Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006536-71.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: DARCIO JOSE DA MOTA - SP67669-A

APELADO: S A POSSE CARTORIO DO REGISTRO CIVIL E ANEXOS

Advogados do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO FERRARI - SP98598-A, WENIO DOS SANTOS TEIXEIRA - SP377921-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006536-71.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: DARCIO JOSE DA MOTA - SP67669-A

APELADO: S A POSSE CARTORIO DO REGISTRO CIVIL E ANEXOS

Advogados do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO FERRARI - SP98598-A, WENIO DOS SANTOS TEIXEIRA - SP377921-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de ação ajuizada pela Caixa Econômica Federal (CEF) em face de Herivelto Cirineu Martins (Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais de Tabelião de Notas de Santo Antônio de Posse/SP), a fim de obter a reparação de dano no valor de R$ 111.251,70.

A parte autora, ora apelante, aduz que lhe foi apresentada procuração, emitida pelo Registro Civil demandado, com a qual fora viabilizada a realização de transferência bancária, no valor de R$ 100.000,00, da conta de cliente da instituição. Ocorre que, segundo informa, a transação não foi autorizada pelo titular da conta, conforme alegado por ele em sede bancária.   

A r. sentença julgou improcedente o pleito, pois não foi possível verificar se a falsificação fora realizada de modo grosseiro e por não restar comprovada a presença de dolo ou culpa (ID 271464282).

Em apelação, a CEF pugnou pela reforma da sentença, argumentando, em síntese, que: i) os notários são responsáveis civilmente pelos prejuízos que causarem a terceiros, nos termos do artigo 22, da Lei nº 13.286/16; ii) restou configurada a responsabilidade subjetiva, uma vez que estão presentes os requisitos: conduta, culpa ou dolo, nexo causal e dano; e iii) o preposto do banco agiu com cautela, já que antes de realizar a transação manteve contato com o Registro Civil para confirmar a autenticidade do selo da procuração (ID 271464284).   

Nas contrarrazões, o Oficial de Registro Civil informou, resumidamente, que: i) o C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 842.846/SC, fixou a tese de que a responsabilidade dos tabeliães e registradores oficiais ocorre apenas na hipótese de regresso, havendo dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa; ii) “os documentos que foram apresentados pelos falsários não continham sinal de fraude, falsificação ou adulteração”; e iii) não houve "erro grosseiro ou negligência por parte do tabelião" (ID 275655197).

Subiram os autos a esta E. Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006536-71.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: DARCIO JOSE DA MOTA - SP67669-A

APELADO: S A POSSE CARTORIO DO REGISTRO CIVIL E ANEXOS

Advogados do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO FERRARI - SP98598-A, WENIO DOS SANTOS TEIXEIRA - SP377921-A

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V O T O

 

 

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator):

Inicialmente, reconheço a presença das condições da ação e dos pressupostos de desenvolvimento regular do processo.

Em síntese, o feito trata de pedido de reparação por danos, em ação ajuizada pela Caixa Econômica Federal em desfavor de Herivelto Cirineu Martins (Oficial de Registro Civil), uma vez que lhe foi apresentada procuração, que viabilizou transferência bancária de R$ 100.000,00; contudo, posteriormente, a autenticidade do documento fora questionada pelo titular da conta bancária.

A Constituição Federal de 1988 dispõe acerca dos serviços notariais e de registro, que serão exercidos por meio de delegação do Estado.

Nesse caso, o serviço é prestado por delegatários, que se tornam aptos à prestação do ofício por meio de concurso público. Essa é a inteligência do artigo 236 da CF/88:

 

"Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses." (grifo nosso)

 

Ademais, vislumbro, dessa leitura, que compete à lei regulamentar a responsabilidade civil e criminal dos serviços notariais e de registro.

Sendo assim, a Lei nº 8.935/94 realizou essa regulamentação, uma vez que dispôs acerca da responsabilidade civil, que ocorre de modo pessoal, por culpa ou dolo, nos termos dos artigos 22 e 23 (redação dada pela Lei nº 13.286/16), in verbis:

 

"Art. 22.  Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.        

Parágrafo único.  Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial.

Art. 23. A responsabilidade civil independe da criminal. " (grifo nosso)

 

Nesse diapasão, os mencionados serviços, não possuem personalidade jurídica. Por isso, sua responsabilização é pessoal, pois a pessoa física responde pelas imputações civis em face de fatos oriundos de sua atividade. Nesse sentido, manifestou-se o C. STJ: 

 

"TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 283/STF. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. É entendimento do STJ que os serviços de registros públicos, cartorários e notariais não detêm personalidade jurídica, de modo que quem responde pelos atos decorrentes dos serviços notariais é o titular do cartório. Assim, o tabelionato não possui legitimidade para figurar como polo passivo da presente demanda. Precedentes: AgInt no AgInt no AREsp. 1.141.894/SP, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 21.11.2018; AgInt no REsp. 1.441.464/PR, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 28.9.2017. (...)" 

(AgInt no AREsp 1036393/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/06/2019, DJe 27/06/2019)

 

Embora o Supremo Tribunal Federal, por meio do Tema 777, julgado em 27/02/2019, tenha decido que o Estado responde de modo objetivo pelos atos danosos que os tabeliães e registradores oficiais causem a terceiros, verifico que o Estado não é parte na presente lide.

Imperioso destacar que o pleito recursal visa ao reconhecimento da responsabilidade subjetiva da pessoa física titular dos serviços delegatários. Observe a transcrição do apelo (ID 271464284 – fl. 8):

 

reconhecendo-se a responsabilidade subjetiva do tabelião na medida em que presentes os pressupostos necessários, já que não se resguardou o notário de todas as cautelas necessárias para a lavratura da procuração, o que deixa inconteste a sua culpa, o nexo causal e o efetivo dano sofrido pela apelante” (grifo nosso)

 

Nesse caso, a responsabilidade subjetiva deve ser aferida nos termos do artigo 22, da Lei nº 8.935/94, e dos artigos 186, 187 e 944, do Código Civil de 2002, analisando se há o preenchimento do requisito subjetivo, a saber, dolo ou culpa, in verbis:

 

“Art. 22.  Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.” (grifo nosso)

 

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” (grifo nosso)

 

“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.” (grifo nosso)

 

Nesse diapasão, Claudio Luiz Bueno de Godoy (2022) ensina quais são os elementos imprescindíveis para que haja o dever de indenizar, a saber, o dano, o nexo causal e a culpa (dolo ou culpa):

 

“São elementos indispensáveis para obter a indenização: 1) o dano causado a outrem, que é a diminuição patrimonial ou a dor, no caso de dano apenas moral; 2) nexo causal, que é a vinculação entre determinada ação ou omissão e o dano experimentado; 3) a culpa, que, genericamente, engloba o dolo (intencionalidade) e a culpa em sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia), correspondendo em qualquer caso à violação de um dever preexistente. ”  (GODOY, Claudio. et al. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência, 16. ed. Barueri, Manole, 2022, p. 121) (grifo nosso)

 

In casu, compulsando os autos não se pôde constatar elementos aptos a comprovar se o agente delegatário agiu em conluio com a operação em tela ou se atuou mediante algum dos elementos subjetivos (dolo ou culpa).

Ademais, também não foi possível colher dos autos qualquer elemento que comprove a existência de ação ou omissão por parte do apelado, que possa implicar sua responsabilização.

Assim, o fato constitutivo do direito não restou demonstrado pela parte irresignada, conforme artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil.

Nessa esteira, eximiamente foi decidido pela MM. Juíza de primeira instância (ID 271464282):

 

“Pela análise do documento de identidade e assinaturas feitas em cartório (ID Num. 134046539 - Pág. 1) não é possível verificar se a falsificação é grosseira como alegado pela CEF, tampouco concluir que houve culpa ou dolo do réu na lavratura do instrumento público” (grifo nosso)

 

Desse modo, observo que, no caso vertente, não restou comprovada a presença do elemento subjetivo, dolo ou culpa, apto a ensejar a reparação pessoal por danos pleiteada.

Por fim, não há óbice de que, em juízo competente, seja pleiteada reparação em face do Estado, nos exatos termos do Tema 777 do C. STF.

Destarte, a sentença deve ser mantida, tal como lançada.

 

Honorários Advocatícios

O arbitramento dos honorários advocatícios fundamenta-se no princípio da razoabilidade. Nesse sentido, sua arbitragem deve ocorrer por meio dos critérios firmados no § 2º, do artigo 85, do Código de Processo Civil.

Ainda, objetivando reduzir a interposição de recursos meramente protelatórios e em busca da valorização do labor adicional, exercido pelo advogado da parte demandada, é que, em grau recursal, há majoração dessas verbas, conforme estatuído no artigo 85, § 11, do CPC.

Assim, majoro os honorários advocatícios fixados na sentença em 1% (um por cento).

 

Conclusão

Diante do exposto, nego provimento à apelação e determino a majoração dos honorários advocatícios em 1% sobre o montante fixado na sentença. 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. DANO MATERIAL. ATOS DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DELEGATÁRIO.  RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. DANO MATERIAL NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. A Constituição Federal de 1988 dispõe acerca dos serviços do notário e de registro, que serão exercidos por meio de delegação do Estado. Esse serviço é prestado por delegatários, que iniciam a prestação do serviço por meio de concurso público. Essa é a inteligência do artigo 236 da CF/88.

2. Compete à lei regulamentar a responsabilidade civil e criminal dos serviços de notários e registros. A Lei nº 8.935/94, realizou essa regulamentação, pois dispôs que a responsabilidade civil dar-se-á de modo pessoal, por culpa e dolo, nos termos de seus artigos 22 e 23.

3. Os serviços do notário e do registro oficial, não possuem personalidade jurídica. Sua responsabilização é de modo pessoal, pois a pessoa física responde pelas imputações civis em face de fatos oriundos de sua atividade. Precedente do C. STJ.

4. O Supremo Tribunal Federal, por meio do Tema 777, julgado em 27/02/2019, decidiu que o Estado responde de modo objetivo pelos atos danosos que os tabeliães e registradores oficiais causem a terceiros, contudo o Estado não é parte nesta lide.

5. O pleito recursal visa ao reconhecimento da responsabilidade subjetiva da pessoa física titular dos serviços delegatários. A responsabilidade subjetiva deve ser aferida nos termos do artigo 22, da Lei nº 8.935/94, e dos artigos 186, 187 e 944, do Código Civil de 2002, analisando se há preenchimento do requisito subjetivo, a saber, dolo ou da culpa.

6. In casu, compulsando os autos não se pôde constatar elementos aptos a comprovar se o agente delegatário agiu em conluio com a operação em tela ou se atuou mediante algum dos elementos de subjetividade.

7. Não foi possível colher dos autos qualquer elemento que comprove a existência de ação ou omissão por parte do apelado, que possa implicar sua responsabilização.

8. Assim, o fato constitutivo do direito não restou demonstrado pela parte irresignada, conforme artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil.

9. De rigor a majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais em 1% (um por cento), nos termos do artigo 85, § 11, do CPC.

10. Apelação da parte autora desprovida.

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação e majorou os honorários advocatícios em 1% sobre o montante fixado na sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.