APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5032263-81.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: AMBEV S.A.
Advogado do(a) APELANTE: LEO KRAKOWIAK - SP26750-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5032263-81.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: AMBEV S.A. Advogado do(a) APELANTE: LEO KRAKOWIAK - SP26750-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação interposto por AMBEV S.A. contra a sentença que declarou extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, VI, do Código de Processo Civil. AMBEV S.A impetrou o presente mandamus contra ato do DELEGADO ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA (DERAT) EM SÃO PAULO objetivando o cancelamento da “redução do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSL determinada nos autos do processo administrativo nº 108830.010605/2007-74”, bem como assegurado o “direito à compensação dos valores que em razão dessa indevida redução de seus prejuízos e base negativa da CSL está sendo compelido a recolher no processo nº 18186.135231/2014-11 como suposto saldo devedor na quitação antecipada do parcelamento da Lei nº 11.941/09”. Informações prestadas pela autoridade coatora (ID 157017191), nas quais sustentou sua ilegitimidade passiva ad causam, porquanto “a Delegacia da Receita Federal do Brasil de Administração Tributária (DERAT) não tem competência sobre as decisões emitidas pelo CARF ou para cancelar inscrições em Dívida Ativa da União, nem para sobrestar a cobrança das mesmas, as quais se encontram sob a alçada exclusiva da PGFN, a quem compete a cobrança e o ajuizamento dos valores inscritos”. A impetrante, pela petição ID 157017193, sustenta a manifesta legitimidade da autoridade impetrada para figurar no polo passivo do writ. Pela sentença (ID 157017196), entendeu a Magistrada sentenciante que a1ª Turma Ordinária da Primeira Seção de Julgamento do CARF, por voto de qualidade, negou provimento ao recurso voluntário do contribuinte, sendo mantido parcialmente o lançamento para redução do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa apurados no período fiscalizado. Desse modo, “a impetrante, ao postular pelo cancelamento da redução do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL determinada no processo administrativo n. 10830.010605/2007-74, aponta justamente como ato coator o próprio acórdão proferido pela Turma julgadora do CARF, já que discorda do teor do julgado, bem como da sistemática do voto de qualidade”. Ademais, “embora a autoridade ora apontada tenha expedido a intimação do contribuinte, esta não praticou o ato contestado e não pode alterar o resultado do julgamento definitivo realizado na esfera administrativa pelo CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais”. Portanto, “considerando que o mandado de segurança deve, obrigatoriamente, ser dirigido à autoridade que tenha, pelo menos em tese, competência administrativa para corrigir o ato impugnado ou para se manifestar acerca da relação jurídica estabelecida entre a administração e o contribuinte”, acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva da autoridade impetrada. Embargos de declaração da impetrante (ID 157017207) rejeitados, conforme sentença ID 157017216. Em sua apelação (ID 157017221), alega a parte apelante que a autoridade impetrante é competente para figurar no polo passivo, pois a principal insurgência da apelante foi contra o mérito do lançamento, cuja intimação é de competência da autoridade apontada como coatora, e apenas subsidiariamente, sustentou a ilegalidade do voto de qualidade. Ademais, “não se pode cogitar da inclusão de autoridade da Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF no polo passivo do mandado de segurança como leva a crer a r. sentença recorrida, haja vista que a competência daquele órgão colegiado se exaure no julgamento dos recursos a ele submetidos, não se estendendo para atos decorrentes da exação”. Afirma que “detém a DERAT/SP a competência para a determinação da redução do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSL em tela, a ela também competirá desfazê-la em decorrência da ordem judicial que vier a reconhecer a improcedência da exigência fiscal, o que, à luz da doutrina e da jurisprudência acima colacionadas, evidencia o acerto da indicação da autoridade coatora no caso concreto”. Ultrapassada a questão da ilegitimidade, sustenta, quanto ao mérito da impetração que: a) “a operação de AFAC, por sua vez, não corresponde às características do contrato de mútuo”; b) “Não obstante a regularidade das operações efetuadas (recursos captados seguido de AFAC realizado e posteriormente capitalizado), que são absolutamente independentes, e considerando apenas e tão somente que os recursos obtidos pela SKOL da CBB foram objeto de AFAC realizado na empresa Hohneck, o fisco entendeu que as despesas de juros e IOF seriam desnecessárias e, portanto, indedutíveis na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSL. Contudo, ao contrário do que pelo voto de qualidade de seu Presidente concluiu a 1ª Turma da CSRF, as despesas glosadas pela fiscalização são absolutamente necessárias à atividade da SKOL e reúnem todas as condições de dedutibilidade previstas na legislação tributária, como acertadamente havia reconhecido por unanimidade de votos a C. 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção do CARF”; c) “as despesas glosadas nos autos de infração em questão são dedutíveis da base de cálculo tanto do IRPJ quanto da CSL relativamente à fonte pagadora, no caso a Apelante, implicando em receita tributável para o beneficiário de referidos rendimentos, ou seja, a CBB (mutuante)”. Aduz, ainda, que “essas mesmas operações podem ser realizadas por quem não seja holding pura, sem absolutamente qualquer restrição, com a diferença tributária de não haver a faculdade de diferimento das despesas de captação incorridas”. Outrossim, “a alegação do v. acórdão do CARF de que o IOF é acessório ao empréstimo e deve seguir o tratamento principal não se sustenta quando se verifica que a própria legislação prescreve regime específico para a dedutibilidade de tributos”. Ademais, “não é cabível a exigência de CSLL por mera decorrência, pois trata-se de exação cuja disciplina legal é diversa daquela do IRPJ, de modo que não pode prevalecer o entendimento adotado pelo CARF no caso concreto, pois isto significa assumir que o IRPJ e a CSL possuem as mesmas regras para a determinação das respectivas bases de cálculo (exclusões, deduções e adições) em total descompasso com a legislação que trata especificadamente de cada tributo e ao disposto no próprio artigo 57 da Lei nº 8.981/95”. Por fim, “sendo a regra do artigo 112 do Código Tributário Nacional (273 do Anteprojeto) premissa lógica da norma constante do artigo 347 do Anteprojeto, esta mera consequência do artigo 112, sua não inclusão na redação final do Código Tributário Nacional em nada afeta a conclusão de que na dúvida objetiva decorrente de empate no julgamento administrativo final o lançamento não pode ser mantido, sendo seu cancelamento consequência direta da aplicação do artigo 112 do Código Tributário Nacional”. Contrarrazões apresentadas pela União (ID 157017227). Manifestação do Ministério Público Federal (ID 157946434) no sentido da desnecessidade de sua intervenção no feito. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5032263-81.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: AMBEV S.A. Advogado do(a) APELANTE: LEO KRAKOWIAK - SP26750-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Presentes os pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido o recurso de apelação. Assiste razão à apelante. Com efeito, deve ser afastada a sentença que extinguiu o feito pela ilegitimidade passiva ad causam haja vista que a impetrante pretende o cancelamento da “redução do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSL determinada nos autos do processo administrativo nº 108830.010605/2007-74”, assegurando-lhe “o “direito à compensação dos valores que em razão dessa indevida redução de seus prejuízos e base negativa da CSL está sendo compelido a recolher no processo nº 18186.135231/2014-11 como suposto saldo devedor na quitação antecipada do parcelamento da Lei nº 11.941/09”, e não a realização de novo julgamento pela 1ª Turma Ordinária da Primeira Seção de Julgamento do CARF. Assim, ao contrário do apontado na sentença, o ato coator não é o acórdão proferido pelo CARF. A questão relacionada à sistemática do voto de qualidade é aduzida apenas de modo subsidiário. Logo, escorreita a indicação da DELEGADO ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA (DERAT) EM SÃO PAULO como autoridade impetrada. Nesta esteira, confira-se, a propósito, os seguintes julgados desta Corte: TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LANÇAMENTO. IRPJ. CSLL. AUTO DE INFRAÇÃO. LUCROS. EXTERIOR. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDAS. I - Em relação à legitimidade da autoridade impetrada, a Apelante parte da equivocada premissa fática de que no “writ” impetrado “(...) o ato administrativo, tido como coator do direito que a impetrante afirma ter sido violado, consiste no ‘voto de qualidade’ proferido pelo Presidente da 1ª Turma da CSRF”. In casu, o objeto do “writ” impetrado é a obtenção de provimento judicial que cancele os lançamentos de IRPJ e CSLL remanescentes objeto do processo administrativo nº 16561.000200/2007-21, e não a realização de novo julgamento pela CSRF, razão pela qual jamais haveria de se cogitar da inclusão de qualquer autoridade integrante do CSRF no polo passivo da presente impetração mas tão somente do próprio Delegado da Delegacia Especial de Administração Tributária em São Paulo (DERAT/SP), que é quem intimou a Apelada a efetuar o recolhimento de tais débitos. Assim, uma vez assentado o objeto da presente impetração, cumpre demonstrar que a Apelante foi corretamente indicada como autoridade coatora, devendo ser rejeitada a matéria preliminar. II - Da análise dos autos, em especial o acórdão proferido pelo CARF (pág. 209/220), verifico que foi lavrado um auto de infração contra a impetrante por ter sido considerada a existência de um lucro tributável em razão da transferência de quotas pela Skol (incorporada pela impetrante). Considerou-se que houve alienação da participação societária, o que gerou lucro para a Skol, no ano de 2002.In casu, em relação aos lucros auferidos no exterior por controladas ou coligadas de pessoas jurídicas, a Lei n. 9.535/1997, em seu artigo 1º, § 1º, alínea “b”, vigente à época dos fatos (revogado posteriormente pela Lei n. 12.973/2014), elencava como fato gerador do imposto de renda o seu pagamento ou crédito em conta representativa de obrigação à pessoa jurídica sediada no Brasil, operações que eram especificadas no parágrafo seguinte, então vigente: “§ 2º Para efeito do disposto na alínea "b" do parágrafo anterior, considera-se:a) creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da controlada ou coligada domiciliada no exterior; b) pago o lucro, quando ocorrer: 1. o crédito do valor em conta bancária, em favor da controladora ou coligada no Brasil; 2. a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária; 3. a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça; 4. o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da controlada ou coligada, domiciliada no exterior.” III -Da leitura dos autos, depreende-se que a autoridade fiscal entendeu que a alienação da participação societária equivaleria ao crédito do lucro na modalidade “emprego do valor”. Todavia, embora o lucro acumulado por pessoa jurídica e ainda não distribuído aos sócios eleve o valor da participação dos sócios na empresa, não se pode confundir a composição do preço da quota, ou ação, com a efetiva distribuição desse lucro, visto que até a efetivação da distribuição, os dividendos se traduzem em mera expectativa. IV - Outros fatores, ainda, podem “neutralizar” a valorização decorrente da expectativa de lucro. Ademais, o valor é pago pelo terceiro adquirente e não pela sociedade coligada ou controlada. V - Aalienação da participação societáriada sociedade estrangeira coligada ou controlada não pode ser considerada como disponibilização de lucros acumulados por aquela pessoa jurídica, porque, em regra, não ocorre disponibilização de dividendo por essa operação. VI - Ademais, a Instrução Normativa n. 38/96, ao determinar a adição dos lucros ainda não tributados no Brasil ao lucro líquido em caso de alienação da participaçãosocietária em controlada ou coligada no exterior, extrapolou sua função regulamentadora criando hipótese não prevista em lei. VII - Preliminar rejeitada. Apelação e remessa oficial não providas. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5002307-83.2019.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 03/09/2021, DJEN DATA: 10/09/2021) Dessa forma, afastada a extinção por ilegitimidade passiva ad causam, deve ser examinado o mérito da impetração, nos termos do artigo 1.013, §3°, I, CPC, Em relação ao mérito, defende a parte apelante que a ilegalidade da autuação fiscal no tocante à suposta apropriação de despesas indedutíveis, de juros e IOF sobre suposto empréstimos obtidos pela SKOL, posteriormente incorporada pela apelante, junto à empresa Companhia Brasileira de Bebidas (CBB), tidas pela fiscalização como desnecessárias, ensejando a sua glosa e, em decorrência, o lançamento de IRPJ e CSL acrescido de multa de ofício e juros de mora (processo administrativo nº 10830.010605/2007-74). Alega, para tanto, que o Adiantamento Para o Futuro Capital (AFAC) não tem natureza de mútuo, o que houve foi “compra de participação societária pela SKOL com o dinheiro obtido por meio de empréstimo, de modo que a despesa dos encargos incidentes sobre o empréstimo tomado é reconhecida como necessária à empresa tomadora do empréstimo e, portanto, plenamente dedutível na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSL”. Ademais, “a dedutibilidade do IOF (tributo) pago pela SKOL em razão do empréstimo contraído independe da dedutibilidade dos juros sobre ele incidente”. Pois bem, o Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC) é mecanismo pelo qual se antecipa recursos financeiros à pessoa jurídica, os quais serão utilizados com a finalidade de futuro aumento do capital social. É tipo de contrato atípico, regulado pelos arts. 167 e 168 da Lei 6.404/1976 e 1.081 do Código Civil, admitido por ausência de vedação legal. Válido registrar, ainda, que no caso de não haver autorização no estatuto (art. 166, II c/c o art. 168 da Lei n.º6.404/76), o aumento do capital social será realizado mediante assembleia-geral extraordinária, não se verificando na legislação pátria prazo para acontecer. É sabido que, nos termos do art. 13 da Lei 9.779/99, “as operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras”. Acerca da impossibilidade de se equiparar o AFAC ao mútuo, trago à baila esclarecedores julgados: TRIBUTÁRIO. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL - AFAC. INCABIMENTO DA INCIDÊNCIA DO IOF - IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS. I. Trata-se de remessa oficial e apelação de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para anular parcialmente os créditos tributários constituídos no processo administrativo-fiscal n.º 10510.003371/2006-41, considerando a não incidência do IOF sobre a parte de valores repassados como adiantamento para futuro aumento de capital - AFAC. II. O AFAC - adiantamento para futuro aumento de capital corresponde a valores recebidos pela empresa de seus acionistas ou quotistas destinados a serem utilizados como futuro aporte de capital. Na hipótese, a autora informou ter realizado em favor de suas empresas coligadas o adiantamento para futuro aumento de capital, demonstrando não ter a operação configuração de mútuo para fins de incidência do IOF, sobre parte do crédito constituído no processo administrativo n.º 10510.003371/2006-41. III. Não se faz obrigatória à comprovação do adiantamento para futuro aumento de capital mediante a celebração de contrato escrito, podendo ser demonstrado por meio de registro nas escrituras fiscais da empresa. IV. No caso de não haver autorização no estatuto (art. 166, II c/c o art. 168 da Lei n.º 6.404/76), o aumento do capital será realizado em assembléia geral extraordinária, a qual não possui prazo para acontecer. Também na legislação societária não se verifica prazo para que o aumento do capital ocorra. V. Honorários advocatícios mantidos em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), nos termos do art. 20, parágrafos 3º e4º, do CPC, diante do trabalho exercido pelo causídico da autora. VI. Remessa oficial e apelação improvidas. (PROCESSO: 00009661220114058500, APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO, DESEMBARGADOR FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO (CONVOCADO), 4ª TURMA, JULGAMENTO: 20/11/2012, PUBLICAÇÃO: 22/11/2012) TRIBUTÁRIO. EMPRESARIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL (AFAC) DE EMPRESAS CONTROLADAS OU COLIGADAS. OPERAÇÃO NÃO SUJEITA A IOF. MÚTUO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INCORPORAÇÃO DEFINITIVA DOS RECURSOS AO CAPITAL DAS SOCIEDADES CONTROLADAS. 1. Trata-se de Remessa oficial e apelação interposta pela Fazenda Nacional em face de sentença que julgou parcialmente procedente pretensão anulatória de lançamento fiscal para desconstituir parcialmente os créditos tributários constituídos no PAF nº 10510 003050/2009-99 (CDA 51 4 12 000638-56), mantendo a exigência de IOF apenas sobre os valores que retornaram ao patrimônio da autora, correspondentes a R$ 4.450.000,00. 2. A sentença, após rejeitar a alegação de decadência do direito de constituição do crédito tributário, afastou a existência de mútuo e reconheceu a natureza jurídica de Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC), não sujeitas à incidência de IOF, das transferências de capital realizadas pela autora ENERGISA SERGIPE - Distribuidora de Energia S.A. em favor de suas subsidiárias PBPART e PBPART SE1, nos montantes de R$ 105.295.203,14 (cento e cinco milhões, duzentos e noventa e cinco mil, duzentos e três reais) e R$ 270.941.868,17 (duzentos e setenta milhões, novecentos e quarenta e um mil, oitocentos e sessenta e oito reais), respectivamente, à exceção dos valores que retornaram ao patrimônio da autora, conforme apontado no laudo pericial. 3. Condenou, ao final, a União ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 8% (oito por cento) do valor do proveito econômico obtido, correspondente à diferença entre o valor do IOF e encargos cobrados na autuação e aquele efetivamente devido, e condenou a parte autora ao pagamento de honorários à ré, no percentual de 8% (oito por cento) do valor do IOF que permanece devido. 4. Em suas razões recursais, a Fazenda Nacional aduz que, nos termos da informação fiscal, o contribuinte registrou contabilmente como Adiantamento para Futuro Aumento de Capital aportes de capital em empresas controladas, porém, os aportes foram feitos em valores fracionados que variam de R$ 4.013,30 a R$ 32.000.000,00, forma "inusitada" de proceder a AFAC, e os recursos aportados em 2004 somente foram capitalizados em 2006, concluindo que a operação financeira realizada pela apelada na realidade tem natureza de empréstimo de coisas fungíveis (mútuo) disfarçado de Adiantamento para futuro aumento de capital. 5. Transcreve em seu recurso informação fiscal onde a autoridade fazendária vai além e sustenta que todo adiantamento para futuro aumento de capital configura mútuo, argumentando que existem, na operação, duas obrigações: a primeira na qual o sujeito que adiantou os recursos é credor de uma dada quantia em dinheiro; enquanto que, na segunda, surgida no momento em que ocorre a operação do aumento de capital, o sujeito que era credor contrai uma obrigação através da subscrição de ações, e tais obrigações se extinguiriam por compensação, sendo o crédito do "mútuo" satisfeito por meio de crédito em ações no mesmo valor. Acrescenta que tal entendimento é seguido pela Receita Federal em seus atos e pareceres normativos desde a década de 70, conforme Ato Declaratório ("normativo") CST nº 9/76, Parecer Normativo CST nº 23/81 e 23/83. 6. Aduz, ainda, que no caso concreto não houve celebração de instrumento contratual que amparasse a operação alegada de Adiantamento para futuro aumento de capital, bem como porque os recursos foram transferidos em data muito distante das assembleias que deliberaram pelo aumento de capital, sendo uma delas somente realizada após o início da fiscalização fazendária, e os recursos permaneceram sem tal destinação por quase dois anos. Defende, por outro lado, que a caracterização do mútuo não depende de contrato escrito, e que a satisfação da obrigação decorrente do mútuo com bem de natureza diversa não é incompatível com a natureza deste. 7. Por fim, alega que os honorários a que fora condenada a União são exorbitantes, pois, embora no momento não seja possível aferir com precisão o valor do proveito econômico da autora da ação, fazendo-se uma projeção com base no valor da autuação em 2012 (R$ 26.284.252,54) chega-se à cifra aproximada de 45.000.000 (quarenta e cinco mil) salários mínimos. 8. A matéria já foi enfrentada por este Regional, em caso análogo ao presente, no julgamento do processo n° 0000966-12.2011.4.05.8500, tendo também como partes a ora apelada (na época denominada ENERGIPE - Empresa Elétrica de Sergipe S/A) e a União, assim ementado: TRIBUTÁRIO. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL - AFAC. INCABIMENTO DA INCIDÊNCIA DO IOF - IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS. I. Trata-se de remessa oficial e apelação de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para anular parcialmente os créditos tributários constituídos no processo administrativo-fiscal n.° 10510.003371/2006-41, considerando a não incidência do IOF sobre a parte de valores repassados como adiantamento para futuro aumento de capital - AFAC. II. O AFAC - adiantamento para futuro aumento de capital corresponde a valores recebidos pela empresa de seus acionistas ou quotistas destinados a serem utilizados como futuro aporte de capital. Na hipótese, a autora informou ter realizado em favor de suas empresas coligadas o adiantamento para futuro aumento de capital, demonstrando não ter a operação configuração de mútuo para fins de incidência do IOF, sobre parte do crédito constituído no processo administrativo n.° 10510.003371/2006-41. III. Não se faz obrigatória à comprovação do adiantamento para futuro aumento de capital mediante a celebração de contrato escrito, podendo ser demonstrado por meio de registro nas escrituras fiscais da empresa. IV. No caso de não haver autorização no estatuto (art. 166, II c/c o art. 168 da Lei n.° 6.404/76), o aumento do capital será realizado em assembléia geral extraordinária, a qual não possui prazo para acontecer. Também na legislação societária não se verifica prazo para que o aumento do capital ocorra. V. Honorários advocatícios mantidos em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), nos termos do art. 20, §§ 3° e4°, do CPC, diante do trabalho exercido pelo causídico da autora. VI. Remessa oficial e apelação improvidas (TRF da 5a Região. Apelação/Reexame Necessário n° 25015-SE, processo n° 0000966-12.2011.4.05.8500. 4a Turma. Rel. Des. Federal lvan Lira de Carvalho. DJE 22/11/2012, p. 595). 9. Os fundamentos acolhidos por ocasião do julgamento da demanda referida aplicam-se ao caso presente. Trata-se, aqui também, de capital transferido às sociedades controladas com registro na contabilidade como Adiantamento para futuro aumento de capital, cujos recursos vieram, ao final, a integralizar aumento de capital das subsidiárias, não havendo retornado sob a forma de dinheiro ao patrimônio da apelada - à exceção de valor correspondente a aproximadamente 1% do capital transferido. 10. O fato de não haver instrumento contratual que materialize a operação não justifica a recusa da Receita Federal em reconhecer-lhe a natureza de adiantamento para integralização de capital, tal como consignado pela empresa em sua contabilidade, pois, a prevalecer tal argumento, também não seria possível caracterizá-la como mútuo, já que igualmente inexiste instrumento contratual de mútuo. Seria incoerência exigir instrumento formal para caracterizar a operação como adiantamento para integralização futura de capital e não exigi-lo quando se pretende caracterizá-la como operação tributada. 11. A circunstância de as transferências terem sido realizadas de forma fracionada, e a integralização não haver se realizado imediatamente pelas sociedades coligadas, não infirma a natureza das transferências, pois, como a própria denominação informa, trata-se de adiantamento para "futuro" aumento de capital (que, ao final, veio de fato a se concretizar, confirmando a finalidade). Se a lei não impede a realização de adiantamentos, nem estabelece prazos limites para a integralização, não pode a autoridade administrativa estabelecer prazos (como o de 120 dias), criando restrição não imposta pela lei. 12. O argumento no sentido de que o recebimento das ações correspondentes à subscrição da parcela de aumento do capital, integralizada com os recursos adiantados, correspondem a "devolução" do capital "emprestado" à sociedade coligada é distorcer o conceito de mútuo para abranger qualquer contrato oneroso com pagamento antecipado e recebimento da contraprestação a prazo. 13. Os recursos que foram transferidos e se incorporaram definitivamente ao capital das sociedades controladas não podem ser caracterizados como mútuo, não estabelecendo a lei prazo limite para que a contraprestação venha a ser efetivada. 14. Merece ser provida, em parte, a apelação e a remessa oficial apenas quanto à condenação em honorários, pois a grandeza econômica da questão discutida em juízo é estimada atualmente em mais de R$ 50.000.000 (cinquenta milhões de reais), de modo que a condenação em honorários nos percentuais estabelecidos resultará em remuneração exorbitante e desproporcional ao trabalho desenvolvido pelos causídicos, sem qualquer demérito a sua realização competente, razão pela qual devem ser fixados equitativamente. Os honorários de sucumbência devem ser fixados de modo a remunerar, de forma condigna, o trabalho do advogado, considerando a complexidade da demanda, o tempo necessário, e demais fatores, sem, contudo, elevar-se a patamares que excedam a contraprestação proporcional ao trabalho realizado. 15. Apelação e remessa oficial providas em parte, apenas para condenar a União ao pagamento de honorários no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), mantido os honorários fixados em desfavor da autora, uma vez que não houve recurso da parte interessada, nem a matéria é coberta pela remessa necessária. (PROCESSO: 00036662420124058500, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 06/02/2023) O próprio CARF, em decisão recente, afastou a possibilidade de se enquadrar o AFAC como mútuo. Confira-se: “Numero do processo: 10980.723999/2015-11 Data da sessão: Fri Feb 18 00:00:00 UTC 2022 Data da publicação: Wed May 18 00:00:00 UTC 2022 Ementa: ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO E SEGUROS OU RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS (IOF) Ano-calendário: 2010, 2011 ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. FALTA DE NORMA ESPECÍFICA PARA DESCARACTERIZAR A OPERAÇÃO COMO AFAC COM ENQUADRAMENTO COMO OPERAÇÃO DE MÚTUO. IOF. No presente caso, a autoridade fiscal não abordou eventual desrespeito aos ditames legais na operação de AFAC procedida pelo contribuinte. Ademais, não há que se desenquadrar uma operação como AFAC, enquadrando-a como mútuo para fins de exigência do IOF, sustentando, entre outros, como motivação o fato de o contribuinte não ter observado os requisitos dispostos pelo Parecer Normativo CST 17/84 e IN SRF 127/88, que impuseram, entre outros, a observância de prazo limite para a capitalização dos AFACs. Tais atos, inclusive, foram formalmente revogados, vez que se referiam a dispositivo do Decreto-Lei 2.065/83, que tratava de correção monetária de Balanços. Numero da decisão: 9303-012.909 Decisão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Acordam os membros do colegiado, por unanimidade de votos, em conhecer do Recurso Especial. Por determinação do art. 19-E da Lei nº 10.522/2002, acrescido pelo art. 28 da Lei nº 13.988/2020, em face do empate no julgamento, negou-se provimento ao Recurso Especial, vencidos os conselheiros Rodrigo da Costa Pôssas (relator), Luiz Eduardo de Oliveira Santos, Jorge Olmiro Lock Freire e Andrada Márcio Canuto Natal, que lhe deram provimento. Designada para redigir o voto vencedor a conselheira Tatiana Midori Migiyama. Nos termos do Art. 58, §5º, Anexo II do RICARF, a conselheira Adriana Gomes Rêgo não votou nesse julgamento, por se tratar de questão já votada pelo conselheiro Andrada Márcio Canuto Natal em reunião anterior. (documento assinado digitalmente) Adriana Gomes Rego Presidente (documento assinado digitalmente) Rodrigo da Costa Pôssas Relator (documento assinado digitalmente) Tatiana Midori Migiyama Redatora designada Participaram do presente julgamento os Conselheiros: Andrada Márcio Canuto Natal, Jorge Olmiro Lock Freire, Tatiana Midori Migiyama, Rodrigo da Costa Possas, Valcir Gassen, Luiz Eduardo de Oliveira Santos, Erika Costa Camargos Autran, Vanessa Marini Cecconello. Ausente o conselheiro Rodrigo Mineiro Fernandes. Nome do relator: RODRIGO DA COSTA POSSAS” No caso dos autos, não se verifica demonstrado a ocorrência de mútuo, ao contrário, a promoção do adiantamento futuro de aumento de capital em questão foi efetivamente incorporados ao capital social da empresa HOHNECK S.A., conforme se pela Ata de Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas desta empresa, documento ID 157016926, especialmente às pp. 6/9, donde se lê (destaquei): “(...)afim de considerar a seguinte Ordem do Dia: (...) 2. Capitalizar os aportes à conta de futuros aumentos de capital existentes. (...)Também se propõe e é aprovado com unanimidade certificar na presente Ata que: A. - Por decisão desta Assembléia, com o aumento de capital resolvido, capitaliza-se a quantia de R$ 1.166.766.154,25 (um bilhão, cento e sessenta e seis milhões, setecentos e sessenta e seis mil, cento e cinqüenta e quatro reais e vinte e cinco centavos), equivalentes ao dia de hoje a $ 9.030.770.034 (nove bilhões, trinta milhões, setecentos e setenta mil e trinta e quatro pesos uruguaios), correspondentes a adiantamentos à conta de futuros aumentos do capital da sociedade de acordo com a seguinte descrição: (...) (ii) CERVEJARIAS REUNIDAS SKOL CARAÇU S.A., R$ 575.311.342,40 (quinhentos e setenta e cinco milhões, trezentos e onze mil, trezentos e quarenta e dois reais e quarenta centavos) equivalentes no dia de hoje a $ 4.452.909.790,18,(quatro bilhões, quatrocentos e cinqüenta e dois milhões, novecentos e nove mil, setecentos .e noventa reais e dezoito centavos (...)” A própria fiscalização, no Termo de Constatação (ID 157016923) informa que “não foram encontradas, também, quaisquer remunerações de juros sobre esse valor”, tampouco devolução do valor imputado como mútuo pelo FISCO, senão vejamos (destaquei): “11.O fiscalizado efetuou adiantamento para futuro aumento de capital na empresa HOHNECK, no valor de R$ 575.335.996,00, em abril de 2002, conforme ata de diretoria, apresentada em 19 de outubro de 2007, sendo que não foram previstas, nessa ata, quaisquer remunerações a título de juros. Não foram encontradas, também, quaisquer remunerações de juros sobre esse valor, nos demonstrativos apresentados pela empresa. Esse adiantamento foi contabilizado como capitalizado na HOHNECK em janeiro de 2003, ou seja, não foram contabilizados quaisquer remunerações a título de juros, no período de abril a dezembro/2002”. (...) “15.Constata-se então que, ao mesmo tempo em que o fiscalizado adiantou à empresa HOHNECK, da qual participa, numerário sem o reconhecimento de receitas a título de juros, tomou emprestado de sua empresa controladora CBB, numerários com a contabilização de despesas a título de juros e IOFs Dessa forma, considerando-se que recursos destinados a empresas coligadas/controladas sem quaisquer remuneração de juros ativos, tiveram origem em empréstimos tomados de sua controladora com a contabilização de despesas a título de juros e 10Fs, estas devem ser glosadas, por - desnecessárias, em razão do disposto no parágrafo 1°. do art. 299 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99, aprovado p/ D-3.000199), que dispõe:” Nota-se, pois, que não há subsídios para se comprovar como desnecessário o empréstimo tomado pela SKOL junto à controladora CBB justamente porque houve o repasse do valor à Hohneck a título de AFAC. Esse, a propósito, foi a orientação da Quarta Câmara da 1ª Turma Ordinária da Primeira Seção de Julgamento do CARF, conforme se vê pelo documento ID 157016926, pp. 91 e seguintes: “Isso porque, se a empresa acionista toma empréstimo para repassar o referido valor como empréstimo para a empresa da qual possui ações, somente poderá haver a dedutibilidade das despesas financeiras incorridas por referida empresa se os mesmos encargos forem repassados à empresa tomadora do empréstimo. Lado outro, se a empresa acionista, dentro de seu objeto social, toma empréstimo de terceiros com o objetivo de aumentar seus investimentos na empresa da qual possui ações, e transfere referidos recursos por meio de AFAC, os encargos financeiros decorrentes de referido empréstimo devem ser considerados perfeitamente dedutíveis da base de formação da renda tributável. Apenas se for verificada a prática simulatória da contratação do AFAC, como forma de dissimular um empréstimo entre as empresas, é que os encargos financeiros em voga serão considerados indedutíveis (...) Permissa venia, a mera constatação da ausência de cobrança de juros e encargos financeiros do AFAC à Hohnek não é suficiente para tornar as despesas financeiras decorrentes do empréstimo como sendo indedutíveis. E ´esta a única acusação que pesa contra a Recorrente para que as despesas financeiras incorridas fossem consideradas como indedutíveis.” Destarte, indevida a glosa efetiva nos autos de infração impugnado, haja vista que podem ser consideradas necessárias as referidas despesas financeiras relativas a empréstimo tomado com empresa coligada com o fito de promover adiantamento futuro de aumento de capital em empresa da qual é acionista. Logo, é possível a dedutibilidade da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Ainda que assim não fosse, cumpre observar que o parcial provimento do Recurso Especial da Fazenda Nacional, no bojo do Processo Administrativo 10830.010605/2007-74, que culminou com a manutenção da glosa das despesas em testilha, decorreu do voto de qualidade, conforme se vê pelo documento ID 157016927, pp. 149 e seguintes. Com efeito, nos julgamentos do CARF, a exegese prevista no art. 54 do Regimento Interno do Órgão Administrativo, no sentido de que o voto de qualidade é conferido ao conselheiro (presidente) para desempate, ainda que já tenha proferido voto ordinário, não é cabível. O único entendimento compatível com o princípio constitucional da isonomia é a previsão de voto de qualidade ao presidente do Órgão Colegiado que não chegou a votar ordinariamente. Na esteira desse entendimento, trago à colação julgados desta Turma Julgadora, in verbis: TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO – CARF – JULGAMENTO DE RECURSO ADMINISTRATIVO – TURMA RECURSAL – EMPATE – PRESIDENTE DA TURMA – VOTO ORDINÁRIO E VOTO DE QUALIDADE – IMPOSSIBILIDADE – APELAÇÃO – NÃO PROVIDA. 1. Na presente ação, o cerne da controvérsia diz respeito à aferição da legitimidade do voto de qualidade (desempate) quanto à forma, e não ao exame de mérito do débito fiscal propriamente dito. 2. As Turmas de Julgamento do CARF são compostas por 08 (oito) conselheiros, dentre eles 04 (quatro) representantes da Fazenda Nacional e 04 (quatro) representantes dos contribuintes. As deliberações são tomadas por maioria simples e, no caso de empate, caberá ao presidente o desempate (voto de qualidade). 3. No disposto no art. 25, inc. II, § 9º, do Decreto nº 70.235/72, recepcionado pela ordem jurídica vigente com status de lei ordinária, o legislador objetivou o estabelecimento de uma “paridade” na formação do órgão colegiado, com o fito de que os membros (conselheiros) pudessem representar, proporcionalmente, tanto a Fazenda Nacional, quanto o contribuinte, no julgamento dos processos administrativos de segunda instância, em observância ao princípio da isonomia, da legalidade, da imparcialidade nos julgamentos. 4. Da leitura do § 9º, do Decreto 70.235/1972, não se extrai que caberá ao presidente o voto de qualidade, além do voto ordinário, conforme constou do art. 54 do Regimento Interno do CARF. 5. À luz do disposto no art. 25, inc. II, § 9º, do Decreto nº 70.235/1972, há de ser reconhecida a atribuição do voto de qualidade ao ocupante do cargo de presidente do Órgão Colegiado, o qual, por sua vez, será um conselheiro representante da Fazenda Nacional. Assim, a referida norma não dispôs que caberá ao presidente, além do voto de qualidade, também o voto ordinário 6. A previsão de que um conselheiro representante da Fazenda Nacional, por ocupar o cargo de presidente, tivesse direito a 02 (dois) votos em caso de empate no julgamento (o voto de qualidade, além do ordinário), traria desequilíbrio à própria “paridade” objetivada pelo legislador, sem observância ao princípio da isonomia. 7. O voto de qualidade vai de encontro ao arcabouço normativo que rege a matéria, na medida em que não se trata de mero voto de desempate, mas de verdadeira autorização para que um mesmo membro do Órgão Colegiado (Presidente) vote duas vezes. Assim, evidente é o malferimento à isonomia de tratamento às partes, quando um mesmo indivíduo tem a prerrogativa de se posicionar de forma dobrada, com peso duplicado perante os demais. 8. Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007182-06.2018.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 09/05/2023, DJEN DATA: 12/05/2023) PROCESSUAL CIVIL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXCEÇÃO DE EXECUTIVIDADE. VOTO DE QUALIDADE NOS JULGAMENTOS DO CARF. CUMULAÇÃO COM VOTO ORDINÁRIO. INTERPRETAÇÃO LEGAL DESCABIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. I. A princípio, o desempate, tal como previsto no artigo 25, § 9º, do Decreto nº 70.235/72, tem contornos de legalidade. A lei, em sentido amplo, se não impugnada pelas vias ordinárias, presume-se válida. II. Contudo, o Judiciário, é sabido, não está adstrito à mera aplicação da letra da lei. Fosse assim, praticamente desnecessária seria a figura do Julgador. O direito cerca-se de princípios eivados de verdadeira carga axiológica e normativa, que o norteia. E o Estado Democrático de Direito, tal como concebido, tem como dever garantir o exercício de direitos individuais e sociais, impedindo que princípios e regras sejam descumpridos, ou que estas, em confronto com aqueles, sejam aplicadas. III. Um dos princípios basilares insculpidos na Constituição Federal de 1988 é o da igualdade. Por tal princípio, são vedadas, no trato entre indivíduos ou entre indivíduos e o Estado, diferenciações arbitrárias, não justificáveis pelos valores Constitucionais. A sua normatividade limita, pois, a atividade do legislador, da autoridade pública e do intérprete de forma a evitar-se abusiva desequiparação. IV. Nesta esteira, a tese defendida pelo agravante tem fundamento. A interpretação de que o artigo 25, § 9º, do Decreto nº 70.235/72 prevê a possibilidade de um representante da Fazenda Nacional no CARF ter dois votos num único processo estampa violação concreta ao princípio da igualdade. V. O próprio Decreto em menção traz, no artigo 25, § 7º, a preocupação com o respeito à paridade. Foge ao seu próprio escopo a previsão de prevalência dos interesses do Fisco em detrimento aos do contribuinte. VI. Por óbvio que a previsão de que um representante da Fazenda Nacional tenha direito a dois votos em caso de empate nos processos que vota traz desequilíbrio na balança da Justiça, sendo bastante verossímil que os empates tendam a privilegiar os interesses fiscais. VII. A interpretação dada ao artigo 25, § 9º, pelo Fisco, ademais, não privilegia o interesse da maioria – um dos fundamentos do julgamento colegiado -, não fazendo sentido, do ponto de vista do princípio da igualdade e da paridade de armas, que um Julgador ordinário tenha direito a mais de um voto, ainda mais quando o segundo voto é determinante do desempate. VIII. Portanto, a exegese de que o voto de qualidade nos julgamentos do CARF pode ser dado por quem já votou na forma ordinária não pode subsistir. O único entendimento compatível com o princípio constitucional da igualdade é a previsão de voto de qualidade ao presidente do órgão colegiado que não chegou a votar ordinariamente. IX. O processo administrativo fiscal no qual se baseou a CDA cobrada na execução não seguiu essa interpretação, tornando inexigível o título executivo. A Terceira Turma do TRF3 tem precedente nesse sentido (AI 5002059-89.2016.4.03.0000, Relator Antônio Cedenho, DJ 24.04.2017). X. Com a inexigibilidade do título executivo, a execução fiscal deve ser extinta para o responsável tributário. O arbitramento dos honorários de advogado, porém, não é cabível no momento em função da afetação de controvérsia no STJ (Resp 1358837, Tema 961). XI. Como o agravo de instrumento tem por foco matéria distinta – inexigibilidade de CDA –, em que os encargos de sucumbência representam simples acessório de questão principal, convém que a verba honorária seja requerida e decidida em primeira instância, após o julgamento de caso repetitivo (TRF3, AI 5013301-74.2018.4.03.0000, DJ 08.08.2019). XII. Agravo de instrumento a que se dá provimento. (AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP 5007708-30.2019.4.03.0000; Relator Des. Fed. ANTONIO CARLOS CEDENHO; Terceira Turma; v.u.; Data do Julgamento:16/04/2020; Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial DATA: 24/04/2020). Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação para afastar a extinção do processo sem resolução do mérito e, com fundamento nos artigos 1.013, §3º, inciso I e 487, I do CPC, conceder a segurança pleiteada, a fim de determinar o cancelamento da redução do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSL determinada nos autos do processo administrativo nº 108830.010605/2007-74, bem como assegurar o direito à compensação dos valores que, em razão da indevida redução de seus prejuízos e base negativa da CSLL, esteja sendo compelido a recolher no processo nº 18186.135231/2014-11, nos termos da fundamentação supra.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA AFASTADA A SENTENÇA TERMINATIVA. RECONHECIDA A LEGITIMIDADE AD CAUSAM DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. TEORIA DA CAUSA MADURA. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL – AFAC. IMPOSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO COMO MÚTUO. DESPESA FINANCEIRA NECESSÁRIA. DEDUTIBILIDADE DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA CONCEDIDA.
1. Afastada a sentença que extinguiu o feito pela ilegitimidade passiva ad causam, haja vista que a impetrante pretende o cancelamento da “redução do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSL determinada nos autos do processo administrativo nº 108830.010605/2007-74”, assegurando-lhe “o “direito à compensação dos valores que em razão dessa indevida redução de seus prejuízos e base negativa da CSL está sendo compelido a recolher no processo nº 18186.135231/2014-11 como suposto saldo devedor na quitação antecipada do parcelamento da Lei nº 11.941/09”, e não a realização de novo julgamento pela 1ª Turma Ordinária da Primeira Seção de Julgamento do CARF.
2. Ao contrário do apontado na sentença, o ato coator não é o acórdão proferido pelo CARF. A questão relacionada à sistemática do voto de qualidade é aduzida apenas de modo subsidiário. Logo, escorreita a indicação da DELEGADO ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA (DERAT) EM SÃO PAULO como autoridade impetrada.
3. Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC) é mecanismo pelo qual se antecipa recursos financeiros à pessoa jurídica, os quais serão utilizados com a finalidade de futuro aumento do capital social. É tipo de contrato atípico, regulado pelos arts. 167 e 168 da Lei 6.404/1976 e 1.081 do Código Civil, admitido por ausência de vedação legal.
4. No caso dos autos, não se verifica demonstrado a ocorrência de mútuo, ao contrário, a promoção do adiantamento futuro de aumento de capital em questão foi efetivamente incorporados ao capital social da empresa HOHNECK S.A., conforme se pela Ata de Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas desta empresa.
5. Não há subsídios para se comprovar como desnecessário o empréstimo tomado pela SKOL junto à controladora CBB justamente porque houve o repasse do valor à Hohneck a título de AFAC.
6. Podem ser consideradas necessárias as referidas despesas financeiras relativas a empréstimo tomado com empresa coligada com o fito de promover adiantamento futuro de aumento de capital em empresa da qual é acionista. Logo, é possível a dedutibilidade da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
7. Ainda que assim não fosse, cumpre observar que o parcial provimento do Recurso Especial da Fazenda Nacional, no bojo do Processo Administrativo 10830.010605/2007-74, que culminou com a manutenção da glosa das despesas em testilha, decorreu do voto de qualidade.
8. O voto de qualidade vai de encontro ao arcabouço normativo que rege a matéria, na medida em que não se trata de mero voto de desempate, mas de verdadeira autorização para que um mesmo membro do Órgão Colegiado (Presidente) vote duas vezes. Assim, evidente é o malferimento à isonomia de tratamento às partes, quando um mesmo indivíduo tem a prerrogativa de se posicionar de forma dobrada, com peso duplicado perante os demais.
9. Necessidade de concessão da segurança para determinar o cancelamento da redução do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSL determinada nos autos do processo administrativo nº 108830.010605/2007-74, bem como assegurar o direito à compensação dos valores que, em razão da indevida redução de seus prejuízos e base negativa da CSLL, esteja sendo compelido a recolher no processo nº 18186.135231/2014-11.
10. Apelação provida para, afastando a extinção do processo sem resolução do mérito e, com fundamento nos artigos 1.013, §3º, inciso I e 487, I do CPC, conceder a segurança pleiteada.