Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003150-14.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: SODEXO FACILITIES SERVICES LTDA., SODEXO DO BRASIL COMERCIAL S.A.

Advogados do(a) APELANTE: DIEGO FILIPE CASSEB - SP256646-A, FLAVIO VEITZMAN - SP206735-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRACAO TRIBUTARIA DE SAO PAULO (SP), DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE FISCALIZAÇÃO EM SÃO PAULO (DEFIS), DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE FISCALIZAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DEFIS/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE MAIORES CONTRIBUINTES EM SÃO PAULO (DEMAC/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DE FISCALIZAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DEOPE/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE FISCALIZAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DECEX/SPO)
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO, UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003150-14.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: SODEXO FACILITIES SERVICES LTDA., SODEXO DO BRASIL COMERCIAL S.A.

Advogados do(a) APELANTE: DIEGO FILIPE CASSEB - SP256646-A, FLAVIO VEITZMAN - SP206735-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRACAO TRIBUTARIA DE SAO PAULO (SP), DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE FISCALIZAÇÃO EM SÃO PAULO (DEFIS), DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE FISCALIZAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DEFIS/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE MAIORES CONTRIBUINTES EM SÃO PAULO (DEMAC/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DE FISCALIZAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DEOPE/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE FISCALIZAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DECEX/SPO)
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO, UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL

 

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R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de apelação interposta pelas impetrantes contra sentença que denegou a segurança, concernente à pretensão de não recolherem a CIDE sobre as remessas ao exterior efetuadas em decorrência de serviços que lhes foram prestados. Não houve condenação em honorários advocatícios, tendo em vista o disposto no art. 25 da Lei 12.016/2009.

 

Em suas razões, as apelantes alegam, em síntese:

(a) Considerando que a r. sentença deixou de apreciar parte dos pedidos formulados nestes autos, houve contrariedade ao disposto no artigo 1.022, inciso II, e parágrafo único, inciso II, cumulado com artigos 489, § 1º, inciso IV, do CPC. Por isso, a Apelante pleiteia a aplicação do disposto no artigo 1.013, § 3º, inciso III, do CPC, com base no qual o Tribunal deve decidir desde logo o mérito quando constatar a omissão no exame dos pedidos formulados;

(b) Seja em razão de a incidência da CIDE estar vinculada à atuação do Estado na área de ciência e tecnologia por previsão constitucional, seja porque a própria Lei nº 10.168/00 (artigos 1º e 2º) determinou que a finalidade da contribuição é aprimorar o desenvolvimento tecnológico nacional, não há permissão para cobrança da CIDE indistintamente sobre quaisquer serviços que não guardem relação com a tecnologia;

(c) No entanto, no caso das Apelantes, há apenas prestação de serviços “puros”, ou seja, que visam agregar utilidades prontas e acabadas no negócio das empresas, mas sem conceder a elas processos industriais, know-how ou propriedade intelectual empregados no exterior, não havendo qualquer tipo de transferência de tecnologia. Frente aos serviços contratados, na prática, as Apelantes se configuram como usuárias finais, sem fazer jus a qualquer transferência de conhecimento tecnológico ou outro;

(d) não há efetiva ação interventiva no domínio econômico que legitime a referida contribuição, uma vez que os benefícios advindos da sua arrecadação não são direcionados aos seus sujeitos passivos, e sim à toda sociedade, além de não atenderem ao critério de temporariedade exigido para a validade do tributo, em violação ao artigo 149 da CF/88;

(e) a pretensão da Lei nº 10.168/00 de cobrar contribuição de intervenção sobre o domínio econômico que vise atuar sobre a Ordem Social é paradoxal e flagrantemente inconstitucional, pois afronta os artigos 149 e 174 da CF/88, que respectivamente vincula tais contribuições às suas respectivas áreas de atuação, e determina que o Estado exercerá funções de fiscalização, incentivo e planejamento na forma da lei em relação à ordem econômica (e não à ordem social);

(f) Ainda que fosse possível cogitar da incidência de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico em área ou setor delimitado no contexto constitucional da Ordem Social, o que se admite apenas para fins de argumentação, tal incidência somente seria legítima se fosse possível verificar a existência de benefício específico para os sujeitos passivos, ou seja, caso se concretizasse a denominada referibilidade da contribuição;

(g) A contribuição de intervenção no domínio econômico em discussão, ao arrepio da norma constitucional, foi instituída por lei ordinária (Lei nº 10.168/2000). Tal fato, por si só, já basta para comprovar a inconstitucionalidade da exação;

(h) os recursos arrecadados com a cobrança da CIDE sequer têm sido investidos na finalidade desenhada pela Lei 10.168/00, que a instituiu, e pela Lei nº 10.336/01, que instituiu os programas que objetivam incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro;

(i) Ainda que se considerasse a possibilidade de emprego de recursos em outros exercícios, é patente que eles estão longe de serem aplicados corretamente, havendo um descasamento relevante entre arrecadação e destinação;

(j) A despeito do nome “contribuição de intervenção no domínio econômico” atribuído à CIDE e a natureza jurídica de contribuição que lhe foi conferida, verificamos que, na prática, diante da ausência de referibilidade e destinação dos recursos arrecadados, a CIDE se equipararia a verdadeiro imposto;

(k) Na qualidade de imposto, portanto, verificamos que a CIDE possui o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo do IRF, conforme se depreende da redação dos artigos 708 do RIR/99 e 765 do RIR/18, o que é vedado pelo artigo 154, inciso I, da CF/88, na medida em que ambos são instituídos pela União Federal;

(l) a exigência da CIDE, na hipótese em discussão, também viola o artigo XVII do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (“GATS”), que foi internalizado e regulamentado no direito brasileiro através do Decreto n.º 1.355, de 30.12.1994;

(m) a exigência da CIDE, na hipótese em discussão, constitui ainda um óbice ao comércio de serviços internacional, na medida em que trata discriminatoriamente os serviços e prestadores de serviços estrangeiros, violando notadamente o artigo XVII do GATS, em contrariedade ao artigo 5º, caput e § 2º, e 150, inciso II, da CF/88, e ao artigo 98 do CTN. Ademais, a exigência da CIDE sobre as remessas representa uma discriminação contra os importadores, o que viola o princípio da isonomia (artigos 5, caput, e 150, inciso II, da CF/88).

 

Com contrarrazões, os autos subiram a este Tribunal.

 

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo regular processamento.

 

É o relatório.

 

 


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V O T O

 

 

 

 

 

A sentença deve ser mantida.

 

Discute-se a exigibilidade do recolhimento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre as remessas efetuadas em pagamento pela importação de direitos e serviços fornecidos por empresas estrangeiras.

 

Cumpre observar inicialmente que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria (Constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE sobre remessas ao exterior, instituída pela Lei 10.168/2000, posteriormente alterada pela Lei 10.332/2001) nos autos do RE 928.943 (Tema 914), porém não determinou a suspensão nacional dos processos que versem sobre o tema.

 

Impende observar também que a sentença não está eivada da nulidade suscitada no apelo, tendo apresentado fundamentação suficiente para afastar as alegações das impetrantes. Outrossim, na presente decisão procurar-se-á apreciar de forma minudente todas as irresignações apresentadas pelo contribuinte.

 

A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE sobre remessas ao exterior foi instituída pela Lei 10.168/2000, sendo devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, caput).

 

Seu objetivo é, em síntese, o de atender ao Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. Referido programa foi criado pela lei em apreço no intuito de estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo (art. 1º da Lei 10.168/2000). Busca-se, assim, dar maior concretude aos objetivos de promoção humanística, científica e tecnológica do País, na forma do disposto no art. 214, V, da Constituição Federal.

 

A partir da edição da Lei 10.332/2001, referida contribuição passou a ser devida também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, § 2º, da Lei 10.168/2000, na redação dada pela Lei 10.332/2001).

 

Embora previsto em dispositivo inserido na Ordem Social (e não na Ordem Econômica), o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e científico é de vital importância para o crescimento da economia nacional, conclusão que pode ser igualmente alcançada mediante análise sistemática da Constituição Federal.

 

Acerca da correlação entre autonomia tecnológica e soberania econômica nacional (art. 170, I, da Constituição Federal), colhe-se, na doutrina, a seguinte lição:

 

A autonomia tecnológica é tema decorrente da soberania econômica, esta inaugurada com o constitucionalismo econômico e social. Prevista no Art. 170 da CRFB/88, inciso I, a Soberania Econômica Nacional intenciona garantir em pé de igualdade, no mercado internacional, a garantia do desenvolvimento brasileiro, que em conjunto com o artigo 219 prescreve que a autonomia tecnológica deve ser uma meta a ser atingida pela República Federativa do Brasil.

A necessidade de autonomia e autodeterminação científica e tecnológica, decorrente da soberania econômica nacional, visa também garantir a expansão da economia e o acesso das presentes e futuras gerações ao conhecimento tecnológico.

[...]

Em que pese a Constituição ter reservado capítulos próprios e independentes para tratar da ordem econômica e da ciência e tecnologia, não é possível conceber esses dois segmentos dissociados, sobretudo pela dicção do próprio artigo 219, que menciona a participação imprescindível do mercado: “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”.

(CIDE-Royalties; autor: Alex Taveira dos Santos; Editora Meraki; ebook; 2021; p. 18 e 79)

 

Evidencia-se, assim, a efetiva atividade interventiva no domínio econômico, motivo por que não há que se falar em desvio de finalidade.

 

Outrossim, conforme já decidiu este Tribunal, em precedente de relatoria do e. Desembargador Johonsom Di Salvo (Sexta Turma), não há que se cogitar de descompasso entre os setores econômicos atingidos pela tributação e o destino dos recursos:

 

AGRAVO. TRIBUTÁRIO. CIDE TECNOLOGIA. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DA EXAÇÃO. DESNECESSIDADE DA REFERIBILIDADE DIRETA. INTERVENÇÃO. DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NACIONAL. CARÁTER EXTRAFISCAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS E DE ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA E SEMELHANTES. IRRF. RECURSO DESPROVIDO.

[...]

2.Não há que se cogitar de inconstitucionalidade da exação em face de suposto descompasso entre os setores econômicos atingidos pela tributação e o destino dos recursos. A incidência tem por pressuposto onerar as atividades que se utilizam de tecnologia estrangeira justamente para investimento em tecnologia nacional, elemento essencial à atividade econômica de um país e que justifica a instituição da CIDE. Pelo mesmo motivo, não se considera que a finalidade da CIDE-tecnologia seja meramente educacional, sendo imprescindível o investimento em ciência e tecnologia para o sucesso econômico. 

[...]

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000083-43.2022.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 21/10/2022, Intimação via sistema DATA: 25/10/2022)

 

A propósito da discussão em pauta, em especial quanto ao disposto nos arts. 1º e 2º da Lei 10.332/2001, oportuno destacar o seguinte excerto doutrinário:

 

Dispõe o art. 1º da lei que o produto da contribuição é destinado ao Programa de Ciência e Tecnologia para o Agronegócio; ao Programa de Fomento à Pesquisa em Saúde; ao Programa de Biotecnologia e Recursos Genéticos – Genoma; ao Programa de Ciência e Tecnologia para o Setor Aeronáutico; e ao Programa de Inovação para Competitividade, com vistas ao incentivo do desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, por meio de financiamento de atividade de pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológico de interesse das áreas do agronegócio, da saúde, da biotecnologia e recursos genéticos, do setor aeronáutico e da inovação par a competitividade, nos termo do art. 2º da lei.

Preservada a relação entre cobrança do tributo e destinação do seu proveito – vale dizer: aqueles que importam tecnologia contribuem para que seja gerada tecnologia nacional – o estímulo a este importante fator de produção é o principal efeito extrafiscal da exação.

(Impostos e Contribuições Federais; autor: Marcus de Freitas Gouvêa; Editora Juspodivm; 2018; p. 769/770)   -   destaque nosso.

 

Vale assinalar também que inexiste óbice constitucional para a criação de contribuições de intervenção no domínio econômico que se direcionem ao fomento de atividades que, por estarem relacionadas a carências estruturais do cenário econômico (identificadas pelo legislador), requerem intervenção duradoura. Nesse sentido:

 

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. LEI 10.168/2000. CIDE. LEI COMPLEMENTAR. DESNECESSIDADE. REFERIBILIDADE. PARAFISCALIDADE. ISÔNOMIA. RECURSO IMPROVIDO.

[...]

- Não há qualquer disposição constitucional no sentido de que a Intervenção no Domínio Econômico deverá ser temporária. É claro que como sua finalidade é, a princípio, sanar uma falha de mercado ou do sistema econômico, pretende-se que perdure apenas até que se restabeleça as boas condições econômicas. Porém, a tarefa de analisar tais circunstâncias caberá ao legislador, não havendo prazo máximo de duração para o tributo.

[...]

- Apelação improvida.

(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 285733 - 0003254-04.2006.4.03.6126, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, julgado em 05/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/07/2017)

 

Nesse contexto, em que se objetiva a intervenção no domínio econômico com o intuito de incentivar o avanço tecnológico, em sintonia com o princípio constitucional da soberania econômica nacional (art 170, I, da CF), resta evidenciada a extrafiscalidade da CIDE criada pela Lei 10.168/2000, não havendo, igualmente, que se falar em mero intuito arrecadatório, tampouco em violação ao princípio da isonomia.

 

Sobre essa questão:

 

AGRAVO INTERNO. DIREITO TRIBUTÁRIO. CIDE-REMESSAS. CONSTITUCIONALIDADE. VINCULAÇÃO DIRETA ENTRE O CONTRIBUINTE E A DESTINAÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS: DESNECESSIDADE. POSSIBILIDADE DE INSTITUIÇÃO POR LEI ORDINÁRIA. LEGITIMIDADE DA BASE DE CÁLCULO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À ISONOMIA E AO GATT. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA AMPLIADO PARA ABRANGER CONTRATOS SEM TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA. RECURSO DESPROVIDO.

[...]

7. A tese de quebra da isonomia também padece dado o caráter extrafiscal da contribuição, que tem como objetivo principal o desenvolvimento tecnológico do país, colocando-o em situação de competitividade e igualdade perante o mercado internacional, e norma do GATS, que permite tal diferenciação. Ou seja, ao fazer incidir a contribuição apenas sobre contratos firmados com residentes ou domiciliados no exterior pretende-se incentivar o desenvolvimento da tecnologia nacional, não havendo que se cogitar de violação à isonomia em relação às pessoas jurídicas que adquirem tecnologia nacional.

[...]

9. Recurso desprovido.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007128-68.2022.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 16/06/2023, Intimação via sistema DATA: 16/06/2023)   -   destaque nosso.

 

Em paralelo, a exigência da CIDE em apreço não viola o princípio do tratamento nacional, previsto no GATS (art. XVII), pois o fato gerador da CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 (remessas de royalties ao exterior) não foi objeto de específica deliberação no acordo internacional em apreço, de modo a incidir regularmente o disposto no art. 149, § 2º, II, da Constituição Federal (exigibilidade das contribuições de intervenção no domínio econômico sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços).

 

A propósito do tema, esta Terceira Turma, em acórdão de relatoria do e. Desembargador Nery Junior, já se pronunciou no sentido de que os objetos dos aludidos tratados, frise-se, não se confundem com o previsto no art. 2º da Lei nº 10.168/00, devendo prevalecer no caso a norma do inciso II do § 2º do art. 149 da CF, acrescentado pela EC nº 33/01, segundo a qual as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, ali tratadas, incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004194-09.2018.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 15/07/2022, Intimação via sistema DATA: 22/07/2022 – trecho do voto condutor).

 

Em suma, a CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 tem o precípuo intuito de intervir no domínio econômico para incentivar a produção tecnológica e científica nacionais, não se identificando em sua exigência eventual inobservância do tratado internacional em apreço, tampouco ofensa ao princípio da isonomia, tendo em vista o caráter extrafiscal da exação.

 

Vale assinalar também que o suscitado desvio na destinação dos valores arrecadados não se encontra robustamente demonstrado nestes autos, necessitando de dilação probatória para sua eventual comprovação, inviável de ser produzida na via processual do mandado de segurança.

 

Sob outro prisma, o Supremo Tribunal Federal tem pacífico entendimento no sentido de que a inexistência de referibilidade direta não desnatura as CIDE, estando, sua instituição “jungida aos princípios gerais da atividade econômica” – compreensão manifestada, inclusive, em julgamento submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 495 – RE 630.898).

 

Inobstante, na referida hipótese, o STF tenha apreciado contribuição diversa, há precedentes da Suprema Corte específicos à CIDE em discussão nos presentes autos, nos quais restou assentada a desnecessidade de: (a) existência de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado pelas receitas tributárias arrecadadas; (b) edição de lei complementar para sua criação. Nesse sentido:

 

DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. LEI Nº 10.168/2000. DESNECESSIDADE DE VINCULAÇÃO DIRETA ENTRE O CONTRIBUINTE E O BENEFÍCIO PROPORCIONADO PELAS RECEITAS ARRECADADAS. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO 16.8.2006.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que a Lei nº 10.168/2000 instituiu contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE). Afigura-se, pois, desnecessária a edição de lei complementar para sua criação, assim como é prescindível, nos termos da jurisprudência desta Excelsa Corte, a existência de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado pelas receitas tributárias arrecadadas.

Agravo regimental conhecido e não provido.

(RE 632832 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 12/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167  DIVULG 28-08-2014  PUBLIC 29-08-2014)   -   destaque nosso.

 

Desnecessária, portanto, a edição de lei complementar, conforme entendimento do STF. Igualmente prescindível, ademais, a existência de referibilidade direta.

 

Consoante decisão proferida no âmbito deste Tribunal, em acórdão de relatoria da e. Desembargadora Federal Mônica Nobre (Quarta Turma), ainda que a recorrente não usufrua diretamente dos reflexos da arrecadação da aludida contribuição e dos programas que com os recursos alcançados serão desenvolvidos, a sua condição de contribuinte se justifica pelo simples fato de ser, como toda sociedade, beneficiária do desenvolvimento econômico e tecnológico nacional (TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5004678-45.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 22/05/2023, Intimação via sistema DATA: 24/05/2023).

 

Há que se ponderar, outrossim, que as empresas que hoje suportam o ônus de contribuir com a CIDE ora em discussão (contribuindo, por conseguinte, com o desenvolvimento tecnológico nacional), no futuro poderão também se beneficiar de uma tecnologia com preço mais acessível, produzida no Brasil. Identifica-se, portanto, a existência de referibilidade, ainda que indireta. Nesse sentido:

 

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - CIDE - DESTINADA A FINANCIAR O PROGRAMA DE ESTÍMULO À INTERAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA PARA APOIO À INOVAÇÃO. ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTERNACIONAL. LEI N.º 10.168/2000. DESNECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR. NATUREZA DA CONTRIBUIÇÃO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. OBSERVÂNCIA. REFERIBILIDADE.

[...]

10. Como "não se interpreta a Constituição em tiras", o seu art. 170 deve ser lido em conjugação com o restante dos dispositivos constitucionais. Daí que o Estado está autorizado a intervir na economia almejando dar concretude aos preceitos escritos no aludido artigo, e quando se prevê que possa fazê-lo utilizando a política tributária, nos moldes do art. 149, não se quer limitar a atuação estatal à alocação direta e canalizada de recursos para tais metas. Isto é, o Estado pode interferir na economia, de forma a promover os princípios da ordem econômica, mas esta intervenção pode ser instrumentalizada por vias outras, tais como a descrita pela Lei 10.168/00. Ademais, dentre os objetivos da ordem econômica vertidos no art. 170, está a redução das desigualdades regionais e sociais (inc. VII). A Lei 10.168/00 não desvia dessa aspiração, consoante se colhe do seu art. 6º.

11. A parte autora contrata suporte técnico de empresa estrangeira, enquadrando-se no grupo de empresas que não produz tecnologia internamente de modo suficiente à realização das suas atividades, revelando a necessidade de novos e maiores investimento. Estando presente a referibilidade objetiva e também por a lei não se referir exclusivamente ao pagamento de royalties, mas também à simples "prestação de assistência técnica", não há inconstitucionalidade neste enquadramento. Precedente deste Turma.

12. Em decisão no RE 396266/SC (Rel. Min. Carlos Velloso, 26.11.2003), o Supremo pronunciou-se pela primeira vez sobre a questão da referibilidade subjetiva como condição para a validade das CIDE. Embora enfatizando a necessidade de referibilidade objetiva da contribuição à intervenção pretendida, o Excelso Tribunal entendeu que, quanto à referibilidade subjetiva do tributo ao contribuinte, tais modalidades "não exigem vinculação direta do contribuinte ou a possibilidade de auferir benefícios com a aplicação dos recursos arrecadados". Em conclusão, prescindível a referibilidade direta em relação ao sujeito passivo da exação, porquanto a CIDE caracteriza-se, fundamentalmente, pelo seu aspecto finalístico, qual seja a intervenção do estado no domínio econômico, de modo a viabilizar os preceitos insculpidos no Título VII da CF (arts. 170 e segs.).

13. No caso dos autos, existe a referibilidade subjetiva indireta, explicada da seguinte forma: a empresa que se utiliza de assistência internacional, cuja tecnologia (específica) é inexistente no Brasil, deve suportar o ônus de contribuir para o desenvolvimento tecnológico nacional. E ela esta ligada também ao seguimento econômico beneficiado, pois poderá, no futuro, aproveitar-se de tal intervenção do Estado (tecnologia nacional mais barata, em tese).

14. Sentença mantida. (TRF4, AC 2007.70.09.002941-8, SEGUNDA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 19/11/2008)   -   destaque nosso.

 

Cumpre salientar também que é firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido da incidência da CIDE sobre remessas de valores ao exterior para pagamentos relativos a contratos que versam sobre a prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, ainda que não impliquem transferência de tecnologia. Sobre o tema:

 

TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO (CIDE) SOBRE REMESSAS PARA PAGAMENTO A FORNECEDORES DOMICILIADOS NO EXTERIOR: CONSTITUCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DO IRRF NA BASE DE CÁLCULO.

1. A Lei nº 10.168/2000 foi editada com base no permissivo constitucional (art. 149, caput, CF). O C. STF pacificou entendimento quanto à inexigência de lei complementar para instituição de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, bem como a desnecessidade de vinculação direta entre os benefícios dela decorrentes e o contribuinte.

2. A jurisprudência do E. STF decidiu pela legitimidade da cobrança da CIDE sobre as remessas efetuadas ao exterior para pagamento de prestação de serviços técnicos e de assistência técnica, incluídas aquelas que não impliquem transferência de tecnologia.

3. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) e o Imposto de Renda são tributos com hipótese de incidência e sujeito passivo diversos. Inexistência de bis in idem, mantendo-se o IRRF da base de cálculo da CIDE.

4. Agravo de instrumento não provido.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5023600-08.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 10/10/2022, DJEN DATA: 13/10/2022)   -   destaque nosso.

 

Também quanto a essa questão está presente o caráter extrafiscal da CIDE-Remessas, tendo em vista que se busca, com a tributação em apreço, incentivar o desenvolvimento dos serviços e da assistência técnica nacionais, providência que repercutirá no domínio econômico. Nesse sentido, destaca-se o seguinte precedente da Sexta Turma deste Tribunal:

 

AGRAVO INTERNO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO: LASTRO NOS PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA E DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. CIDE- REMESSAS. CONSTITUCIONALIDADE. VINCULAÇÃO DIRETA ENTRE O CONTRIBUINTE E A DESTINAÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS: DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE DESVIO DE FINALIDADE E DE VIOLAÇÃO À ISONOMIA. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA AMPLIADO PARA ABRANGER CONTRATOS SEM TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DE BITRIBUTAÇÃO E DE BIS IN IDEM. RECURSO DESPROVIDO.

[...]

11. Nos termos da Lei nº 10.168/00, a CIDE tem por fato gerador não apenas a transferência de tecnologia, mas também a prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, a serem prestados por residentes domiciliados no exterior, nos termos do art. 2º, § 2º, da Lei em questão. O dispositivo é claro em sua redação, não havendo espaço para a tese defendida pela agravante. Repisa-se que a partir do advento do § 2º do art. 2º o âmbito de incidência da CIDE foi ampliado para abranger as remessas efetuadas ao exterior para pagamento de prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, ainda que não impliquem transferência de tecnologia. Pretende-se, com isso, desestimular a contratação de serviços técnicos e de assistência prestados por pessoas domiciliadas no exterior, de modo a incentivar o desenvolvimento dos serviços, do conhecimento e da economia nacional (finalidade extrafiscal).

[...]

15. Recurso desprovido.

 (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5005304-47.2022.4.03.6128, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 15/08/2023, Intimação via sistema DATA: 16/08/2023)

 

Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte tem se pacificado no sentido da pertinência da tributação concomitante pelo IRRF.

 

Entende-se que o valor do imposto de renda está inserido na obrigação contratual, que resulta em aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica da renda pelo residente no exterior. Compreende-se também que, ao contrário da CIDE em discussão, em relação à qual o remetente dos valores caracteriza-se como contribuinte, no que se refere ao IRRF a retenção deverá ser por ele realizada na qualidade de responsável tributário.

 

Inexiste qualquer mácula na tributação simultânea pela contribuição e pelo imposto, sobretudo ao se considerar que a vedação de adoção de base de cálculo própria de impostos existe no texto constitucional para as taxas (art. 145, § 2º) e para a criação de impostos com fundamento na competência residual da União (art. 154, I), mas não para a criação de contribuições (TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 310285 - 0022950-70.2007.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 16/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2016).

 

Em síntese, não há identidade de fatos geradores. Outrossim, não há óbice constitucional para que a CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 adote a mesma base de cálculo de um imposto.

 

Ademais, consoante entendimento do STJ, a CIDE é tributo vinculado com destinação específica, razão pela qual inexiste bis in idem com a legislação do imposto sobre a renda:

 

TRIBUTÁRIO - PROCESSUAL CIVIL - CIDE - LEI 10.168/2000 - BIS IN IDEM - IMPOSTO SOBRE A RENDA - INEXISTÊNCIA - ACÓRDÃO - OMISSÃO - NÃO-OCORRÊNCIA - FINALIDADE ADEQUADA - NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA INSTITUIÇÃO - MATÉRIA CONSTITUCIONAL.

1. Inexiste omissão em acórdão que decide motivadamente a lide.

2. A exigência de lei complementar para a instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico é matéria constitucional por implicar na interpretação do art. 149 da Constituição Federal.

3. A CIDE prevista na Lei 10.168/2000 com redação da Lei 10.233/2001 tem por finalidade a aplicação no Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, atendendo a interesses específicos, com benefícios diretos e indiretos, na forma de projetos de pesquisa e desenvolvimento, de implantação de infra-estrutura, de capacitação de recursos humanos, de apoio à produção e à formação de parques industriais, entre outras medidas, nos termos dos Decretos nºs 3.949/01 e 4.195/02

4. A CIDE é tributo vinculado com destinação específica, razão pela qual inexiste bis in idem com a legislação do imposto sobre a renda.

5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.

(REsp n. 1.120.553/RJ, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17/12/2009, DJe de 8/2/2010)   -   destaque nosso.

 

Por fim, impende frisar que a análise da constitucionalidade da Lei 10.168/2000 e das alterações promovidas pela Lei 10.332/2001 será objeto de oportuna e definitiva deliberação pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do supracitado RE 928.943 (Tema 914), não se afigurando adequado, diante das ponderações tecidas na presente decisão, bem como do cenário jurisprudencial, doutrinário e legislativo acima explicitado, emitir juízo contrário à presunção de constitucionalidade das leis em apreço.

 

Em face do exposto, nego provimento à apelação das impetrantes.

 

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CIDE. REMESSA DE ROYALTIES AO EXTERIOR. TEMA 914 DE REPERCUSSÃO GERAL. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO NACIONAL. LEI 10.168/2000 E LEI 10.332/2001. LEGITIMIDADE DA INCIDÊNCIA DA EXAÇÃO.

1. Discute-se a exigibilidade do recolhimento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre as remessas efetuadas em pagamento pela importação de direitos e serviços fornecidos por empresas estrangeiras.

2. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria (Constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE sobre remessas ao exterior, instituída pela Lei 10.168/2000, posteriormente alterada pela Lei 10.332/2001) nos autos do RE 928.943 (Tema 914), porém não determinou a suspensão nacional dos processos que versem sobre o tema.

3. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE sobre remessas ao exterior foi instituída pela Lei 10.168/2000, sendo devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, caput).

4. Seu objetivo é, em síntese, o de atender ao Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. Referido programa foi criado pela lei em apreço no intuito de estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo (art. 1º da Lei 10.168/2000). Busca-se, assim, dar maior concretude aos objetivos de promoção humanística, científica e tecnológica do País, na forma do disposto no art. 214, V, da Constituição Federal.

5. A partir da edição da Lei 10.332/2001, referida contribuição passou a ser devida também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, § 2º, da Lei 10.168/2000, na redação dada pela Lei 10.332/2001).

6. Embora previsto em dispositivo inserido na Ordem Social (e não na Ordem Econômica), o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e científico é de vital importância para o crescimento da economia nacional, conclusão que pode ser igualmente alcançada mediante análise sistemática da Constituição Federal. Transcrição de excerto doutrinário acerca da correlação entre autonomia tecnológica e soberania econômica nacional.

7. Caracterizada a efetiva atividade interventiva no domínio econômico, motivo por que não há que se falar em desvio de finalidade.

8. Conforme já decidiu este Tribunal, em precedente de relatoria do e. Desembargador Johonsom Di Salvo (Sexta Turma), não há que se cogitar de descompasso entre os setores econômicos atingidos pela tributação e o destino dos recursos (ApCiv 5000083-43.2022.4.03.6109). Transcrição de excerto doutrinário sobre a relação entre a cobrança do tributo e a destinação do seu proveito.

9. inexiste óbice constitucional para a criação de contribuições de intervenção no domínio econômico que se direcionem ao fomento de atividades que, por estarem relacionadas a carências estruturais do cenário econômico (identificadas pelo legislador), requerem intervenção duradoura. Precedente da Quarta Turma do TRF3.

10. Nesse contexto, em que se objetiva a intervenção no domínio econômico com o intuito de incentivar o avanço tecnológico, em sintonia com o princípio constitucional da soberania econômica nacional (art 170, I, da CF), resta evidenciada a extrafiscalidade da CIDE criada pela Lei 10.168/2000, não havendo, igualmente, que se falar em mero intuito arrecadatório, tampouco em violação ao princípio da isonomia. Precedente da 6ª Turma do TRF3.

11. A exigência da CIDE em apreço não viola o princípio do tratamento nacional, previsto no GATS (art. XVII), pois o fato gerador da CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 (remessas de royalties ao exterior) não foi objeto de específica deliberação no acordo internacional em apreço, de modo a incidir regularmente o disposto no art. 149, § 2º, II, da Constituição Federal (exigibilidade das contribuições de intervenção no domínio econômico sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços).

12. A propósito do tema, esta Terceira Turma, em acórdão de relatoria do e. Desembargador Nery Junior, já se pronunciou no sentido de que os objetos dos aludidos tratados, frise-se, não se confundem com o previsto no art. 2º da Lei nº 10.168/00, devendo prevalecer no caso a norma do inciso II do § 2º do art. 149 da CF, acrescentado pela EC nº 33/01, segundo a qual as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, ali tratadas, incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços (ApCiv - 5004194-09.2018.4.03.6110 – trecho do voto condutor).

13. Em suma, a CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 tem o precípuo intuito de intervir no domínio econômico para incentivar a produção tecnológica e científica nacionais, não se identificando em sua exigência eventual inobservância do tratado internacional em apreço, tampouco ofensa ao princípio da isonomia, tendo em vista o caráter extrafiscal da exação.

14. Vale assinalar também que o suscitado desvio na destinação dos valores arrecadados não se encontra robustamente demonstrado nestes autos, necessitando de dilação probatória para sua eventual comprovação, inviável de ser produzida na via processual do mandado de segurança.

15. Sob outro prisma, o Supremo Tribunal Federal tem pacífico entendimento no sentido de que a inexistência de referibilidade direta não desnatura as CIDE, estando, sua instituição “jungida aos princípios gerais da atividade econômica” – compreensão manifestada, inclusive, em julgamento submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 495 – RE 630.898).

16. Inobstante, na referida hipótese, o STF tenha apreciado contribuição diversa, há precedentes da Suprema Corte específicos à CIDE em discussão nos presentes autos, nos quais restou assentada a desnecessidade de: (a) existência de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado pelas receitas tributárias arrecadadas; (b) edição de lei complementar para sua criação. Precedente.

17. Desnecessária, portanto, a edição de lei complementar, conforme entendimento do STF. Igualmente prescindível, ademais, a existência de referibilidade direta.

18. Consoante decisão também proferida no âmbito deste Tribunal, em acórdão de relatoria da e. Desembargadora Federal Mônica Nobre (Quarta Turma), ainda que a recorrente não usufrua diretamente dos reflexos da arrecadação da aludida contribuição e dos programas que com os recursos alcançados serão desenvolvidos, a sua condição de contribuinte se justifica pelo simples fato de ser, como toda sociedade, beneficiária do desenvolvimento econômico e tecnológico nacional (AI 5004678-45.2023.4.03.0000).

19. As empresas que hoje suportam o ônus de contribuir com a CIDE ora em discussão (contribuindo, por conseguinte, com o desenvolvimento tecnológico nacional), no futuro poderão também se beneficiar de uma tecnologia com preço mais acessível, produzida no Brasil. Existência de referibilidade, ainda que indireta. Precedente do TRF4.

20. É firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido da incidência da CIDE sobre remessas de valores ao exterior para pagamentos relativos a contratos que versam sobre a prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, ainda que não impliquem transferência de tecnologia. Precedente.

21. Também quanto a essa questão está presente o caráter extrafiscal da CIDE-Remessas, tendo em vista que se busca, com a tributação em apreço, incentivar o desenvolvimento dos serviços e da assistência técnica nacionais, providência que repercutirá no domínio econômico. Precedente da 6ª Turma do TRF3.

22. Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte tem se pacificado no sentido da pertinência da tributação concomitante pelo IRRF.

23. Entende-se que o valor do imposto de renda está inserido na obrigação contratual, que resulta em aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica da renda pelo residente no exterior. Compreende-se também que, ao contrário da CIDE em discussão, em relação à qual o remetente dos valores caracteriza-se como contribuinte, no que se refere ao IRRF a retenção deverá ser por ele realizada na qualidade de responsável tributário.

24. Inexiste qualquer mácula na tributação simultânea pela contribuição e pelo imposto, sobretudo ao se considerar que a vedação de adoção de base de cálculo própria de impostos existe no texto constitucional para as taxas (art. 145, § 2º) e para a criação de impostos com fundamento na competência residual da União (art. 154, I), mas não para a criação de contribuições (TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 310285 - 0022950-70.2007.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 16/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2016).

25. Em síntese, não há identidade de fatos geradores. Outrossim, não há óbice constitucional para que a CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 adote a mesma base de cálculo de um imposto.

26. Ademais, consoante entendimento do STJ, a CIDE é tributo vinculado com destinação específica, razão pela qual inexiste bis in idem com a legislação do imposto sobre a renda (REsp n. 1.120.553/RJ, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17/12/2009, DJe de 8/2/2010).

27. A análise da constitucionalidade da Lei 10.168/2000 e das alterações promovidas pela Lei 10.332/2001 será objeto de oportuna e definitiva deliberação pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do supracitado RE 928.943 (Tema 914), não se afigurando adequado, diante das ponderações tecidas na presente decisão, bem como do cenário jurisprudencial, doutrinário e legislativo acima explicitado, emitir juízo contrário à presunção de constitucionalidade das leis em apreço.

28. Apelação das impetrantes improvida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.