Não se descarta a hipótese em que o segurado pratique atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do ITCMD. Nesse caso, incumbe à Administração tributária comprovar a situação e efetuar o lançamento tributário, nos termos do parágrafo único do art. 116 do CTN. Isto, porém, não foi o que ocorreu, na espécie, não tendo o Estado agitado qualquer alegação nesse sentido. XVII. Recurso Especial conhecido e improvido. (REsp n. 1.961.488/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 16/11/2021, DJe de 17/11/2021.) Por fim, observo que existindo expressa previsão legal para isenção do Imposto de Renda sobre os valores recebidos de plano de previdência privada, sendo que o artigo 176, caput, do Código Tributário Nacional, prescreve que as isenções decorrem da lei e devem atender aos requisitos e condições legais. Assim, os impetrantes possuem direito à isenção sobre o resgate dos valores de VGBL e PGBL, objeto da presente ação. Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial, mantendo o julgado contido na Sentença. É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A controvérsia diz respeito à incidência de isenção do IRPF sobre os valores recebidos pelos beneficiários em razão do falecimento de participante de Plano de Previdência Privada, nas modalidades VGBL e PGBL.
Os impetrantes defendem a natureza jurídica previdenciária dos valores decorrentes de aposentadoria privada, invocando, em prol de sua tese, o art. 6º da Lei nº 7.713/88 e o art. 35 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/18), a saber:
Lei nº 7.713/88:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas:
(...)
VII - os seguros recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou invalidez permanente do participante. (Redação dada pela Lei nº 9.250, de 1995)
Decreto nº 9.580/18:
Art. 35. São isentos ou não tributáveis:
(...)
II - os seguintes rendimentos pagos pelas previdências públicas e privadas:
(...)
l) os seguros recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou de invalidez permanente do participante (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, caput , inciso VII);
Com efeito, os seguros pagos pelas entidades de previdência privada, em razão da morte ou da invalidez permanente do participante, tornaram-se isentos do imposto de renda a partir da entrada em vigor da Lei n. 9.250/95 (o art. 32 do referido Diploma Legal conferiu nova redação ao artigo 6º, inciso VII, da Lei nº 7.713/88, conforme acima destacado).
Todavia, o artigo 33 da mesma Lei n. 9.250/95 previu expressamente a tributação dos benefícios pagos por estas entidades, bem como a incidência do IR sobre os resgates das contas dos participantes, in verbis:
“Art. 33. Sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte e na declaração de ajuste anual os benefícios recebidos de entidade de previdência privada, bem como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições” (g.n.)
A leitura conjunta dos artigos referenciados conduz a uma necessária e importante definição do alcance pretendido pelo legislador com o termo seguro, a fim de evitar equívocos na aplicação da isenção prevista no artigo 6º, inciso VII, da Lei nº 7.713/88.
O tema relacionado aos seguros foi tratado de forma pormenorizada em capítulo específico do Código Civil (Capítulo XV – Do Seguro). Para o que interessa aqui, trago à baila os seguintes dispositivos:
“Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
(...)
Art. 776. O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa.
Art. 777. O disposto no presente Capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias.”
Ainda no que diz respeito ao conceito e às características dos seguros, cito as lições de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, no Código Civil Comentado, 12ª Edição, editora Revista dos Tribunais:
6. Conceito. “Toda operação de seguro representa, em última análise, a garantia de um interesse contra a realização de um risco, mediante o pagamento antecipado de um prêmio. Os essentialia negotii são, portanto, quatro: o interesse, o risco, a garantia, o prêmio” (Comparato. Novos ensaios, p. 353).
(...)
8. Contrato de seguro. Relação de consumo. Elementos subjetivos. Os elementos subjetivos da relação de consumo são o fornecedor e o consumidor. O fornecedor é todo aquele – pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, com ou sem personalidade jurídica – que exerce atividade econômica no mercado de consumo, como, por exemplo, o fabricante, o industrial, o produtor, o prestador de serviços, etc. (...)
(...)
9. Produto. É qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial (CDC 3º, §1º), o que faz com que praticamente tudo que puder satisfazer a necessidade do ser humano seja caracterizado como produto, objeto da relação de consumo.
10. Serviço. É aquele fornecido no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive o de natureza bancária e securitária (CDC 3º§2º). (...)
(...)
12. Seguradora. É a entidade legalmente autorizada pelo poder público a operar na aceitação de riscos.
13. Casuística.
(...)
Jornada III DirCiv STJ 185: “A disciplina dos seguros do CC e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”.
(Comentários ao art. 757, pags. 1272/1275)
Verifica-se, portanto, que o seguro possui regramento legal específico e características próprias, e, ainda que passível de ser contratado pelas entidades jurídicas de previdência privada, não pode (o seguro) ser confundido ou equiparado aos (demais) benefícios pagos pelas instituições de previdência privada ou mesmo às importâncias correspondentes ao resgate de contribuições, estas, como se viu, sujeitas à incidência do imposto de renda.
Em outras palavras, o seguro reveste-se do caráter de benefício de risco, vinculado ao pagamento de um prêmio que garanta legítimo interesse do segurado, e deve ser contratado especificamente para o fim a que se destina. Robustecendo essa argumentação, registro que a Secretaria da Receita Federal do Brasil, na Solução de Consulta Cosit nº 99042/2017, trouxe importantes considerações acerca da incidência do imposto de renda sobre os rendimentos de previdência complementar e o alcance da isenção sobre os seguros:
“Os benefícios recebidos de entidades de previdência complementar, bem como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições, observadas as isenções elencadas no art. 39, incisos XXXVIII e XLIV, do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 - Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), serão tributados:
I) na fonte, como antecipação e sujeitos ao ajuste anual na declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF); ou
II) por opção do participante tributado, por alíquotas decrescentes segundo o prazo de acumulação, exclusivamente na fonte.
A importância paga em prestação única, em razão de morte ou invalidez permanente do participante, correspondente a reversão das contribuições efetuadas ao plano, acrescida ou não de rendimentos financeiros, não caracteriza pagamento de pecúlio (seguro) e portanto é tributável na fonte, como antecipação do imposto devido na Declaração de Ajuste Anual (DAA) da pessoa física ou tributação exclusiva na fonte quando houve opção pelo regime de alíquotas decrescentes em função do prazo de acumulação - Lei nº 11.053, de 29 de dezembro de 2004, art. 1º.
São isentos do imposto sobre a renda os seguros recebidos de entidade de previdência complementar decorrentes de morte ou invalidez permanente do participante. A expressão “seguros” utilizada no inciso VII do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, tem o significado de pecúlio recebido de uma só vez.
Entende-se por pecúlio, apenas, o benefício pago em parcela única por entidade de previdência complementar, em virtude da morte ou invalidez permanente do participante de plano de previdência, assim entendido como benefício de risco, com característica de seguro, previsto expressamente no plano de benefício contratado.” (grifos nossos)
Diante desse contexto, portanto, não se pode cogitar da isenção do imposto de renda em relação ao resgate das contribuições ou aos proventos de benefícios pagos por entidade de Previdência Privada a partir de 31/12/1995, véspera da entrada em vigor da Lei n. 9.250/95.
Em situação análoga, o C. Superior Tribunal de Justiça reconheceu o término da isenção sobre os valores dos benefícios recebidos de entidades privadas a partir do advento da Lei n. 9.250/95, nos termos do entendimento firmado quando do julgamento do REsp 1.086.492/PR (Tema Repetitivo n.º 366/STJ) sob o regime dos recursos representativos de controvérsia, in verbis:
"A complementação da pensão recebida de entidades de previdência privada, em decorrência da morte do participante ou contribuinte do fundo de assistência, quer a título de benefício quer de seguro, não sofre a incidência do Imposto de Renda apenas sob a égide da Lei 7.713/88, art. 6º, VII, "a", que restou revogado pela Lei 9.250/95, a qual, retornando ao regime anterior, previu a incidência do imposto de renda no momento da percepção do benefício" (g.n.)
Depreende-se do judicioso voto do e. Ministro Relator, o entendimento no sentido de que a melhor interpretação a ser dada aos artigos 32 e 33 da Lei nº 9.250/95 é aquela no sentido da efetiva incidência do tributo sobre os valores dos benefícios recebidos de entidades privadas, limitando-se a isenção do imposto de renda aos “seguros percebidos do fundo”. Trago o excerto:
“Deveras, da leitura conjunta dos arts. 32 e 33 da Lei nº 9.250/95, sobressai, soberana, a mens legis de suprimir a "isenção" do imposto de renda, antes concedida, incidente sobre benefício decorrente de morte ou invalidez permanente do participante. Isso porque a dicção do art. 32 faz com que a "isenção" recaia tão-somente sobre os seguros percebidos do fundo em decorrência de morte ou invalidez do participante, enquanto o art. 33, corroborando o dispositivo anterior, prevê expressamente a incidência do imposto no momento da percepção do benefício ou resgate. Interpretar a expressão "seguro", contida no art. 32, como inclusiva do benefício de pensão por morte, consubstancia grave equívoco, a ensejar não apenas afronta ao art. 33, como também a completa ausência de tributação, ante a ausência de previsão legal que institua a cobrança do imposto de renda quando do aporte ao fundo, o que beneficia tão-somente os dependentes daquele que falecer na vigência da Lei 9.250/95, em afronta ao princípio da isonomia.
Ademais, interpretação diversa geraria conflito entre os incisos VII e XV, da Lei 7.713/88, porquanto este último prevê a ausência de tributação até o valor estipulado a partir do mês em que o contribuinte completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, com tributação do valor excedente. Ora, se acolhida a tese de que o inciso VII prevê a não-incidência sobre o montante total, o inciso XV ver-se-ia sem sentido nem utilidade, opondo-se à essência legislativa de que na lei não há espaço para palavras inúteis.” (grifos nossos)
Portanto, no caso concreto, ausente a comprovação de que os valores a serem recebidos pelos beneficiários do falecido participante se revestem do caráter de seguro (ou seja, que decorrem de contratação específica com a entidade de previdência privada, mediante cláusula expressa constante da avença), não há que se cogitar da isenção do imposto de renda, nos termos do artigo 6º, VII, da Lei n. 7713/88.
Por outro lado, os valores restituídos aos herdeiros do contratante de plano de previdência privada (PGBL ou VGBL), em decorrência do princípio da saisine, são imediatamente a eles transferidos e, em decorrência do regime de tributação diferido, devem ser submetidos à incidência do IRPF. Ora, se o mencionado tributo deveria ser pago pelo titular do plano de previdência privada em vida, quando do seu resgate, é obrigação dos herdeiros, sob pena de locupletação, submetê-los à tributação e efetuar o pagamento do imposto sobre o acréscimo patrimonial correspondente.
Ao contrário, ao que tudo indica, como se trata de mero resgate de contribuições, tais valores estão sujeitos à incidência do imposto de renda, a teor do artigo 33 da Lei n. 9250/95, conforme já consignou, em situação análoga, o C. Superior Tribunal de Justiça no seguinte precedente que trago à colação:
“TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA - INDENIZAÇÃO DE SEGURO - ISENÇÃO - INVESTIMENTO EM FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA - NOVO FATO GERADOR - HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA - PROCESSUAL CIVIL - ALEGADA OMISSÃO - EFEITOS INTEGRATIVOS - PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS - IMPOSSIBILIDADE.
1. A Segunda Turma desta Corte houve por bem reformar o acórdão regional ao entender, por unanimidade, que quando o capital, então isento, recebido a titulo de seguro de vida pela ora embargante passou a integrar seu patrimônio, e optou ela por investir em fundo de previdência privada, tornou-se não mais invocável a regra da isenção, uma vez que se trata de outro fato gerador, pois o art. 33 da Lei n. 9.250/95 prevê que o resultado deste investimento deve ser tributado.
2. A embargante, inconformada, insurge-se contra o excerto do voto condutor do acórdão embargado que a autora aplicou "mais outra quantia" além do valor total da indenização por morte de seu marido.
3. Nos termos de jurisprudência pacífica do STJ, que "o julgador não está obrigado a responder todas as considerações das partes, bastando que decida a questão por inteiro e motivadamente" (REsp 415.706/PR, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 12.8.2002), como ocorreu na hipótese ora em apreço.
4. Todavia, para que a omissão apontada não gere mais celeuma no presente feito, e ainda para se evitar a oposição de novos e insistentes embargos contendo referida alegação, traz-se à colação trecho do voto condutor do acórdão regional, o qual evidencia o afirmado.
5. Descabe ao STJ examinar na via especial, nem sequer a título de prequestionamento, eventual violação de dispositivo constitucional;
tarefa reservada ao Supremo Tribunal Federal.
Embargos de declaração acolhidos em parte, sem efeitos modificativos, tão-somente, para sanar a omissão apontada.
(EDcl no REsp n. 961.016/PR, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 10/6/2008, DJe de 24/6/2008.)
Ante o exposto, pedindo vênias para divergir de Sua Excelência, dou provimento à remessa necessária e à apelação da União para, a teor do artigo 487, I, do CPC, denegar a segurança.
Custas na forma da lei. Sem condenação em honorários advocatícios, conforme disposição do artigo 25 da Lei n.º 12.016/09.
E M E N T A
TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE A RENDA – RESGATE DE VGBL E PGBL – MORTE DO CONTRATANTE – ISENÇÃO
1. É isento da exação do imposto de renda o resgate de planos de previdência privada decorrente da morte ou invalidez permanente, a teor do artigo 6º, VII, da Lei nº 7.713/1988 e artigo 35, II, alínea “I”, do Decreto 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda).
2. A União sustenta que a isenção do Imposto de Renda só se aplica aos benefícios e não ao resgate dos valores. Ocorre que, o legislador não diferenciou entre resgate e benefício, assim não cabe ao interprete fazê-lo.
3. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem decidido que os valores de resgate de VGBL e PGBL se revestem de natureza secundária, entendimento que foi sintetizado na Ementa do REsp 1.961.488/RS.
4. Existindo expressa previsão legal para isenção do Imposto de Renda sobre os valores recebidos de plano de previdência privada, sendo que o artigo 176, caput, do Código Tributário Nacional, prescreve que as isenções decorrem da lei e devem atender aos requisitos e condições legais. Assim, os impetrantes possuem direito a isenção sobre o resgate dos valores de VGBL e PGBL, objeto da presente ação.
5. Apelação e remessa oficial não providas.