Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5011832-74.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: IRMANDADE DE MISERICORDIA DE CAMPINAS

Advogado do(a) APELADO: RENATO DAHLSTROM HILKNER - SP285465-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5011832-74.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: IRMANDADE DE MISERICORDIA DE CAMPINAS

Advogado do(a) APELADO: RENATO DAHLSTROM HILKNER - SP285465-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Cuida-se de embargos à execução fiscal opostos por Irmandade de Misericórdia de Campinas, para discutir a cobrança de crédito inscrito em dívida ativa.

O juízo a quo julgou procedentes os embargos à execução fiscal, para reconhecer a imunidade prevista no art. 150, VI, “c”, da CF/88 em relação aos tributos em cobro na execução fiscal. A União foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados nos percentuais mínimos previstos no art. 85, § 3º, do CPC.

Interposta apelação pelas partes, a sentença foi reformada, para julgar improcedentes os pedidos iniciais, conforme decisão proferida nos termos do art. 932 do CPC (ID 277596619).

Em sede de Agravo Interno, a embargante postula a reforma da decisão para que lhe seja concedido o benefício da assistência judiciária gratuita, bem como alega estarem presentes os requisitos para aplicar a imunidade tributária, nos termos do art. 150, IV, “c”, da CF/88.  

O agravado apresentou resposta.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5011832-74.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: IRMANDADE DE MISERICORDIA DE CAMPINAS

Advogado do(a) APELADO: RENATO DAHLSTROM HILKNER - SP285465-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

Ao apreciar a apelação interposta pelo embargante, assim decidiu o Juiz Federal convocado:

Do Pedido de Concessão do Benefício de Assistência Judiciária Gratuita

 A r. sentença indeferiu o benefício da assistência judiciária gratuita, sob o fundamento de que, ainda que se trate a embargante de pessoa jurídica sem fins lucrativos, qualificada como entende filantrópica ou beneficente, deve comprovar a hipossuficiência financeira.

Consabido que o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal assegura a assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Com efeito, os artigos 98, caput, e 99, §§2º e 4º, do Código de Processo Civil garantem tanto à pessoa natural quanto à pessoa jurídica, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, o direito à gratuidade de justiça, sendo que o juiz somente poderá indeferir o pedido “se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade”.

O C. Superior Tribunal de Justiça, acerca da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita a pessoa jurídica, consolidou na Súmula nº 481 o seguinte entendimento: “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”.

Como se percebe, para a concessão dos benefícios pretendidos à pessoa jurídica mostra-se imprescindível a demonstração da impossibilidade de arcar com os encargos processuais. Nesse sentido, confira-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. CONCESSÃO EXCEPCIONAL. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS.

- A concessão de gratuidade de justiça a pessoa jurídica é excepcional, devendo o requerente, para tanto, demonstrar sua situação de insuficiência financeira.

- A agravante não demonstrou seu estado de hipossuficiência, pois trata-se de instituição consolidada e nada há indicando que o pagamento de despesas processuais inviabilizam seu funcionamento ou sequer o acesso à jurisdição. Não basta o apontamento de dificuldades financeiras para a concessão da gratuidade em favor de pessoas jurídicas, notadamente documentos do período de 01/01/2017 a 31/12/2017).

- Recurso desprovido.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5013445-14.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 18/05/2023, Intimação via sistema DATA: 22/05/2023)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. ART. 1.021, CPC. EXECUÇÃO FISCAL. ENTIDADE BENEFICENTE. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE ARCAR COM AS CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A decisão ora agravada, prolatada em consonância com o permissivo legal, encontra-se supedaneada em jurisprudência consolidada do Colendo Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional, inclusive quanto aos pontos impugnados no presente recurso.

2. Cinge-se a pretensão recursal à concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita à entidade beneficente.

3. Nos termos da Súmula 481, as pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos, podem ser beneficiárias da gratuidade tratada pela Lei nº 1.060/1950, desde que comprovem a impossibilidade de pagamento dos encargos do processo, sem comprometer a sua existência.

4. Firmou-se a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, para obter os benefícios da justiça gratuita, devem demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais, não bastando simples declaração de pobreza. Precedentes do C. STJ.

5. Na esteira do mesmo entendimento, posiciona-se a jurisprudência desta Corte Regional no sentido de que "tratando-se de pessoa jurídica, é seu o ônus da prova acerca da impossibilidade de arcar com os encargos processuais, sem comprometer a existência da entidade, inexistindo, em seu favor, presunção de insuficiência de recursos (CPC/2015, art. 99, § 3º)". Precedentes desta Corte Regional.

6. Na hipótese destes autos, os documentos trazidos aos autos pela devedora não são suficientes a demonstrar a impossibilidade de arcar com as custas e despesas do processo.

7. A par das despesas e dificuldades relatadas pela ora recorrente, o balanço patrimonial, a demonstração dos fluxos de caixa direto e a demonstração do resultado de exercício, especialmente o balanço patrimonial e a demonstração de fluxo de caixa relativos ao ano de 2018 (id 24136179), demonstraram a existência de resultados positivos que não justificam o deferimento dos benefícios da gratuidade de justiça.

8.  As razões recursais não contrapõem tais fundamentos a ponto de demonstrar o desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argumento visando à rediscussão da matéria nele contida.

9. Agravo interno desprovido.

 (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5002100-80.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 19/11/2021, Intimação via sistema DATA: 26/11/2021)

Assim, é ônus pessoa jurídica comprovar a impossibilidade de arcar com os encargos processuais, sem comprometer a existência da entidade, inexistindo, em seu favor, presunção de insuficiência de recursos (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5020175-07.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 01/03/2021, Intimação via sistema DATA: 03/03/2021).

O único documento acostado aos autos pela Irmandade de Misericórdia de Campinas é o balanço patrimonial publicado no Diário Oficial do Município de Campinas em 18/06/2018 (Id 128397977 - Pág. 9/10), no qual consta vultosas receitas provenientes das atividades essenciais, nos exercícios de 2016 e 2017.

O documento trazido aos autos não se mostra suficiente a demonstrar a impossibilidade de a ora apelante arcar com as custas e despesas do processo, especialmente em razão da existência de resultados positivos em seu balanço patrimonial.

De rigor, portanto, a mantença da sentença neste ponto.           

Da Qualificação de Entidade Beneficente de Assistência Social

Não obstante constar do art. 195, §7º, da CR/88 a expressão "isentas", em verdade, trata-se de norma imunizante, pois previsto no próprio texto constitucional, não podendo a lei infraconstitucional limitar indevidamente a própria extensão da imunidade constitucional, como judiciosamente decidiu o Supremo Tribunal Federal ao suspender a eficácia dos arts. 1º, 4º, 5º e 7º da Lei n.º 9.732/98, bem como dos arts. 12, §§ 1º e 2º, alínea "f", caput e 14, da Lei n.º 9.532/97.

O C. Supremo Tribunal Federal, no regime de repercussão geral, declarou que a “regência de imunidade faz-se mediante lei complementar” (RE 566622, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2017, publicado em 23/08/2017).

Nesse contexto, passou-se a exigir a prova de cumprimento dos requisitos enumerados no artigo 14 do Código Tributário Nacional:

I - não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

II – aplicar integralmente no país os seus recursos e na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar a sua exatidão.

Posteriormente (18/12/2019), em sede de embargos de declaração, a tese foi parcialmente alterada (Tema 32): “A lei complementar é forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas.”

Após o julgamento pelo STF das ADI's nº 2.028, 2.036, 2.228 e 2.621 e do RE nº 566.622/RS, a Colenda Corte fixou a tese no sentido de que “os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar”, bem como declarou inconstitucionalidade por vício formal de normas materiais contidas nas Leis nº 8.212/91 e 9.732/98, bem assim nos Decretos nº 2.536/98 e 752/93  - dada a exigência de lei complementar, por força do art. 146, II, da CF -, mantendo a constitucionalidade de normas procedimentais, como a exigência do CEBAS e sua temporalidade (ADI's 2.028, 2.036, 2.228 e 2.621).

Transcrevo, por oportuno, as ementas da ADI nº 2.028 e do RE nº 566.622/RS:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONVERSÃO EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CONHECIMENTO. IMUNIDADE. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. ARTS. 146, II, e 195, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REGULAMENTAÇÃO. LEI 8.212/91 (ART. 55). DECRETO 2.536/98 (ARTS. 2º, IV, 3º, VI, §§ 1º e 4º e PARÁGRAFO ÚNICO). DECRETO 752/93 (ARTS. 1º, IV, 2º, IV e §§ 1º e 3º, e 7º, § 4º). ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. DISTINÇÃO. MODO DE ATUAÇÃO DAS ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. TRATAMENTO POR LEI COMPLEMENTAR. ASPECTOS MERAMENTE PROCEDIMENTAIS. REGRAMENTO POR LEI ORDINÁRIA. Nos exatos termos do voto proferido pelo eminente e saudoso Ministro Teori Zavascki, ao inaugurar a divergência: 1. "[...] fica evidenciado que (a) entidade beneficente de assistência social (art. 195, § 7º) não é conceito equiparável a entidade de assistência social sem fins lucrativos (art. 150, VI); (b) a Constituição Federal não reúne elementos discursivos para dar concretização segura ao que se possa entender por modo beneficente de prestar assistência social; (c) a definição desta condição modal é indispensável para garantir que a imunidade do art. 195, § 7º, da CF cumpra a finalidade que lhe é designada pelo texto constitucional; e (d) esta tarefa foi outorgada ao legislador infraconstitucional, que tem autoridade para defini-la, desde que respeitados os demais termos do texto constitucional.". 2. "Aspectos meramente procedimentais referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo continuam passíveis de definição em lei ordinária. A lei complementar é forma somente exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem observadas por elas.". 3. Procedência da ação "nos limites postos no voto do Ministro Relator". Arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente da conversão da ação direta de inconstitucionalidade, integralmente procedente. (ADI 2028, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 02/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-095 DIVULG 05-05-2017 PUBLIC 08-05-2017)

IMUNIDADE – DISCIPLINA – LEI COMPLEMENTAR. Ante a Constituição Federal, que a todos indistintamente submete, a regência de imunidade faz-se mediante lei complementar. (RE 566622, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-186 DIVULG 22-08-2017 PUBLIC 23-08-2017)

Nessa senda, a definição dos aspectos objetivos (materiais) da regra imunizante está a cargo dos arts. 9º e 14 do Código Tributário Nacional (recepcionado pela Constituição Federal como status de lei complementar), ao passo que a disciplina sobre a constituição e funcionamento (aspectos subjetivos ou formais) das entidades beneficentes de assistência social pode ser veiculada por lei ordinária.

Na esteira do voto condutor proferido pelo Ministro Teori Zavascki, os aspectos objetivos constituem as características, eleitas por lei complementar, para que a entidade seja reputada beneficente e prestadora de serviço de assistência social, pois a definição dessa condição modal é indispensável para garantir que a imunidade do art. 195, § 7º, da Constituição Federal cumpra a finalidade que lhe é designada pelo texto constitucional.

Por sua vez, aspectos meramente procedimentais referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo continuam passíveis de definição em lei ordinária. A lei complementar é forma somente exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem observadas por elas.

Assim, cabe à lei complementar fixar requisitos materiais para gozo de imunidade a que alude o § 7º do artigo 195 da Constituição Federal (ADI 2.028 e RE 566.622 - Tema 32), sem prejuízo da previsão por lei ordinária de requisitos procedimentais e formais, como a de expedição de certidão de entidade beneficente de assistência social - CEBAS (artigo 55, II, da Lei 8.212/1991 conforme ED no RE 566.662).

Especificamente em elação ao certificado de entidade beneficente de assistência social – CEBAS, trata-se certificação concedida pelo Governo Federal, por intermédio dos Ministérios da Educação, do Desenvolvimento Social e Agrário e de Saúde, às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social que prestem serviços nas áreas de educação, assistência social ou saúde.

Firmou-se o entendimento de que a certificação de entidade beneficente de assistência social, anteriormente disciplinada pela Lei nº 12.101/2009 (revogada pela Lei Complementar nº 187/2021), é válida em aspectos formais e procedimentais, ainda que não em materiais atinentes a requisitos próprios, como a qualificação da atividade como beneficente de assistência social. A lei ordinária, que estava em vigor até 17 de dezembro de 2021, tratava de aspectos procedimentais relativos à certificação, à fiscalização e ao controle dos requisitos formais da imunidade, na extensão do que foi declarado constitucional, deve ser cumprida pelo contribuinte.

A certificação das entidades beneficentes de assistência social e os procedimentos para concessão de “isenção” (leia-se imunidade) de contribuições para a seguridade social foram disciplinados pela Lei n.º 12.101/2009, nos seguintes termos:

Art. 1º A certificação das entidades beneficentes de assistência social e a isenção de contribuições para a seguridade social serão concedidas às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação, e que atendam ao disposto nesta Lei.

Art. 29.  A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:

I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos, exceto no caso de associações assistenciais ou fundações, sem fins lucrativos, cujos dirigentes poderão ser remunerados, desde que atuem efetivamente na gestão executiva, respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação, devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso das fundações;

II - aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais;

III - apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS;

IV - mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade;

V - não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto;

VI - conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial;

VII - cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária;

VIII - apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006.”

Nesse prisma, é mister consignar que a Lei n.º 12.101/09 revogou o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, o qual dispunha sobre requisitos a serem observados por entidades beneficentes de assistência social para isentá-las do recolhimento de contribuições sociais.

Com efeito, a certificação de entidade beneficente de assistência social  é válida em aspectos formais e procedimentais, ainda que não em materiais atinentes a requisitos próprios, como a qualificação da atividade como beneficente de assistência social. A lei ordinária (Lei nº 12.101/2009), que tratava de aspectos procedimentais relativos à certificação, à fiscalização e ao controle dos requisitos formais da imunidade, na extensão do que foi declarado constitucional, deve ser cumprida pelo contribuinte.

O Superior Tribunal de Justiça fixou os limites e efeitos da certificação oficial, dispondo, através dos enunciados das Súmulas 352 e 612, respectivamente, o seguinte:

"A obtenção ou a renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) não exime a entidade do cumprimento dos requisitos legais supervenientes";

"O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade".

Por conseguinte, ante a natureza declaratória do certificado que reconhece a entidade como filantrópica, o direito à imunidade existe desde quando preenchidos os requisitos presentes na lei complementar.

Oportuno remarcar que a Lei 12.101/2009 foi revogada pela Lei Complementar 187, de 16/12/2021, vigente a partir de sua publicação, em 17/12/2021, que passou a regular os procedimentos referentes à imunidade de contribuições à seguridade social de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição Federal. Aludida norma complementar estabelece descrição detalhada sobre a certificação das entidades beneficentes, assegurando a sua aplicabilidade somente em relação aos novos requerimentos de concessão ou de renovação de certificação apresentados a partir de sua publicação (art. 40), em estrita observância ao princípio da irretroatividade da lei. Prorrogou-se a validade dos certificados vigentes, cujo requerimento de renovação não tenha sido apresentado até a data de publicação desta Lei Complementar, até 31 de dezembro do ano subsequente ao do fim de seu prazo de validade, conferindo às entidades beneficentes maior segurança jurídica diante das novas normas procedimentais.

Sublinhe-se, ainda, que o art. 41 da Lei Complementar nº 187/2021 expressamente declarou a extinção de créditos tributários lançados contra entidades beneficentes com base tão-somente em critérios derivados de lei ordinária (seguindo a orientação das ADIs 2.028, 2.036, 2.228 e 2.621, do RE 566.622 e do RE 636.941 – Tema/STF 32).

No caso vertente, a Irmandade de Misericórdia de Campinas, inscrita no CNPJ nº 46.045.290/0001-90, tem por objeto social atividades de atendimento hospitalar, exceto pronto-socorro e unidades para atendimento a urgências, ostentando inscrição cadastral junto à Receita Federal do Brasil na qualidade de associação civil privada (Id 128397974 - Pág. 22).

O estatuto social (“Compromisso”) da Irmandade de Misericórdia de Campinas veda a distribuição de qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas a qualquer título, bem como determina que seus recursos sejam aplicados no país, na manutenção de seus objetivos institucionais (Id 128397974 - Pág. 25/41).

Consta nos autos publicação em diário oficial municipal das relações patrimoniais da Irmandade de Misericórdia de Campinas (Id 128397977 - Pág. 9/10).

O Decreto Presidencial nº 49.811, de 31/12/1960, declarou de utilidade pública a Irmandade de Misericórdia de Campinas (Id 128397974 - Pág. 59/67), e a Certidão SJDC nº 986/2005, emitida pela Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, certificou que, nos termos da Lei Estadual nº 21/1971, aludida entidade foi declarada de utilidade pública (Id 128397974 - Pág. 68/72).

Certidão do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça declara a instituição Irmandade de Misericórdia de Campinas como de utilidade pública (Id 128397974 - Pág. 43/45). A entidade também está registrada no Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, tendo sido renovado o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência social (Id 128397974 - Pág. 46/58), e detém certificado de inscrição junto ao Conselho Municipal de Assistência Social de Campinas (Id 128397974 - Pág. 73), bem como junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde, integrado a rede SUS, na qualidade de entidade beneficente sem fins lucrativos (Id 128397974 - Pág. 74/81).

Além de a Irmandade de Misericórdia de Campinas desempenhar atividade que a qualifica como entidade de assistência social em área muito sensível, não há nos autos apontamento da autoridade fiscal de irregularidade nas escrituras fiscais.

Vê-se, portanto, que foram preenchidos os requisitos do artigo 14 do CTN e da Lei nº 12.101/2009, vigente ao tempo dos fatos, para a fruição da imunidade.

Da Adesão ao Programa Especial de Parcelamento Fiscal

O fato de a dívida cobrada nos autos da execução fiscal ter sido objeto de confissão irretratável e adesão ao parcelamento administrativo, na forma da Lei nº 11.941/09, não constitui óbice para discussão judicial dos aspectos jurídicos.

A esse respeito, o C. STJ, por ocasião do julgamento do REsp. 1.133.027/SP, firmou Tese no Tema nº 375 no sentido de que a confissão pertinente ao parcelamento permitir o questionamento judicial da mesma dívida no que se refere a seus aspectos jurídicos, mas não quanto a aspectos fáticos (salvo em caso de defeito causador de nulidade do ato jurídico, como erro, dolo, simulação e fraude), in verbis:

“A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos. Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários. No entanto, como na situação presente, a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico (v.g. erro, dolo, simulação e fraude)”.

Da Cessão a Terceiro de Equipamento Médico-Hospitalar Importado por Entidade Beneficente Assistencial Imune ao Recolhimento de II e IPI

O crédito tributário inscrito em Dívida Ativa da União e tombado sob a CDA nº 80.4.99.00030-70, constituído por meio de Auto de Infração, representa a cobrança de Imposto de Importação – II e Imposto sobre Produto Industrializado- IPI, multas e encargos legais, apurados nos termos do artigo 54 do Decreto-Lei nº 37/66, com redação dada pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 2.472/88.

Colhe-se dos autos do Processo Administrativo nº 10830-001704/92.36 que a Irmandade de Misericórdia de Campinas firmou contrato de locação com Camp-Imagem Nuclear S/C Ltda., tendo por objeto a locação de instalação, aparelhagem e equipamentos, incluindo a área aparelhada com equipamento médico importado com "isenção", cujas rendas provenientes reverteriam em proveito da locatária, até o final do contrato (Id 128397974 - Pág. 120/136).

A Receita Federal do Brasil considerou que o equipamento ou material médico-hospitalar ou ambulatorial importado com “isenção” somente pode ser utilizado pela entidade beneficiária nos serviços que presta, sendo vedada a sua cessão a terceiros, sem prévia autorização do Fisco, como se deu em relação à empresa Camp-Imagem Nuclear S/C Ltda., usuária do equipamento importado com “isenção”, a quem foi também atribuída a responsabilidade solidária pelo pagamento do tributo.

Não há discussão em relação à imunidade versada nos arts. 150, VI, “c”, e 195, § 7º, da Constituição Federal, tanto que a Irmandade de Misericórdia de Campinas havia importado o equipamento médico sem o recolhimento de II e IPI. Por outro lado, a controvérsia cinge-se à possibilidade de cessão de uso, por meio de contrato de locação, da aparelhagem importada com “isenção” a terceiro.

De fato, a entidade de caráter beneficente, sem fins lucrativos, não está obrigada ao recolhimento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e de Imposto de Importação (II), bem como das contribuições ao PIS e à Cofins, podendo proceder ao desembaraço de equipamentos médico-hospitalares destinados à atividade fim, no caso, a área de saúde.

A proteção do Poder Constituinte conferida às instituições de educação ou de assistência social, de caráter filantrópico, também se estende ao âmbito tributário, sendo a elas assegurada a imunidade sobre a renda, patrimônio e serviços:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

Nesse sentido já se manifestou esta Corte Regional Federal:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMUNIDADE. ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. IPI. ART. 150, VI, "C", DA CRFB. REQUISITOS DO ART. 14 DO CTN. CUMPRIMENTO. PIS-IMPORTAÇÃO E COFINS-IMPORTAÇÃO. ART. 195, § 7º, CRFB. REQUISITOS DA LEI 12.101/2009, ATUALMENTE DA LEI COMPLEMENTAR 187/2021.  CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CEBAS). DESCUMPRIMENTO.

1. Rejeitada a preliminar de inadequação da via eleita, uma vez que inexiste nos autos qualquer controvérsia fática, afastando-se a exigência de dilação probatória.

2. A comprovação do caráter filantrópico da entidade, assim como dos requisitos previstos em lei para o gozo da imunidade prevista na Constituição da República, pode ser feita mediante documentos juntados com a inicial que objetivem atestar a situação que fundamenta o direito invocado pela parte autora.

3. No caso vertente, pretende a parte autora, ora apelante, sob a qualificação de entidade de caráter beneficente, sem fins lucrativos, reconhecer a inexistência de relação jurídico-tributária que a obrigue ao recolhimento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), bem como das contribuições ao Pis e à Cofins, procedendo ao desembaraço de equipamentos médico-hospitalares destinados à atividade fim da apelante, no tratamento de pacientes acometidos por câncer.

4. Em se tratando de contribuições, a Lei 8.212/91, em seu art. 55, indicou determinados requisitos a serem cumpridos pela entidade beneficente de assistência social, a fim de ser concedida a imunidade prevista no § 7º do art. 195, da Constituição da República.

5. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 2.028, considerou inconstitucionais os aludidos requisitos de imunidade, por entender que tais questões devem estar previstas em lei complementar, nos termos determinados pela Constituição da República.

6. Depois de muita controvérsia, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 566.622/RS, sob a sistemática de repercussão geral da matéria, reviu seu posicionamento anterior para esclarecer que a regência da imunidade se faz mediante lei complementar.

7. Como se nota dos julgados do Pretório Excelso, aspectos meramente procedimentais referentes à certificação continuam passíveis de definição em lei ordinária.

8. Nesse passo, continua válida a imposição da certificação exigida inicialmente pelo art. 55, II, da Lei 8.212/1991, posteriormente disciplinada pela Lei 12.101/2009 e atualmente pela Lei Complementar 187/2021, sendo necessária, portanto, a apresentação do CEBAS para o reconhecimento do direito à imunidade das contribuições sociais.

9. Assim, não foi a impetrante capaz de comprovar o preenchimento dos requisitos postos na Lei 12.101/2009, não fazendo jus à imunidade pleiteada no que se refere às contribuições ao Pis e à Cofins.

10. Contudo, comprovado o preenchimento dos requisitos do art. 14 do Código Tributário Nacional, faz jus a apelante ao desembaraço aduaneiro do bem relacionado na inicial, sem que lhe seja exigido o recolhimento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

11. Apelações e remessa oficial desprovidas.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5002360-59.2022.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 08/11/2022, DJEN DATA: 11/11/2022)

 

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DO IPI E ICMS. ENTIDADE ASSISTÊNCIAL. IMUNIDADE. ART. 150, VI, "C", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CEBAS. DESNECESSIDADE.

A imunidade do art. 150, VI, c, da Constituição de 1988 não alcança apenas os impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços, abrangendo quaisquer impostos que gravem, direta ou indiretamente, o patrimônio, a renda ou os serviços da entidade destinatária do benefício.

Associação civil, de caráter beneficente e filantrópico, sem fins lucrativos, que eventualmente importa equipamento para integrar seu patrimônio para realização de sua atividade fim, não está obrigada a apresentar comprovante de recolhimento do IPI e do ICMS para o desembaraço aduaneiro. A exigência desses tributos, quando do desembaraço aduaneiro de bens destinados, seja ao seu ativo fixo, seja para o consumo, com a finalidade de atingir os objetivos institucionais e assistenciais da entidade, afetam diretamente o patrimônio da impetrante, enquadrando-se, portanto, no disposto no art. 150, inc. VI, alínea c, da CF.

No tocante à imunidade tributária em relação aos impostos, prevista no art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, diferentemente do que ocorre na sistemática infraconstitucional para reconhecimento da imunidade quanto às contribuições para a seguridade social (art. 195, §7º) por meio da Lei nº 12.101/09, não se faz necessária a obtenção do CEBAS, mas tão somente o preenchimento dos quesitos delimitados no artigo 14, do Código Tributário Nacional.

De outra banda, no caso dos autos não foi produzida prova por parte do Fisco que indique o descumprimento dos pressupostos legais atinentes à concessão da imunidade, e que o produto importado não está ligado à área de atuação da impetrante, razão pela qual é de se reconhecer a imunidade da recorrida relativamente aos impostos indicados na inicial. Precedente: ARE 916945 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, DJe-24/10/2016.

Apelação e remessa oficial improvidas.

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0023953-70.2001.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 16/03/2021, DJEN DATA: 05/04/2021)

A Corte Suprema também já firmou entendimento de que a imunidade tributária consagrada no artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal abrange o II, o IPI e o ICMS incidente na importação de bens utilizados na prestação de serviços específicos das entidades de assistência social sem fins lucrativos.

Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS E IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.

A imunidade prevista no artigo 150, VI, ‘c’ da Constituição Federal, em favor das instituições de assistência social, abrange o Imposto de Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, que incidem sobre bens a serem utilizados na prestação de seus serviços específicos. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AI 378454 AgR, Relator(a): MAURÍCIO CORRÊA, DJ 29/11/2002, p.38)

Entretanto, quando a entidade beneficiária cede a terceiros o uso de aparelho médico-hospitalar importado com imunidade ao recolhimento dos tributos aduaneiros – como se deu no caso em testilha em que houve a cessão de área, instalação e aparelho médico importado à locatária Camp-Imagem Nuclear S/C Ltda. -, a qualquer título, deve recolher os tributos incidentes sobre a importação.

Os arts. 11 do Decreto-Lei nº 37/66 e 10 da Lei nº 10.865/2004 determinam que a transferência de propriedade ou uso, a qualquer título, dos bens importados obriga ao recolhimento dos tributos, quando a isenção ou redução for vinculada à qualidade do importador, in verbis:

Decreto-Lei nº 37/66

Art.11 - Quando a isenção ou redução for vinculada à qualidade do importador, a transferência de propriedade ou uso, a qualquer título, dos bens obriga, na forma do regulamento, ao prévio recolhimento dos tributos e gravames cambiais, inclusive quando tenham sido dispensados apenas estes gravames.

        Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos bens transferidos a qualquer título:

        I - a pessoa ou entidades que gozem de igual tratamento fiscal, mediante prévia decisão da autoridade aduaneira;

        II - após o decurso do prazo de 5 (cinco) anos da data da outorga da isenção ou redução.

 

Lei nº 10.865/2004

Art. 10. Quando a isenção for vinculada à qualidade do importador, a transferência de propriedade ou a cessão de uso dos bens, a qualquer título, obriga ao prévio pagamento das contribuições de que trata esta Lei.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica aos bens transferidos ou cedidos:

I - a pessoa ou a entidade que goze de igual tratamento tributário, mediante prévia decisão da autoridade administrativa da Secretaria da Receita Federal;

II - após o decurso do prazo de 3 (três) anos, contado da data do registro da declaração de importação; e

III - a entidades beneficentes, reconhecidas como de utilidade pública, para serem vendidos em feiras, bazares e eventos semelhantes, desde que recebidos em doação de representações diplomáticas estrangeiras sediadas no País.

 

Com efeito, a lei exige que o importador, que se vale de benefício fiscal para a importação, use ele próprio os bens importados, sendo incabível que a entidade beneficiária outorgue o uso para outras pessoas jurídicas ou mesmo profissionais autônomos. Ora, caso se admita que as entidades imunes possam importar bens em nome próprio para uso de fato por terceiros, estar-se-á afastando dos limites restritos da norma imunizante.

Outrossim, a imunidade objetiva exige que o bem importado seja usado diretamente pela própria entidade imune, para a consecução dos fins  sociais a que se destina a instituição, e não por terceiro. Ademais, o contrato de locação firmado com terceiro contém cláusula de que a renda obtida com a utilização da aparelhagem se reverterá em proveito da locatária, não da entidade locadora. Comprovado o desvirtuamento da imunidade pela entidade assistencial, deve ser afastada (Precedente: ARE 756570, Relator Min. Edson Fachin, Dje 19/04/2016).

Consigne-se que o entendimento aqui demonstrado alinha-se com aquele adotado pela Corte Regional Federal da 4ª Região:

IMUNIDADE. IMPORTAÇÃO DE APARELHOS MÉDICO-HOSPITALARES. CESSÃO A TERCEIROS.

É devido o recolhimento dos tributos incidentes sobre a importação de aparelhos médico-hospitalares quando a entidade beneficiária da imunidade fiscal cede seu uso a terceiros, a qualquer título que seja, mormente considerando que a infração fiscal prescinde da intenção do agente.

(TRF-4 - AC: 50015234220124047000 PR 5001523-42.2012.4.04.7000, Relator: RÔMULO PIZZOLATTI, Data de Julgamento: 14/10/2014, SEGUNDA TURMA)

Dessarte, deve ser mantido o Auto de Infração lavrado pela Receita Federal do Brasil, tornando-se exigível o crédito tributário inscrito em Dívida Ativa da União.

Do Ônus da Sucumbência

Ante a improcedência do pedido da embargante, em face do acolhimento de uma das teses ventiladas pela União (Fazenda Nacional) em sede de razões recursais, cabível a inversão do ônus da sucumbência.

De acordo com o art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, os honorários sucumbenciais serão fixados em percentuais aplicados sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Assim, a embargante deverá arcar com as custas e honorários advocatícios, que fixo no percentual mínimo do § 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil, de acordo com o inciso correspondente ao valor atualizado da causa, de modo a possibilitar sua eventual majoração, nos termos do §11 do mesmo dispositivo.

Pelo exposto, com arrimo no art. 932, incisos IV e V, alíneas “a” e “b”, do Código de Processo Civil, nego provimento ao recurso de apelação interposto por Irmandade de Misericórdia de Campinas e dou provimento à remessa oficial e ao recurso de apelação interposto pela União (Fazenda Nacional), para, nos termos da fundamentação, julgar improcedente o pedido da parte embargante, mantendo-se a cobrança levada a efeito nos autos da Execução Fiscal nº 0014899-36.1999.403.6105, invertendo-se o ônus sucumbencial.”

 

Verifica-se não ter havido nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida, adotando-se, pois, os seus fundamentos como razão de decidir. 

Nesse sentido, reveste-se "de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação 'per relationem' que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República", sendo certo que a "remissão feita pelo magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) – constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir" (AI 825.520 AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma). 

Na mesma esteira: AgInt no AREsp nº 919.356, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe: 27/02/2018; AgInt no REsp 1.624.685/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 16/12/2016; AgInt no AREsp 1178297/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, 07/08/2018, DJe 13/08/2018. 

Assim, a decisão monocrática deve ser mantida.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.



E M E N T A

AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA– HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 932 DO CPC – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – PESSOA JURÍDICA - REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA –  CESSÃO A TERCEIROS DE EQUIPAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR IMPORTADO POR ENTIDADE BENEFICENTE ASSISTENCIAL IMUNE AO RECOLHIMENTO DE II E IPI -   AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. O C. Superior Tribunal de Justiça, acerca da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita a pessoa jurídica, consolidou na Súmula nº 481 o seguinte entendimento: “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”.

2. O único documento acostado aos autos pela Irmandade de Misericórdia de Campinas é o balanço patrimonial publicado no Diário Oficial do Município de Campinas em 18/06/2018 (Id 128397977 - Pág. 9/10), no qual consta vultosas receitas provenientes das atividades essenciais, nos exercícios de 2016 e 2017.

3.O documento trazido aos autos não se mostra suficiente a demonstrar a impossibilidade de a ora apelante arcar com as custas e despesas do processo, especialmente em razão da existência de resultados positivos em seu balanço patrimonial.

4. Foram preenchidos os requisitos do artigo 14 do CTN e da Lei nº 12.101/2009, vigente ao tempo dos fatos, para a fruição da imunidade.

5. Não há discussão em relação à imunidade versada nos arts. 150, VI, “c”, e 195, § 7º, da Constituição Federal, tanto que a Irmandade de Misericórdia de Campinas havia importado o equipamento médico sem o recolhimento de II e IPI. Por outro lado, a controvérsia cinge-se à possibilidade de cessão de uso, por meio de contrato de locação, da aparelhagem importada com “isenção” a terceiro.

6. Quando a entidade beneficiária cede a terceiros o uso de aparelho médico-hospitalar importado com imunidade relativa ao recolhimento dos tributos aduaneiros – como se deu no caso em testilha, em que houve a cessão de área, instalação e aparelho médico importado à locatária Camp-Imagem Nuclear S/C Ltda. -, a qualquer título, deve recolher os tributos incidentes sobre a importação.

7. Os arts. 11 do Decreto-Lei nº 37/66 e 10 da Lei nº 10.865/2004 determinam que a transferência de propriedade ou uso, a qualquer título, dos bens importados obriga ao recolhimento dos tributos, quando a isenção ou redução for vinculada à qualidade do importador.

8. Dessarte, deve ser mantido o Auto de Infração lavrado pela Receita Federal do Brasil, tornando-se exigível o crédito tributário inscrito em Dívida Ativa da União.

9. Agravo interno desprovido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.