Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006230-03.2022.4.03.6104

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: DENIS FRANCO LINCOLN

Advogado do(a) APELANTE: JACQUELINE DO PRADO VALLES - SP138663-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006230-03.2022.4.03.6104

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: DENIS FRANCO LINCOLN

Advogado do(a) APELANTE: JACQUELINE DO PRADO VALLES - SP138663-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação criminal interposta por Denis Franco Lincoln em face da decisão (ID. 266998731), que indeferiu a restituição atualizada do montante apreendido em poder do requerente no dia 01.10.2016, no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros).

Em razões recursais, a defesa sustenta que o apelante foi absolvido de todas as acusações dos artigos 35 e 36 da lei de drogas, respectivamente, nos termos do artigo 386, VII e V do Código de Processo Penal. 

Afirma que o Ministério Público não se desincumbiu do seu ônus e não logrou êxito em comprovar que o valor apreendido em poder do apelante é ilícito ou não.

Ressalta que atribuir a carga probatória da licitude quanto a origem do valor apreendido para o apelante é conflitante com o postulado da presunção de inocência.

Requer, assim, o provimento do recurso de apelação com o deferimento da restituição atualizada do montante apreendido em poder do apelante no dia 01.10.2016, no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros), no bojo dos autos 0002246- 72.2017.4.03.6104, nos moldes do §2º, art. 62-A, da Lei 11.343/2006 (ID.  267931026).

Contrarrazões não apresentadas, em razão do Enunciado nº 08 da E. 2ª CCR/MPF, dispõe que "Se o apelante optar por oferecer as razões na superior instância (CPP, art. 600, §4º), as contrarrazões a cargo do Ministério Público Federal serão oferecidas por membro da Instituição com atribuições próprias ao 2º grau (Procurador Regional da República)" (ID. 268184385).

O parecer do Ministério Público Federal é pelo desprovimento da apelação (ID. 269900511).

É o relatório.

Dispensada a revisão nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006230-03.2022.4.03.6104

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: DENIS FRANCO LINCOLN

Advogado do(a) APELANTE: JACQUELINE DO PRADO VALLES - SP138663-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

Consta dos autos que o dinheiro em questão foi apreendido no curso das investigações da "Operação Arepa" da Polícia Federal.

O presente feito encontra-se relacionado ao feito nº 0005901-23.2015.4.03.6104.

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra José Esteyman Poveda Cano (Montenegro, Palácios, Raul, El Flaco), Marcelo Jeronymo Ferreira ('Sabadala', 'Fata Al Adgal' Ou 'Gato'), Marcos Damião Lincoln ('Bk', 'Boka' Ou 'Boca'), Isabel Cristina Coutinho Franco Lincoln ('Catita'), Hugo Motoki Yoshizumi ('Japa' Ou 'Japonês') e Denis Franco Lincoln pela prática dos crimes previstos no art. 33 c.c. art. 40, inciso I, art. 35, caput, e art. 36, todos da Lei nº 11.343/2006, c.c. art. 29 e art. 69 do Código Penal, sendo que Sérgio Raimundo Coutinho Franco foi denunciado pelo cometimento do crime descrito no artigo 35, "caput", da Lei nº 11.343/06.

No curso das investigações da "Operação Arepa" da Polícia Federal, ocorreram as seguintes apreensões:

a - apreensão de US$390.000,00 (trezentos e noventa mil dólares) em 02.04.2015, apurada nos autos do IPL 157/2015 - SR/DPF/DF;

b - apreensão de 10Kg de cocaína aos 04.08.2015, apurada pelo IPL 653/2015, Proc. nº 00661447820158260050 - 18ª Vara Criminal do Foro Central Criminal da Barra Funda/SP;

c - apreensão de 200Kg (duzentos quilogramas) de cocaína aos 10.09.2015, apurada pelo IPL 0347/2015 do DEAIN/SR/SP, e;

d - apreensão de € 200.000,00 (duzentos mil euros), em 01.02.2016, apurada pelo IPL 49/2016 - 11 - DELEFIN/SR/DPF/SP.

Mais adiante, foi determinado o desmembramento do feito em relação aos acusados José Esteyman Poveda Cano e Denis Franco Lincoln, com o surgimento do feito de nº 0002246-72.2017.4.03.6104.

O feito de nº 0005901-23.2015.4.03.6104, resultou na condenação de Marcelo Jeronymo Ferreira, Marcos Damião Lincoln, Isabel Cristina Coutinho Franco Lincoln, Hugo Motoki Yoshizumi e Sérgio Raimundo Coutinho Franco pela prática dos crimes previstos no art. 33, caput, c.c. art. 40, I e VII, e no art. 35, caput, c.c. art. 40, I, todos da Lei n° 11.343/06 (tráfico   transnacional de drogas e associação para o tráfico), com o perdimento dos valores em prol da União Federal, nos termos do Art.63 da Lei nº11.343/2006.

Após a regular instrução processual, sobreveio decisão que indeferiu o pedido de restituição do valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros), pelos seguintes fundamentos (ID. 266998731):

(...)

2. Para a restituição de coisas apreendidas é necessário: comprovação da propriedade do bem; ausência de interesse do bem para a condução do inquérito ou da instrução processual e não estar o bem sujeito à pena de perdimento.

3. É letra do art.118 do CPP que, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Preleciona

Júlio Fabbrini Mirabete:

“De acordo com o artigo 118, a contrario sensu, ainda durante o inquérito policial devem ser devolvidas ao interessado as coisas apreendidas que não interessam ao processo. Não havendo dúvidas quanto ao direito do interessado, à requerimento deste a restituição é determinada pela autoridade policial, durante o inquérito, ou pelo juiz, após o encerramento daquele, mediante termo nos autos (art. 120, caput). Também devem ser devolvidas as coisas apreendidas quando a autoridade policial não encontra elementos nas investigações para prosseguir no inquérito por não se configurar na espécie qualquer infração penal. Não sendo essas as hipóteses, as coisas apreendidas só podem ser devolvidas ao lesado, terceiro de boa-fé ou condenado após o trânsito em julgado da sentença.” (Processo Penal. 14. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 231)

4. Nesse passo, é oportuno esclarecer que não se DENIS FRANCO LINCOLN desincumbiu de demonstrar, de forma idônea, a origem dos valores em questão, nem tampouco comprovou a propriedade de € 200.000,00 (duzentos mil euros), apreendidos em seu poder na data de 01/10/2016.

5. Há, ademais, fundados indícios de que os bens sejam, na verdade, produto/proveito de atividades ilícitas (art. 33 a 40, I, c/c arts. 35 e 36 da Lei de Drogas).

Conforme ressalta o Ministério Público Federal, acerca da origem destes valores:

“DENIS prestou as seguintes declarações na ocasião da apreensão (fls 06 do IPL):

(...) QUE não sabe informar o valor total do montante que transportava em euros; QUE, acredita. Que deve haver entre $150.000,00 a $200.000,00 euros; QUE, O declarante é frentista em Guarujá, num Posto de bandeira BOXTER e propriedade de RENAN e DOUGLAS, não sabendo dizer o local exato do posto de abastecimento, nem tampouco seus dados qualificativos; QUE ganha cerca de R$500,00 mensais ; QUE, não foram RENAN ou DOUGLAS que lhe entregaram o montante em euros para trazer a cidade de São Paulo; QUE, RENAN ou DOUGLAS não têm nenhuma relação com o dinheiro transportado; QUE, quem lhe entregou o dinheiro foi a pessoa de MARCOS DAMIAO LINCOLN, pai do declarante; QUE, questionado sobre a orientação que recebeu de seu pai MARCOS DAMIAO, em relação ao destino a ser dado ao dinheiro, disse que foi orientado a entregar a um doleiro, na Praça da República, no Centro da cidade de QUE, O local onde iria entregar o dinheiro e um prédio comercial, que fica no 6° ou 8° andar; QUE, O declarante alega que nunca esteve antes no mesmo local para e entrega de dinheiro; QUE, o declarante disse que segundo seu pai, no andar onde deveria ser entregue o dinheiro, havia um escritório de porta de madeira bem escura; QUE, o declarante, embora não soubesse descrever com exatidão o local, sabe que se trata de um escritório de um doleiro, que não sabe dizer o nome ou qualquer outra identificação; QUE, não sabe informar quantas pessoas trabalham no escritório do doleiro; QUE, quando chegasse no escritório do doleiro, recebeu orientação de seu pai DAMIAO LINCOLN para procurar um velho de cabeça branca e perguntar a ele: "E AI RECEBEU A LIGAÇÃO": QUE, essa ligação para o doleiro seria do pai do declarante; QUE, se a resposta do doleiro fosse afirmativa, O declarante simplesmente entregaria a ele todo o montante que transportava em euro

(...)

MARCOS DAMIÃO LINCONL, pai do requerente, e condenado por tráfico nos Autos 0005901-23.2015.4.03.6104 (Operação Arepa), declarou o seguinte a respeito desse dinheiro apreendido (fls. 38 do IPL):

(...) QUE nesses encontros o declarante tratou com FARIAS a venda de EUR 200.000,00 ; QUE foi acertado que até as 10h da manhã do dia 01/02/2016, o declarante entregaria a FARIAS todo o montante em EUROS e ele ir pagar ao declarante R$ 900.000,00 (novecentos mil reais); QUE ocorre que naquele dia 01/02/2016 O declarante se sentiu mal, por sofrer de diabetes e, por isso, não podia se deslocar de Guarujá a São Paulo; QUE FARIAS alertou o declarante que se o negócio não fosse feito naquele dia iriam perder O câmbio; QUE em razão disso, pediu ao seu filho DENIS que entregasse a FARIAS a mochila; QUE não falou a DENIS que na mochila havia dinheiro; QUE FARIAS soube da apreensão do dinheiro com DENIS, pois, segundo o próprio FARIAS, ele viu a abordagem dos policiais federais;

QUE FARIAS disse que Suspeitou da atitude dos policiais que detiveram DENIS antes da abordagem; QUE FARIAS não conhecia DENIS; QUE combinou com FARIAS que somente quando DENIS entrasse no prédio acompanhado da namorada japonesa ele (FARIAS) subiria em seguida até o 8º andar e, lá, DENIS perguntaria a FARIAS "você recebeu a ligação", de modo que a confirmar a senha e realizar a entrega do dinheiro; QUE disse ao DENIS que FARIAS estaria usando uma boina branca, "estilo jogador de bilhar".

7. Conclui-se, portanto, que a absolvição do requerente não é razão suficiente para lhe atribuir titularidade, nem tampouco conferir origem lícita aos valores por ele transportados, mediante determinação expressa de seus pais e em benefício da organização criminosa por eles constituída, argumento utilizado em sua defesa nos autos n.0002246-72.2017.4.03.6104 (id. 267207643).

8. Verifica-se, assim, que, a questão já foi decidida nos autos da ação penal n.0005901-23.2015.403.6104, os quais foram remetidos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

9. Tais questões impedem portanto, por ora, a restituição pleiteada.

10. Ante o exposto, INDEFIRO O PEDIDO.

11. Encaminhe-se cópia desta decisão ao E. Tribunal Regional Federal para ser juntada aos autos principais (n.0005901-23.2015.403.6104).

Em suas razões recursais (ID. 267931026), a defesa sustenta que o apelante foi absolvido de todas as acusações dos artigos 35 e 36 da lei de drogas, respectivamente, nos termos do artigo 386, VII e V do Código de Processo Penal. Afirma que o Ministério Público não se desincumbiu do seu ônus e não logrou êxito em comprovar que o valor apreendido em poder do apelante é ilícito ou não.

De modo a comprovar a veracidade dos fatos relatados, o apelante apresentou os seguintes documentos:

a. Auto de Apresentação e Apreensão (ID. 266998720);

b. Denúncia (ID. 266998722);

c. Sentença (ID. 266998723);

d. Acórdão (ID. 266998724);

e. Certidão de trânsito (ID. 266998725).

Os bens apreendidos somente podem ser devolvidos a terceiros, se comprovada a presença dos seguintes requisitos: propriedade do bem, licitude da origem do respectivo valor, boa-fé do requerente e sua desvinculação com fatos apurados na ação penal.

Ademais disso, o artigo 91 do Código Penal estabelece acerca dos efeitos da condenação, dentre outras consequências, as que seguem:

"Art. 91. São efeitos da condenação:

(...)

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a- dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

b- do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso."

Noutro giro, há de se acrescentar que a liberação de bens apreendidos, por sua vez, obedece ao disposto nas normas previstas no Código de Processo Penal, particularmente nos artigos 118 e 120, adiante transcritos:

"Art. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo."

"Art. 120. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante."

Também há de se salientar, por ora, que caberá medida assecuratória de sequestro de bens sempre que houver indícios de sua proveniência ilícita, sejam eles próprios ou já transferidos a terceiros, nos termos dos artigos 125 e seguintes do Código de Processo Penal.

Pretende o apelante a restituição de numerário apreendido em seu poder, que se referem ao valor total de € 200.000,00 (duzentos mil euros).

In casu, o recorrente foi investigado no bojo da Operação Arepa pela prática, em tese, dos crimes previstos no art. 35, caput, e art. 36, ambos da Lei nº 11.343/06, c.c. arts. 29 e 69 do Código Penal, tendo sido denunciado nos autos nº 0005901-23.2015.4.03.6104.

Houve o desmembramento do feito, com o surgimento do feito de nº 0002246-72.2017.4.03.6104.

Após a regular instrução processual, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente a denúncia para absolver DENIS FRANCO LINCOLN da prática do crime previsto no artigo 36, da Lei nº 11.343/2006 e condená-lo como incurso nas sanções previstas no artigo 35 da Lei nº 11.343/06, à pena de 03 (três) anos de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 700 (setecentos) dias-multa, no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente ao tempo do crime, considerada a situação econômica do réu, devendo haver a atualização monetária quando da execução, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a ser convertida em favor de entidade pública ou privada com destinação social a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais na residência do condenado e prestações de serviço à comunidade ou à entidade pública.

Nesta Corte Regional, a Quinta Turma afastou as preliminares arguidas pela defesa e, no mérito, deu provimento ao recurso da defesa para absolver DENIS FRANCO LINCOLN da prática do crime do art. 35, caput da Lei nº 11.343/2006, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, e, por fim, negou provimento ao recurso da acusação.

Apesar de a defesa afirmar que o numerário apreendido seria de propriedade do apelante, os elementos constantes nos autos são insuficientes para comprovação da origem lícita de tais valores.  O apelante sustenta, unicamente, que foi absolvido dos crimes que lhe foram imputados, sem qualquer prova que possa embasar sua pretensão, ou seja, os documentos acostados pela defesa foram insuficientes para atestar a origem lícita do montante apreendido. 

Por outro lado, apesar do apelante (Denis Franco Lincoln) ter sido absolvido da prática do crime do art. 35, caput da Lei nº 11.343/2006, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, na hipótese dos autos, ficou comprovado que o mesmo participou de forma eventual do evento criminoso, levando alta quantia de euros do litoral de São Paulo para o centro da cidade de São Paulo, proveniente dos crimes praticados pela organização criminosa, conforme se depreende do voto proferido na apelação criminal nº 0002246-72.2017.4.03.6104 (ID. 266998724) :

No presente caso, verifica-se que DENIS foi denunciado pela prática delitiva, uma vez que foi abordado, em 01.02.2016, quando levava alta quantia em moeda estrangeira do litoral, obtida pela OCRIM com a venda da droga no exterior (Holanda), de São Paulo até o escritório do doleiro Joaquim Teixeira de Carvalho (vulgo "Velhinho") no intuito de trocar por moeda nacional.

Segundo consta dos autos, o apelante é filho de Marcos Damião Lincoln ("Boka") e Isabel Cristina Coutinho Franco Lincoln ("Catita"), que também pertenciam à ORCRIM. DENIS, com 22 (vinte e dois) anos de idade na época dos fatos, atuaria na associação criminosa provendo suporte aos seus pais, sobretudo efetuando câmbio de moeda estrangeira com Joaquim Teixeira de Carvalho, fruto das operações de tráfico de drogas.

Não obstante, ainda que esteja comprovado que o réu estava transportando o alto valor em euros até o doleiro, o qual era provavelmente fruto da prática de tráfico de drogas, não se vislumbra nos autos a demonstração da estabilidade e permanência de DENIS em se associar aos demais integrantes da organização criminosa.

Muito embora ele esteja aparentemente inserido em uma organização criminosa familiar, em que seus pais possivelmente são líderes do esquema criminoso, verifica-se que há demonstração apenas de que DENIS participou do referido fato de forma ocasional e eventual.

Mesmo que o tipo penal não exija para sua configuração a reiteração criminosa, no presente caso não se vislumbra a necessária comprovação do vínculo associativo de DENIS com a organização criminosa, estando a condenação basicamente pautada no fato de que DENIS é filho de outros integrantes.

Vale ressaltar que, em 27 de setembro de 2014, DENIS foi estudar nos Estados Unidos e retornou ao Brasil em 21 de setembro de 2015, em razão do término das aulas e de ter expirado seu visto de estudante, quando já iniciada a investigação da Operação Arepa (29 de abril de 2015) e quando já havia sido apreendida quantidade de 200 (duzentos) quilogramas no Aeroporto Internacional de São Paulo/SP (10 de setembro de 2015) (fl. 1367). 

Mesmo após ter sido surpreendido com o valor em moeda estrangeira, o réu retornou aos Estados Unidos para retomar seus estudos, em 31 de março de 2016, denotando que DENIS FRANCO LINCOLN não atuaria de forma estável no papel de realizar câmbio de moeda estrangeira com Teixeira (velhinho) e financiar o tráfico.

Parece pouco crível que o réu mesmo a distância tenha continuado a financiar o tráfico e auxiliar no transporte de altas quantias para troca de câmbio com doleiros.

Desse modo, entendo que, de fato, está comprovado que DENIS FRANCO LINCOLN participou do referido evento criminoso, levando alta quantia em euros do litoral de São Paulo para o centro da cidade de São Paulo, com a finalidade de trocar por moeda nacional, havendo indícios de que o referido valor era proveniente do tráfico. Contudo, não restou demonstrado nos autos que o réu se associou com os demais integrantes de forma estável e duradoura, aparentando que o evento criminoso apenas ocorreu de forma eventual. 

Ainda, vale ressaltar que para configuração do crime foi utilizada pelo juízo a quo conversa telefônica entre Marcos e DENIS no dia 01 de fevereiro de 2016, a qual transcrevo a seguir:

"MARCOS: Ah, eu escutei um barulho de bla, bla, bla, bla, bla, eu sei lá. Tá bom então. Aí, aí cê fica com ele lá, deixa ele conferir entendeu? Depois cê vem embora, tá bom?

DENIS: Mas, mas eu tô a espera de alguma coisa?

MARCOS: Não.

DENIS: Então, tá bom, então. (...)

MARCOS: Eu vou fazer o seguinte, pede pra ele lá o cinco cruzeiro, entendeu? Cinco" (ID 44819083).

É possível verificar da referida conversa, que Marcos passa orientações para DENIS, indicando que este não tinha o costume de realizar tal tarefa e que necessitava do auxílio de seu pai para entender o que deveria fazer com o dinheiro que estava transportando.

Ademais, destaca-se que as testemunhas, quando descrevem o papel de DENIS FRANCO LINCOLN dentro da organização criminosa, se restringem a mencionar que ele cuidava da parte financeira e que Marcos solicitou que trouxesse a quantia de duzentos mil euros da Baixada Santista até São Paulo/SP, e que levasse o dinheiro para a operação de câmbio com o doleiro Joaquim Teixeira de Carvalho, ou seja, para ser trocada por moeda nacional (mídia de fl. 4.558).

Sendo assim, observa-se que os depoimentos se limitam a destacar a atuação de DENIS no episódio ocorrido em 01.02.2016, não trazendo outros elementos que corroborem que ele se associou aos demais integrantes da organização de forma estável e duradoura.

Por fim, quanto aos argumentos de que DENIS possuía patrimônio não condizente com a situação de estudante, não se pode negar que seus pais também foram denunciados como integrantes da organização criminosa voltada para a prática de tráfico internacional de drogas, apresentados como os líderes do sistema criminoso, de modo que altas quantias eram movimentadas por eles, bem como diversos bens podem ter sido adquiridos com dinheiro ilícito e colocados em nome do réu e de outras pessoas da família com a finalidade de dar aparência de licitude. Há notícia, inclusive, que o veículo Toyota/Etios, placa FHG-3764m CRV 010788259064, estava em seu nome, mas foi apreendido em endereço relacionado ao seu tio Sergio Coutinho Franco, também denunciado no bojo da Operação Arepa, bem como que utilizava veículo BMW1181, placa FCL-5658, em nome da sua tia Mariana Franco Lincoln. 

Destarte, entende-se que, embora demonstrado que DENIS FRANCO LINCOLN tenha atuado em favor de organização criminosa, não há prova suficiente de que essa associação foi feita de forma estável e permanente, requisitos necessários para a configuração do crime, de maneira que deve ser absolvido do delito, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. (grifo meu).

Ademais, ficou bem claro que o apelante não tinha renda suficiente para vir a financiar ou a custear o tráfico de drogas, vez que morou nos Estados Unidos da América,  que estudava e trabalhava como entregador, conforme extrai-se do voto acerca da manutenção da absolvição de Denis Franco Lincoln da imputação da prática do crime tipificado no art. 36, da Lei nº 11.343/2006, com fundamento no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal, na apelação criminal nº 0002246-72.2017.4.03.6104 (ID. 266998724):

DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 36, DA LEI Nº 11.343/2006.

O Ministério Público Federal também interpôs recurso de apelação (fls. 4.842/4.843-vº), requerendo, em síntese, a condenação do réu pela prática do crime previsto no artigo 36, da Lei nº 11.343/2006, pelo qual o acusado absolvido na sentença recorrida.

Sem razão.

Não há provas suficientes nos autos que demonstrem que DENIS tenha praticado o crime de financiar ou custear o tráfico ilícito de drogas.

Pela análise do conjunto probatório não se conclui que o apelante proveu os custos, despesas, gastos, ou tenha fornecido dinheiro ou bens para a prática dos delitos previstos nos arts. 33, "caput" e 34 da Lei nº11.343/2006.

O réu alegou que morou nos Estados Unidos da América e que estudava e trabalhava como entregador, o que foi comprovado pelos documentos acostados aos autos (fls. 4.752/4.754). Por conseguinte, ele não tinha renda suficiente para, posteriormente, vir a financiar ou a custear o tráfico de drogas.

A acusação, por sua vez, não pormenorizou qual seria a conduta criminosa de DENIS, ou seja, não demonstrou como ele agia para dar suporte financeiro ao tráfico de entorpecentes.

Dessa forma, deve ser mantida a absolvição de DENIS FRANCO LINCOLN da imputação da prática do crime tipificado no art. 36, da Lei nº 11.343/2006, com fundamento no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal. (grifo meu)

Por fim, como bem ressaltou o Ministério Público Federal em seu parecer (ID. 269900511 - fls. 12/13):

Conforme bem pontuou o Magistrado, DENIS FRANCO LINCOLN não se desincumbiu de demonstrar, de forma idônea, a origem dos valores em questão, nem tampouco comprovou a propriedade de € 200.000,00 (duzentos mil euros), apreendidos em seu poder na data de 01/10/2016.

Além disso, há fundados indícios de que os bens sejam, na verdade, produto/proveito de atividades ilícitas (art. 33 a 40, I, c/c arts. 35 e 36 da Lei de Drogas), conforme foi revelado nos autos, inclusive pelo próprio DENIS em suas declarações prestadas por ocasião da apreensão:

(...) QUE não sabe informar o valor total do montante que transportava em euros; QUE, acredita. Que deve haver entre $150.000,00 a $200.000,00 euros; QUE, O declarante é frentista em Guarujá, num Posto de bandeira BOXTER e propriedade de RENAN e DOUGLAS, não sabendo dizer o local exato do posto de abastecimento, nem tampouco seus dados qualificativos; QUE ganha cerca de R$500,00 mensais; QUE, não foram RENAN ou DOUGLAS que lhe entregaram o montante em euros para trazer a cidade de São Paulo; QUE, RENAN ou DOUGLAS não têm nenhuma relação com o dinheiro transportado; QUE, quem lhe entregou o dinheiro foi a pessoa de MARCOS DAMIAO LINCOLN, pai do declarante; QUE, questionado sobre a orientação que recebeu de seu pai MARCOS DAMIAO, em relação ao destino a ser dado ao dinheiro, disse que foi orientado a entregar a um doleiro, na Praça da República, no Centro da cidade de São Paulo; QUE, O local onde iria entregar o dinheiro e um prédio comercial, que fica no 6° ou 8° andar; QUE, O declarante alega que nunca esteve antes no mesmo local para e entrega de dinheiro; QUE, o declarante disse que segundo seu pai, no andar onde deveria ser entregue o dinheiro, havia um escritório de porta de madeira bem escura; QUE, o declarante, embora não soubesse descrever com exatidão o local, sabe que se trata de um escritório de um doleiro, que não sabe dizer o nome ou qualquer outra identificação; QUE, não sabe informar quantas pessoas trabalham no escritório do doleiro; QUE, quando chegasse no escritório do doleiro, recebeu orientação de seu pai DAMIAO LINCOLN para procurar um velho de cabeça branca e perguntar a ele: "E AI RECEBEU A LIGAÇÃO": QUE, essa ligação para o doleiro seria do pai do declarante; QUE, se a resposta do doleiro fosse afirmativa, O declarante simplesmente entregaria a ele todo o montante que transportava em euros;

Assim, considerando que o valor apreendido é proveniente dos ilícitos praticados pela ORCRIM, já com pena de perdimento decretada, nos termos do art. 63 da Lei 11.343/2006, não há que se falar em restituição.

Portanto, considerando que tudo indica que o dinheiro apreendido é proveniente de práticas ilícitas, tendo relação direta com os fatos que foram investigados na operação Arepa, que, aliás, já teve a pena de perdimento decretada, torna-se incabível sua restituição.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação.

 É COMO VOTO.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE BEM.  DINHEIRO. NÃO COMPROVAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA DOS VALORES APREENDIDOS. PENA DE PERDIMENTO JÁ DECRETADA. DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE RESTITUIÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. Pretende a apelante a restituição atualizada do montante apreendido em poder do requerente no dia 01.10.2016, no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros).

2. Os bens apreendidos em sequestro somente podem ser devolvidos a terceiros se comprovada a presença (cumulativa) dos seguintes requisitos:  propriedade do bem, licitude da origem do valor do bem, boa-fé do requerente e desvinculação com fatos apurados na ação penal.

3. A origem lícita do numerário apreendido não restou cabalmente demonstrada.

4. Apesar do apelante (Denis Franco Lincoln) ter sido absolvido da prática do crime do art. 35, caput da Lei nº 11.343/2006, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, na hipótese dos autos, ficou comprovado que o mesmo participou de forma eventual do evento criminoso, levando alta quantia de euros do litoral de São Paulo para o centro da cidade de São Paulo, proveniente dos crimes praticados pela organização criminosa, conforme se depreende do voto proferido na apelação criminal nº 0002246-72.2017.4.03.6104.

5. Ficou bem claro que o apelante não tinha renda suficiente para vir a financiar ou a custear o tráfico de drogas, conforme extrai-se do trecho do voto esclarecedor acerca da manutenção da absolvição de Denis Franco Lincoln da imputação da prática do crime tipificado no art. 36, da Lei nº 11.343/2006, com fundamento no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal, na apelação criminal nº 0002246-72.2017.4.03.6104.

6. Considerando que tudo indica que o dinheiro apreendido é proveniente de práticas ilícitas, tendo relação direta com os fatos que foram investigados na operação Arepa, que, aliás, já teve a pena de perdimento decretada, torna-se incabível sua restituição.

7. Apelação desprovida.

 

  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.