Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5010285-49.2017.4.03.0000

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

AGRAVADO: IRENE RUDOY

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5010285-49.2017.4.03.0000

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

 

AGRAVADO: IRENE RUDOY

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora):     

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela UNIÃO em face de decisão proferida pelo r. Juízo da 1ª Vara Federal de São Vicente/SP que, em ação de usucapião extraordinária, excluiu-a da lide e declinou da competência, determinando o retorno dos respectivos autos à Justiça Estadual de Peruíbe/SP (ID 767664 – p. 25/34).

Sustenta, em síntese (ID 767608 – p. 1/21), que o pedido formulado na ação em questão diz respeito a imóvel situado, de um lado, na Avenida Padre Anchieta e, de outro lado, na Rua Santos Dumont, n. 631, no Município de Peruíbe/SP. Tal ação foi ajuizada, inicialmente, por IRENE RUDOY no r. Juízo da 2ª Vara Distrital de Peruíbe, da Comarca de Itanhaém/SP, tendo havido o declínio da competência ao Juízo Federal de São Vicente em decorrência da juntada da Informação Técnica n. 9930/2013 da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, a qual atesta que o bem imóvel objeto da ação abrange terrenos de marinha.

Aduz que, distribuído o feito na Justiça Federal, determinou-se a expedição de novo ofício à SPU para que fosse informado, quanto ao imóvel em discussão, sobre a existência de RIP, sobre o tipo de ocupação. Em reposta, a SPU informou que os imóveis em questão estão integralmente situados em terrenos de marinha. Assim, a despeito do interesse manifestado pela União, o r. Juízo a quo declinou de sua competência para a Justiça Estadual.

Requer a concessão de efeito suspensivo, determinando o retorno dos autos à Justiça Federal, tendo em vista a flagrante inobservância das presunções de legitimidade, auto executoriedade e veracidade de que é dotada a informação técnica encaminhada aos autos por meio do Ofício n. 117/2016/DIAAV/SPU/SP e, ao final, seja dado provimento ao presente recurso

Em decisão inicial, prolatada em 05.09.2018, o então Relator, Excelentíssimo Desembargador Federal Peixoto Júnior, indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal.

Intimada, a União interpôs Agravo Interno pleiteando a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, bem como o seu provimento (ID 6555665).

A parte autora apresentou contraminuta (ID 7094373).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo regular prosseguimento do recurso (ID 275786596).

É o relatório. 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5010285-49.2017.4.03.0000

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

 

AGRAVADO: IRENE RUDOY

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

  

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora):   

Diante da assunção do acervo correspondente ao presente recurso em 13.04.2023 (ATO PRES n. 4733, de 13.04.2023), procedo à sua análise, considerando a data da respectiva interposição, ocorrida em 28.06.2017.

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO em face de decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São Vicente/SP que, em ação de usucapião extraordinária ajuizada pela parte autora contra particular, excluiu-a da lide e declinou da competência, determinando o retorno dos autos à Justiça Estadual de Peruíbe/SP.

A ação subjacente diz respeito a imóvel situado, de um lado, na Avenida Padre Anchieta e, de outro lado, na Rua Santos Dumont, n. 631, no Município de Peruíbe/SP. Tal ação foi ajuizada, inicialmente, por IRENE RUDOY no r. Juízo da 2ª Vara Distrital de Peruíbe, da Comarca de Itanhaém/SP.

Diante do interesse da União no feito os autos haviam sido remetidos ao MM. Juízo Federal de São Vicente/SP.

Da competência da Justiça Federal e do regime jurídico dos bens públicos

Assim dispõe a Constituição Federal a respeito da competência da Justiça Federal:

 

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

 

Extrai-se do mencionado dispositivo constitucional que, tratando-se de competência absoluta, havendo interesse da União, o feito deve ser processado e julgado perante a Justiça Federal.

Os bens públicos integram o patrimônio das pessoas de direito público interno e possuem regime jurídico distinto em relação aos bens privados, nos termos dos arts. 41, 98 a 103 do CC.    

O ordenamento jurídico consagra que os bens públicos são inalienáveis, impenhoráveis e não podem ser adquiridos por usucapião, nos termos dos arts. 183, § 3º e 191, § único do CF, art. 102 do CC e art. 200 do Decreto-lei n. 9.760/46.  

Da peculiaridade do caso. 

O MM. Juízo de primeiro grau determinou a remessa dos autos à Justiça Estadual, a despeito da manifestação de interesse jurídico da União, diante da parcial sobreposição do imóvel a terreno de marinha.

A questão foi apreciada em primeiro grau nos seguintes termos (ID 767664 – p. 25/34):

 

(...) Verifico que a União alega ter interesse no feito por abranger o imóvel usucapiendo, em tese, terreno de marinha.

A esse respeito, vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o artigo 67 do Código Civil de 1916, editou a Súmula n. 340, com o seguinte teor:

“Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.

Destarte, orientou-se Pretório Excelso no sentido de que, a partir de 1º de janeiro de 1917, data da vigência do Código Civil, por força do disposto no seu artigo 1.806, não mais poderiam ser usucapidos os bens públicos.

Com base nessa mesma norma, Clóvis Bevilácqua, em sua obra “Código Civil Comentado”, vol. I, 11ª Ed., p. 244, afirmou:

“Os bens públicos, em face do que prescreve o ar. 67, são isentos de usucapião, porque não podem sair do patrimônio da pessoa jurídica de direito público, senão pela forma que a lei prescreve, e o usucapião pressupões um bem capaz de ser livremente alineado”.

E mais: o Decreto-Lei n. 9.760, de 05 de setembro de 1946, em seu artigo 200, prescreve:

“Os bens imóveis da União, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião”.

Ressalte-se, também, que a usucapião de bens públicos urbanos e rurais é vedada em nossa Constituição, conforme dispõem seus artigos 183, parágrafo 3º, e 191, parágrafo único, ambos com o mesmo teor:

“Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.

Dessa forma, inarredável a conclusão no sentido de que o pedido de aquisição originária (usucapião) de imóveis localizados em área de domínio público não é admitido pela Constituição Federal de 1988.

Entretanto, analisando os documentos e a manifestação da Secretaria do Patrimônio da União (e ressaltando que revejo meu posicionamento anterior), verifico que não é esta a hipótese dos presentes autos, em razão da ausência de LPM e LLTM homologadas, o que impede o reconhecimento de que a área apontada na manifestação da Secretaria do Patrimônio da União efetivamente é terreno de marinha.

De fato, a SPU, às fls. 175/178, utiliza delimitações das LPM e LLTM presumidas, que, portanto, podem sofrer alterações de seus traçados após os procedimentos de homologação.

Tal informação consta inclusive da legenda das plantas de fls. 177/178.

Assim, não é possível se verificar se a área usucapienda abrange a faixa de marinha.

A homologação demanda complexo procedimento administrativo prévio, de atribuição exclusiva do Poder Executivo – que, porém, realiza-lo-á somente quando entender oportuno e conveniente.

Não cabe ao Judiciário determinar a realização de tal procedimento, por óbvio, em vista da tripartição dos poderes.

Todavia, também não cabe ao Judiciário deixar os jurisdicionados à mercê de fato futuro, sem qualquer previsibilidade de sua materialização.

Importante ressaltar, neste ponto, que os interesses da União permanecem resguardados, caso se apure em procedimento próprio que a área usucapienda efetivamente é bem público.

Isto porque os terrenos públicos de marinha, cuja origem remonta aos tempos coloniais, incluem-se entre os bens públicos dominicais de propriedade da União, existem desde a criação do Estado brasileiro. Assim, o registro de propriedade não é oponível à União – mesmo aquele decorrente de sentença que reconheceu a usucapião.

Neste sentido a Súmula 496 do E. STJ:

“Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União”.

Neste ponto, interessante transcrever um dos precedentes que deram origem à Súmula 496/STJ, o REsp 798.165/ES, relatado pelo Ministro Fux:

(...).

Ademais, não haverá que se falar em coisa julgada, a impedir o reconhecimento de que a área efetivamente era terreno de marinha (caso assim se apure após todo o procedimento administrativo).

Isto porque a “eficácia preclusiva da coisa julgada alcança apenas as questões passíveis de alegação e efetivamente decididas pelo Juízo constantes do mérito da causa, e nem sequer se pode considerar deduzível a matéria de tratar-se de terreno de marinha a área usucapienda”.

Nesse sentido (...).

Assim, pelas razões acima expostas, e considerando o teor da Súmula 150 do E. STJ, reconheço como INEXISTENTE O INTERESSE DA UNIÃO NO FEITO, e, por conseguinte, DECLINO DA COMPETÊNCIA, devendo ser os autos remetidos em retorno à Justiça Estadual de Peruíbe.

 

Cumpre mencionar que a principal questão destes autos (se o bem é inserido ou não em terreno de Marinha e seus acrescidos) diz respeito ao mérito da causa, sendo que a incerteza quanto à parcela correspondente ao terreno de marinha é questão a ser solucionada na instrução processual, não se tratando de matéria atinente à competência, tendo em vista o interesse jurídico da União manifestado nos autos.

Sublinhe-se que esta Corte Regional tem acolhido a manifestação de interesse jurídico da União em ações envolvendo terrenos de marinha, sendo esta suficiente para a fixação da respectiva competência perante a Justiça Federal. Confira-se:

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE SOBRE TERRENO DE MARINHA. PRESENÇA DE INTERESSE JURÍDICO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO.

1. A competência absoluta, dentre as quais se inclui aquela ratione personae, é inderrogável, ou seja, a ação deverá tramitar perante a Justiça Federal, desde que a pretensão envolva interesse da União, de suas autarquias ou empresas públicas. Apenas na ausência desses entes a ação deve tramitar perante o Juízo Estadual, por não preencher os requisitos do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal.

2. Há interesse da União nas ações que discutem posse sobre terrenos de marinha, atraindo a competência para o julgamento dessas demandas para a Justiça Federal. Precedente.

3. No caso, a documentação juntada pela agravante nos autos originários é suficiente para qualificar como terreno de marinha a área onde se situa o imóvel disputado pelos particulares.

4. Não há como afastar o interesse jurídico da União na lide originária, acarretando a permanência dos autos na Justiça Federal.

5. Agravo de instrumento provido.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5000395-47.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 25/06/2021, DJEN DATA: 30/06/2021)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. COMPETÊNCIA. ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INTERESSE DA UNIÃO. TERRENO DE MARINHA.

- Pretende a parte-agravante a reforma da r. decisão que a excluiu do polo passivo da lide por ausência de interesse demonstrado nos autos e, por conseguinte, reconheceu a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e para julgar ação de usucapião (nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal), determinando, ainda, a restituição dos autos à Justiça Estadual.

- Analisando o feito originário, não se pode excluir, peremptoriamente, o interesse da União Federal na ação de usucapião. Isso porque a circunstância de o terreno de marinha representar, ao menos aparentemente, um pequeno percentual da área usucapienda não representa critério legalmente previsto para afastar, desde logo, o interesse da parte-agravante em intervir na demanda, restando, ademais, evidenciado o interesse jurídico do ente público na correta delimitação da área, evitando eventual invasão indevida dos terrenos vizinhos ou mesmo de áreas públicas.

- Agravo de instrumento provido.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5024887-74.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 04/05/2023, DJEN DATA: 10/05/2023)

                                                                           

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE USUCAPIÃO.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTERESSE DA UNIÃO. Recurso provido.

1. Sustenta a União que é litisconsorte passiva necessária na ação, seja porque detém pequena parte da área objeto da pretensão, seja na qualidade de confrontante com o bem, ante as disposições do §3º, do art. 246, do CPC.

2. Muito embora seja ainda necessária a produção de prova mais complexa, há a possibilidade de que o imóvel esteja inserido em terrenos de marinha, configurando a hipótese do artigo 109, I da Constituição Federal.

3. Consoante julgado proferido por esta Turma, a análise da competência da Justiça Federal remete à própria questão de mérito, pois a alegação de domínio público somente poderá ser esclarecida no desenrolar do processo.

4. Agravo de instrumento provido.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5016718-30.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 11/11/2021, DJEN DATA: 18/11/2021)

As provas trazidas aos autos revelam que o bem imóvel localiza-se parcialmente em faixa de terreno de marinha (ID 767658 – p. 20/24 e ID 767664 – p. 16/20), o que ampara a manifestação de interesse jurídico da União na ação subjacente.

Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para declarar a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da ação originária, restando prejudicado o agravo interno.

É o voto.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. TERRENOS DE MARINHA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTERESSE JURÍDICO DA UNIÃO. RECURSO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO.

- Extrai-se do art. 109, I, CF, que, tratando-se de competência absoluta, havendo interesse da União, o feito deve ser processado e julgado perante a Justiça Federal.

- Os bens públicos integram o patrimônio das pessoas de direito público interno e possuem regime jurídico distinto em relação aos bens privados, nos termos dos arts. 41, 98 a 103 do CC.    

- A principal questão dos autos - se o bem é inserido ou não em terreno de Marinha e seus acrescidos - diz respeito ao mérito da causa, sendo que a incerteza quanto à parcela correspondente ao terreno de marinha é questão a ser solucionada na instrução processual, não se tratando de matéria atinente à competência, tendo em vista o interesse jurídico da União manifestado nos autos. Precedentes desta Corte Regional.

- As provas trazidas aos autos revelam que o bem imóvel localiza-se parcialmente em faixa de terreno de marinha, o que ampara a manifestação de interesse jurídico da União na ação subjacente. 

- Agravo de instrumento provido para declarar a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da ação originária. Agravo Interno prejudicado.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento para declarar a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da ação originária, restando prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.