APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003753-23.2018.4.03.6144
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO
APELANTE: LPJM PRESTACAO DE SERVICOS DE CONSULTORIA LTDA., SERGIO OLIVEIRA FERREIRA JUNIOR
Advogados do(a) APELANTE: PAULO FERNANDO DE MOURA - SP84812-A, ROBERTO MASSAO YAMAMOTO - SP125394-A
APELADO: SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: RAFAEL RODRIGUES MONTALVO, WELLINGTON DE SOUSA ARAUJO, PAULO HENRIQUE EVANGELISTA DA SILVA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ERICO MARQUES LOIOLA - SP350619-A
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ANDREIA LILIANE DE MOURA - SP417033-A
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: FELIPE DOS ANJOS - SP408615-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003753-23.2018.4.03.6144 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: LPJM PRESTACAO DE SERVICOS DE CONSULTORIA LTDA., SERGIO OLIVEIRA FERREIRA JUNIOR Advogados do(a) APELANTE: PAULO FERNANDO DE MOURA - SP84812-A, ROBERTO MASSAO YAMAMOTO - SP125394-A APELADO: SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS OUTROS PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO: RAFAEL RODRIGUES MONTALVO, WELLINGTON DE SOUSA ARAUJO, PAULO HENRIQUE EVANGELISTA DA SILVA ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ERICO MARQUES LOIOLA - SP350619-A R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta por LPJM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTORIA LTDA. e SERGIO OLIVEIRA FERREIRA JUNIOR contra sentença proferida em ação civil pública movida em face dos réus pela SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP com pedidos de (i) declaração da ilicitude da atuação da ré no mercado de seguros, (ii) proibição permanente de realizar a oferta e/ou a comercialização de qualquer modalidade contratual de seguro em todo o território nacional, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada evento que importe em inobservância do referido provimento jurisdicional, a ser recolhida ao Fundo de Direitos Difusos - FDD, e (iii) condenação da ré a pagar indenização ao FDD em valor equivalente a três vezes o valor da multa aplicada pela SUSEP no processo administrativo sancionador. Narra a autarquia autora em sua inicial que a ré LPJM está comercializando contratos de seguro sem sua autorização e sem observância dos requisitos legais. Explica que a ré fornece serviço de proteção veicular aos seus associados, mas que tal contrato, na verdade, configura um contrato de seguro (ID 150863726). Deferida a tutela provisória para determinar à ré (i) que se abstivesse de comercializar, realizar oferta, veicular ou anunciar qualquer modalidade contratual de seguro (contemplada naturalmente a atividade versada neste feito), em todo o território nacional, sendo expressamente proibida de angariar novos consumidores ou de novar, renovar ou prorrogar contratos em vigor, (ii) que se abstivesse de cobrar valores relacionados aos contratos findos, futuros ou em vigor ao tempo do recebimento efetivo da intimação desta decisão, sob pena de pagamento de multa no valor abaixo fixado, sem prejuízo de honrar as obrigações já assumidas pelo período de tempo correspondentemente já remunerado, (iii) que promovesse, no prazo de 5 (cinco) dias, contado do recebimento efetivo da intimação da decisão, a publicação na página inicial do seu site (http://www.gsseg.com.br), de forma destacada e clara, do inteiro teor deste provimento liminar, (iv) que promovesse, no prazo de 10 (dez) dias, contado do recebimento efetivo da intimação da decisão, o encaminhamento de correspondência física (postal, epistolar) a cada um dos consumidores com contratos sob vigência, dando-lhes ciência desta decisão e lhes informando o link em que poderão acessar seu conteúdo na íntegra. Cominada multa no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada novo contrato firmado ou renovado, ou para cada nova cobrança de valores, ou para cada consumidor para quem não fosse remetida a correspondência e multa no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia de atraso no cumprimento da obrigação de publicar a decisão em seu site. Determinado o pronto rastreamento e arresto de valores até o limite do valor de R$3.000.000,00 (três milhões de reais) (ID 150863827). Contra a decisão foi interposto agravo de instrumento pela corré LPJM, no bojo do qual indeferi o pedido de atribuição de efeito suspensivo (AI n° 5004804-37.2019.4.03.0000). Contestação pela corré LPJM (ID 150863856). Realizada audiência de tentativa de conciliação, ocasião em que o Juízo de Origem (i) concedeu prazo de quarenta e oito horas para a corré LPJM informar se tinha dado cumprimento às determinações anteriores, (ii) determinou a intimação do Ministério Público Federal - MPF com urgência, para conhecimento da proposta de conciliação ofertada pela ré e manifestação em vinte e quatro horas, (iii) determinou a citação do corréu Sérgio, inclusive com hora certa, se necessário (ID 150863952). A corré LPJM manifestou-se sobre o cumprimento da decisão (ID 150863963). O Juízo de Origem homologou o acordo havido entre as partes, revogando parcialmente a decisão anteriormente proferida e impondo aos réus a multa definida naquela decisão pelo parcial descumprimento, em valores a serem apurados em liquidação de sentença (ID 150863967). Consoante os termos do acordo, a corré LPJM apresentou proposta de Termo de Ajustamento de Conduta - TAC (ID 150863972). Manifestação da SUSEP pelo afastamento do acordo homologado, em razão de se tratar de matéria de ordem pública, dentre outras considerações (ID 150863995). O Juízo consignou que apreciaria o requerimento em sentença (ID 150864023). Embargos de declaração opostos pela corré LPJM foram rejeitados, bem como indeferido o pedido de produção de prova pericial (ID 150863994). Manifestação do Ministério Público Federal pelo julgamento de procedência do pedido (ID 150864055). Em sentença prolatada em 20/05/2020, o Juízo de Origem julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a ilegalidade da atuação da ré LPJM Prestação de Serviços de Consultoria Ltda. no mercado de seguros automotivos, condenando-a solidariamente aos demais corréus, estes últimos no limite de suas respectivas competências estatutárias, à obrigação de não fazer, consistente na vedação permanente de comercializar, realizar oferta, veicular ou anunciar qualquer modalidade contratual de seguro (contemplada naturalmente a atividade versada neste feito), em todo o território nacional, sendo expressamente proibida de angariar novos consumidores ou de novar, renovar ou prorrogar contratos em vigor na data da intimação desta sentença. Deferiu o pedido cautelar de bloqueio de bens dos réus no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) para acautelar a reparação de possíveis prejuízos aos consumidores e a própria satisfação de eventual futura multa administrativa a ser imposta à ré. Restabeleceu parcialmente a decisão anterior para determinar à ré que (a) se abstenha, imediatamente a partir do recebimento efetivo da intimação da sentença, de comercializar, realizar oferta, veicular ou anunciar qualquer modalidade contratual de seguro (contemplada naturalmente a atividade versada neste feito), em todo o território nacional, sendo expressamente proibida de angariar novos consumidores ou de novar, renovar ou prorrogar contratos em vigor, sem prejuízo de honrar as obrigações já assumidas pelo período de tempo correspondentemente já remunerado; (b) promova, no prazo de 10 (dez) dias corridos, contado do recebimento efetivo da intimação desta sentença, a publicação na página inicial do seu site (http://www.gsseg.com.br), de forma destacada e clara, do inteiro teor desta sentença e; (c) promova, no prazo de 30 (trinta) dias corridos, contado do recebimento efetivo da intimação desta decisão, o encaminhamento de correspondência física (postal, epistolar), eletrônica ou por mensagem de celular a cada um dos consumidores com contratos sob vigência, dando-lhes ciência desta sentença e lhes informando o link em que poderão acessar seu conteúdo na íntegra. Cominou aos requeridos, nos termos do disposto nos artigos 11, da Lei nº 7.347/1985, 536, § 1º e 537, do Código de Processo Civil, multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada novo contrato firmado ou renovado, ou para cada consumidor para quem não seja remetida a correspondência nos termos do item 'c' acima, e multa no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia de atraso no cumprimento do item 'b' acima. Sem condenação em honorários (ID 150864060). Embargos de declaração opostos pelos réus foram rejeitados, com aplicação de multa fixada em 1,5% (um e meio por cento) do valor atualizado atribuído à causa, este retificado para R$3.000.000,00 (três milhões de reais), e com concessão à requerida do prazo de 10 (dez) dias para demonstrar o cumprimento das determinações contidas nos itens ‘(a)’, ‘(b)’ e ‘(c)’ da sentença, sob pena de elevação da multa imposta naquela decisão para R$ 10.000,00 “para cada novo contrato firmado ou renovado, ou para cada consumidor para quem não seja remetida a correspondência nos termos do item 'c' acima” e para R$ 60.000,00 “por dia de atraso no cumprimento do item 'b' acima” (ID 150864064 e 150864070). Os réus apelam alegando, preliminarmente, que o feito deveria ter sido extinto sem resolução do mérito em razão da homologação do acordo entre as partes. No mérito, pretende ver o pedido julgado improcedente, sustentando que não comercializa seguros, mas que vende e instala aparelhos de rastreamento em veículos e monitora os veículos de seus clientes, comprometendo-se a, em caso de perda, recuperá-los no prazo máximo de 30 (trinta) dias. Subsidiariamente, argumenta que a homologação do acordo importou na desistência, pela autora, de seu pedido de antecipação de tutela, de sorte que a requerente não poderia ter, depois, requerido outra vez a antecipação de tutela, muito menos poderia o Juízo ter deferido o requerimento, que não houve fundamentação na decisão que majorou a multa cominatória e que os embargos opostos pelos réus não tiveram intuito protelatório (ID 150864095). Contrarrazões pela autora (ID 150864109). Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento do recurso (ID 272934064). É o relatório.
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ANDREIA LILIANE DE MOURA - SP417033
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: FELIPE DOS ANJOS - SP408615-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003753-23.2018.4.03.6144 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: LPJM PRESTACAO DE SERVICOS DE CONSULTORIA LTDA., SERGIO OLIVEIRA FERREIRA JUNIOR Advogados do(a) APELANTE: PAULO FERNANDO DE MOURA - SP84812-A, ROBERTO MASSAO YAMAMOTO - SP125394-A APELADO: SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS OUTROS PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO: RAFAEL RODRIGUES MONTALVO, WELLINGTON DE SOUSA ARAUJO, PAULO HENRIQUE EVANGELISTA DA SILVA ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ERICO MARQUES LOIOLA - SP350619-A V O T O Do acordo homologado entre as partes Argumenta a apelante que apresentou proposta de Termo de Ajustamento de Conduta - TAC e contratou seguro para suas operações, razões pelas quais entende que o acordo homologado em juízo foi integralmente cumprido e o presente feito deve ser extinto sem resolução do mérito. Eis os termos do acordo homologado por decisão proferida em 22/03/2019 (ID 150863967): “(...) “Dado início à audiência e advertidas as partes acerca da relevância do método autocompositivo, a conciliação foi proposta pela ré LPJM nos seguintes termos: 1 – suspensão parcial imediata da decisão liminar proferida nos autos, com a liberação imediata dos valores tornados indisponíveis pelo sistema BacenJud, à exceção da possibilidade de estabelecimento de novos contratos; 2 – apresentação, pela LPJM, no prazo de 5 dias úteis, de proposta de TAC (termo de ajustamento de conduta) perante a Susep, de modo a buscar regularizar sua atividade junto àquela superintendência; 3 – de modo a atender a providência acima, a empresa LPJM se compromete a, alternativamente: 3.1- fazer o seguro de sua operação; 3.2- fazer uma fusão com outra seguradora ou associação; 3.3 - vender a carteira de clientes para uma seguradora; 3.4- tornar-se uma associação; 3.5- tornar-se uma seguradora. 4 – a partir da apresentação formal da proposta de TAC junto à Susep, com comprovação do protocolo nestes autos, suspensão da decisão liminar também em relação à proibição de negociação de novos contratos; 5 – renúncia da LPJM ao direito de seguir se opondo ao processo administrativo instaurado perante a Susep. Instado pelo Juízo, o representante processual da LPJM, Dr. Roberto Massao Yamamoto, OAB/SP 125.394, expressou que o corréu Sérgio Oliveira Ferreira Júnior tem conhecimento inequívoco do presente feito e que ele apresentará defesa no mais breve espaço de tempo. Instado igualmente pelo Juízo, o Procurador Federal, Dr. Flávio Munakata, expressou ser desnecessário considerar a estipulação de garantia em contracautela para a liberação dos valores constritos nos autos.” (...)”. Ocorre que o Termo de Ajustamento de Conduta - TAC não chegou a ser celebrado. É verdade que, nesse ponto, a conduta processual da SUSEP é merecedora de críticas, como bem apontou o Juízo de Origem, já que anuiu com a possibilidade de celebrar o TAC para, logo depois, dizer que isso não seria possível por se tratar de matéria de ordem pública (ID 150863967 e 150863995). No entanto, o equívoco da autarquia foi ao concordar com essa possibilidade, e não ao se recusar a celebrar o TAC. Isto porque o setor de atividade securitária é fortemente regulado pelo Decreto-Lei n° 73/66, que assim dispõe: “Art. 24. Poderão operar em seguros privados apenas Sociedades Anônimas ou Cooperativas, devidamente autorizadas. Parágrafo único. As Sociedades Cooperativas operarão unicamente em seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho. (...) Art 32. É criado o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, ao qual compete privativamente: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 296, de 1967) I - Fixar as diretrizes e normas da política de seguros privados; (...) Art. 74. A autorização para funcionamento será concedida através de Portaria do Ministro da Indústria e do Comércio, mediante requerimento firmado pelos incorporadores, dirigido ao CNSP e apresentado por intermédio da SUSEP. Art. 78. As Sociedades Seguradoras só poderão operar em seguros para os quais tenham a necessária autorização, segundo os planos, tarifas e normas aprovadas pelo CNSP”. Vê-se que a requerida não é sociedade anônima, não atendendo ao requisito legal previsto no art. 24 do Decreto-Lei n° 73/66. As demais exigências legais e regulamentares para a operação de seguros privados também haveriam de ser observadas pela requerida, sem espaço para discricionariedade da SUSEP. Com isso, de fato não houve e nem poderia haver celebração de TAC, de sorte que o acordo anteriormente homologado nestes autos não foi integralmente cumprimento. Desta forma, não há que se falar em extinção do feito sem resolução do mérito. Do mérito da causa Discute-se na presente ação civil pública uma possível atuação da requerida no mercado de seguros sem autorização legal, na medida em que comercializa a instalação de rastreadores de veículos e o serviço de recuperação desses bens em caso de roubo ou furto, com a promessa de indenização, pelo valor do veículo, nas hipóteses de não recuperação. Nos autos do agravo de instrumento n° 5004804-37.2019.4.03.0000, assim me pronunciei: “(...) No caso em comento, em um exame sumário dos fatos adequado a esta fase processual, verifico presentes os requisitos necessários à concessão parcial do efeito suspensivo pleiteado. Examinando os autos do feito originário, observo que embora conste da cláusula terceira do contrato social da agravante que tem por objeto a prestação de serviços de consultoria em proteção de bens e prevenção, minimização de riscos e recuperação de veículos (Num. 11498982 – Pág. 86), há notícia de divulgação de anúncios publicitários em que se oferta a venda de “Seguro de Carro sem Análise de Perfil” (Num. 11964526 – Pág. 2), indicando que na prática os serviços prestados pela agravante se confundem com o típico contrato de seguro, cuja operação somente é possível a empresas autorizadas pela agravada. No que toca à “multa indenizatória” prevista no contrato de prestação de serviços celebrado pela agravante com seus clientes, ao que parece se trata de verdadeira reparação de dano material – aqui novamente se assemelhando ao contrato de seguro – travestida de sanção pelo inadimplemento contratual. Destarte, embora denominado “Contrato de Prestação de Serviços de Proteção de Bens”, apresenta características de exploração de atividade relacionada a contratos de seguro; todavia, sem autorização da SUSEP e sem o cumprimento dos requisitos legais. Diante desse cenário, a fim de ratificar o entendimento, trago à baila a norma regente para a hipótese em comento, a saber, o artigo 24 do Decreto-Lei n° 73/66, verbis: (...) Destarte, à míngua de notícia de que a agravante possua a autorização exigida pela norma que regula os seguros privados deve ser reconhecida a pertinência da decisão agravada. Em caso assemelhado ao posto nos autos, esta E. Corte Regional recentemente proferiu o seguinte julgado: (...) Ante o exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo. (...)” (destaquei). Esta Primeira Turma negou provimento ao pedido de atribuição de efeito suspensivo formulado pela requerida, em acórdão de minha Relatoria, cuja ementa transcrevo (pedido de efeito suspensivo à apelação n° 5020035-70.2020.4.03.0000): “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMPRESA DE RASTREAMENTO DE VEÍCULOS. CONTRATO COM CARACTERÍSTICAS DE EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE RELACIONADA A SEGURO. AUSÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA SUSEP. ARTIGO 24 DO DECRETO-LEI Nº 73/66. PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO IMPROVIDO. 1. Embora conste da cláusula quarta de seu contrato social que a requerente presta serviços de consultoria em proteção de bens e prevenção, minimização de riscos e recuperação de veículos, há notícia de divulgação de anúncios publicitários em que se oferta a venda de “Seguro de Carro sem Análise de Perfil” indicando que na prática os serviços prestados pela agravante se confundem com o típico contrato de seguro, cuja operação somente é possível a empresas autorizadas pela agravada. 2. Em relação à “multa indenizatória” prevista no contrato de prestação de serviços celebrado pela agravante com seus clientes, ao que parece se trata de verdadeira reparação de dano material, novamente se assemelhando ao contrato de seguro, travestida de sanção pelo inadimplemento contratual. 3. Embora denominado “Contrato de Prestação de Serviços de Proteção de Bens” o contrato celebrado pela requerente com seus clientes apresenta características de exploração de atividade relacionada a contratos de seguro, todavia, sem autorização da SUSEP exigida pelo artigo 24 do Decreto-Lei n° 73/66. 4. Pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação improvido” (destaquei). E, bem compulsando os autos, tenho que a sentença há de ser mantida. Isto porque, embora conste da cláusula quarta do contrato social da apelante que seu objeto social seria “prestação de serviços: (a) de consultoria em proteção de bens; e (b) de prevenção, minimização de riscos e recuperação de veículos”, há notícia de divulgação de anúncios publicitários em que se oferta a venda de “Seguro de Carro sem Análise de Perfil”, indicando que na prática os serviços prestados pela agravante se confundem com o típico contrato de seguro, cuja operação somente é possível a empresas autorizadas pela SUSEP (ID 150863783 - pág. 04/05 e ID 150863858 - pág. 04). Em relação à “multa indenizatória” prevista no contrato de prestação de serviços celebrado pela agravante com seus clientes, trata-se de verdadeira reparação de dano material, novamente se assemelhando ao contrato de seguro, travestida de sanção pelo inadimplemento contratual. Isto porque, ao receber valores para se obrigar ao pagamento do valor do bem perdido na hipótese de não recuperação, a sociedade requerida entabula verdadeiro contrato de seguro, conforme delineado no artigo 757, caput, do Código Civil, na medida em que recebe prêmio para garantir interesse legítimo do segurado, in verbis: “Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada”. Na verdade, muito embora a ré afirme que apenas se compromete a monitorar os veículos de seus clientes, é evidente que o contrato em questão reveste-se de caráter securitário, porquanto envolve indenização na hipótese de perda do bem. Destarte, considerando que a apelada não possui a autorização exigida pela norma que regula os seguros privados, deve ela ser impedida de comercializar contratos de seguro enquanto não contar com a devida autorização da SUSEP. Assim já decidiu este Tribunal: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSEP. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OFERTA DE SERVIÇO INTITULADO "CONTRATO DE COMODATO DE RASTREADOR DE VEÍCULO", COM CARACTERÍSTICAS DE SEGURO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. ART. 24 DO DECRETO-LEI N° 73/66. PROBABILIDADE DE PROVIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. RISCO DE DANO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. ART. 1.012, § 4º DO CPC/2015. PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO PROVIDO. 1. Trata-se de pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação interposta pela SUSEP contra sentença de improcedência do pedido por ela deduzido em ação civil pública. 2. Embora denominado contrato de comodato de rastreador de veículo, o serviço ofertado pela apelada apresenta características de exploração de atividade relacionada a contratos de seguro sem autorização da SUSEP e sem o cumprimento dos requisitos legais, em possível contrariedade ao artigo 24 do Decreto-Lei n° 73/66. 3. Presente, portanto, a probabilidade de provimento do recurso de apelação interposto pela requerente no feito de origem. 4. Não menos certo é o risco de dano grave ou de difícil reparação, ante a possibilidade de que novos consumidores venham a celebrar contrato com características de seguro ofertado por quem não tem a devida autorização para tanto. 5. Pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação provido para o fim de determinar que a apelada (i) se abstenha de comercializar, realizar a oferta, veicular ou anunciar qualquer modalidade contratual de seguro, em todo o território nacional, vedando-se a celebração de contratos com novos consumidores do referido serviço e renovar os contratos atualmente em vigor, (ii) suspenda a cobrança de valores de seus consumidores, a título de mensalidades vencidas e/ou vincendas, rateio e outras despesas relativas à atuação irregular no mercado de seguros e (iii) encaminhe a todos os consumidores, no prazo de 10 (dez) dias, correspondência comunicando o teor da presente decisão, com fundamento no artigo 1.012, § 4º do Código de Processo Civil de 2015” (destaquei). (TRF da 3ª Região, Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação n°5031989-79.2021.4.03.0000/SP, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy, Primeira Turma, julgamento em 09/12/2022). “CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL. ASSOCIAÇÃO CIVIL. SEGURO PRIVADO DE AUTOMÓVEL. ILEGALIDADE. SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS – SUSEP. AUSÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO. ART. 24 DO DECRETO-LEI Nº 73/66. ART. 757 DO CÓDIGO CIVIL. RISCO AO MERCADO CONSUMERISTA. DANOS MORAIS COLETIVOS. NÃO VERIFICAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Ação civil pública proposta por ente legitimado (SUSEP – Autarquia Federal) com o intuito de defesa do mercado consumerista (Lei 7.347/85, artigos 1º, II e 5º, IV). 2. Cinge-se a questão em averiguar se os serviços oferecidos pela associação-ré no denominado "Programa de Proteção do Patrimônio dos Associados", configuram atividades privativas de sociedades securitárias, sendo permitidas somente àquelas legalmente constituídas e autorizadas. 3. Nos termos do art. 757, caput e parágrafo único do Código Civil, no contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados, sendo que somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada. 4. O Decreto-lei 73 de 21.11.1966 prevê no seu art. 24 que poderão operar em seguros privados apenas sociedades anônimas ou cooperativas devidamente autorizadas; por sinal, essa prévia autorização é de atribuição da SUSEP, que também exerce as atividades fiscalizadoras do ramo (DL 73/66, artigos 35 e 36). 5. No caso dos autos, conforme largamente demonstrado pelos procedimentos administrativos e demais documentos colacionados, o serviço de proteção veicular oferecido pela ré no âmbito do "Programa de Proteção do Patrimônio" proporciona aos associados o pagamento de indenizações em caso de sinistro de automóveis, exigindo, como contraprestação, pagamento de "taxa de adesão". 6. Conquanto haja utilização de terminologias impróprias ou diferenciadas, a implementação do referido programa prevê, dentre outras, cláusulas de pagamento de franquia, realização de vistoria, inspeção de riscos e sinistros, descrição de riscos cobertos e não cobertos pela avença, bem como obrigações e direitos dos contratantes. 7. É certo, portanto, estar-se diante de programa cujo escopo é o oferecimento de cobertura de riscos automotivos ao mercado consumidor, atividade que, nos termos dos dispositivos legais supracitados, é típica e privativa de entidade seguradora. 8. Não sendo a ré uma entidade legalmente constituída e autorizada para a realização de atividades securitárias (bastando lembrar que se trata de uma associação civil), a manutenção de tal atuação consubstancia, além de concorrência desleal, cenário de potencial dano ao mercado consumidor, uma vez que as sociedades de seguro legalmente instituídas se submetem a rígido padrão de controle e fiscalização pelo Poder Público. Precedente. 9. A pretendida condenação por danos morais coletivos se mostra descabida no caso, pois não se demonstrou que a atividade da ré, embora desautorizada, causou sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva, conforme exige a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça (REsp 1221756/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ªT, DJe 10/02/2012; REsp 1291213/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ªT, DJe 25/09/2012). 10. Nega-se provimento à remessa oficial.” (destaquei) (TRF 3ª Região, Sexta Turma, ReeNec 2235416/SP, Relatora Desembargadora Federal Diva Malerbi, e-DJF3 15/06/2018). Correta, portanto, a sentença de procedência do pedido. Do pedido de revogação da liminar e das penalidades Sustenta a apelante que a homologação do acordo importou em expressa revogação da liminar inicialmente concedida, tendo o Juízo de Origem o recebido como verdadeiro aditamento à inicial. Sendo assim, teria havido desistência do pedido de tutela antecipada, que não poderia ser restaurada no curso do feito sem nova concordância da requerida. Argumenta, ainda, que os embargos de declaração opostos contra a sentença não foram protelatórios, não se justificando a aplicação de multa a esse título (ID 150864095). Assim decidiu o Juízo de Origem, ao apreciar os embargos de declaração opostos pela requerida (ID 150864072): “(...) Nos termos do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos declaratórios servem ao esclarecimento de obscuridade, à eliminação de contradição ou à supressão de ponto ou questão sobre o/a qual se deveria pronunciar o juiz, de ofício ou a requerimento. Serão opostos no prazo de 5 dias úteis, a teor do artigo 1.023 do mesmo Código. Não se prestam à reapreciação da relação jurídica subjacente ao processo. Antes, possuem efeito infringente apenas em caráter excepcional, naquelas hipóteses em que a correção do julgado seja corolário lógico de sua função integrativo-retificadora (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1429752/SC, 3.ª Turma, j. 18/09/2014, DJe 26/09/2014). Os embargantes desabridamente infringem as advertências constantes da sentença e o disposto nos artigos 5.o e 489, parágrafo 3.o, do Código de Processo Civil. Com isso, desafiam a jurisdição. As determinações que lhe foram dirigidas restaram suficientemente claras e diretas; estão suficientemente listadas no item “3 DISPOSITIVO”. A “contradição” que franqueia a legítima oposição declaratória é aquela havida internamente no ato judicial – e não aquela havida entre a sentença e jurisprudência. A propósito, na sentença embargada este Juízo advertiu as partes de que não caberia oposição declaratória com base em suposta contradição "havida entre a sentença e precedente jurisprudencial". Relevante frisar que a fundamentação da sentença está respaldada em precedentes do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região. A pretensão declaratória sob apreciação, pois, tem estrita feição revisora e modificativa de fundamento de decidir, demais de intenção protelatória indisfarçada. Pretende a parte embargante manifestar inconformismo meritório ao quanto restou decidido pela sentença embargada e atrasar o trânsito em julgado. Quanto ao descabimento dos embargos de declaração para o fim de estrita pretensão revisional, não bastasse a clareza da prescrição legal, este Juízo Federal foi expresso ao advertir a parte embargante, nestes termos: (...) Nessa medida, cumpre reiterar que a oposição declaratória tem inequívoco intuito protelatório. Mais que isso, a oposição desafia a jurisdição, por se voltar contra tema já declarado insuscetível de discussão nesta sede. Diante do exposto, rejeito os embargos de declaração. Com fundamento de fato no manifesto intuito protelatório da oposição declaratória, que ora declaro, e com fundamento de direito no disposto no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil, à parte embargante imponho multa de 1,5% (um vírgula cinco por cento - ou quinze milésimos) do valor atualizado atribuído à causa, este retificado para R$3.000.000,00 (ids. 12918870 e 14054974). Exclua-se a petição id. 33645941, pois que estranha aos autos. Indefiro o pedido de decretação de sigilo dos autos, uma vez que a matéria nele tratada não está prevista nos incisos do artigo 189, do Código de Processo Civil. Indique a parte requerida, caso queira, no prazo de 10 (dez) dias, os ids. dos documentos em que entende haver dados que devam ser protegidos pelo sigilo, a fim de que este Juízo analise a possibilidade de decretação de sigilo documental. Esse prazo evidentemente em nada prejudica a eficácia das medidas já determinadas por este Juízo em face da requerida, nem o prazo recursal. Com fundamento no artigo 297 do Código de Processo Civil, de modo a tutelar a efetividade da jurisdição e da sentença que restabeleceu os termos da decisão que deferiu o pedido liminar, de ofício determino à Secretaria desta 1.ª Vara Federal de Barueri acesse o portal eletrônico da requerida (https://gsseg.com.br/) e certifique nos autos se houve o efetivo cumprimento do item ‘(b)’ da decisão referida, extraindo capturas de tela que comprovem o cumprimento ou o descumprimento da determinação. Desde já, concedo à requerida o prazo de 10 (dez) dias para demonstrar o cumprimento das determinações contidas nos itens ‘(a)’, ‘(b)’ e ‘(c)’ da sentença, sob pena de elevação da multa imposta naquela decisão para R$ 10.000,00 “para cada novo contrato firmado ou renovado, ou para cada consumidor para quem não seja remetida a correspondência nos termos do item 'c' acima” e para R$ 60.000,00 “por dia de atraso no cumprimento do item 'b' acima”, valores que ora ficam cominados. Ficam reabertos os prazos recursais. (...)” (destaquei). Oportuno registrar que, por ordem do Juízo de Origem, foi juntado aos autos extrato da página mantida pela ré na rede mundial de computadores na data do julgamento dos embargos de declaração, que demonstra que ainda havia ali um formulário a ser preenchido por futuros clientes, para cotação dos serviços ofertados pela demandada (ID 150864078 e 150864080). Pois bem. Quanto à alegação de que teria havido desistência do pedido de tutela antecipada, por oportuno, transcrevo os seguintes trechos da decisão homologatória do acordo (ID 150863967): “(...) 2 Acordo entabulado em audiência – id. 15466463 A autora Superintendência de Seguros Privados e a corré LPJM Prestação de Serviços de Consultoria Ltda., representadas na audiência de conciliação havida em 20.03.2019 perante este Juízo Federal, entabularam o acordo segundo as condições abaixo declinadas. Embora do termo tenha constado equivocadamente o registro de “proposta pela ré”, em verdade os termos do acordo foram estabelecidos em conjunto por ambas as partes presentes ao ato (Susep e LPJM), após a realização de amplas tratativas entre elas. Nesse sentido, há registro de dispensa, pela Susep, como condição de celebração do acordo, de exigência de oferecimento, pela LPJM, de garantia em contracautela ao desbloqueio de valores constritos. (...) O teor do acordo acima merece algumas considerações. Inicialmente, a aceitação do acordo, nos termos acima, pela representação processual da Susep, torna contraditória a atuação da Autarquia neste processo. Isso porque sua aceitação, viabilizando a retomada da operação da empresa ré, sem que tenha havido fato novo essencial entre o aforamento da petição inicial e a celebração do acordo, em princípio nega a própria urgência da tutela liminar reclamada na petição inicial. Evidentemente que a concessão em si da tutela provisória, conforme decisão sob id. 14054974, não pode ser invocada como fato novo relevante à ocorrência do acordo, na medida em que sua concessão foi requerida e considerada de plano pela própria Autarquia ao tempo do ajuizamento. É dizer: a fixação do acordo acima pela Susep aparentemente contradiz postura processual anterior própria da Autarquia, em movimento de venire contra factum proprium processual, razão pela qual a postura se avizinha a comportamento processual que viola a boa-fé objetiva processual (art. 5.º e 6.º, CPC), tema que poderá ser apreciado em momento processual próprio. A essa primeira percepção, de que a atuação processual da Susep em tese se pôs contraditória ao seu inicial requerimento, basta deitar mirada aos fundamentos dos pedidos provisório e final vertidos na petição inicial – id. 11337741: (...) Prosseguindo, cabe notar que as partes entabularam acordo que inclui, ao menos sob aspecto redacional, transigência acerca da vigência e da eficácia da decisão judicial sob id. 14054974. O resultado do exercício da jurisdição, contudo, não está colocado no âmbito de disponibilidade negocial das partes, razão pela qual os termos do acordo deverão ser processualmente interpretados, conforme abaixo se fará. Ainda, a denominada “proposta de TAC” a ser apresentada pela empresa ré à autora Susep em verdade se tratará de “solicitação, com sugestão de teor, a que a Susep ofereça proposta de TAC à empresa”. Isso porque se há de observar a iniciativa da atuação pública no oferecimento de compromisso de ajustamento, nos termos do parágrafo 6.º do artigo 5.º da Lei n.º 7.347/1985: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Não bastasse, os termos do acordo celebrado efetiva e objetivamente em nada avançam, de pronto, sobre o efetivo atendimento do pedido final deduzido na petição inicial. Antes, todo o seu conteúdo está voltado para a negociação dos termos de vigência e de eficácia da decisão liminar ou, mais precisamente, para a negociação acerca de emenda à inicial, com desistência do pedido antecipatório apresentado pela Susep. Nesse ponto, o acordo celebrado expressa verdadeira desistência da Susep a seu pedido antecipatório de tutela, por ela formulado e pelo Juízo já deferido, sem que efetivamente tenha havido fato novo essencial que o justifique sob o aspecto da boa-fé processual. Tal razão a coloca na aparente posição de contradição processual, já acima anotada, comportamento que, como já referido, poderá ser reapreciado judicialmente em futura fase do processo. As circunstâncias acima, pois, mereciam registro, na medida em que conduzem a análise judicial acerca dos termos do acordo e da postura processual das partes. Entrementes, a despeito das considerações acima, cabe observar que as partes, adequadamente representadas em audiência, efetivamente entabularam o acordo referido. Nesse ponto, calha observar que o artigo 329, inciso II, do Código de Processo Civil garante direito processual de que o autor possa “até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar”. Portanto, o dispositivo acima permite que, no caso dos autos, até o saneamento do feito, a Susep altere seu pedido inicial, ampliando-o ou restringindo-o objetiva e subjetivamente, desde que a parte ré citada o consinta. Assim, no caso em apreço, interpreto os termos do acordo como verdadeiro pleito de aditamento do pedido inicial de concessão de tutela provisória apresentado pela Susep. Nesse passo, com vista na aplicação do disposto no artigo 329, II, do CPC, homologo o acordo sob id. 15466463, que recebo como requerimento autoral de aditamento da petição inicial com consentimento da empresa ré. Os termos do pedido de concessão de tutela jurisdicional provisória de urgência de caráter incidental e de natureza híbrida (satisfativa e cautelar) constantes inicialmente da petição inicial passam, pois, a doravante ser modulados na forma expressada pela Susep no termo de acordo referido e acima transcrito. Como consequência processual direta, sem prejuízo das considerações acima registradas e de seus reflexos processuais, e com fundamento no artigo 296, parte final do caput, do Código de Processo Civil, revogo a decisão sob id. 14054974, inicialmente de forma parcial e somente posteriormente (após o efetivo cumprimento do item 2 do acordo) de forma integral. Ainda por decorrência, levanto desde já a indisponibilidade dos valores alcançados pelo sistema Bacenjud e as demais restrições. Encaminhe-se imediatamente a ordem de desbloqueio pelo mesmo sistema eletrônico e demais comunicações que se expressarem necessárias. Evidencio, a fim de evitar qualquer desinteligência, que a presente decisão revogatória não se confunde com autorização judicial positiva sub-rogatória de funcionamento da atividade desempenhada pela empresa ré. A presente decisão exclusivamente revoga, nos estritos termos do requerimento autoral de aditamento da petição inicial (ou do acordo havido entre as partes processuais), a vedação anteriormente determinada judicialmente, fazendo a atuação da empresa ré retornar ao status quo ante a decisão revogada. Tal situação não expressa juízo positivo de regularidade da atuação da empresa ré, tampouco tutela jurisdicional positiva a seu funcionamento. Assim, abstenham-se as partes de se valerem de qualquer referência a que a operação da empresa ré se dá por força de ou com amparo em autorização judicial, sob pena de a referência ser considerada ato atentatório à dignidade da justiça (art. 139, III, CPC). (...)” (destaquei). A mera leitura da decisão de forma sistemática - e não pinçando uma expressão ou outra, como faz a apelante - permite concluir que o Juízo de Origem não revogou a decisão anterior, tampouco recebeu o acordo como desistência do pedido de tutela de urgência. Na verdade, o Juízo a quo revogou parcialmente a decisão anterior, consignou que ela seria integralmente revogada “após o efetivo cumprimento do item 2 do acordo”, e decidiu que o pedido de tutela provisória haveria de ser “modulado” conforme o acordo entabulado. Referido acordo, diga-se uma vez mais, não chegou a ser efetivado. Desta forma, o posterior restabelecimento daquela decisão não importou em modificação do pedido sem anuência da ré. E tenho que a majoração da multa cominatória de ofício justifica-se no caso concreto, com fundamento no art. 537, § 1°, do CPC/2015, já que mesmo após a prolação da sentença a parte requerida continuou a comercializar seguro fantasiado de serviço de monitoramento, a demonstrar sua recalcitrância com as decisões proferidas nestes autos. Por fim, consigno que os embargos de declaração opostos pela requerida contra a sentença, embora repetissem em grande parte seus argumentos, também traziam matéria relevante, como o pedido de esclarecimento sobre a extensão das proibições (se limitadas à comercialização de rastreadores com indenização ou se também abrangeriam os rastreadores sem indenização) (ID 150864064). Afasto, portanto, a multa por embargos protelatórios, por não vislumbrar, com a necessária certeza, o intuito da parte de se valer dos aclaratórios para retardar o andamento do feito. Dispositivo Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação para afastar a multa por embargos protelatórios. Sem condenação em honorários, ante a ausência de prova da má-fé da requerida (art. 18 da Lei n° 7.347/1985). É como voto.
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ANDREIA LILIANE DE MOURA - SP417033
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: FELIPE DOS ANJOS - SP408615-A
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ACORDO QUE NÃO PÔS FIM À LIDE. COMERCIALIZAÇÃO DE RASTREADOR DE VEÍCULO COM PROMESSA DE MONITORAMENTO E INDENIZAÇÃO NA HIPÓTESE DE PERDA DE BEM: CONTRATO DE SEGURO. ART. 757, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. ATUAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DA SUSEP: ILEGALIDADE. RESTABELECIMENTO DE DECISÃO DE TUTELA PROVISÓRIA, COM COMINAÇÃO DE MULTA: POSSIBILIDADE. MAJORAÇÃO DA MULTA COMINATÓRIA DE OFÍCIO: POSSIBILIDADE. MULTA POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS: INAPLICABILIDADE.
1. Discute-se na presente ação civil pública uma possível atuação da requerida no mercado de seguros sem autorização legal, na medida em que comercializa a instalação de rastreadores de veículos e o serviço de recuperação desses bens em caso de roubo ou furto, com a promessa de indenização, pelo valor do veículo, nas hipóteses de não recuperação.
2. Em que pese a homologação de acordo entre as partes (que previa, dentre outras providências, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta - TAC), não houve e nem poderia haver celebração de TAC, uma vez que a pretensa regularização da ré junto à SUSEP dependeria do atendimento de normas legais e regulamentares em relação às quais a autarquia não poderia dispor, de sorte que o acordo anteriormente homologado nestes autos não foi integralmente cumprimento. Desta forma, não há que se falar em extinção do feito sem resolução do mérito.
3. Ao receber valores para se obrigar ao pagamento do valor do bem perdido na hipótese de não recuperação, a sociedade requerida entabula verdadeiro contrato de seguro, conforme delineado no artigo 757, caput, do Código Civil, na medida em que recebe prêmio para garantir interesse legítimo do segurado.
4. Ao contrário do que alega a apelante, o Juízo de Origem não revogou a decisão anterior à homologação do acordo (na qual havia sido deferida tutela provisória, com determinações à ré, sob pena de multa, tampouco recebeu o acordo como desistência do pedido de tutela de urgência. Desta forma, o posterior restabelecimento daquela decisão não importou em modificação do pedido sem anuência da ré.
5. A majoração da multa cominatória de ofício justifica-se no caso concreto, com fundamento no art. 537, § 1°, do CPC/2015, já que mesmo após a prolação da sentença a parte requerida continuou a comercializar seguro fantasiado de serviço de monitoramento, a demonstrar sua recalcitrância com as decisões proferidas nestes autos.
6. Afastada a multa por embargos protelatórios por não se vislumbrar, com a necessária certeza, o intuito da parte de se valer dos aclaratórios para retardar o andamento do feito.
7. Apelação parcialmente provida para afastar a multa por embargos protelatórios.