APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005368-97.2011.4.03.6106
RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL, MUNICIPIO DE MIRASSOL
Advogado do(a) APELADO: FERNANDO BIANCHI RUFINO - SP186057-N
Advogado do(a) APELADO: JOSEANE QUEIROZ LIMA - SP218094
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005368-97.2011.4.03.6106 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL, MUNICIPIO DE MIRASSOL Advogado do(a) APELADO: JOSEANE QUEIROZ LIMA - SP218094 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de União Federal, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, Município de Girassol/SP objetivando a declaração do valor cultural do imóvel denominado "Estação Ferroviária de Mirassol" com a condenação dos requeridos nas medidas cabíveis para a retomada da posse do imóvel, bem como a sua restauração integral com as características originais, abstendo-se de destruir, total ou parcialmente, o referido imóvel. Narra o parquet federal que o imóvel denominado "Estação Ferroviária de Mirassol" possui valor histórico e cultural e, no entanto, encontra-se em atual estado de abandono e avançada degradação em razão do descaso das requeridas que não tomam as medidas cabíveis para a sua preservação. Requer, assim, a condenação das requeridas na obrigação de fazer referente à restauração integral do imóvel, observando-se todas as suas características originais, no prazo de 6 (seis) meses, de acordo com projeto aprovado pelo IPHAN, bem como a abstenção das requeridas em destruir o imóvel, total ou parcialmente, sem prévia autorização do IPHAN. Os réus foram devidamente citados. O Município de Girassol apresentou contestação arguindo, preliminarmente, a sua ausência de legitimidade para figurar no polo passivo da presente ação. No mérito, alega que o imóvel em questão foi transferido para a União Federal, por meio do Termo de Transferência n° 174/2009, datado de 18 de agosto de 2009,de modo que a responsabilidade pela sua preservação pertence aos entes federais. A União Federal também contestou o pedido arguindo a sua ilegitimidade passiva e a ausência de interesse processual. No mérito, aduz que a falta de tombamento ou ausência de reconhecimento formal do valor cultural do bem, inviabiliza o pleito que tem por fundamento a defesa do patrimônio público específico para a estação ferroviária de Mirassol. Sustenta, ainda, a impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário na discricionariedade da Administração Pública e a violação do princípio da separação dos Poderes e da "reserva do possível". Requer a não cominação de multa diária. O Ministério Público Federal apresentou réplica às contestações. A r. sentença monocrática julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, incisos I, IV, VI e X, do CPC/73, sob o fundamento de ausência de legitimidade ativa e passiva das partes, bem como de ausência de "interesse jurídico" e impossibilidade jurídica do pedido. O Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação requerendo a reforma da sentença, com a total procedência do pedido. Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte Regional. Em parecer, o MPF se manifestou pelo provimento da apelação, com a nulidade da sentença e o prosseguimento da instrução. Foram intimadas as partes para se manifestarem se ainda possuem interesse no julgamento da lide tendo em vista a suposta revitalização pelo Município da Estação Ferroviária objeto da presente lide. O Ministério Público Federal e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN informaram que não possuem informações sobre o atual estado do bem imóvel. Por sua vez, a União Federal e o Município de Mirassol não se manifestaram. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005368-97.2011.4.03.6106 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL, MUNICIPIO DE MIRASSOL Advogado do(a) APELADO: JOSEANE QUEIROZ LIMA - SP218094 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido de que a ação civil pública se sujeita ao reexame necessário na hipótese de sentença de improcedência, nos termos da aplicação analógica do artigo 19 da Lei nº 4.717/65. Nesse sentido, segue a jurisprudência: PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PACÍFICO ENTENDIMENTO NO STJ DE QUE O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DEVE SER APLICADO SUBSIDIARIAMENTE À LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Município de Vieiras contra Juvenal Soares Duarte, objetivando a condenação do réu por ter deixado que prescrevessem, durante o seu mandato, as dívidas de IPTU e ISS relativas aos anos de 1999 e 2000. 2. O Juiz de 1º Grau julgou improcedente o pedido e afirmou que a sentença estava sujeita ao reexame necessário. 3. O Tribunal a quo não conheceu da remessa oficial. 4. É pacífico o entendimento no STJ de que o Código de Processo Civil deve ser aplicado subsidiariamente à Lei de Improbidade Administrativa. Assim, é cabível o reexame necessário na Ação de Improbidade Administrativa, nos termos do artigo 496 do CPC/2015. 5. No mais, por "aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, DJe 29.5.2009). 6. Recurso Especial provido para anular o v. acórdão recorrido e determinar a devolução dos autos para o Tribunal de origem a fim de prosseguir no julgamento. (REsp 1.613.803/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 16/02/2017) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. REEXAME NECESSÁRIO. DESCABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, trata-se de Ação Civil Pública, ajuizada pela parte ora recorrida, com o objetivo de obter a declaração de nulidade de Termo de Permissão de Uso de bem imóvel, sob o fundamento de tratar-se de ato ilegal. Julgada procedente a demanda, recorreu o SINTAP/MT, tendo o Tribunal local negado provimento à Apelação e não conhecidodo reexame necessário. III. Na forma da jurisprudência do STJ, por "aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (STJ, REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, DJe de 29.5.2009). Com efeito, ao contrário, julgada procedente a presente Ação Civil Pública, para que seja anulado Termo de Permissão de Uso de bem imóvel, constata-se, conforme asseverado no acórdão recorrido, que "a tutela do interesse da sociedade foi alcançada", de modo que "não há, portanto, que se falar em prejuízo ao Erário ou à sociedade". Registre-se, ainda, precedente da Primeira Turma do STJ, no sentido de que, excetuada a hipótese de carência de ação, "o Reexame Necessário na Ação Civil Pública, por aplicação analógica do art. 19 da Lei da Ação Popular, somente ocorrerá com a improcedência da ação" (STJ, REsp 1.578.981/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 04/02/2019). Assim, estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, merece ser mantida a decisão ora agravada, em face do disposto no enunciado da Súmula 568 do STJ. IV. O entendimento firmado pelo Tribunal a quo, em vista dos fatos e provas dos autos - no sentido da ausência de prejuízo ao Erário ou à sociedade, a justificar o reexame necessário -, não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. V. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1.641.233/MT, Segunda Turma, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJ 28/03/2019) Assim sendo, observo que a r. sentença recorrida encontra-se sujeita ao duplo grau de jurisdição, razão pela qual tenho por interposta a remessa oficial. Passo, então à análise do mérito. Inicialmente, é forçoso reconhecer a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para o ajuizamento da presente ação, tendo em vista o seu papel na defesa do patrimônio cultural brasileiro, com fundamento no artigo 129, caput e inciso III da Constituição Federal. A Lei Complementar nº 75/93, em seu artigo 6º, ao disciplinar a organização e atribuições do Ministério Público da União, estabelece a competência da instituição para a defesa de direitos constitucionais, dentre eles os direitos sociais e coletivos, e para a proteção do patrimônio público, em especial os bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, in verbis: " Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: (...) VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: a) a proteção dos direitos constitucionais;" b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; Da mesma forma, ao regular a Ação Civil Pública, dispõe a Lei nº 7.347/85. Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011). (...) III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). I - o Ministério Público; Portanto, resta definida a legitimidade do Ministério Público Federal para figurar no polo ativo da presente ação. No que concerne à legitimidade passiva da União Federal, do IPHAN e do Município de Girassol/SP, verifica-se que a questão se confunde com o mérito e com ele será analisada. In casu, a presenta ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da União Federal, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN e do Município de Girassol/SP objetivando a declaração do valor cultural do imóvel denominado "Estação Ferroviária de Mirassol" com a condenação dos requeridos nas medidas cabíveis para a retomada da posse do imóvel, bem como a sua restauração integral com as características originais, abstendo-se de destruir, total ou parcialmente, o referido imóvel. Narra o parquet federal que o imóvel denominado "Estação Ferroviária de Mirassol" possui valor histórico e cultural e, no entanto, encontra-se em atual estado de abandono e avançada degradação em razão do descaso das requeridas que não tomam as medidas cabíveis para a sua preservação. Requer, assim, a condenação das requeridas na obrigação de fazer referente à restauração integral do imóvel, observando-se todas as suas características originais, no prazo de 6 (seis) meses, de acordo com projeto aprovado pelo IPHAN, bem como a abstenção das requeridas em destruir o imóvel, total ou parcialmente, sem prévia autorização do IPHAN. De fato, ao analisar a documentação trazida aos autos pelas partes, é possível constatar que, em razão da transferência de patrimônio da extinta Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA, a quem então pertencia o imóvel em questão, a União Federal é a atual e legítima proprietária do bem imóvel. De acordo com a Lei nº 11.483/2017, após a extinção da RFFSA e a inventariança de seus bens, todo o seu acervo passou a integrar o patrimônio da União Federal, inclusive o imóvel em discussão, o que atesta a legitimidade passiva da União, consoante se lê: "Art. 2º. A partir de 22 de janeiro de 2007: I - a União sucederá a extinta RFFSA nos direitos, obrigações e ações judiciais em que esta seja autora, ré, assistente, opoente ou terceira interessada, ressalvadas as ações de que trata o inciso II do caput do art. 17 desta Lei; e II - os bens imóveis da extinta RFFSA ficam transferidos para a União, ressalvado o disposto nos incisos I e IV do caput do art. 8º desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.772, de 2008)." Corrobora tal fato, a celebração do contrato de "Cessão de Uso de Imóvel com Vocação Ferroviária e Outras Avenças", firmado entre a Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA e a Prefeitura Municipal de Girassol, cujo objeto incluía o referido imóvel, pelo período de 5 (cinco) anos, datado de 2004. Da mesma forma, o dispositivo legal em comento dispõe ser atribuição do IPHAN administrar e zelar pela guarda e conservação de bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, impondo a sua inclusão no polo passivo da ação: "Art. 9º. Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e manutenção. § 1º. Caso o bem seja classificado como operacional, o IPHAN deverá garantir seu compartilhamento para uso ferroviário. § 2º. A preservação e a difusão da Memória Ferroviária constituída pelo patrimônio artístico, cultural e histórico do setor ferroviário serão promovidas mediante: I - construção, formação, organização, manutenção, ampliação e equipamento de museus, bibliotecas, arquivos e outras organizações culturais, bem como de suas coleções e acervos; II - conservação e restauração de prédios, monumentos, logradouros, sítios e demais espaços oriundos da extinta RFFSA. § 3º. As atividades previstas no § 2º deste artigo serão financiadas, dentre outras formas, por meio de recursos captados e canalizados pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC, instituído pela Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991." Por sua vez, a Constituição Federal traz em seu texto as normas atinentes à proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural que se pretende resguardar, inclusive com a competência de cada ente federativo para a sua preservação. Os dispositivos constitucionais em comento dispõem: "Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (...) V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; (...) § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; Promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual;" Da leitura dos dispositivos insertos no artigo 24, verifica-se que ao versar sobre legislação concorrente, o texto constitucional expressamente dispõe competir à União Federal o estabelecimento de normas gerais sobre proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico, e, caso não editadas, a competência suplementar passa aos Estados, nunca aos Municípios. De outra forma, o artigo 30 expressamente confere aos Municípios competência para legislar sobre assuntos locais e proteger seu patrimônio histórico-cultural. O artigo 216, § 1º, c.c. artigos 23, III e 30, IX, da Constituição Federal dispõem competir ao Município promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, valendo-se de medidas acautelatórias, dentre elas o tombamento, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. No presente caso, o imóvel objeto desta ação, denominado "Estação Ferroviária de Mirassol", não passou pelo processo administrativo de tombamento. O tombamento constitui medida de proteção ao patrimônio histórico e cultural, limitativa ao uso de propriedade, sendo regido, em nível federal, por normas gerais insertas no Decreto-Lei nº 25/37, que assim dispõe: "Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. § 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei." Por conseguinte, o IPHAN, entidade com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, sucessora do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, está encarregado de zelar pela preservação do patrimônio cultural brasileiro, sobretudo pelos bens que, considerando sua importância nacional de caráter histórico, cultural e ambiental, tenham sido tombados Compete ao IPHAN, nos termos do art. 9º da Lei nº 11.483/2007 receber, administrar, zelar pela guarda e conservação de bens móveis e imóveis recebidos da extinta RFFSA, de natureza operacional ou não operacional, desde que qualificados como de valor cultural, artístico ou histórico. Ocorre que, não havendo tal reconhecimento na Lei nº 11.483/2007, tampouco tendo sido tombado em nível nacional, tal como determina o Decreto-Lei nº 25/1937, afasta-se a responsabilização do IPHAN para restaurar e preservar o imóvel em discussão. Ademais, o instituto possui discricionariedade para definir quais bens oriundos da extinta RFFSA merecem atenção por revestirem valor histórico, artístico e cultural em nível nacional, de modo que não se pode impor a vontade de terceiros sobre os atos e decisões do órgão. No que diz respeito à União Federal, conforme mencionado anteriormente, houve a sucessão de direitos e obrigações da extinta RFFSA, todavia, a obrigação de conservação do imóvel depende do seu tombamento. Por fim, com relação ao Município de Girassol aplica-se o mesmo entendimento, haja vista que não houve o reconhecimento do valor histórico e cultural do imóvel por parte da municipalidade, de modo que não se pode impor a obrigação de restauração e preservação pretendida. Isto posto, nego provimento à remessa oficial e à apelação do Ministério Público Federal. É o voto.
E M E N T A
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ESTAÇÃO FERROVIÁRIA. BEM PÚBLICO. OBRIGAÇÃO DE RESTAURAÇÃO E PRESERVAÇÃO. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE VALOR HISTÓRICO E CULTURAL PELOS ENTES FEDERATIVOS. RECURSO IMPROVIDO.
I. Inicialmente, é forçoso reconhecer a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para o ajuizamento da presente ação, tendo em vista o seu papel na defesa do patrimônio cultural brasileiro, com fundamento no artigo 129, caput e inciso III da Constituição Federal.
II. A Lei Complementar nº 75/93, em seu artigo 6º, ao disciplinar a organização e atribuições do Ministério Público da União, estabelece a competência da instituição para a defesa de direitos constitucionais, dentre eles os direitos sociais e coletivos, e para a proteção do patrimônio público, em especial os bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
III. In casu, a presenta ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da União Federal, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN e do Município de Girassol/SP objetivando a declaração do valor cultural do imóvel denominado "Estação Ferroviária de Mirassol" com a condenação dos requeridos nas medidas cabíveis para a retomada da posse do imóvel, bem como a sua restauração integral com as características originais, abstendo-se de destruir, total ou parcialmente, o referido imóvel.
IV. De fato, ao analisar a documentação trazida aos autos pelas partes, é possível constatar que, em razão da transferência de patrimônio da extinta Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA, a quem então pertencia o imóvel em questão, a União Federal é a atual e legítima proprietária do bem imóvel.
V. De acordo com a Lei nº 11.483/2017, após a extinção da RFFSA e a inventariança de seus bens, todo o seu acervo passou a integrar o patrimônio da União Federal, inclusive o imóvel em discussão, o que atesta a legitimidade passiva da União
VI. Corrobora tal fato, a celebração do contrato de "Cessão de Uso de Imóvel com Vocação Ferroviária e Outras Avenças", firmado entre a Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA e a Prefeitura Municipal de Girassol, cujo objeto incluía o referido imóvel, pelo período de 5 (cinco) anos, datado de 2004.
VII. Da mesma forma, o dispositivo legal em comento dispõe ser atribuição do IPHAN administrar e zelar pela guarda e conservação de bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA.
VIII. Ocorre que, não havendo tal reconhecimento na Lei nº 11.483/2007, tampouco tendo sido tombado em nível nacional, tal como determina o Decreto-Lei nº 25/1937, afasta-se a responsabilização do IPHAN para restaurar e preservar o imóvel em discussão.
IX. Ademais, o instituto possui discricionariedade para definir quais bens oriundos da extinta RFFSA merecem atenção por revestirem valor histórico, artístico e cultural em nível nacional, de modo que não se pode impor a vontade de terceiros sobre os atos e decisões do órgão.
X. No que diz respeito à União Federal, conforme mencionado anteriormente, houve a sucessão de direitos e obrigações da extinta RFFSA, todavia, a obrigação de conservação do imóvel depende do seu tombamento.
XI. Por fim, com relação ao Município de Girassol aplica-se o mesmo entendimento, haja vista que não houve o reconhecimento do valor histórico e cultural do imóvel por parte da municipalidade, de modo que não se pode impor a obrigação de restauração e preservação pretendida.
XII. Remessa oficial e apelação improvidas.