Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016224-67.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: SUHAI SEGURADORA S.A.

Advogado do(a) APELANTE: LUIZ GUSTAVO ANTONIO SILVA BICHARA - SP303020-S

APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DEINF/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016224-67.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: SUHAI SEGURADORA S.A.

Advogado do(a) APELANTE: LUIZ GUSTAVO ANTONIO SILVA BICHARA - SP303020-S

APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DEINF/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

Trata-se de apelação interposta pela impetrante contra sentença que denegou a segurança, concernente à pretensão de não recolher a CIDE sobre remessas ao exterior, instituída pela Lei 10.168/2000 (em caráter subsidiário, de não se submeter a esse recolhimento nas hipóteses em que tais remessas decorram de contratos que não envolvam a efetiva transferência de tecnologia). Não houve condenação em honorários advocatícios, tendo em vista o disposto no art. 25 da Lei 12.016/2009.

 

Em suas razões, a apelante alega, em síntese:

(a) nulidade parcial da sentença por ofensa ao princípio da congruência, tendo em vista que não houve pedido de exclusão do IRRF da base de cálculo da CIDE;

(b) a finalidade da norma se mostra evidentemente inconstitucional e ilegal, pois – ao contrário do defendido na r. sentença apelada - não há efetiva ação interventiva no domínio econômico que legitime a referida contribuição (desvio de finalidade);

(c) o benefício a ser obtido pela CIDE, qual seja, o desenvolvimento universitário e tecnológico, alcança toda sociedade, não havendo contraprestação específica aos sujeitos passivos ou às suas respectivas áreas ou setores econômicos;

(d) Nota-se a ausência de benefício específico e de proporcionalidade na cobrança da CIDE em questão, o que desvirtua a natureza do tributo como uma contribuição de intervenção no domínio econômico, nos moldes previstos no artigo 149, da CF, situação que a transforma em mera ferramenta arrecadatória do Estado;

(e) os benefícios advindos da sua arrecadação não são direcionados aos seus sujeitos passivos, de modo que não existe a necessária referibilidade, situação que viola os artigos 146, inciso III e 149 da CF/88;

(f) é pacífico que a contribuição intervencionista visa tão somente corrigir imperfeições e desequilíbrios em determinada área ou setor econômico, atuando na área/setor durante o tempo em que perdurarem as distorções detectadas pelo Poder Executivo;

(g) Dessa forma, a natureza do tributo impõe como condição de validade a temporariedade de sua exigência, no intuito de incidir apenas e enquanto as irregularidades constatadas estejam sendo sanadas, o que não é comprovado pela União;

(h) os recursos decorrentes do recolhimento da CIDE não estão sendo efetivamente empregados para atender sua destinação constitucional;

(i) em não se verificando o cumprimento da destinação da contribuição, há uma desvirtuação da natureza jurídica da espécie tributária com a consequente invalidade da exigência;

(j) inconstitucionalidade pela ausência de lei complementar;

(k) o instituir a contribuição em questão, a Lei nº 10.168/00 elegeu o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo do Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”), conforme disposto nos artigos 708, do RIR/99 e 765, do RIR/18, o que é vedado pelo artigo 154, inciso I, da CF/88, na medida em que ambos são instituídos pela União Federal;

(l) Portanto, além das demais impropriedades na CIDE em questão, as regras introduzidas pela Lei nº 10.168/00 ainda ofende o princípio da vedação ao bis in idem, previsto na CF/88, na medida em que esta contribuição possui fato gerador e base de cálculo idênticos aos do IRRF, sendo necessário o reconhecimento da sua ilegalidade e inconstitucionalidade;

(m) somente seria possível admitir a legitimidade da incidência dessa contribuição interventiva se, no caso concreto, houvesse efetiva transferência da tecnologia proveniente do exterior, que é o pressuposto de fato para incidência da CIDE, nos termos dos artigos 149 e 218 da CF, bem como do artigo 1º e 2º, da Lei 10.168/2000;

(n) Contudo, como demonstrado, a contratação em apreço (IDs 255907890 e 255907891) não traduz qualquer transferência de tecnologia. Trata-se, apenas, de disponibilização de funcionalidades, por meio de cessão de uso de software, cujos direitos autorais permanecem sob a titularidade exclusiva da Guidewire Software Inc.;

(o) Na prática, a Apelante é usuária final, sem que haja transferência de conhecimento tecnológico ou qualquer outro. Com efeito, a exigência da CIDE sobre as remessas efetuadas pela Apelante é manifestamente inaplicável, já que não há transferência de tecnologia, aspecto material da hipótese de incidência da CIDE;

(p) a exigência da CIDE, tal qual estabelecida pela Lei nº 10.168/00, vai de encontro ao artigo XVII do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (“GATS”), internalizado e regulamentado no direito brasileiro através do Decreto nº 1.355, de 30.12.1994, que preconiza a necessidade de emprego aos bens e serviços fornecidos por estrangeiro do mesmo tratamento tributário aplicado ao produto nacional.

 

Com contrarrazões, os autos subiram a este Tribunal.

 

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo prosseguimento do feito.

 

É o relatório.

 

 


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V O T O

 

 

 

 

 

A sentença deve ser mantida.

 

Discute-se a exigibilidade do recolhimento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre as remessas efetuadas em pagamento pela importação de direitos e serviços fornecidos por empresas estrangeiras.

 

Cumpre observar inicialmente que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria (Constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE sobre remessas ao exterior, instituída pela Lei 10.168/2000, posteriormente alterada pela Lei 10.332/2001) nos autos do RE 928.943 (Tema 914), porém não determinou a suspensão nacional dos processos que versem sobre o tema.

 

Quanto à nulidade parcial suscitada pelo contribuinte, verifica-se que em sua exordial apresentou, dentre outros questionamentos, a alegação de que a contribuição em apreço possui fato gerador e base de cálculo idênticos ao IRRF. Embora o d. Juízo tenha analisado esta questão sob ângulo diferente (pertinência da inclusão do IRRF na base de cálculo da CIDE), a análise da sentença em sua integralidade permite concluir que as alegações da impetrante foram suficientemente apreciadas, de forma que não se identifica nulidade na decisão de primeira instância. Ademais, poderia o contribuinte ter oposto embargos declaratórios a fim de suscitar eventual omissão quanto à análise da matéria especificamente sob o fundamento apresentado. De toda forma, a matéria será objeto de apreciação ao final da presente decisão.

 

A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE sobre remessas ao exterior foi instituída pela Lei 10.168/2000, sendo devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, caput).

 

Seu objetivo é, em síntese, o de atender ao Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. Referido programa foi criado pela lei em apreço no intuito de estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo (art. 1º da Lei 10.168/2000). Busca-se, assim, dar maior concretude aos objetivos de promoção humanística, científica e tecnológica do País, na forma do disposto no art. 214, V, da Constituição Federal.

 

A partir da edição da Lei 10.332/2001, referida contribuição passou a ser devida também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, § 2º, da Lei 10.168/2000, na redação dada pela Lei 10.332/2001).

 

Embora previsto em dispositivo inserido na Ordem Social (e não na Ordem Econômica), o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e científico é de vital importância para o crescimento da economia nacional, conclusão que pode ser igualmente alcançada mediante análise sistemática da Constituição Federal.

 

Acerca da correlação entre autonomia tecnológica e soberania econômica (art. 170, I, da Constituição Federal), colhe-se, na doutrina, a seguinte lição:

 

A autonomia tecnológica é tema decorrente da soberania econômica, esta inaugurada com o constitucionalismo econômico e social. Prevista no Art. 170 da CRFB/88, inciso I, a Soberania Econômica Nacional intenciona garantir em pé de igualdade, no mercado internacional, a garantia do desenvolvimento brasileiro, que em conjunto com o artigo 219 prescreve que a autonomia tecnológica deve ser uma meta a ser atingida pela República Federativa do Brasil.

A necessidade de autonomia e autodeterminação científica e tecnológica, decorrente da soberania econômica nacional, visa também garantir a expansão da economia e o acesso das presentes e futuras gerações ao conhecimento tecnológico.

[...]

Em que pese a Constituição ter reservado capítulos próprios e independentes para tratar da ordem econômica e da ciência e tecnologia, não é possível conceber esses dois segmentos dissociados, sobretudo pela dicção do próprio artigo 219, que menciona a participação imprescindível do mercado: “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”.

(CIDE-Royalties; autor: Alex Taveira dos Santos; Editora Meraki; ebook; 2021; p. 18 e 79)

 

Evidencia-se, assim, a efetiva atividade interventiva no domínio econômico, motivo por que não há que se falar em desvio de finalidade.

 

Outrossim, conforme já decidiu este Tribunal, em precedente de relatoria do e. Desembargador Johonsom Di Salvo (Sexta Turma), não há que se cogitar de descompasso entre os setores econômicos atingidos pela tributação e o destino dos recursos:

 

AGRAVO. TRIBUTÁRIO. CIDE TECNOLOGIA. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DA EXAÇÃO. DESNECESSIDADE DA REFERIBILIDADE DIRETA. INTERVENÇÃO. DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NACIONAL. CARÁTER EXTRAFISCAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS E DE ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA E SEMELHANTES. IRRF. RECURSO DESPROVIDO.

[...]

2.Não há que se cogitar de inconstitucionalidade da exação em face de suposto descompasso entre os setores econômicos atingidos pela tributação e o destino dos recursos. A incidência tem por pressuposto onerar as atividades que se utilizam de tecnologia estrangeira justamente para investimento em tecnologia nacional, elemento essencial à atividade econômica de um país e que justifica a instituição da CIDE. Pelo mesmo motivo, não se considera que a finalidade da CIDE-tecnologia seja meramente educacional, sendo imprescindível o investimento em ciência e tecnologia para o sucesso econômico. 

[...]

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000083-43.2022.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 21/10/2022, Intimação via sistema DATA: 25/10/2022)

 

A propósito da discussão em pauta, em especial quanto ao disposto nos arts. 1º e 2º da Lei 10.332/2001, oportuno destacar o seguinte excerto doutrinário:

 

Dispõe o art. 1º da lei que o produto da contribuição é destinado ao Programa de Ciência e Tecnologia para o Agronegócio; ao Programa de Fomento à Pesquisa em Saúde; ao Programa de Biotecnologia e Recursos Genéticos – Genoma; ao Programa de Ciência e Tecnologia para o Setor Aeronáutico; e ao Programa de Inovação para Competitividade, com vistas ao incentivo do desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, por meio de financiamento de atividade de pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológico de interesse das áreas do agronegócio, da saúde, da biotecnologia e recursos genéticos, do setor aeronáutico e da inovação par a competitividade, nos termo do art. 2º da lei.

Preservada a relação entre cobrança do tributo e destinação do seu proveito – vale dizer: aqueles que importam tecnologia contribuem para que seja gerada tecnologia nacional – o estímulo a este importante fator de produção é o principal efeito extrafiscal da exação.

(Impostos e Contribuições Federais; autor: Marcus de Freitas Gouvêa; Editora Juspodivm; 2018; p. 769/770)   -   destaque nosso.

 

Vale assinalar também que inexiste óbice constitucional para a criação de contribuições de intervenção no domínio econômico que se direcionem ao fomento de atividades que, por estarem relacionadas a carências estruturais do cenário econômico (identificadas pelo legislador), requerem intervenção duradoura. Nesse sentido:

 

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. LEI 10.168/2000. CIDE. LEI COMPLEMENTAR. DESNECESSIDADE. REFERIBILIDADE. PARAFISCALIDADE. ISÔNOMIA. RECURSO IMPROVIDO.

[...]

- Não há qualquer disposição constitucional no sentido de que a Intervenção no Domínio Econômico deverá ser temporária. É claro que como sua finalidade é, a princípio, sanar uma falha de mercado ou do sistema econômico, pretende-se que perdure apenas até que se restabeleça as boas condições econômicas. Porém, a tarefa de analisar tais circunstâncias caberá ao legislador, não havendo prazo máximo de duração para o tributo.

[...]

- Apelação improvida.

(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 285733 - 0003254-04.2006.4.03.6126, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, julgado em 05/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/07/2017)

 

Nesse contexto, em que se objetiva a intervenção no domínio econômico com o intuito de incentivar o avanço tecnológico, em sintonia com o princípio constitucional da soberania nacional (art 170, I, da CF), resta evidenciada a extrafiscalidade da CIDE criada pela Lei 10.168/2000, não havendo, igualmente, que se falar em mero intuito arrecadatório, tampouco em violação ao princípio da isonomia.

 

Sobre essa questão:

 

AGRAVO INTERNO. DIREITO TRIBUTÁRIO. CIDE-REMESSAS. CONSTITUCIONALIDADE. VINCULAÇÃO DIRETA ENTRE O CONTRIBUINTE E A DESTINAÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS: DESNECESSIDADE. POSSIBILIDADE DE INSTITUIÇÃO POR LEI ORDINÁRIA. LEGITIMIDADE DA BASE DE CÁLCULO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À ISONOMIA E AO GATT. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA AMPLIADO PARA ABRANGER CONTRATOS SEM TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA. RECURSO DESPROVIDO.

[...]

7. A tese de quebra da isonomia também padece dado o caráter extrafiscal da contribuição, que tem como objetivo principal o desenvolvimento tecnológico do país, colocando-o em situação de competitividade e igualdade perante o mercado internacional, e norma do GATS, que permite tal diferenciação. Ou seja, ao fazer incidir a contribuição apenas sobre contratos firmados com residentes ou domiciliados no exterior pretende-se incentivar o desenvolvimento da tecnologia nacional, não havendo que se cogitar de violação à isonomia em relação às pessoas jurídicas que adquirem tecnologia nacional.

[...]

9. Recurso desprovido.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007128-68.2022.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 16/06/2023, Intimação via sistema DATA: 16/06/2023)   -   destaque nosso.

 

Em paralelo, a exigência da CIDE em apreço não viola o princípio do tratamento nacional, previsto no GATS (art. XVII), pois o fato gerador da CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 (remessas de royalties ao exterior) não foi objeto de específica deliberação no acordo internacional em apreço, de modo a incidir regularmente o disposto no art. 149, § 2º, II, da Constituição Federal (exigibilidade das contribuições de intervenção no domínio econômico sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços).

 

A propósito do tema, esta Terceira Turma, em acórdão de relatoria do e. Desembargador Nery Junior, já se pronunciou no sentido de que os objetos dos aludidos tratados, frise-se, não se confundem com o previsto no art. 2º da Lei nº 10.168/00, devendo prevalecer no caso a norma do inciso II do § 2º do art. 149 da CF, acrescentado pela EC nº 33/01, segundo a qual as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, ali tratadas, incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004194-09.2018.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 15/07/2022, Intimação via sistema DATA: 22/07/2022 – trecho do voto condutor).

 

Em suma, a CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 tem o precípuo intuito de intervir no domínio econômico para incentivar a produção tecnológica e científica nacionais, não se identificando em sua exigência eventual inobservância do tratado internacional em apreço, tampouco ofensa ao princípio da isonomia, tendo em vista o caráter extrafiscal da exação.

 

Sob outro prisma, o Supremo Tribunal Federal tem pacífico entendimento no sentido de que a inexistência de referibilidade direta não desnatura as CIDE, estando, sua instituição “jungida aos princípios gerais da atividade econômica” – compreensão manifestada, inclusive, em julgamento submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 495 – RE 630.898).

 

Inobstante, na referida hipótese, o STF tenha apreciado contribuição diversa, há precedentes da Suprema Corte específicos à CIDE em discussão nos presentes autos, nos quais restou assentada a desnecessidade de: (a) existência de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado pelas receitas tributárias arrecadadas; (b) edição de lei complementar para sua criação. Nesse sentido:

 

DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. LEI Nº 10.168/2000. DESNECESSIDADE DE VINCULAÇÃO DIRETA ENTRE O CONTRIBUINTE E O BENEFÍCIO PROPORCIONADO PELAS RECEITAS ARRECADADAS. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO 16.8.2006.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que a Lei nº 10.168/2000 instituiu contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE). Afigura-se, pois, desnecessária a edição de lei complementar para sua criação, assim como é prescindível, nos termos da jurisprudência desta Excelsa Corte, a existência de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado pelas receitas tributárias arrecadadas.

Agravo regimental conhecido e não provido.

(RE 632832 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 12/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167  DIVULG 28-08-2014  PUBLIC 29-08-2014)   -   destaque nosso.

 

Desnecessária, portanto, a edição de lei complementar, conforme entendimento do STF. Igualmente prescindível, ademais, a existência de referibilidade direta.

 

Consoante decisão proferida no âmbito deste Tribunal, em acórdão de relatoria da e. Desembargadora Federal Mônica Nobre (Quarta Turma), ainda que a recorrente não usufrua diretamente dos reflexos da arrecadação da aludida contribuição e dos programas que com os recursos alcançados serão desenvolvidos, a sua condição de contribuinte se justifica pelo simples fato de ser, como toda sociedade, beneficiária do desenvolvimento econômico e tecnológico nacional (TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5004678-45.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 22/05/2023, Intimação via sistema DATA: 24/05/2023).

 

Há que se ponderar, outrossim, que as empresas que hoje suportam o ônus de contribuir com a CIDE ora em discussão (contribuindo, por conseguinte, com o desenvolvimento tecnológico nacional), no futuro poderão também se beneficiar de uma tecnologia com preço mais acessível, produzida no Brasil. Identifica-se, portanto, a existência de referibilidade, ainda que indireta. Nesse sentido:

 

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - CIDE - DESTINADA A FINANCIAR O PROGRAMA DE ESTÍMULO À INTERAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA PARA APOIO À INOVAÇÃO. ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTERNACIONAL. LEI N.º 10.168/2000. DESNECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR. NATUREZA DA CONTRIBUIÇÃO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. OBSERVÂNCIA. REFERIBILIDADE.

[...]

10. Como "não se interpreta a Constituição em tiras", o seu art. 170 deve ser lido em conjugação com o restante dos dispositivos constitucionais. Daí que o Estado está autorizado a intervir na economia almejando dar concretude aos preceitos escritos no aludido artigo, e quando se prevê que possa fazê-lo utilizando a política tributária, nos moldes do art. 149, não se quer limitar a atuação estatal à alocação direta e canalizada de recursos para tais metas. Isto é, o Estado pode interferir na economia, de forma a promover os princípios da ordem econômica, mas esta intervenção pode ser instrumentalizada por vias outras, tais como a descrita pela Lei 10.168/00. Ademais, dentre os objetivos da ordem econômica vertidos no art. 170, está a redução das desigualdades regionais e sociais (inc. VII). A Lei 10.168/00 não desvia dessa aspiração, consoante se colhe do seu art. 6º.

11. A parte autora contrata suporte técnico de empresa estrangeira, enquadrando-se no grupo de empresas que não produz tecnologia internamente de modo suficiente à realização das suas atividades, revelando a necessidade de novos e maiores investimento. Estando presente a referibilidade objetiva e também por a lei não se referir exclusivamente ao pagamento de royalties, mas também à simples "prestação de assistência técnica", não há inconstitucionalidade neste enquadramento. Precedente deste Turma.

12. Em decisão no RE 396266/SC (Rel. Min. Carlos Velloso, 26.11.2003), o Supremo pronunciou-se pela primeira vez sobre a questão da referibilidade subjetiva como condição para a validade das CIDE. Embora enfatizando a necessidade de referibilidade objetiva da contribuição à intervenção pretendida, o Excelso Tribunal entendeu que, quanto à referibilidade subjetiva do tributo ao contribuinte, tais modalidades "não exigem vinculação direta do contribuinte ou a possibilidade de auferir benefícios com a aplicação dos recursos arrecadados". Em conclusão, prescindível a referibilidade direta em relação ao sujeito passivo da exação, porquanto a CIDE caracteriza-se, fundamentalmente, pelo seu aspecto finalístico, qual seja a intervenção do estado no domínio econômico, de modo a viabilizar os preceitos insculpidos no Título VII da CF (arts. 170 e segs.).

13. No caso dos autos, existe a referibilidade subjetiva indireta, explicada da seguinte forma: a empresa que se utiliza de assistência internacional, cuja tecnologia (específica) é inexistente no Brasil, deve suportar o ônus de contribuir para o desenvolvimento tecnológico nacional. E ela esta ligada também ao seguimento econômico beneficiado, pois poderá, no futuro, aproveitar-se de tal intervenção do Estado (tecnologia nacional mais barata, em tese).

14. Sentença mantida. (TRF4, AC 2007.70.09.002941-8, SEGUNDA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 19/11/2008)   -   destaque nosso.

 

Cumpre salientar também que é firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido da incidência da CIDE sobre remessas de valores ao exterior para pagamentos relativos a contratos que versam sobre a prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, ainda que não impliquem transferência de tecnologia. Sobre o tema:

 

TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO (CIDE) SOBRE REMESSAS PARA PAGAMENTO A FORNECEDORES DOMICILIADOS NO EXTERIOR: CONSTITUCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DO IRRF NA BASE DE CÁLCULO.

1. A Lei nº 10.168/2000 foi editada com base no permissivo constitucional (art. 149, caput, CF). O C. STF pacificou entendimento quanto à inexigência de lei complementar para instituição de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, bem como a desnecessidade de vinculação direta entre os benefícios dela decorrentes e o contribuinte.

2. A jurisprudência do E. STF decidiu pela legitimidade da cobrança da CIDE sobre as remessas efetuadas ao exterior para pagamento de prestação de serviços técnicos e de assistência técnica, incluídas aquelas que não impliquem transferência de tecnologia.

3. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) e o Imposto de Renda são tributos com hipótese de incidência e sujeito passivo diversos. Inexistência de bis in idem, mantendo-se o IRRF da base de cálculo da CIDE.

4. Agravo de instrumento não provido.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5023600-08.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 10/10/2022, DJEN DATA: 13/10/2022)   -   destaque nosso.

 

Em especial no que concerne ao intitulado “Contrato de Serviços de Assinatura”, firmado com a empresa Guidewire Software em abril de 2022 (ID 276784026), cabe assinalar que o § 1º-A do art. 2º da Lei 10.168/2000, incluído pela Lei 11.452/2007, é expresso no sentido de que a contribuição de que trata este artigo não incide sobre a remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, salvo quando envolverem a transferência da correspondente tecnologia.

 

Desta forma, com relação às remessas efetuadas ao exterior para fins de remuneração pela licença de uso de programa de computador sem a transferência da correspondente tecnologia, sequer existe necessidade de provimento jurisdicional ao contribuinte, tendo em vista a existência de expressa previsão legal que o isenta do recolhimento da CIDE em discussão.

 

Entretanto, o documento juntado com a exordial não permite que se conclua, de forma peremptória, que a hipótese se amolda perfeitamente à exceção prevista no art. 2º, § 1º-A, da Lei 10.168/2000. Há previsão contratual, inclusive, de que cabe à impetrante/apelante arcar com o pagamento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (cláusula 5, item “c” – ID 276784026, p. 12).

 

Nesse contexto, far-se-ia necessária dilação probatória para a averiguação da perfeita subsunção do caso concreto à norma em apreço, providência inviável de ser adotada na via processual adotada pelo contribuinte (mandado de segurança).

 

A propósito do tema, pertinente destacar o seguinte precedente da Quarta Turma deste Tribunal:

 

PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. SENTENÇA EXTRA PETITA. REDUÇÃO AOS TERMOS DO PEDIDO INICIAL. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - CIDE. LEI Nº 10.168/2000. CONSTITUCIONALIDADE. CONTRAPRESTAÇÃO DIRETA EM FAVOR DO CONTRIBUINTE. INEXIGÊNCIA. VILIPÊNDIO A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. INEXISTÊNCIA. CIDE X IRPJ. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. PROGRAMAS DE COMPUTADOR SEM TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA. NÃO INCIDÊNCIA. PREVISÃO LEGAL. 

1. Embora o E. STF tenha reconhecido a repercussão geral da matéria aqui tratada - Tema 914 -, inexiste qualquer óbice à apreciação da presente ação, à míngua de qualquer determinação de sobrestamento dos feitos que tratam do tema.

2. A sentença recorrida mostrou-se extra petita ao dispor sobre a desnecessidade de lei complementar para disciplinar a exação aqui debatida, bem assim quanto à legalidade da inclusão do Imposto de Renda na base de cálculo da CIDE, na medida em que tais matéria não foram vertidas na inicial. Sentença reduzida aos termos do pedido inicial.

3. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE tem previsão constitucional - artigo 149 da CF/88 - e foi criada com o objetivo de financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação "cujo objetivo principal é estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo" (artigo 1º da Lei nº 10.168/2000).

4. A teor do §3º do artigo 2º da Lei nº 10.168/2000, na redação dada pela Lei nº 10.332/2001, "a contribuição incidirá sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações indicadas no caput e no § 2º deste artigo". Destarte, a CIDE é devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como por aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior (artigo 2º, caput) e também  pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior ou que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior. Portanto, a incidência do tributo não se limita às hipóteses em que há a transferência de tecnologia.

5. A teor do § 3º do artigo 2º da Lei nº 10.168/2000 a CIDE incide sobre o valor total da operação, ou seja, sobre a totalidade dos valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações contraídas em contrato de prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, sendo certo que inexiste qualquer vedação à existência de identidade de base de cálculo entre a CIDE - tributo vinculado com destinação específica - e outras espécies tributárias que não possuem tais características, não havendo que se falar em bis in idem, relativamente o Imposto de Renda. Precedentes.

6. Quanto à pretensão da impetrante/apelante para que seja reconhecida a ilegalidade e inconstitucionalidade da exigência da CIDE sobre os contratos por ela firmados e que se destinam a remunerar licença de uso de software, sem a disponibilização do código fonte, ou seja, sem transferência de tecnologia, de se verificar que o § 1º-A do artigo 2º da Lei nº 10.168/2000 é claro ao preceituar que "a contribuição de que trata este artigo não incide sobre a remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, salvo quando envolverem a transferência da correspondente tecnologia". Desta forma, a comercialização ou distribuição de programas de computador (softwares), já se encontra livre da incidência da CIDE, desde que não haja a transferência de tecnologia, de modo que falta interesse processual da impetrante, nesse tocante, cumprindo destacar, ainda, que inexiste comprovação nestes autos de ofensa ao indigitado dispositivo por parte da autoridade impetrada, sendo certo, ademais, que o documento colacionado pela impetrante e denominado de "contrato de software" - ID 262110602, nem mesmo comporta conhecimento, considerando que, redigido em língua estrangeira, não se encontra acompanhado da indispensável versão em língua portuguesa, em manifesta ofensa às disposições do parágrafo único do artigo 192 do CPC.

7. A Corte Suprema já se pronunciou acerca da constitucionalidade das disposições da Lei nº 10.168/2000, seja no aspecto formal, seja no aspecto material, motivo pelo qual se mostra incogitável vilipêndio a quaisquer preceitos constitucionais ou mesmo infraconstitucionais.

8. Apelação provida, em parte.

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001750-07.2022.4.03.6128, Rel. Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 29/06/2023, Intimação via sistema DATA: 03/07/2023)   -   destaque nosso.

 

Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte tem se pacificado no sentido da pertinência da tributação concomitante pelo IRRF.

 

Entende-se que o valor do imposto de renda está inserido na obrigação contratual, que resulta em aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica da renda pelo residente no exterior. Compreende-se também que, ao contrário da CIDE em discussão, em relação à qual o remetente dos valores caracteriza-se como contribuinte, no que se refere ao IRRF a retenção deverá ser por ele realizada na qualidade de responsável tributário.

 

Inexiste qualquer mácula na tributação simultânea pela contribuição e pelo imposto, sobretudo ao se considerar que a vedação de adoção de base de cálculo própria de impostos existe no texto constitucional para as taxas (art. 145, § 2º) e para a criação de impostos com fundamento na competência residual da União (art. 154, I), mas não para a criação de contribuições (TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 310285 - 0022950-70.2007.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 16/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2016).

 

Em síntese, não há identidade de fatos geradores. Outrossim, não há óbice constitucional para que a CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 adote a mesma base de cálculo de um imposto.

 

Ademais, consoante entendimento do STJ, a CIDE é tributo vinculado com destinação específica, razão pela qual inexiste bis in idem com a legislação do imposto sobre a renda:

 

TRIBUTÁRIO - PROCESSUAL CIVIL - CIDE - LEI 10.168/2000 - BIS IN IDEM - IMPOSTO SOBRE A RENDA - INEXISTÊNCIA - ACÓRDÃO - OMISSÃO - NÃO-OCORRÊNCIA - FINALIDADE ADEQUADA - NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA INSTITUIÇÃO - MATÉRIA CONSTITUCIONAL.

1. Inexiste omissão em acórdão que decide motivadamente a lide.

2. A exigência de lei complementar para a instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico é matéria constitucional por implicar na interpretação do art. 149 da Constituição Federal.

3. A CIDE prevista na Lei 10.168/2000 com redação da Lei 10.233/2001 tem por finalidade a aplicação no Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, atendendo a interesses específicos, com benefícios diretos e indiretos, na forma de projetos de pesquisa e desenvolvimento, de implantação de infra-estrutura, de capacitação de recursos humanos, de apoio à produção e à formação de parques industriais, entre outras medidas, nos termos dos Decretos nºs 3.949/01 e 4.195/02

4. A CIDE é tributo vinculado com destinação específica, razão pela qual inexiste bis in idem com a legislação do imposto sobre a renda.

5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.

(REsp n. 1.120.553/RJ, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17/12/2009, DJe de 8/2/2010)   -   destaque nosso.

 

Por fim, impende frisar que a análise da constitucionalidade da Lei 10.168/2000 e das alterações promovidas pela Lei 10.332/2001 será objeto de oportuna e definitiva deliberação pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do supracitado RE 928.943 (Tema 914), não se afigurando adequado, diante das ponderações tecidas na presente decisão, bem como do cenário jurisprudencial, doutrinário e legislativo acima explicitado, emitir juízo contrário à presunção de constitucionalidade das leis em apreço.

 

Em face do exposto, nego provimento à apelação da impetrante.

 

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CIDE. REMESSA DE ROYALTIES AO EXTERIOR. TEMA 914 DE REPERCUSSÃO GERAL. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO NACIONAL. LEI 10.168/2000 E LEI 10.332/2001. LEGITIMIDADE DA INCIDÊNCIA DA EXAÇÃO. REMESSAS RELATIVAS A CONTRATO DE SERVIÇOS DE ASSINATURA. INSUFICIÊNCIA DOS ELEMENTOS COLACIONADOS AOS AUTOS. BASE DE CÁLCULO.

1. Discute-se a exigibilidade do recolhimento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre as remessas efetuadas em pagamento pela importação de direitos e serviços fornecidos por empresas estrangeiras.

2. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria (Constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE sobre remessas ao exterior, instituída pela Lei 10.168/2000, posteriormente alterada pela Lei 10.332/2001) nos autos do RE 928.943 (Tema 914), porém não determinou a suspensão nacional dos processos que versem sobre o tema.

3. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE sobre remessas ao exterior foi instituída pela Lei 10.168/2000, sendo devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, caput).

4. Seu objetivo é, em síntese, o de atender ao Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. Referido programa foi criado pela lei em apreço no intuito de estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo (art. 1º da Lei 10.168/2000). Busca-se, assim, dar maior concretude aos objetivos de promoção humanística, científica e tecnológica do País, na forma do disposto no art. 214, V, da Constituição Federal.

5. A partir da edição da Lei 10.332/2001, referida contribuição passou a ser devida também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, § 2º, da Lei 10.168/2000, na redação dada pela Lei 10.332/2001).

6. Embora previsto em dispositivo inserido na Ordem Social (e não na Ordem Econômica), o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e científico é de vital importância para o crescimento da economia nacional, conclusão que pode ser igualmente alcançada mediante análise sistemática da Constituição Federal. Transcrição de excerto doutrinário acerca da correlação entre autonomia tecnológica e soberania econômica.

7. Caracterizada a efetiva atividade interventiva no domínio econômico, motivo por que não há que se falar em desvio de finalidade.

8. Conforme já decidiu este Tribunal, em precedente de relatoria do e. Desembargador Johonsom Di Salvo (Sexta Turma), não há que se cogitar de descompasso entre os setores econômicos atingidos pela tributação e o destino dos recursos (ApCiv 5000083-43.2022.4.03.6109). Transcrição de excerto doutrinário sobre a relação entre a cobrança do tributo e a destinação do seu proveito.

9. Inexiste óbice constitucional para a criação de contribuições de intervenção no domínio econômico que se direcionem ao fomento de atividades que, por estarem relacionadas a carências estruturais do cenário econômico (identificadas pelo legislador), requerem intervenção duradoura. Precedente da 4ª Turma do TRF3.

10. Nesse contexto, em que se objetiva a intervenção no domínio econômico com o intuito de incentivar o avanço tecnológico, em sintonia com o princípio constitucional da soberania nacional (art 170, I, da CF), resta evidenciada a extrafiscalidade da CIDE criada pela Lei 10.168/2000, não havendo, igualmente, que se falar em mero intuito arrecadatório, tampouco em violação ao princípio da isonomia. Precedente da 6ª Turma do TRF3.

11. A exigência da CIDE em apreço não viola o princípio do tratamento nacional, previsto no GATS (art. XVII), pois o fato gerador da CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 (remessas de royalties ao exterior) não foi objeto de específica deliberação no acordo internacional em apreço, de modo a incidir regularmente o disposto no art. 149, § 2º, II, da Constituição Federal (exigibilidade das contribuições de intervenção no domínio econômico sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços).

12. A propósito do tema, esta Terceira Turma, em acórdão de relatoria do e. Desembargador Nery Junior, já se pronunciou no sentido de que os objetos dos aludidos tratados, frise-se, não se confundem com o previsto no art. 2º da Lei nº 10.168/00, devendo prevalecer no caso a norma do inciso II do § 2º do art. 149 da CF, acrescentado pela EC nº 33/01, segundo a qual as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, ali tratadas, incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços (ApCiv - 5004194-09.2018.4.03.6110 – trecho do voto condutor).

13. Em suma, a CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 tem o precípuo intuito de intervir no domínio econômico para incentivar a produção tecnológica e científica nacionais, não se identificando em sua exigência eventual inobservância do tratado internacional em apreço, tampouco ofensa ao princípio da isonomia, tendo em vista o caráter extrafiscal da exação.

14. Sob outro prisma, o Supremo Tribunal Federal tem pacífico entendimento no sentido de que a inexistência de referibilidade direta não desnatura as CIDE, estando, sua instituição “jungida aos princípios gerais da atividade econômica” – compreensão manifestada, inclusive, em julgamento submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 495 – RE 630.898).

15. Inobstante, na referida hipótese, o STF tenha apreciado contribuição diversa, há precedentes da Suprema Corte específicos à CIDE em discussão nos presentes autos, nos quais restou assentada a desnecessidade de: (a) existência de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado pelas receitas tributárias arrecadadas; (b) edição de lei complementar para sua criação. Precedente.

16. Desnecessária, portanto, a edição de lei complementar, conforme entendimento do STF. Igualmente prescindível, ademais, a existência de referibilidade direta.

17. Consoante decisão também proferida no âmbito deste Tribunal, em acórdão de relatoria da e. Desembargadora Federal Mônica Nobre (Quarta Turma), ainda que a recorrente não usufrua diretamente dos reflexos da arrecadação da aludida contribuição e dos programas que com os recursos alcançados serão desenvolvidos, a sua condição de contribuinte se justifica pelo simples fato de ser, como toda sociedade, beneficiária do desenvolvimento econômico e tecnológico nacional (AI 5004678-45.2023.4.03.0000).

18. As empresas que hoje suportam o ônus de contribuir com a CIDE ora em discussão (contribuindo, por conseguinte, com o desenvolvimento tecnológico nacional), no futuro poderão também se beneficiar de uma tecnologia com preço mais acessível, produzida no Brasil. Existência de referibilidade, ainda que indireta. Precedente do TRF4.

19. É firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido da incidência da CIDE sobre remessas de valores ao exterior para pagamentos relativos a contratos que versam sobre a prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, ainda que não impliquem transferência de tecnologia. Precedente.

20. Em especial no que concerne ao intitulado “Contrato de Serviços de Assinatura”, firmado com a empresa Guidewire Software em abril de 2022, cabe assinalar que o § 1º-A do art. 2º da Lei 10.168/2000, incluído pela Lei 11.452/2007, é expresso no sentido de que a contribuição de que trata este artigo não incide sobre a remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, salvo quando envolverem a transferência da correspondente tecnologia.

21. Desta forma, com relação às remessas efetuadas ao exterior para fins de remuneração pela licença de uso de programa de computador sem a transferência da correspondente tecnologia, sequer existe necessidade de provimento jurisdicional ao contribuinte, tendo em vista a existência de expressa previsão legal que o isenta do recolhimento da CIDE em discussão.

22. Entretanto, o documento juntado com a exordial não permite que se conclua, de forma peremptória, que a hipótese se amolda perfeitamente à exceção prevista no art. 2º, § 1º-A, da Lei 10.168/2000. Há previsão contratual, inclusive, de que cabe à impetrante/apelante arcar com o pagamento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.

23. Nesse contexto, far-se-ia necessária dilação probatória para a averiguação da perfeita subsunção do caso concreto à norma em apreço, providência inviável de ser adotada na via processual adotada pelo contribuinte (mandado de segurança).

24. Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte tem se pacificado no sentido da pertinência da tributação concomitante pelo IRRF.

25. Entende-se que o valor do imposto de renda está inserido na obrigação contratual, que resulta em aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica da renda pelo residente no exterior. Compreende-se também que, ao contrário da CIDE em discussão, em relação à qual o remetente dos valores caracteriza-se como contribuinte, no que se refere ao IRRF a retenção deverá ser por ele realizada na qualidade de responsável tributário.

26. Inexiste qualquer mácula na tributação simultânea pela contribuição e pelo imposto, sobretudo ao se considerar que a vedação de adoção de base de cálculo própria de impostos existe no texto constitucional para as taxas (art. 145, § 2º) e para a criação de impostos com fundamento na competência residual da União (art. 154, I), mas não para a criação de contribuições (TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 310285 - 0022950-70.2007.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 16/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2016).

27. Em síntese, não há identidade de fatos geradores. Outrossim, não há óbice constitucional para que a CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 adote a mesma base de cálculo de um imposto.

28. Ademais, consoante entendimento do STJ, a CIDE é tributo vinculado com destinação específica, razão pela qual inexiste bis in idem com a legislação do imposto sobre a renda (REsp n. 1.120.553/RJ, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17/12/2009, DJe de 8/2/2010).

29. A análise da constitucionalidade da Lei 10.168/2000 e das alterações promovidas pela Lei 10.332/2001 será objeto de oportuna e definitiva deliberação pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do supracitado RE 928.943 (Tema 914), não se afigurando adequado, diante das ponderações tecidas na presente decisão, bem como do cenário jurisprudencial, doutrinário e legislativo acima explicitado, emitir juízo contrário à presunção de constitucionalidade das leis em apreço.

30. Apelação da impetrante improvida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação da impetrante, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.