APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5010444-49.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: RICARDO DOS SANTOS ANDRADE
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO CALVENTE GARCIA - SP203502-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5010444-49.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: RICARDO DOS SANTOS ANDRADE Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO CALVENTE GARCIA - SP203502-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Tratam-se de remessa necessária e apelação interposta por Ricardo dos Santos Andrade contra sentença que indeferiu a petição inicial e julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, da presente ação popular, por ele proposta em face da Caixa Econômica Federal, objetivando a suspensão dos efeitos do Pregão Eletrônico nº 00078/2022 desta empresa pública federal, a anulação de eventuais atos subsequentes à divulgação do edital, bem como a determinação judicial para fins de republicação do edital, para que seja concedido prazo de 15 dias úteis, para a apresentação das propostas, a partir da divulgação do instrumento convocatório. Narra a inicial que a Caixa Econômica Federal, por meio do Pregão Eletrônico nº 0078/2022 (do tipo menor preço), pretendeu contratar serviços de transporte, tratamento, emalotamento e guarda de valores. Relata que, entre a data da divulgação do instrumento convocatório (22/03/2022) e a data designada para a apresentação das propostas (04/04/2022), transcorreram 09 dias úteis, ensejando a violação da norma prevista no art. 39, II, “a” da Lei nº 13.303/16, que dispõe sobre o prazo mínimo de 15 dias úteis, quando adotado o critério de julgamento “menor preço”, nos procedimentos licitatórios. Defende que o referido certame violou os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, vinculação ao instrumento convocatório, dentre outros previstos na Lei de Licitações. Sustenta que a nulidade da licitação não vincula as partes, mas torna nula o contrato, a teor do art. 62 da Lei nº 8.666/93. Regularmente processado o feito, sobreveio sentença que indeferiu a petição inicial e declarou encerrado o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, I e VI do CPC/15 (ID 261582291). Irresignado, o autor interpôs apelação, pugnando pela “reforma da sentença”, para que seja reconhecido o seu interesse de agir na propositura desta demanda, ao fundamento de que o art. 5º, LXIII da CF, confere a legitimidade a qualquer cidadão para propor ação popular que vise a anular ato lesivo à moralidade administrativa e, no presente caso, a apelada infringiu o prazo mínimo entre a divulgação do instrumento convocatório e a data designada para a apresentação das propostas, em patente afronta ao art. 39, II, “a” da Lei nº 13.303/16, fazendo surgir o interesse de agir. Alega que, diversamente do consignado na r. sentença, a comprovação da lesividade do ato questionado não é requisito para o ajuizamento da ação popular. Sustenta que, ao contrário do que constou na sentença, a presente ação popular não objetiva o cumprimento de obrigação de fazer e sim a declaração de nulidade do edital do Pregão Eletrônico, quanto ao prazo de apresentação das propostas, anulando-se eventuais atos subsequentes à divulgação do edital impugnado, o que, por corolário, implicaria na republicação do edital. Requer seja “dado provimento à presente apelação com o intuito de que seja anulada a r. sentença que extinguiu a ação sem o julgamento do mérito, determinando-se o regular prosseguimento da ação para o julgamento do mérito”. Com contrarrazões da CEF (ID 261582299). Parecer ministerial pelo desprovimento da remessa necessária e da apelação interposta pelo autor, mantendo-se a r. sentença, pelos seus próprios fundamentos (ID 262037923). É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5010444-49.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: RICARDO DOS SANTOS ANDRADE Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO CALVENTE GARCIA - SP203502-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O cerne da controvérsia diz respeito à aferição do interesse de agir da parte autora no ajuizamento da presente ação popular, para fins de anulação (ou não) da r. sentença e regular prosseguimento do feito. Depreende-se da inicial que o autor pretende (ID 261581919, fl. 10): “(...) No mérito, julgar procedente, com vistas a declarar a nulidade do edital do Pregão Eletrônico nº 0078/2022 da Caixa Econômica Federal quanto ao prazo de apresentação de propostas, anulando-se eventuais atos subsequentes à divulgação do edital ora impugnado, assim como determinar republicação do edital, a fim de que seja concedido o prazo de 15 dias úteis para apresentação das propostas a partir da divulgação do instrumento convocatório, em conformidade com o art. 39, II, ‘a’ da Lei 13.303/16”. Ainda, consta da inicial que a causa de pedir se centra na alegada violação dos princípios atinentes ao procedimento licitatório (legalidade, moralidade, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo entre outros), em virtude de afronta à norma contida no art. 39, II, “a” da Lei nº 13.303/2016, que prevê o prazo mínimo de 15 dias úteis para a apresentação das propostas. Sustenta que a Caixa Econômica Federal promoveu o Pregão Eletrônico nº 0078/2022 (do tipo menor preço), através do qual se pretendeu a contratação de "serviços de transporte, tratamento, emalotamento e guarda de valores". Alega que, ao arrepio da lei, o aludido edital previu o transcurso de 9 dias úteis entre a data da divulgação do instrumento convocatório (22/03/2022) e a data designada para apresentação das propostas (04/04/2022). Compulsando os autos, verifica-se que a r. sentença indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução do mérito, ao fundamento de ausência de interesse de agir (pelo binômio necessidade-utilidade) e inadequação da via eleita, conforme transcrito abaixo (ID 261582292): “Da dicção legal e constitucional extrai-se que o objeto da Ação Popular é o combate ao ato lesivo ao patrimônio público, buscando sua anulação ou a declaração de sua nulidade. Outrossim, o ordenamento jurídico coloca à disposição dos interessados diversos mecanismos para atuação na defesa do patrimônio público, entre eles aquele previsto pelo § 1º, do artigo 87, da Lei nº 13.303/16, verbis: (...) No caso dos autos, além da ausência de comprovação da lesividade do ato questionado, o autor não utilizou a previsão legal colocada à sua disposição, deixando de impugnar o edital aqui questionado. Nesse cenário, não está presente o binômio necessidade-adequação, do que se conclui restar descaracterizado o interesse de agir. O interesse de agir, assim, é caracterizado pela necessidade de intervenção do Poder Judiciário para plena satisfação do interesse postulado pelo requerente, posto que, configurada a resistência do réu, mostra-se inviável a composição entre as partes. Mister, ainda, esteja presente a utilidade da providência requerida, tendo em vista a própria natureza da atividade jurisdicional. Ressalte-se, ainda, que a presente ação foi ajuizada em 06/05/2022, ou seja, após encerrado o certame (12/04/2022) e depois de celebrado o contrato com a empresa vencedora, em19/04/2022. Ainda que assim não fosse, o autor, além da nulidade do edital, também pretende a “republicação do edital, a fim de que seja concedido o prazo de 15 dias úteis para apresentação das propostas a partir da divulgação do instrumento convocatório, em conformidade com o art. 39, II, “a”, da Lei 13.303/16. O art. 11 da Lei nº 4.717/65 dispõe que a sentença, ao julgar procedente a Ação Popular, deverá decretar a invalidade do ato impugnado e condenar os responsáveis e beneficiários ao pagamento de perdas e danos. Nesse cenário, assume especial relevo a dupla finalidade do remédio constitucional: anular o ato lesivo e condenar os responsáveis pela sua prática. No caso dos autos, o que se pretende também é a condenação da ré em obrigação de fazer (republicação do edital), evidenciando a inadequação da via eleita ao pleito pretendido, dado que a ação popular não se presta à condenação em obrigação de fazer e de não fazer”. A r. sentença merece reparos, parcialmente. Vejamos. Inicialmente, no que pertine à ausência da condição da ação, o interesse de agir, cumpre mencionar que o esgotamento da via administrativa não é pressuposto para o regular exercício da pretensão de agir na via judicial, sob pena de violação ao princípio constitucional da inafastabilidade de jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV da CF/18. Nesse sentido, pacífica a jurisprudência da Corte Superior, no sentido da desnecessidade de formulação de esgotamento da via administrativa, como requisito para o aviamento de ação judicial. Confiram-se: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ANISTIA. VIA ADMINISTRATIVA. ESGOTAMENTO. DESNECESSIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACUMULAÇÃO COM REPARAÇÃO ECONÔMICA, PREVISTA NA LEI 10.559/2002. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. II. Na origem, trata-se de ação ordinária objetivando a condenação da União ao pagamento de reparação econômica de caráter indenizatório prevista na Lei 10.559/2002, decorrentes de atos praticados durante o regime militar. O Juízo de 1º Grau julgou procedente o pedido, condenando a União ao pagamento de reparação econômica de caráter indenizatório, em prestação única, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), em favor da parte autora, nos termos do art. 4º da Lei 10.559/2002. Por sua vez, o Tribunal local reformou a sentença, para julgar improcedente o pedido, reconhecendo a falta de interesse de agir, ao fundamento de que "o recorrido ainda está com a sua situação em exame perante a comissão de anistia". Ainda segundo o acórdão recorrido, "tal reparação não pode ser cumulada com outra indenização com o mesmo fundamento - afastamento ilegal - por expressa disposição legal". III. Contudo, "'no tocante à necessidade de exaurimento prévio da via administrativa para o ingresso de demanda judicial, o entendimento das duas Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte é no sentido de que o não-esgotamento da via administrativa não resulta em falta de interesse de agir capaz de obstar o prosseguimento do pleito repetitivo' (AgRg no REsp 1.190.977/PR, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe 28/9/10)" (STJ, REsp 1.323.405/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 11/12/2012). (...) V. Agravo interno improvido”. (AgInt no REsp n. 1.685.929/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 23/5/2022, DJe de 27/5/2022) “ADMINISTRATIVO. SERVIDOR MUNICIPAL. AÇÃO DE COBRANÇA. DEVOLUÇÃO DE VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE. INTERESSE DE AGIR. EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. PRETENSÃO RESISTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. O aresto recorrido não destoa da jurisprudência deste Superior Tribunal assente no sentido de que "o esgotamento da instância administrativa não é condição para o ingresso na via judicial" (AgRg no AREsp 217.998/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 18/09/2012, DJe 24/09/2012). 2. Configurado o interesse de agir e julgado procedente o pedido do autor, cabível a condenação da parte vencida ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Ademais, a alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem acerca da aplicação do princípio da causalidade, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STJ - AgRg no AREsp: 622282 RJ 2014/0308828-6, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 17/03/2016, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/04/2016) Recentemente, esta Terceira Turma Julgadora aplicou o mesmo entendimento das Cortes Superiores, ao afastar a tese de falta de interesse de agir, por ausência de impugnação do edital na via administrativa, em caso semelhante, tratando-se de mera faculdade daquele que participa do certame. Confira-se: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PREGÃO ELETRÔNICO. PRAZO DE OFERTA DE PROPOSTAS. LEI 13.303/2016, ARTIGOS 39 E 87. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REFORMA. ARTIGO 87, § 1º, DA LEI 13.303/2006. INSTRUMENTO LEGAL DE AMPLIAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL DE ATOS PRATICADOS POR EMPRESAS ESTATAIS. FACULDADE LEGAL E NÃO CONDIÇÃO DA AÇÃO. FORTALECIMENTO DA BASE CONSTITUCIONAL E LEGAL DE CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL AFASTADA. REMESSA NECESSÁRIA PROVIDA. 1. É sensível a questão do acesso à via judicial, ainda que previsto contencioso administrativo, não sendo possível, em princípio e de forma ampla, validar a exigência de provocação administrativa como condição para o exercício do direito de petição diante da garantia constitucional do amplo acesso ao Poder Judiciário. 2. É de duvidosa constitucionalidade a interpretação de que a provocação administrativa - e, com maior razão, o próprio exaurimento - possa constituir, de forma absoluta, condição para o exercício do direito de ação. Embora a lei possa criar condições para ajuizar ação, a razoabilidade da prescrição deve ser aferida para não tolher direito fundamental de acesso à jurisdição e, ao mesmo tempo, não inviabilizar a própria prestação jurisdicional, como tem ocorrido em ações previdenciárias em que, notoriamente, a instância judicial é diretamente provocada como forma de contornar dificuldade de acesso ou demora no trâmite de pedidos administrativos. A Suprema Corte, ao tratar da exigência de prévia provocação administrativa como condição para o exercício do direito de ação, envolvendo benefício previdenciário, fixou teses que corroboram o caráter estrito da exigência de prévia provocação administrativa, ressalvando situações em que o direito de ação pode ser diretamente exercido, a demonstrar que deve ser interpretada com proporção e razoabilidade a fixação por lei de tal espécie de condição para a propositura de ação. 3. Em princípio, pois, a previsão legal de acesso à instância administrativa deve servir de instrumento para fortalecer os meios de impugnação de ato administrativo, e não para vedar o exercício do direito de ação. O legislador deve ampliar meios de impugnação para permitir, além do acesso universal ao Judiciário, enquanto garantia constitucional, vias alternativas e eficientes de discussão diretamente administrativa com o fim de permitir solução mais célere e reduzir a notória sobrecarga do serviço judiciário. 4. A previsão do artigo 87, § 1º, da Lei 13.303/2016 deve ser interpretada no contexto de ampliação de meios de discussão da validade de atos administrativos, permitindo amplo controle social do aparato estatal. O preceito confere legitimidade para qualquer cidadão "impugnar edital de licitação, por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a ocorrência do certame, devendo a entidade julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 2º". Além da impugnação direta junto à própria entidade licitante, prevê o § 2º do artigo 87 da Lei 13.303/2016 o direito de qualquer cidadão à representação "ao tribunal de contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei". 5. A exiguidade do prazo previsto no § 1º do artigo 87 da Lei 13.303/2016 que, associada à dificuldade de acesso a dados e informações administrativas - ainda que não seja este o caso específico dos autos - e à complexidade dos temas envolvidos na impugnação de atos administrativos, restringe a eficácia da provocação administrativa é indicação clara de que não cabe conferir à previsão do direito de qualquer cidadão impugnar administrativamente o edital o atributo de condição legal, a ser vencida, para o exercício do direito de ação. 6. A circunstância de ter o autor sido eficiente, pois ajuizou ação popular na mesma data da publicação do edital, não permite concluir que devesse ser dele exigida, para efeito de admissibilidade da demanda judicial, prévia provocação da ilegalidade perante a própria CEF, dado que, como destacado, o § 1º do artigo 87 da Lei 13.303/2016 deve ser compreendido como meio alternativo, instituído para ampliar a fiscalização social dos atos das empresas estatais, e não como condição da ação popular, pois, se assim fosse admitido, o resultado de tal interpretação seria, certamente, a redução e vulneração do bem jurídico tutelado, que constitui a essência do artigo 5º, LXXIII, da Lei Maior, que assegura e institui o princípio do controle judicial da validade de atos administrativos, quando reputados lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. 7. Não se revela, pois, condizente com premissas essenciais da Constituição Federal e da própria Lei 13.303/2016, acolher a tese de falta de interesse de agir do autor popular, por não ter exercido a faculdade de impugnar administrativamente o edital do pregão eletrônico, conforme previsto no § 1º do artigo do artigo 87 da legislação, que trata do regime jurídico das empresas estatais, cujo controle social e judicial, na linha do que revelam fatos históricos, é essencial à garantia de valores republicanos e inerentes ao Estado de Direito. 8. Remessa necessária provida”. (RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL / SP 5006577-48.2022.4.03.6100, Rel. Des. Federal CARLOS MUTA, TERCEIRA TURMA, j. 06/03/2023, DJe 09/03/2023) Ainda que se não fosse, uma vez configurado o mero risco à lesão aos princípios administrativos, insculpidos na Constituição Federal e reproduzidos na legislação afeta aos procedimentos licitatórios, é o suficiente para se configurar o interesse de agir do autor da ação popular, enquanto condição da ação. Ao contrário do que consta na r. sentença, o ajuizamento da ação popular, que tenha como objeto a anulação de ato lesivo à moralidade administrativa, não depende da comprovação da lesividade do ato administrativo questionado, na medida em que a lesão material ao erário afigura-se como requisito prescindível, à luz da jurisprudência do STJ. Confira-se (grifei): “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. ART. 535 DO CPC. OFENSA NÃO CONFIGURADA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO DOS RECORRIDOS POR ATO DE IMPROBIDADE. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA DO AUTOR POPULAR. LICITAÇÃO FRAUDULENTA, NA MODALIDADE CARTA-CONVITE E TIPO MENOR PREÇO. OBRA DE TERRAPLANAGEM DE PLATÔ EM BAIRRO DO MUNICÍPIO DE POUSO ALEGRE/MG. VALOR DA OBRA ORÇADO EM RS 14.513,20 POR PERITO JUDICIAL. EMPRESA VENCEDORA DA LICITAÇÃO QUE APRESENTA PROPOSTA NO IMPORTE DE R$ 128.093,68. OFENSA À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. CONDENAÇÃO DOS RECORRIDOS NA DEVOLUÇÃO DO VALOR QUE EXTRAVASOU O OBJETO DO CONTRATO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A ofensa ao art. 535 do CPC, somente tem guarida quando o acórdão objurgado se omite na apreciação de questões de fato e de direito relevantes para a solução da causa. 2. O autor popular carece de legitimidade ativa para pleitear a condenação de qualquer pessoa por ato de improbidade administrativa: essa legitimidade pertence somente ao Ministério Público e à pessoa jurídica interessada (art. 17 da Lei 8.429/92). 3. In casu, restaram incontroversos os seguintes fatos: o ex-Prefeito do Município de Pouso Alegre/MG contratou, mediante prévia licitação na modalidade Carta-Convite e tipo Menor Preço (Edital 45/95), serviços com a Construtora recorrida, para a execução da obra de terraplanagem de platô, para implantação de área de lazer no Bairro São João, no valor de R$ 128.093,68; de acordo com o acórdão prolatado em sede de Apelação, o laudo pericial, contudo, concluiu que o serviço deveria ter o custo de R$ 14.513,20 (fls. 1.172); sendo que os próprios recorridos afirmaram que o contrato foi superfaturado, para abranger, além do custo da obra contratada, débitos que o Município de Pouso Alegre/MG possuía com a Construtora. 4. De acordo com o acórdão objurgado, o perito assegurou que, se for levado em consideração apenas o valor do custo da obra contratada, houve lesão ao Erário, mas, por outro lado, se forem levados em consideração os débitos que o Ente Municipal possui com a Empresa, não houve prejuízo, considerando que o Município de Pouso Alegre/MG ainda possui dívidas com a Empresa Construtora. 5. Nos casos em que o ajuizamento da Ação Popular tem como objeto a anulação de ato lesivo à moralidade administrativa, a comprovação de lesão material ao Erário é prescindível. Precedentes do STJ: REsp. 986.752/RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 06.12.2012; AgRg nos EDcl no REsp. 1.096.020/SP, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 04.11.2010. 6. A ofensa à moralidade administrativa objeto de Ação Popular atrela-se, muitas vezes, ao movel do administrador, nos casos em que suas intenções desvirtuam-se dos interesses públicos. 7. Na hipótese dos autos, a intenção dos recorridos (compensação de dívidas), ao realizar a contratação, restou desvirtuada do interesse público almejado pela licitação do tipo Menor Preço, que busca a escolha da proposta que atenda às especificações do Convite e apresente o menor preço, em clara ofensa à moralidade administrativa. 8. Recurso Especial parcialmente provido, tão somente para condenar a Construtora recorrida e o ex-Prefeito a devolverem ao Município de Pouso Alegre/MG o valor que extravasou o montante em que, de acordo com o perito, a obra deveria ter sido orçada e paga”. (REsp n. 1.071.138/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 10/12/2013, DJe de 19/12/2013) Inclusive, a Suprema Corte editou o Tema 836 da repercussão geral, afirmando que: “Não é condição para o cabimento da ação popular a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, dado que o art. 5º , inciso LXXIII , da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material, moral, cultural ou histórico do Estado ou de entidade de que ele participe". O referido tema foi analisado no leading case ARE 824.781, com repercussão geral reconhecida, por meio do qual o Plenário do STF reafirmou a jurisprudência já consolidada no âmbito da Suprema Corte, com trânsito em julgado em 17/11/2015. Confira-se a ementa do acórdão: “EMENTA Direito Constitucional e Processual Civil. Ação popular. Condições da ação. Ajuizamento para combater ato lesivo à moralidade administrativa. Possibilidade. Acórdão que manteve sentença que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, por entender que é condição da ação popular a demonstração de concomitante lesão ao patrimônio público material. Desnecessidade. Conteúdo do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal. Reafirmação de jurisprudência. Repercussão geral reconhecida. 1. O entendimento sufragado no acórdão recorrido de que, para o cabimento de ação popular, é exigível a menção na exordial e a prova de prejuízo material aos cofres públicos, diverge do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal. 2. A decisão objurgada ofende o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, que tem como objetos a serem defendidos pelo cidadão, separadamente, qualquer ato lesivo ao patrimônio material público ou de entidade de que o Estado participe, ao patrimônio moral, ao cultural e ao histórico. 3. Agravo e recurso extraordinário providos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência”. (ARE 824781 RG, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203 DIVULG 08-10-2015 PUBLIC 09-10-2015) Desse modo, na hipótese dos autos, estão presentes as condições da ação, quais sejam, a legitimidade do autor, ora cidadão, nos termos do art. 5º, LXXIII da CF/88 c/c art. 1º da Lei nº 4.717/69, no exercício da soberania popular; e o interesse de agir, qualificado pela necessidade, utilidade e adequação, o que corrobora para o recebimento da petição inicial. Há necessidade quando o bem da vida buscado pela parte autora não pode ser obtido sem a intervenção do Poder Judiciário e, na espécie, o contrato já estava formalizado quando o autor propôs a presente ação popular. Ainda, para a configuração da necessidade, basta que tenha havido uma mera lesão ou ameaça de lesão ao direito. Por sua vez, a utilidade se relaciona com a possibilidade de se gerar um resultado útil, favorável ou proveitoso ao demandante, mas não só a ele - já que a ação popular não se presta à defesa de interesses particulares - , antes deve gerar um proveito de interesse coletivo, de um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. Na espécie, tais pessoas são todas aquelas envolvidas na participação do certame, objeto da presente ação popular, qual seja, o Pregão Eletrônico nº 0078/2022. Já a adequação diz respeito à pertinência entre o pedido formulado e o procedimento ou o tipo de processo escolhido, não havendo que se falar em inadequação processual da presente ação popular, na espécie. De outro lado, no tocante ao pleito de republicação do edital, de fato, a ação popular não se revela o meio processual adequado para se determinar o cumprimento de obrigação de fazer, à luz do art. 11 da Lei nº 4. 717/65, senão vejamos: “Art. 11. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa”. Nessa linha, colho os seguintes precedentes (grifei): “ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. REMESSA NECESSÁRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO DE MODIFICAÇÃO DE EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ART. 5º, LXXIII, CF. ATO LESIVO. JULGAMENTO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A ação popular tem cabimento para o fim específico da anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade, ao patrimônio histórico e cultural ou, ainda, ao meio ambiente, nos termos do art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, não sendo servil à pretensão de imposição de obrigação de fazer ou não fazer. Desta forma, inviável o conhecimento do pedido formulado na inicial, pois visa à determinação de modificação de edital de concurso público. 2. Remessa necessária a que se nega provimento. Mantida a sentença de primeiro grau que reconheceu a inadequação da ação popular”. (TRF-4 - AC: 50624756020214047100 RS 5062475-60.2021.4.04.7100, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 01/02/2022, TERCEIRA TURMA) “AÇÃO POPULAR. PEDIDO CONSISTENTE EM OBRIGAÇÃO DE FAZER. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. Trata-se de remessa necessária de sentença, proferida em ação popular objetivando determinar o ressarcimento, por parte dos gestores públicos da União ordenadores das despesas, em virtude de ato/omissão pelas compras, com recursos públicos, de produtos alimentícios fora dos princípios norteadores dos atos da Administração Pública, na qual foi indeferida a petição inicial nos termos do art. 330, inciso III, do CPC, por inadequação da via eleita e julgado extinto o processo sem resolução do mérito, na forma do art. 485, inciso I, do CPC. 2. Na sentença, considerou-se: a) a ação popular somente é cabível para a anulação/invalidação de atos ilegais. Não se presta, desse modo, para veicular pretensões alusivas às obrigações de fazer, de não fazer ou de indenização, salvo, excepcionalmente, quando essas pretensões decorram diretamente do ato anulado; b) a ação popular somente admite pedidos de natureza declaratória ou desconstitutiva, objetivando a declaração de nulidade ou a anulação de atos administrativos lesivos ao patrimônio público, não se prestando, em regra, à condenação da parte em obrigação de fazer ou ao pagamento de indenização por perdas e danos (arts. 1º e 11 da Lei n. 4.717/65), afigurando-se cabível a extinção do processo, sem resolução do mérito, por inadequação da via eleita e, em razão de a ré ainda não ter sido citada, o indeferimento da exordial. 3. Esta Corte já entendeu pelo não cabimento de ação popular que visa `a obter [...] o cumprimento de obrigação de fazer e de não fazer, objetivo para o qual é adequada a ação civil pública (Lei 7.347/85, art. 3º), e não a ação popular, voltada para a invalidação de atos estatais ou de particulares, lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (Lei 4.717/65, art. 1º; Carta Magna, art. 5º, LXXIII) (TRF1, REO 0020686-71.2016.4.01.3400, Juiz Federal Convocado Leão Aparecido Alves, 5T, e-DJF1 de 15/02/2019). No mesmo sentido: TRF1, REO 0060441-03.2015.4.01.3800, Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, 6T, e-DJF1 de 24/02/2017; TRF1, REO 0006141-64.2014.4.01.3400, Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, 6T, e-DJF1 de 01/10/2018. 4. Negado provimento à remessa necessária”. (TRF-1 - REO: 10051372820214013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento: 25/04/2022, 6ª Turma, Data de Publicação: PJe 28/04/2022 PAG PJe 28/04/2022 PAG) Por fim, cumpre ressaltar que a análise da configuração do ato lesivo à moralidade administrativo e outros princípios de direito público é matéria de mérito, já que importa em avaliação da procedência ou não da pretensão inicial, e deve ser apreciada na origem, após a regular instrução processual, se o caso. Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa necessária e ao apelo do autor, para receber a petição inicial, anular parcialmente a r. sentença e determinar o regular prosseguimento do feito, apenas no tocante ao pleito de declaração de nulidade; mantendo-se a r. sentença no tocante ao pleito de republicação do edital do Pregão Eletrônico nº 0078/2022. É COMO VOTO.
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PREGÃO ELETRÔNICO. PERDA DE PRAZO PARA OFERECIMENTO DAS PROPOSTAS. LEI N. 13.303/2016. ARTIGOS 39 E 87. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO NO CERTAME. DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. INTERESSE DE AGIR. CONDIÇÕES DA AÇÃO PREENCHIDAS. PROSSEGUIMENTO DO FEITO QUANTO AO PLEITO DE NULIDADE DO EDITAL. PLEITO DE REPUBLICAÇÃO DO EDITAL. CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDAS.
01. O cerne da controvérsia diz respeito à aferição do interesse de agir da parte autora no ajuizamento da presente ação popular, para fins de anulação (ou não) da r. sentença e regular prosseguimento do feito.
02. Inicialmente, no que pertine à ausência da condição da ação, o interesse de agir, cumpre mencionar que o esgotamento da via administrativa não é pressuposto para o regular exercício da pretensão de agir na via judicial, sob pena de violação ao princípio constitucional da inafastabilidade de jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV da CF/18. Precedentes: STJ - AgRg no AREsp: 622282 RJ 2014/0308828-6, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, j. 17/03/2016, DJe 01/04/2016; TRF3 - RemNecCiv/ SP 5006577-48.2022.4.03.6100, Rel. Des. Federal CARLOS MUTA, TERCEIRA TURMA, j. 06/03/2023, DJe 09/03/2023.
03. Ao contrário do que consta na r. sentença, o ajuizamento da ação popular, que tenha como objeto a anulação de ato lesivo à moralidade administrativa, não depende da comprovação da lesividade do ato administrativo questionado, na medida em que a lesão material ao erário afigura-se como requisito prescindível, à luz da jurisprudência do STJ. Precedentes: STJ - REsp n. 1.071.138/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, j. 10/12/2013, DJe de 19/12/2013; ARE 824781 RG, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, TRIBUNAL PLENO, j. 27/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203 DIVULG 08-10-2015 PUBLIC 09-10-2015.
04. Na hipótese dos autos, estão presentes as condições da ação, quais sejam, a legitimidade do autor, ora cidadão, nos termos do art. 5º, LXXIII da CF/88 c/c art. 1º da Lei nº 4.717/69, no exercício da soberania popular; e o interesse de agir, qualificado pela necessidade, utilidade e adequação, o que corrobora para o recebimento da petição inicial.
05. De outro lado, no tocante ao pleito de republicação do edital, de fato, a ação popular não se revela o meio processual adequado para se determinar o cumprimento de obrigação de fazer, à luz do art. 11 da Lei nº 4. 717/65. Precedentes: TRF-4 – AC/RS 5062475-60.2021.4.04.7100, Rel. Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, TERCEIRA TURMA, j. 01/02/2022; TRF-1 - REO: 10051372820214013400, Rel. Des. Federal JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento: 25/04/2022, SEXTA TURMA, PJe 28/04/2022.
06. Anulação parcial da sentença para recebimento da petição inicial e prosseguimento do feito, apenas no tocante à análise do pleito de nulidade, mantendo-se a r. sentença quanto ao pleito de republicação do edital.
07. Remessa necessária e apelação parcialmente providas.