Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002509-27.2006.4.03.6125

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA

APELADO: CALID EL KASSIS

Advogado do(a) APELADO: CALID EL KASSIS - SP37104-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002509-27.2006.4.03.6125

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA

 

APELADO: CALID EL KASSIS

Advogado do(a) APELADO: CALID EL KASSIS - SP37104-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA em face de sentença que, nos autos da ação reivindicatória de imóvel proposta na instância de origem, julgou extinta a demanda sem resolução de mérito, reconhecendo a ilegitimidade ativa ad causam da autarquia agrária, com base nos artigos 267, VI, e 329 do Código de Processo Civil de 1973. O INCRA foi condenado em honorários advocatícios fixados em 2,5% sobre o valor da causa, com fulcro no art. 20, §4º, da lei processual civil de 1973 (ID 89344831, páginas 38-54).

Inconformado, o INCRA alega que ajuizou a ação reivindicatória em face do apelado e de outros com o objetivo de reaver o imóvel rural antigamente denominado de Fazenda Capivara, no Município de Águas de Santa Bárbara/SP, integrante do antigo Núcleo Colonial Monção, de propriedade da União. Afirma que o juízo de primeira instância não poderia ter extinguido a lide sem resolução de mérito, porque uma das atribuições da autarquia agrária é a de proceder às arrecadações de terras em nome da União, aí incluídas as reivindicações, bem como promover e gerir o processo de reforma agrária para o qual as terras rurais da União não afetadas de forma especial se destinam.

Aduz que muitos dispositivos legais corroboram a existência dessa competência do INCRA, herdada do antigo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária – IBRA. Assevera que nem mesmo a União se opõe ao exercício dessa atribuição pela autarquia agrária. Defende que, caso não seja esse o entendimento do Colegiado, deve-se ao menos reduzir a sua condenação em honorários advocatícios, para que o montante deixe de ser excessivo e se torne compatível com a tutela do interesse público que representa. Pugna para que a verba honorária seja fixada por equidade em R$ 1.000,00 (mil reais) (ID 89344831, páginas 61-70).

Não houve a apresentação de contrarrazões.

Os autos subiram a esta Egrégia Corte Regional.

O Ministério Público Federal se manifestou pelo provimento ao recurso de apelação interposto pelo INCRA (ID 280436107, páginas 1-7).

Neste ponto, vieram-me conclusos os autos.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002509-27.2006.4.03.6125

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA

 

APELADO: CALID EL KASSIS

Advogado do(a) APELADO: CALID EL KASSIS - SP37104-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

A questão que se coloca nos autos do presente recurso de apelação é a de se saber se o INCRA é ou não parte legítima para figurar no polo ativo de uma ação reivindicatória que tem por objeto imóvel de propriedade da União. Compreendeu o juízo de primeiro grau que a autarquia agrária não poderia ser a autora dessa demanda judicial, sob o fundamento de que a ação reivindicatória se basearia num direito de propriedade sobre a coisa, e a propriedade do imóvel pertenceria ao próprio ente federal, e não ao INCRA.

O INCRA, de seu turno, discorda do referido posicionamento adotado pelo juízo de primeira instância, salientando que tem a atribuição de proceder à arrecadação de terras em nome da União, inclusive por intermédio das ações reivindicatórias, e que essa competência estaria comprovada pelo disposto nos artigos 9º, 16 e 17 da Lei 4.504/1964; 2º do DL 1.110/1970; 18 e 28 da Lei 6.383/1976; 13 da Lei 8.629/1993 e 188 da Constituição Federal de 1988.

Nesse conflito de teses, tenho assistir razão à autarquia agrária.

Após alguma controvérsia jurisprudencial sobre a temática em apreço, o Colendo Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que o INCRA pode ajuizar ações reivindicatórias tendo por objeto os imóveis de propriedade da União, porque nesse caso não se está a buscar apenas uma tutela decorrente do direito de propriedade, mas sim uma tutela que permita o desenvolvimento dos projetos fundiários que cumpre à autarquia agrária conduzir. A esse respeito, convém reproduzir o seguinte aresto daquela Corte Superior:

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO OBJETO DE PROJETO FUNDIÁRIO. INCRA. LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. ENTENDIMENTO ATUAL DESTA CORTE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

I - Trata-se, na origem, de ação ajuizada pelo Incra, objetivando a reivindicação de uma área de 8.001,2634 ha (oito mil e um hectares, vinte e seis ares e trinta e quatro centiares), que constitui o imóvel rural denominado Fazenda Capivara, localizado no município de Águas de Santa Bárbara - SP, tendo sido adquirido pela União Federal objetivando reforma agrária.

II - Na primeira instância, a ação foi julgada extinta sem resolução do mérito, em razão da ilegitimidade do INCRA para figurar no polo ativo da lide. No Tribunal a quo, a sentença foi mantida. Nesta Corte, o recurso especial foi provido.

III - A despeito de anterior precedente desta Corte, no qual a legitimidade do INCRA para as respectivas reivindicatórias foi afastada: REsp n. 1.063.139/MA, relatora p/ acórdão Ministra Eliana Calmon, DJe 27/3/2009. A mais recente jurisprudência vinha-se firmando pela legitimidade, uma vez que a controvérsia entabulada em tais ações versa sobre a titularidade e posse de bens que sejam objeto de projetos fundiários de competência da respectiva autarquia agrária. No sentido, confiram-se: AgRg no REsp n. 1420770/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 19/3/2019, DJe 26/3/2019 e REsp n. 1.444.588/MT, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016.

IV - A questão foi recentemente deliberada e superada, nos autos dos EREsp n. 1.405.489/MT, sob minha relatoria, nos quais a Primeira Seção, por maioria, assim decidiu no dia 24/3/2021: "Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Regina Helena Costa, a Primeira Seção, por maioria, vencido o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, conheceu e deu provimento aos embargos de divergência, com o consequente provimento ao recurso especial do INCRA, determinando o retorno dos autos à origem para que, reconhecida a legitimidade da autarquia agrária, enfrente o mérito da ação reivindicatória originária, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

V - No referido precedente, o Ministério Público Federal, em sua manifestação, invocando os dispositivos do Estatuto da Terra aqui também citados, sustentou: "[...] Nesse diapasão, diante da competência legal mencionada e da expressa destinação da área à reforma agrária, configura-se a necessária legitimidade da autarquia para figurar no polo ativo da demanda. 11. Esse parece ser o entendimento que mais se adéqua ao estabelecido pela Lei 4.504.64 (Estatuto da Terra) em conjunto com o Decreto-Lei 1.110/1970, que criou o INCRA e extinguiu o IBRA, GERA e INDA, responsáveis pela política agrária até então. [...]."

VI - Nesse panorama, é de ser reconhecida a legitimidade do INCRA para a propositura da ação originária do presente feito.

VII - Agravo interno improvido."

(AgInt no AREsp n. 1.585.779/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 31/5/2021, DJe de 2/6/2021.)

Em reforço da orientação esposada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, temos também julgados desta Primeira Turma, de que é exemplo o seguinte: Apelação Cível n. 0010385-84.2006.4.03.6108, de relatoria do Des. Fed. Valdeci dos Santos e julgado em 23 de março de 2022.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso de apelação interposto para, anulando a sentença atacada, determinar o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, de forma a possibilitar que o feito prossiga em seus ulteriores termos, conforme a fundamentação supra.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO CIVIL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA PROPOSTA PELO INCRA COM A FINALIDADE DE REAVER IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. RECONHECIMENTO DA ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DA AUTARQUIA AGRÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DO INCRA QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE QUE A AUTARQUIA TEM DE CONDUZIR E IMPLEMENTAR SEUS PROJETOS FUNDIÁRIOS. PRECEDENTES DO C. STJ E DO E. TRF-3. RECURSO PROVIDO.

1. A questão que se coloca nos autos do presente recurso de apelação é a de se saber se o INCRA é ou não parte legítima para figurar no polo ativo de uma ação reivindicatória que tem por objeto imóvel de propriedade da União. Compreendeu o juízo de primeiro grau que a autarquia agrária não poderia ser a autora dessa demanda judicial, sob o fundamento de que a ação reivindicatória se basearia num direito de propriedade sobre a coisa, e a propriedade do imóvel pertenceria ao próprio ente federal, e não ao INCRA.

2. O INCRA, de seu turno, discorda do referido posicionamento adotado pelo juízo de primeira instância, salientando que tem a atribuição de proceder à arrecadação de terras em nome da União, inclusive por intermédio das ações reivindicatórias, e que essa competência estaria comprovada pelo disposto nos artigos 9º, 16 e 17 da Lei 4.504/1964; 2º do DL 1.110/1970; 18 e 28 da Lei 6.383/1976; 13 da Lei 8.629/1993 e 188 da Constituição Federal de 1988.

3. Nesse conflito de teses, tem-se assistir razão à autarquia agrária. Após alguma controvérsia jurisprudencial sobre a temática em apreço, o C. STJ sedimentou o entendimento de que o INCRA pode ajuizar ações reivindicatórias tendo por objeto os imóveis de propriedade da União, porque nesse caso não se está a buscar apenas uma tutela decorrente do direito de propriedade, mas sim uma tutela que permita o desenvolvimento dos projetos fundiários que cumpre à autarquia agrária conduzir. A esse respeito, convém mencionar o seguinte aresto daquela Corte Superior: AgInt no AREsp n. 1.585.779/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 31/5/2021, DJe de 2/6/2021. Em reforço da orientação esposada pelo C. STJ, tem-se também julgados desta Primeira Turma, de que é exemplo o seguinte: Apelação Cível n. 0010385-84.2006.4.03.6108, de relatoria do Des. Fed. Valdeci dos Santos e julgado em 23 de março de 2022.

4. Recurso provido para, anulando-se a sentença atacada, determinar-se o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, de forma a possibilitar que o feito prossiga em seus ulteriores termos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso de apelação interposto para, anulando a sentença atacada, determinar o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, de forma a possibilitar que o feito prossiga em seus ulteriores termos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.