Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013819-58.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: KASSAN BASQUIN

Advogado do(a) APELANTE: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013819-58.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: KASSAN BASQUIN

Advogados do(a) APELANTE: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A, WANDERSON FARIAS MORAIS - SP463647-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O 

Trata-se de apelação em Mandado de Segurança em que KASSAN BASQUIN insurge-se em face da sentença que denegou a segurança por entender não existir abusividade ou ilegalidade na conduta da autoridade impetrada, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil. 

Na peça inicial (ID 264035844 e documentos anexos), com pedido de tutela de urgência, a impetrante, de nacionalidade haitiana, relata ter direito à dispensa de apresentação da Certidão de Antecedentes Criminais autenticada junto à Embaixada brasileira em Porto Príncipe/Haiti, da Certidão de Inscrição Consular e de sua Certidão de Nascimento para o processamento de seu pedido de naturalização, alegando a impossibilidade de obtenção de tais documentos sem que isso lhe gere ônus excessivo. Relata que a Embaixada do Brasil no Haiti informou que os documentos por ela recepcionados aguardam de quatro a cinco meses para serem legalizados, prazo que é incompatível com a exigência da Polícia Federal, vez que no processamento de pedidos de naturalização, este órgão não aceita o atestado de antecedentes que conte mais de noventa dias da data de emissão, considerando-o vencido. No que concerne às Certidões de Inscrição Consular e de Nascimento, aduz que a apresentação destes documentos é tão somente para comprovar a correta grafia do nome da impetrante e de seus genitores, finalidade passível de ser alcançada por outros documentos de que dispõe, como o Passaporte e o RNM (Registro Nacional Migratório). Fundamenta o seu direito nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, aduzindo que a Administração Pública não pode exigir documentos impossíveis de serem obtidos para a conclusão da análise de seu requerimento de naturalização, sob pena de abuso de poder. Aponta, assim, lesão a direito líquido e certo por autoridade pública em vista da ilegalidade da exigência em comento. Como tutela de urgência em caráter liminar, pleiteia o afastamento da obrigatoriedade de apresentação dos documentos referidos e, ao final, que seja confirmada a tutela, concedendo-se em definitivo a segurança. Valor da causa fixado em R$ 1.000,00 (mil reais). 

O pedido liminar foi indeferido (ID 264035855) por ausência dos requisitos necessários à sua concessão. 

A UNIÃO pleiteou o seu ingresso no feito (ID 264035871), o que foi deferido (ID 263741963).

A autoridade impetrada prestou informações em ID 264035873. Em suma, informou que consta pedido de naturalização sob o protocolo nº 235881.0119680/2021, em nome da autora da ação, o qual encontra-se com o andamento: "Fase do processo: complementar informações que compete ao cidadão, anexar os documentos solicitados pela unidade policial”. Informou também que os pedidos de naturalização devem ser instruídos com os documentos previstos nos Anexos I, II, III e IV da Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. 

O Ministério Público Federal, considerando a inexistência de interesse público primário que justifique sua intervenção, não se manifestou sobre o mérito da demanda (ID 264035880). 

Sobreveio sentença (ID 264035881) que denegou a segurança pleiteada,  com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil. Assentou o magistrado de piso não vislumbrar abuso ou ilegalidade na exigência imposta pela autoridade impetrada, entendendo que esta agiu amparada expressamente na lei. Aduziu que a flexibilização documental pleiteada não encontra suporte legal; que o estrangeiro não possui direito público subjetivo à naturalização e que impor à autoridade de migração descumprir a lei vigente,  sob a alegação de dificuldades financeiras ou burocráticas de repartição consular, implica conferir tratamento desigual entre os estrangeiros e indiretamente atenta contra a soberania nacional, pois o Brasil deixaria de cumprir dispositivo legal por ação indireta de procedimento burocrático de outro país. Sem condenação em honorários advocatícios e sem custas, diante da gratuidade de justiça deferida. 

A autora insurgiu-se em recurso de apelação (ID 264036043). Aduz que a sentença prolatada mantém a violação ao seu direito líquido e certo de ter processado o seu pedido de naturalização a despeito da ausência de apresentação das Certidões de Antecedentes Criminais, Consular e de Nascimento haitianas. Reitera a desnecessidade dos documentos para a finalidade de conferir a correta grafia de seu nome e de seus genitores. Argumenta que com a publicação da nova Lei de Migração (Lei nº 13.446/2017), em substituição ao Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), não mais subsiste a discricionariedade do Estado na concessão de naturalização ordinária àqueles que preenchem os requisitos previstos na lei, traduzindo-se, assim, em direito público subjetivo. Sustenta também que a fundamentação legal utilizada na sentença não guarda relação com o pedido da Apelante, eis que o art. 45 da Lei de Migração trata das hipóteses de impedimento de ingresso no território nacional, ato este que é discricionário, mas que distingue-se da situação em cotejo, dado que a apelante já reside no território nacional há 4 (quatro) anos, estando devidamente registrada e documentada perante a autoridade competente para registro de imigrantes no Brasil. Destaca também que a apelante é detentora de autorização de residência com base em acolhida humanitária (Portaria Interministerial nº 10/2018), tendo em vista o reconhecimento pelo Governo brasileiro do grave quadro de violações de direitos humanos que o Haiti experiencia. Reitera que a apelante possui documentos oficiais aptos a comprovar a correta grafia de seu nome e do nome de seus genitores, em conformidade, pois, com o inciso I do art. 6º da Portaria Interministerial nº 10/2018. Aduz ainda que o Decreto nº 9.199/2017, que regulamenta a Lei de Migração, apenas exige do imigrante a apresentação da CRNM, conforme disposto em seu art. 234, I, e que a Portaria Interministerial nº 623/2020, ao tratar no “Anexo I” dos documentos a serem apresentados pelo interessado para o procedimento de naturalização ordinária, não contém previsão para apresentação dos documentos solicitados pelas autoridades impetradas. Conclui, assim, que a exigência de apresentação das certidões de nascimento e inscrição consular fere os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, além de não estar respaldada na lei. Aponta também julgados desta Corte em consonância com o pleito da autora. Pugna, assim, pelo provimento do recurso e reforma da sentença para conceder-se a dispensa dos documentos aludidos para o devido processamento do pedido de naturalização da apelante. 

Contrarrazões de apelação em ID 264036051.

O Ministério Público Federal, pela Procuradoria Regional da 3ª Região, opinou em Parecer (ID 264623544) pelo provimento da apelação. 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO:

 

Trata-se de mandado de segurança impetrado por cidadão haitiano, residente no Brasil, em que se objetiva o processamento do pedido de naturalização ordinária, sem a apresentação da Certidão Consular, Certidão de Nascimento e Certidão de Antecedentes Criminais.

 

O e. Relator, em seu voto, propõe a reforma da r. sentença de origem, concedendo-se a segurança pleiteada, a fim de dispensar a apresentação dos documentos mencionados.

 

Divirjo, respeitosamente, do entendimento externado por Sua Excelência.

 

A Lei nº 13.445/2017 estabelece que a política migratória brasileira se rege, dentre vários princípios e diretrizes, pela garantia do direito à reunião familiar (art. 3º, VIII) e, no ponto, assegura ao migrante em território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como o “direito à reunião familiar do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes” (art. 4º, III).

 

Tal possibilidade de ingresso no país, a fim de viabilizar a reunião familiar, possui previsão no art. 37 da norma referenciada, in verbis:

 

“Art. 37. O visto ou a autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido ao imigrante:

I - cônjuge ou companheiro, sem discriminação alguma;

II - filho de imigrante beneficiário de autorização de residência, ou que tenha filho brasileiro ou imigrante beneficiário de autorização de residência;

III - ascendente, descendente até o segundo grau ou irmão de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência; ou

IV - que tenha brasileiro sob sua tutela ou guarda”.

 

O artigo 31, caput, da Lei nº 13.445/17 ainda estabeleceu que o procedimento e os prazos para a autorização de residência serão disciplinados pela norma regulamentadora.

 

Neste sentido, o artigo 129 do Decreto n. 9.199/2017 elenca os documentos necessários à instrução do requerimento de autorização de residência, in verbis:

 

"Art. 129. Para instruir o pedido de autorização de residência, o imigrante deverá apresentar, sem prejuízo de outros documentos requeridos em ato do Ministro de Estado competente pelo recebimento da solicitação:

I - requerimento de que conste a identificação, a filiação, a data e o local de nascimento e a indicação de endereço e demais meios de contato;

II - documento de viagem válido ou outro documento que comprove a sua identidade e a sua nacionalidade, nos termos dos tratados de que o País seja parte;

III - documento que comprove a sua filiação, devidamente legalizado e traduzido por tradutor público juramentado, exceto se a informação já constar do documento a que se refere o inciso II;

IV - comprovante de recolhimento das taxas migratórias, quando aplicável;

V - certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos; e

VI - declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais em qualquer país, nos cinco anos anteriores à data da solicitação de autorização de residência.

§ 1º Para fins de instrução de pedido de nova autorização de residência ou de renovação de prazo de autorização de residência, poderá ser apresentado o documento a que se refere o inciso II do caput ou documento emitido por órgão público brasileiro que comprove a identidade do imigrante, mesmo que este tenha data de validade expirada.

§ 2º A legalização e a tradução de que tratam o inciso III do caput poderão ser dispensadas se assim disposto em tratados de que o País seja parte.

§ 3º A tramitação de pedido de autorização de residência ficará condicionada ao pagamento das multas aplicadas com fundamento no disposto neste Decreto."

 

Conquanto a política migratória nacional seja baseada na acolhida humanitária e, bem por isso, em assegurar o direito à reunião familiar, há que se cumprir procedimentos próprios constantes da legislação, no que diz com a regularização migratória, razão pela qual não se permite afastar, indiscriminadamente, a exigência a todos imposta a viabilizar a entrada e permanência do estrangeiro no país, que exigem o cumprimento de critérios específicos.

 

No caso concreto, a parte impetrante obteve autorização de ingresso em território nacional na condição de acolhida humanitária, e pretende, com o presente writ, sua naturalização ordinária.

 

Em que pese a argumentação desenvolvida neste recurso, a certidão de antecedentes criminais do país de origem, bem como as Certidões de Nascimento e Consular, devidamente legalizados e traduzidos, são exigidos pelo art. 129, III e V, do Decreto n. 9.199/2017, assim como pelo art. 234, V, no caso de naturalização ordinária. Ademais, não se mostra irrazoável tal exigência, na medida em que a própria Lei de Migração, em seu artigo 30, §1º, em regra, impede a concessão de autorização de residência "a pessoa condenada criminalmente no Brasil ou no exterior por sentença transitada em julgado".

 

Ademais, já é assegurado ao solicitante, a partir do protocolo do seu requerimento de refúgio, o direito de residência provisória até o julgamento de seu pleito, nos termos do art. 31, §4º, da Lei nº 13445/2017, in verbis:

 

"Art. 31. Os prazos e o procedimento da autorização de residência de que trata o art. 30 serão dispostos em regulamento, observado o disposto nesta Lei.

(…)

§ 4º O solicitante de refúgio, de asilo ou de proteção ao apátrida fará jus a autorização provisória de residência até a obtenção de resposta ao seu pedido."

 

Assim, não há justificativa racional para flexibilizar a exigência documental, conforme requerido, a fim de viabilizar a discussão do mesmo direito em dupla via procedimental.

 

Se a mitigação na apuração dos requisitos gerais de ingresso e permanência de estrangeiro é reconhecida em relação ao detentor da condição de refugiado e se a própria residência é garantida até que se resolva o procedimento específico, não é viável que se formule outro pedido para autorização de residência permanente – ou naturalização ordinária - sem a observância das exigências próprias. O benefício que se confere ao refugiado deve ser exercido nos limites do procedimento que se destina à apuração da respectiva condição e não, extensivamente, em outros aplicáveis a estrangeiros em geral fora da excepcionalidade do pedido de refúgio.

 

No mesmo sentido, reporto-me aos seguintes precedentes desta Corte Regional:

 

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE RESIDÊNCIA. APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDO PELO PAÍS DE ORIGEM E DE DOCUMENTO CONTENDO FILIAÇÃO. LEI 13.445/2017. DECRETO 9.199/2017. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por estrangeiro com o fito de obter o processamento do pedido de autorização de residência no Brasil com base em reunião familiar, sem a apresentação de certidão de antecedentes criminais emitida pelo país de origem e de certidão consular ou documento contendo filiação.

2. A apresentação de certidão de antecedentes pode ser dispensada para os refugiados. Não há, porém, amparo legal a que se dispense tal apresentação na hipótese de pedido de residência fundado em reunião familiar.

3. Destaque-se que o art. 31 da Lei nº 13.445/2017 determina observância aos termos do regulamento, no caso, o Decreto nº 9.199/2017, que prevê no seu art. 129, V, a necessidade de apresentação de "certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos". Diante do direito positivado, não há espaço para negar-lhe vigência, até porque de inconstitucionalidade não se cogita. Precedente.

4. No que tange à exigência de apresentação de documento contendo filiação, o Decreto nº 9.199/2017 também prevê a sua obrigatoriedade no artigo 129, inciso III, com a finalidade de proceder à correta identificação do migrante. Logo, não há ilegalidade ou abuso de poder no ato da autoridade impetrada.

5. Apelação desprovida."

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003551-76.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 02/06/2022, Intimação via sistema DATA: 06/06/2022).

 

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA. REUNIÃO FAMILIAR. SEM A APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS EXIGIDOS NOS ATOS NORMATIVOS. IMPOSSIBILIDADE.

1. Com relação ao pedido de “reunião familiar”, cabe esclarecer que, de acordo com a Lei de Migração, existem diversos tipos de visto.

2. Sobre o visto temporário, a lei esclarece que poderá ser concedido ao imigrante que venha ao Brasil, entre as várias hipóteses listadas, para “acolhida humanitária” e para “reunião familiar”.

3. A Lei de Migração estabelece que o visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento.

4. Quanto ao direito de reunião familiar, a lei expressamente garante o direito ao cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes.

5. A análise da legislação pertinente, demonstra que há necessidade da apresentação de visto tanto para a reunião familiar como para a acolhida humanitária.

6. A despeito da afirmação de que a parte agravada é solicitante do pedido de refúgio, o certo é que não há nos autos comprovação quanto ao reconhecimento do pleito.

7. A Lei de Migração a lei é expressa e clara quanto às modalidades de interessados (migrante, imigrante, refugiado etc) e quanto aos tipos de pedidos (naturalização ordinária, extraordinária, provisória, visto de residência, autorização de residência) estipulando para cada qual a documentação necessária, não havendo, pois, razão para qualquer interpretação "integrativa" ou, como alega o agravado, "mais benéfica”, visto que não há lacuna legislativa.

8. Destaque-se que qualquer medida do Poder Judiciário, estaria suprimindo a necessidade de concessão de visto pelas autoridades diplomáticas, ignorando o procedimento legal previsto para tanto e burlando o princípio da independência e harmonia entre os poderes.

9. Agravo de instrumento provido." 

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5000127-56.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 29/06/2023, DJEN DATA: 11/07/2023)

 

Ante o exposto, com a devida vênia, divirjo do e. Relator e, pelo meu voto, nego provimento à apelação interposta pela parte impetrante, a fim de manter integralmente a r. sentença de origem.

 

É como voto.

 


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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013819-58.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: KASSAN BASQUIN

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V O T O

 

 

Trata-se de Apelação autoral em Mandado de Segurança em face da sentença que denegou a segurança sob o fundamento de que a autoridade coatora agiu respaldada na lei.

O mandado de segurança é ação constitucional, prevista no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, destinada a proteger direito líquido e certo, lesado ou sob ameaça de lesão, não amparado por habeas corpus ou habeas data, em casos de ilegalidade ou abuso de poder praticados por autoridade pública. 

O caso em apreço denota potencial violação ao direito de processamento e obtenção da naturalização, de sorte que adequada a via eleita. 

Conforme informações e documentos acostados, a impetrante é nacional da República do Haiti e adentrou regularmente o território brasileiro em 28/08/2018, conforme consta em seu passaporte (ID 264035847). 

Em 28/02/2020 obteve a expedição do Registro Nacional Migratório (RNM) com prazo de residência indeterminado, sendo beneficiária da acolhida humanitária para cidadãos haitianos, nos moldes da Portaria Interministerial nº 12/2019 (ID 264035848).

Em 22/09/2021, protocolou (ID 264035852) pedido de naturalização ordinária, cujo regular trâmite foi obstado ante a ausência de apresentação da documentação anteriormente referida. 

A Apelante, pois, pretende a reforma da sentença para que haja o processamento de seu pedido de naturalização ordinária, a despeito da ausência de apresentação da Certidão Consular e das Certidões de Nascimento e Criminal de seu país de origem. 

Aduz a impossibilidade de obtenção dos referidos documentos, alegando que não dispõe de recursos para arcar com o custo de providenciar a Certidão Consular junto à Embaixada do Haiti em Brasília e das Certidões de Nascimento e de Antecedentes Criminais junto ao seu país de origem. 

Alega também que a grave instabilidade política e institucional por que perpassa o Haiti comprometeu severamente os serviços consulares brasileiros naquele país, de sorte que, mesmo que providenciasse a Certidão de Antecedentes Criminais, a autenticação junto à Embaixada brasileira - conforme exigido - tem levado meses, tornando despicienda sua apresentação, já que a Polícia Federal reconhece validade a tal documento somente se emitido há 90 (noventa dias). 

No que concerne à Certidão Consular e à Certidão de Nascimento, sustenta que a finalidade de tais documentos é somente a conferência da correta grafia de seu nome e de sua filiação, o que é passível de ser feito por outros documentos oficiais de que dispõe. 

O pleito comporta provimento.

A Constituição Federal, nos termos do art. 5º, caput e art. 12, § 2º, estende a garantia dos direitos fundamentais aos estrangeiros, ressalvadas os casos previstos no próprio texto constitucional.

Acerca da matéria, dispõe a Constituição Federal: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

Art. 12. São brasileiros: 

(...) 

II - naturalizados: 

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;” - grifei.

Por sua vez, a Lei 13.445/2017 (Lei de Migração), regulamenta a situação dos migrantes no Brasil. Relativamente ao diploma normativo anterior (Lei nº 6.815/80 - Estatuto do Estrangeiro) - e dando cumprimento ao comando constitucional - importa ressaltar a positivação de uma mudança de paradigma no tratamento jurídico da matéria. De uma feição eminentemente de controle, passou-se a privilegiar a regularização e o reforço da condição de sujeito de direitos dos migrantes, assegurando-lhes os direitos fundamentais em igualdade de condições com os nacionais, ressalvadas as exceções constitucionalmente previstas.

Nesta senda, cumpre destacar na nova lei a diretriz expressa no sentido de facilitar a regularização documental como pressuposto para o exercício de direitos. Confira-se:

“Art. 3º A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:

 (...) 

V - promoção de entrada regular e de regularização documental;

(...)

Art. 20. A identificação civil de solicitante de refúgio, de asilo, de reconhecimento de apatridia e de acolhimento humanitário poderá ser realizada com a apresentação dos documentos de que o imigrante dispuser.” - grifei.

Nesse sentido, a flexibilização de algumas das exigências de documentos para o exercício de direitos exsurge como possibilidade e corolário da promoção da efetivação de direitos fundamentais na nova norma, a depender das peculiaridades da situação concreta em cotejo.

Acerca da exigência de apresentação da Certidão Consular e de Nascimento, verifico que  decorre do art. 57, II, da Portaria nº 623/2020 do Ministério da Justiça, transcrito adiante: 

“Art. 57. Os refugiados, asilados políticos e apátridas requerentes de naturalização ficam dispensados de apresentar os seguintes documentos:

(...)

II - certidão ou inscrição consular, emitida por Embaixada ou Consulado no Brasil, comprovando a correta grafia do nome e filiação do interessado.” - grifei.

Convém destacar que a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), ao dispor sobre as condições e procedimentos para a naturalização ordinária, nada diz sobre a obrigatoriedade de apresentação, em específico, dos referidos documentos para a instrução do pedido de naturalização ordinária. O aludido art. 57, II, da Portaria nº 623/2020 do Ministério da Justiça estabelece a exigência destes documentos para comprovação da correta grafia do nome e filiação do interessado, à exceção dos refugiados, asilados políticos ou apátridas. 

A lei não traz nenhuma exigência relativa à exibição de certidão ou inscrição consular relacionada ao país de origem. Advindo a obrigação de ato normativo secundário, impõe que se examine a proporcionalidade da exigência com a finalidade e as circunstâncias concretas que se apresentam. 

Neste cotejo, de se concluir que a finalidade a que se destinam, qual seja, conferência da filiação e da correta grafia do nome da naturalizanda, é perfeitamente passível de ser alcançada com outros documentos igualmente idôneos de que ela dispõe, como o Passaporte e sua Carteira de Registro Nacional Migratório, sem que disso resulte qualquer prejuízo para a Administração. 

Demais disso, a impossibilidade de obter os documentos restou evidenciada.

A instabilidade político-institucional por que perpassa a República do Haiti é de conhecimento notório, resultando inclusive em pronunciamentos institucionais do Estado Brasileiro direcionados à promoção de políticas de acolhimento humanitário específicas àquele país. 

Nesse sentido, faço referência à Portaria Interministerial nº 12/2019, que dispõe sobre a concessão de visto temporário e de autorização de residência para fins de acolhida humanitária para cidadãos haitianos e apátridas residentes na República do Haiti. 

Desta Portaria (Portaria Interministerial nº 12/2019) destaco as seguintes disposições: 

“Art. 1º A presente Portaria dispõe sobre a concessão de visto temporário e de autorização de residência para fins de acolhida humanitária para cidadãos haitianos e apátridas residentes na República do Haiti, para aplicação do § 3º do art. 14, e a alínea “c” do inciso I do art. 30 da Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, e do § 1º do art. 36 e § 1º do art. 145 do Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017.  

(...)

Art. 6º O requerimento de autorização de residência deverá ser formalizado com os seguintes documentos: 

I - passaporte ou documento oficial de identidade, expedidos pela República do Haiti, ainda que a data de validade esteja expirada; 

II - duas fotos 3x4; 

III - certidão de nascimento ou de casamento ou certidão consular, desde que não conste a filiação nos documentos mencionados no inciso I; 

IV - declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais no Brasil e no exterior, nos últimos cinco anos anteriores à data de requerimento de autorização de residência;

V - comprovante de ingresso, no território nacional, até 31 de dezembro de 2020. 

§ 1º Apresentados os documentos mencionados no caput, proceder-se-á ao registro e à emissão da Carteira de Registro Nacional Migratório - CRNM. 

(...)

Art. 7º As certidões de nascimento e de casamento mencionadas no inciso III do art. 6º poderão ser aceitas independentemente de legalização e de tradução, desde que acompanhadas por declaração do requerente, sob as penas da lei, a respeito da autenticidade do documento. 

§ 1º Caso seja verificado que o imigrante esteja impossibilitado de apresentar o documento previsto no inciso III do art. 6º, conforme o § 2º do art. 68 do Decreto nº 9.199, de 2017, tal documentação poderá ser dispensada, hipótese em que os dados de filiação serão autodeclarados pelo requerente sob as penas da lei. 

(...)

Art. 8º O imigrante poderá requerer em uma das unidades da Polícia Federal, no período de noventa dias anteriores à expiração do prazo de dois anos previstos nos arts. 4º e 5º, autorização de residência com prazo de validade indeterminado, desde que:  

(...) 

III - não apresente registros criminais no Brasil e no exterior; 

(...)

§ 1º O requisito previsto no inciso III do caput será demonstrado por autodeclaração e certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente, emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido durante a residência temporária. 

§ 2º Aplica-se o disposto neste artigo ao imigrante que, até a data de entrada em vigor desta Portaria, tenha sido beneficiado pela autorização de residência temporária para fins de acolhida humanitária para cidadãos haitianos e apátridas residentes na República do Haiti. " - grifei.

Desta feita, caracterizada a acolhida humanitária, diante do reconhecimento pelo Estado Brasileiro da tragicidade do contexto vivenciado pelos nacionais da República do Haiti, as exigências documentais para a naturalização ordinária previstas na Lei de Migração  (Lei nº 13.445/2017), Decreto nº 9.199/2017 e Portaria Interministerial nº  nº 623/2020 devem ser lidas em cotejo com as disposições constantes da Portaria nº 12/2019, em específico no que concerne à flexibilização da documentação exigida para a efetivação dos direitos. 

Destaco que, nos termos do disposto no art. 8º, III, §1º, da Portaria Interministerial  nº 623/2020, a apelante demonstrou a inexistência de antecedentes criminais no Brasil e no Exterior quando requereu a autorização de residência por prazo indeterminado, conforme constado e comprovado em sua Carteira de Registro Migratório (ID ID 264035848). 

Exigir novamente referida comprovação, considerados os óbices já demonstrados à obtenção da Certidão de Antecedentes Criminais de seu país de origem, redunda em impor barreira desnecessária e ilegítima ao processamento de seu pedido de naturalização.  

Demais disso, vislumbro demonstrado o animus de permanência definitiva no país, considerando ter a apelante diligenciado para obter sua regularização documental, além de ter firmado contrato de trabalho formal no país. 

Precedentes neste sentido: 

CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE CERTIDÃO CONSULAR E DE NASCIMENTO. COMPROVAÇÃO DE DADOS POR OUTROS DOCUMENTOS IDÔNEOS. POSSIBILIDADE. 1. O presente mandamus foi proposto com o escopo de assegurar o processamento do pedido de naturalização sem a apresentação de certidão consular e de certidão de nascimento emitidas pelo país de origem. O impetrante, natural do Haiti, vive no território brasileiro desde 2017 e é portador de Carteira de Registro Nacional Migratório - CRNM, com validade até 2022. Em 20/01/2022, protocolou pedido de naturalização ordinária, porém o Departamento de Imigração da Polícia Federal solicitou a complementação da documentação. 2. Acerca da documentação exigida, nota-se que os documentos faltantes, quais sejam, certidão de nascimento e certidão consular, são exigidos para comprovar a correta grafia do nome do Impetrante e de seus pais. No entanto, tais informações podem ser comprovadas por meio dos outros documentos apresentados como prova pré-constituída, como a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM). 3. Em que pese meu posicionamento amplamente favorável à não interferência entre os poderes, haja vista a concessão da naturalização ser de competência exclusiva do Poder Executivo, no presente caso, há comprovação de que o impetrante encontra-se em situação regular no país, com a demonstração da correta grafia de seu nome e de seus pais no momento da solicitação de autorização de residência, não se mostrando razoável exigir novamente a comprovação destes requisitos para o processamento do pedido de naturalização. 4. Apelação provida.

(AC 5015796-85.2022.4.03.6100, TRF - TERCEIRA REGIÃO, 4ª Turma, 21/03/2023) - grifei.

 

MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO. EXIGÊNCIA DE DOCUMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO DA NORMA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA BOA-FÉ. 1. In casu, a apelante, angolana, após adentrar em território nacional em 2016, obteve autorização de residência por reunião familiar em 2017. Narra que estruturou completamente sua vida e constituído núcleo familiar no país, deseja pleitear a naturalização brasileira. No entanto, não consegue obter certidão de antecedentes criminais, pois, teria que se deslocar para Angola, uma vez que o consulado deste país no Brasil (São Paulo), não recebe autorização para emitir certidão de antecedentes criminais. 2. Em regra, a apresentação dos documentos exigidos pela autoridade impetrada: passaporte, certidão consular e certidão de antecedentes criminais do país de origem, são necessários para o processamento do pedido de naturalização, todavia, a exigência contida na norma não pode ser interpretada de modo absoluto. 3. A proteção aos direitos fundamentais do núcleo familiar incide como fator de ponderação a essa exigência e demanda que a Administração Pública flexibilize tal requisito, em favor da dignidade humana. 4. Na espécie, a recorrente se encontra impossibilitada de obter a certidão de antecedentes criminais, uma vez que para isso seria necessário solicitar auxílio das repartições consulares angolanas, todavia, estas não fornecem o documento no Brasil, o que obrigaria o retorno da apelante a Angola. 5. Exigir que a apelante retorne ao seu país de origem para fins de obtenção de certidão de antecedentes criminais não se mostra minimamente razoável, considerando que esta não possui recursos financeiros para a viagem ou para contratar prestação de serviço, tanto que é beneficiária da assistência judiciária gratuita e representada nos autos pela Defensoria Pública da União. 6. Nessas condições, não se mostra razoável negar à impetrante o pleno exercício de seus direitos fundamentais, sob justificativa de óbice de índole meramente burocrática, que, apesar de endereçada à proteção de relevantes interesses nacionais, referentes à própria segurança pública, não pode se sobrepor a mais efetiva proteção possível dos direitos humanos. 7. O caso revela situação peculiar, uma vez que a apelante sempre esteve regular no país e tem demonstrado a sua vontade de filiação em definitiva, mesmo que obstada por entraves meramente burocráticos e, assim, merece atenção especial para com a proteção dos direitos humanos dos imigrantes. Ademais, impende salientar que a certidão de antecedentes criminais já fora apresentada quando da aquisição da autorização de residência anterior e, desde então, a parte impetrante reside em território nacional. 8. Reformada a r. sentença a fim de conceder a segurança para que seja garantido o recebimento e processamento do pedido de naturalização da impetrante com a dispensa da apresentação da certidão de antecedentes criminais do país de origem. 9. Apelo provido.

(AC 5024272-20.2019.4.03.6100 , TRF - TERCEIRA REGIÃO, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, 4ª Turma, 22/02/2022) - grifei.

 

Por todo exposto, considerando a singularidade da situação concreta, cumpre dar provimento às razões da apelante, haja vista a constatação de que o ato que obstou o prosseguimento do pedido de naturalização brasileira em função da ausência de apresentação dos documentos aludidos revelou-se desproporcional e não amparado pela normativa de regência da matéria.

De rigor a reforma da sentença combatida, concedendo-se a segurança a fim de se determinar à autoridade impetrada que afaste a exigência de apresentação da Certidão de Antecedentes Criminais, Consular e de Nascimento haitiana da impetrante para o fim de comprovar a grafia correta de seu nome e filiação, no requerimento de naturalização protocolizado sob o n.º 235881.0119680/2021.

Sem condenação em honorários advocatícios e custas ex lege.

 

Do exposto DOU PROVIMENTO à apelação, reformando a r. sentença nos termos do relatório e voto. 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA. DOCUMENTOS. APRESENTAÇÃO. DISPENSA. DESCABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

1 - Conquanto a política migratória nacional seja baseada na acolhida humanitária e, bem por isso, em assegurar o direito à reunião familiar, há que se cumprir procedimentos próprios constantes da legislação, no que diz com a regularização migratória, razão pela qual não se permite afastar, indiscriminadamente, a exigência a todos imposta a viabilizar a entrada e permanência do estrangeiro no país, que exigem o cumprimento de critérios específicos.

2 - No caso concreto, a parte impetrante obteve autorização de ingresso em território nacional na condição de acolhida humanitária, e pretende, com o presente writ, sua naturalização ordinária.

3 - Em que pese a argumentação desenvolvida neste recurso, a certidão de antecedentes criminais do país de origem, bem como as Certidões de Nascimento e Consular, devidamente legalizados e traduzidos, são exigidos pelo art. 129, III e V, do Decreto n. 9.199/2017, assim como pelo art. 234, V, no caso de naturalização ordinária. Ademais, não se mostra irrazoável tal exigência, na medida em que a própria Lei de Migração, em seu artigo 30, §1º, em regra, impede a concessão de autorização de residência "a pessoa condenada criminalmente no Brasil ou no exterior por sentença transitada em julgado".

4 - Ademais, já é assegurado ao solicitante, a partir do protocolo do seu requerimento de refúgio, o direito de residência provisória até o julgamento de seu pleito, nos termos do art. 31, §4º, da Lei nº 13445/2017. Assim, não há justificativa racional para flexibilizar a exigência documental, conforme requerido, a fim de viabilizar a discussão do mesmo direito em dupla via procedimental.

5 - Se a mitigação na apuração dos requisitos gerais de ingresso e permanência de estrangeiro é reconhecida em relação ao detentor da condição de refugiado e se a própria residência é garantida até que se resolva o procedimento específico, não é viável que se formule outro pedido para autorização de residência permanente – ou naturalização ordinária - sem a observância das exigências próprias. O benefício que se confere ao refugiado deve ser exercido nos limites do procedimento que se destina à apuração da respectiva condição e não, extensivamente, em outros aplicáveis a estrangeiros em geral fora da excepcionalidade do pedido de refúgio. Precedentes desta Corte.

6 – Apelação da parte autora desprovida.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, nos termos do art. 942 CPC, por maioria, negou provimento à apelação, nos termos do voto do Des. Fed. CARLOS DELGADO, com quem votaram os Des. Fed. ADRIANA PILEGGI e RUBENS CALIXTO, vencidos os Des. Fed. NERY JUNIOR e CONSUELO YOSHIDA, que lhes davam provimento. Lavrará o acórdão o Des. Fed. CARLOS DELGADO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.