Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001308-96.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: PAULO JOSE DE SOUSA CARVALHO, ALESSANDRA MARTINS

Advogado do(a) APELANTE: ELIEL SANTOS JACINTHO - RJ59663-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, RODRIGO MARQUES DA COSTA PEREIRA, DANIELA AKEMI SAITO DE SOUZA
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: RICARDO AVELINO MESQUITA DOS SANTOS - SP256550-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001308-96.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: PAULO JOSE DE SOUSA CARVALHO, ALESSANDRA MARTINS

Advogado do(a) APELANTE: ELIEL SANTOS JACINTHO - RJ59663-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, RODRIGO MARQUES DA COSTA PEREIRA, DANIELA AKEMI SAITO DE SOUZA
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: RICARDO AVELINO MESQUITA DOS SANTOS - SP256550-A

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação à sentença de improcedência em ação de anulação de execução extrajudicial de garantia fiduciária, prevista na Lei 9.514/1997, fixada verba honorária de 15% do valor atualizado da causa, rateado em favor dos demandados, suspensa a exigibilidade, nos termos do artigo 98, § 3º, CPC.

Alegou-se que: (1) não houve a necessária intimação pessoal dos apelantes sobre as datas dos leilões, que tiveram conhecimento por intermédio de terceiro; (2) o devedor pode purgar a mora até a arrematação, o que ocorre com o pagamento dos valores atrasados, com juros e correção monetária, mas não com inclusão do saldo devedor, sendo equivocado o entendimento de que o saldo devedor deve ser exigido após a consolidação da propriedade; (3) qualquer vício na execução extrajudicial gera a anulação desde o início; (4) o desrespeito ao procedimento para execução extrajudicial ofende aos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da legalidade, da isonomia, boa-fé objetiva e razoabilidade, além de gerar enriquecimento ilícito; (5) é relevante que o prazo para purgação da mora seja razoável; e (6) o contrato foi realizado antes da vigência da lei 13.645/2017, de maneira que esta não deve ser aplicada.

Houve contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 


 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001308-96.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: PAULO JOSE DE SOUSA CARVALHO, ALESSANDRA MARTINS

Advogado do(a) APELANTE: ELIEL SANTOS JACINTHO - RJ59663-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, RODRIGO MARQUES DA COSTA PEREIRA, DANIELA AKEMI SAITO DE SOUZA
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: RICARDO AVELINO MESQUITA DOS SANTOS - SP256550-A

 

 

 

 

 V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, discute-se contrato de cédula de crédito bancário, envolvendo, centralmente, a aplicabilidade de alterações à Lei 9.514/1997 advindas da Lei 13.465/2017, destacadamente nos casos de garantia por alienação fiduciária de coisa imóvel.

O novo diploma legal especificou regras a respeito da condução do procedimento da execução extrajudicial da caução, promovida pelo credor fiduciário na eventualidade de inadimplemento do contrato celebrado com o devedor. Tais definições afastaram a aplicação subsidiária, até então cabível e sedimentada, do Decreto-lei 70/1966 a tais casos (a partir da modificação da redação do artigo 39 da Lei 9.514/1997, de modo que, presentemente, tal decreto-lei é aplicável, apenas e em partes, a contratos com garantia hipotecária, sob a égide do SFI).

A validade da execução extrajudicial, objeto do Decreto-lei 70/1966, foi há muito pacificada na jurisprudência, inclusive em regime de repercussão geral:

 

RE 627.106, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 14/06/2021: “Direito processual civil e constitucional. sistema financeiro da habitação. Decreto-lei nº 70/66. Execução extrajudicial. Normas recepcionadas pela Constituição Federal de 1988. Precedentes. Recurso extraordinário não provido. 1. O procedimento de execução extrajudicial previsto pelo Decreto-Lei nº 70/66 não é realizado de forma aleatória, uma vez que se submete a efetivo controle judicial em ao menos uma de suas fases, pois o devedor é intimado a acompanhá-lo e pode lançar mão de recursos judiciais se irregularidades vierem a ocorrer durante seu trâmite. 2. Bem por isso, há muito a jurisprudência da Suprema Corte tem estabelecido que as normas constantes do Decreto-lei nº 70/66, a disciplinar a execução extrajudicial, foram devidamente recepcionadas pela Constituição Federal de 1988. 3. Recurso extraordinário não provido, propondo-se a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “É constitucional, pois foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o procedimento de execução extrajudicial previsto no Decreto-lei nº 70/66”.”

 

Embora afetada a questão da constitucionalidade da execução extrajudicial da Lei 9.514/1997 no RE 860.631 (Tema 982) para solução definitiva da controvérsia, é firme a orientação desta Corte no sentido da validade do procedimento adotado no regime do Sistema Financeiro Imobiliário, a teor do que revela, entre outros, o seguinte julgado:

 

ApCiv 5006923-13.2019.4.03.6000, Rel. Juiz Conv. RENATO BECHO, DJEN 17/04/2023: “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. LEILÕES. REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO. INEXISTÊNCIA DE ALIENAÇÃO POR PREÇO VIL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. De início, impõe-se o afastamento, de plano, da inconstitucionalidade da execução extrajudicial prevista pela Lei n. 9.514/97 a semelhança do que ocorre com a execução extrajudicial de que trata o Decreto-lei n. 70/66 - de há muito declarada constitucional pelo STF. 2. O contrato de financiamento em questão foi firmado nos moldes da Lei n. 9.514/97, com alienação fiduciária em garantia, cujo regime de satisfação da obrigação (artigos 26 e seguintes) diverge dos mútuos firmados com garantia hipotecária. A impontualidade na obrigação do pagamento das prestações pelo mutuário acarreta o vencimento antecipado da dívida e a imediata consolidação da propriedade em nome da instituição financeira. 3. Assim sendo, estando consolidado o registro não é possível que se impeça a apelada de exercer o direito de dispor do bem, que é consequência direta do direito de propriedade que lhe advém do registro. 4. Uma vez consolidada a propriedade pelo credor fiduciário, resta ao devedor adimplir o valor integral do contrato pendente de pagamento, qual seja, as parcelas vencidas e as vincendas, sendo certo que com o inadimplemento das prestações dá-se o vencimento antecipado do contrato e, consequentemente, o pagamento deve englobar o valor total da dívida e não somente o montante até então não pago. 5. A Lei nº 13.465, de 11/07/2017, afastou qualquer dúvida nesse sentido ao introduzir na Lei nº 9.514/97 o art. 26-A e o § 2º-B no art. 27. As alterações promovidas na Lei n.º 9.514/97 objetivaram esclarecer os recorrentes questionamentos acerca do momento em que se mostra possível o pagamento somente das parcelas em atraso, com a continuidade do contrato (art. 26-A, §§ 1º e 2º), bem como o marco, a partir do qual, o fiduciante tem o direito de adquirir definitivamente o imóvel (art. 27, § 2º-B), desde que pague o valor integral do contrato e demais despesas decorrentes da consolidação da propriedade. 6. Esse, por certo, já era o espírito originário da Lei nº 9.514/97, que agora, com a supressão das lacunas existentes em seu texto, as quais davam azo às mais diversas espécies de questionamentos, expressa de forma objetiva as possibilidades de pagamento e respectivos marcos temporais. 7. Portanto, na hipótese dos autos, tendo a ciência inequívoca do procedimento extrajudicial, e não negando a mora, caberia à ora apelante purgá-la, ou ao menos depositar, em Juízo, o valor do débito. Não tendo assim procedido, resta reconhecer a validade da consolidação da propriedade em nome da credora fiduciária. Após a consolidação, caberia à apelante exercer a opção de pagamento integral da dívida, o que não ocorreu. 8. Saliento, por oportuno, que a notificação por edital é plenamente válida após as tentativas infrutíferas de encontrar a apelante no endereço por ela fornecido à instituição bancária. (...) 14. Apelação não provida.”

 

Estabelecida a higidez jurídica do procedimento de execução extrajudicial, questões nodais referentes às modificações legislativas ocorridas foram objeto de construção jurisprudencial.

Assim é que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, após a promulgação da Lei 13.465/2017, a purgação da mora e convalescença do contrato é possível apenas se anterior à averbação de consolidação da propriedade resolúvel em nome do credor fiduciário, diversamente do que ocorria no regime anterior em que, por aplicação de regra do Decreto-lei 70/1966 (artigo 34), a purgação da mora era possível até a assinatura do auto de arrematação.

Portanto, no ordenamento vigente, uma vez que já esteja consolidada a propriedade resolúvel em nome do credor fiduciário, o devedor fiduciante detém apenas preferência de aquisição do imóvel, pela totalidade do saldo devedor (valor remanescente do débito financiado acrescido dos encargos e despesas previstos na Lei 9.514/1997).

Nesta linha o seguinte precedente:

 

REsp 2.007.941, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 16/2/2023: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI Nº 13.465/2017. DIREITO DE PREFERÊNCIA. 1. Ação anulatória de ato jurídico ajuizada em 19/02/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 28/03/2022 e atribuído ao gabinete em 04/07/2022. 2. O propósito recursal consiste em decidir acerca da possibilidade de o mutuário efetuar a purgação da mora, em contrato garantido por alienação fiduciária de bem imóvel, após a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário. 3. De acordo com a jurisprudência do STJ, antes da edição da Lei nº 16.465/2017, a purgação da mora era admitida no prazo de 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997 ou, a qualquer tempo, até a assinatura do auto de arrematação do imóvel, com base no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966, aplicado subsidiariamente às operações de financiamento imobiliário relativas à Lei nº 9.514/1997. Precedentes. 4. Após a edição da Lei nº 13.465, de 11/7/2017, que incluiu o § 2º-B no art. 27 da Lei nº 9.514/1997, assegurando o direito de preferência ao devedor fiduciante na aquisição do imóvel objeto de garantia fiduciária, a ser exercido após a consolidação da propriedade e até a data em que realizado o segundo leilão, a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.649.595/RS, em 13/10/2020, se posicionou no sentido de que, "com a entrada em vigor da nova lei, não mais se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do fiduciário", mas sim o exercício do direito de preferência para adquirir o imóvel objeto da propriedade fiduciária, previsto no mencionado art. 27, § 2º-B, da Lei nº 9.514/1997. 5. Na oportunidade, ficou assentada a aplicação da Lei nº 13.465/2017 aos contratos anteriores à sua edição, considerando, ao invés da data da contratação, a data da consolidação da propriedade e da purga da mora como elementos condicionantes, nos seguintes termos: "i) antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, nas situações em que já consolidada a propriedade e purgada a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (ato jurídico perfeito), impõe-se o desfazimento do ato de consolidação, com a consequente retomada do contrato de financiamento imobiliário; ii) a partir da entrada em vigor da lei nova, nas situações em que consolidada a propriedade, mas não purgada a mora, é assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência previsto no § 2º-B do art. 27 da Lei n. 9.514/1997" (REsp 1.649.595/RS, Terceira Turma, julgado em 13/10/2020, DJe de 16/10/2020). 6. Hipótese dos autos em que a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário ocorreu após a entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017, razão pela qual não há que falar em possibilidade de o devedor purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, ficando assegurado apenas o exercício do direito de preferência para adquirir o imóvel objeto da propriedade fiduciária. 7. Recurso especial conhecido e não provido."

 

Percebe-se que tal orientação abrange, inclusive, questão de direito intertemporal, relativa aos casos em que a promulgação da Lei 13.465/2017 ocorreu após a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, porém antes da purgação da mora (ou tentativa desta).

A despeito do entendimento de que lei nova não poderia atingir expectativa do devedor fiduciante de purgação da  mora, mesmo depois da consolidação da propriedade, até antes da assinatura do auto de arrematação, a Corte Superior firmou interpretação no sentido de que, vigente a nova lei, não é mais possível purgar a mora independentemente do momento em que anteriormente ocorrida a consolidação da propriedade fiduciária, aplicando-se, portanto, imediatamente a lei nova em relação a atos ainda não praticados sob a vigência da anterior legislação. 

Logo, segundo o direito federal interpretado pela Corte Superior, uma vez que consolidada a propriedade em nome do credor apenas cabe discutir eventual nulidade ou ilegalidade de atos do procedimento de execução extrajudicial, inclusive do leilão em detrimento do devedor fiduciante. 

Neste quadrante, temática frequentemente tratada em demandas na Justiça Federal envolve aspectos atinentes, por exemplo, à notificação de atos no âmbito do procedimento extrajudicial.

A propósito, a jurisprudência da Corte destaca que, à luz da Lei 13.465/2017, somente é obrigatória dar ciência pessoal ao devedor fiduciante da abertura do prazo para purgar a mora, que pode, porém, ser realizada por edital se o devedor estiver em local incerto ou não sabido, conforme previsto no artigo 26, § 4.º da Lei 9.514/1997. A informação a respeito das datas, locais e horários dos leilões de alienação do imóvel, diversamente, pode ser feita por correspondência, nos termos do artigo 27, § 2º-A, da Lei 9.514/1997.

Ilustrativamente:

 

ApCiv 0003736-13.2015.4.03.6133, Rel. Des. Fed. VALDECI DOS SANTOS, DJEN 18/04/2023: “CIVIL. PROCESSO CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL EM GARANTIA. SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. LEI 9.514/97. CONSTITUCIONALIDADE. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. APELAÇÃO IMPROVIDA. I - As razões pelas quais se considera regular a consolidação da propriedade pelo rito da Lei 9.514/97 são semelhantes àquelas que fundamentam a regularidade da execução extrajudicial pelo Decreto-lei 70/66. Ademais, o artigo 39, I da Lei 9.514/97 faz expressa referência aos artigos 29 a 41 do Decreto-lei 70/66, com a ressalva de que a posição do mutuário na alienação fiduciária em garantia é mais precária que na hipoteca. Por essa razão, no âmbito do SFH e do SFI, as discussões em torno da execução extrajudicial pelos referidos diplomas legais se confundem. II - Ainda que respeitável a tese da inconstitucionalidade do rito previsto pelo Decreto-lei 70/66, salvo em casos limites, a presunção é de constitucionalidade das normas integrantes do ordenamento jurídico. O procedimento próprio previsto pelo decreto-lei em questão garante ao devedor a defesa de seus interesses ao prever a notificação para a purgação da mora (artigo 31, § 1º), não sendo incomum, mesmo nessa fase, que o credor proceda à renegociação das dívidas de seus mutuários, ainda que não tenha o dever de assim proceder. No mesmo sentido é o artigo 26, caput e §§ 1º, 2º e 3º da Lei 9.514/97. III - Não é negado ao devedor o direito de postular perante o Poder Judiciário a revisão do contrato e a consignação em pagamento antes do inadimplemento, ou, mesmo com a execução em curso, o direito de apontar irregularidades na observância do procedimento em questão que tenham inviabilizado a sua oportunidade de purgar a mora. IV - Em razão disso, entendo que o referido decreto-lei é compatível com as normas constitucionais que tratam do devido processo legal. Ademais, a matéria é objeto de ampla e pacífica jurisprudência nesta Corte, em consonância com o entendimento ainda dominante no Supremo Tribunal Federal, segundo o qual o Decreto-lei 70/66 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. A matéria foi objeto de julgamento com repercussão geral no RE 627.106, tema 249, fixando a seguinte tese: "É constitucional, pois foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o procedimento de execução extrajudicial, previsto no Decreto-lei nº 70/66". V - No tocante ao regramento do Decreto-lei 70/66, é corriqueira a alegação de irregularidade na execução em virtude da escolha unilateral do agente fiduciário pela mutuante, a qual, todavia, não se baseia em previsão legal ou contratual, contrariando o disposto nos artigos 29, 30, caput, inciso I e §§ 1º e 2º do Decreto-lei 70/66. VI - A exigência de intimação pessoal se restringe ao momento de purgação da mora, não se aplicando às demais fases do procedimento. Mesmo nesta hipótese, quando o devedor se encontrar em lugar incerto ou não sabido, é possível a notificação por edital, nos termos do artigo 31, § 2º do Decreto-lei 70/66 e artigo 26, § 4º da Lei 9.514/97. VII - Desde a aprovação da Lei 13.465/17, se houver suspeita motivada de ocultação, há ainda a possibilidade de intimação por hora certa por meio de qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho ou funcionário da portaria (art. 26, § 3º-A e § 3º-B da Lei 9.514/97). VIII - A partir da mesma Lei 13.465/17, quanto às datas, horários e locais de realização dos leilões, há apenas previsão de comunicação do devedor por meio do envio de correspondência aos endereços constantes do contrato mensagem por endereço eletrônico (art. 27, § 2º-A da Lei 9.514/97), não se cogitando a necessidade de intimação pessoal. IX - É de se salientar que o pedido de suspensão ou anulação de atos relativos ao procedimento de execução extrajudicial com base em irregularidades procedimentais deve ser acompanhado da demonstração pelo devedor de que foi frustrada a sua intenção de purgar a mora, a qual permitiria o prosseguimento regular da relação obrigacional. Em outras palavras, cabe ao devedor que pretende anular a execução extrajudicial comprovar que efetivamente tem condições de purgar a mora. X - A mera existência de ação revisional não garante a suspensão da execução pelas regras do Decreto-lei 70/66, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, assentou que, para tanto, a discussão deve se fundar em jurisprudência consolidada do STF ou STJ (fumus boni iuris). Estes mesmos critérios valem para a proibição da inscrição/manutenção dos nomes dos mutuários em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, sendo necessário, ainda, o depósito da parcela incontroversa ou de caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. XI - A execução ficará suspensa, bem como a possibilidade de incluir o nome dos mutuários em cadastro de proteção ao crédito, no entanto, se existir decisão, notadamente se constituir título executivo judicial, prevendo a revisão de cláusulas do contrato ou que reconheça a sua aplicação irregular. A suspensão nessas condições tem o intuito de garantir a eficácia da decisão e proteger a coisa julgada, quando for o caso. XII - A inadimplência do devedor que passa por dificuldades financeiras, quando não há qualquer pedido que possa implicar na revisão da dívida, não é fundamento suficiente para obstar o vencimento antecipado da dívida ou a consolidação da propriedade fiduciária, razão pela qual o prosseguimento da execução prevista na Lei 9.514/97 representa exercício regular de direito pelo credor, que não está obrigado a renegociar a dívida.  XIII - A purgação da mora após a consolidação da propriedade só é possível se o ato em questão foi realizado antes do advento da Lei 13.465/17. Após o início da sua vigência, por outro lado, só resta ao devedor o exercício do direito de preferência que consiste na quitação da dívida em toda sua extensão antes da arrematação do imóvel por terceiros. XIV - Há que se destacar, na hipótese de execução da dívida, que nada impede que a parte autora zele para que não ocorra arrematação por preço vil, protegendo seu patrimônio e evitando o enriquecimento ilícito da instituição credora. No caso dos autos, não houve arguição ou demonstração de conduta ilícita nesse sentido. XV - Caso em que, mesmo após intimadas especificamente para apresentar matrícula atualizada do imóvel e documentação dos atos que compõem o procedimento previsto pela Lei 9.514/97, as partes quedaram-se inertes, o que sugere que o procedimento ainda encontrava-se em sua fase inicial quando do ajuizamento da ação, não comprovada nenhuma conduta ilícita da parte Ré. XVI - Apelação improvida. Honorários majorados.”

 

ApCiv 0000624-89.2016.4.03.6007, Rel. Juiz Conv. RENATO BECHO, DJEN 19/04/2023: "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. NULIDADE DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL QUE SE RECONHECE. INTIMAÇÃO PESSOAL PARA PURGAÇÃO DA MORA. FALTA DE DILIGÊNCIAS NO ENDEREÇO INDICADO NO CONTRATO. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL. IRREGULARIDADE.VIOLAÇÃO DO ART. 26, §4º DA LEI 9.514/97. 1. A propriedade dos imóveis objetos do contrato de financiamento imobiliário consolidou-se em favor da fiduciária Caixa Econômica Federal. O Cartório de Registro de Imóveis e Anexos de Coxim/MS notificou os devedores em endereço diverso do estabelecido em contrato. 2. Outros endereços que constavam na Notificação Extrajudicial expedida pelo mesmo Cartório também não foram diligenciados. 3. A intimação dos devedores foi realizada por Edital, todavia, o artigo 26, § 4.º da Lei 9.514/97 prevê sua realização quando o devedor se encontrar em local incerto ou não sabido, o que não ocorreu no caso dos autos porque não foram realizadas tentativas de intimação em todos os endereços fornecidos pela CEF, sendo, portanto, irregular. 4. Não se infirmam os fundamentos da sentença ao aduzir que "não exauridos os meios possíveis de localização dos autores, consoante dispõe a Lei n. 9.517/97, entendo pela irregularidade na intimação editalícia dos devedores, razão pela qual não restou devidamente constituída a mora, e nula a consolidação da propriedade do bem para o réu, bem como os atos posteriores". 5. Recurso desprovido."

 

Ademais, a jurisprudência da Corte condiciona a declaração de nulidade de atos no curso do procedimento executivo extrajudicial à demonstração de efetivo prejuízo ao devedor fiduciante. 

Neste sentido, exemplifica-se que mera alegação de falta de notificação de leilão não macula por si o ato ou todo o procedimento sem prova de que o devedor fiduciante pretendia purgar a mora (na égide anterior à Lei 13.465/2017) ou exercer direito de preferência garantido legalmente (na sistemática vigente). Igual conclusão é alcançada na hipótese em que a prova dos autos demonstra que, apesar da omissão de notificação, o devedor fiduciante teve ciência do praceamento em tempo hábil para intervir.

A propósito:

 

AI 5029060-39.2022.4.03.0000, Rel. Des. Fed. CARLOS FRANCISCO, DJEN 27/04/2023: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.514/1997. REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO. DIFICULDADES FINANCEIRAS. PRAZO PARA PURGAÇÃO DA MORA RESPEITADO. - São constitucionais e válidos os contratos firmados conforme a Lei nº 9.514/1997, pois se assentam em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de negociar, notadamente com equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com publicidade de atos e possibilidade de defesa de interesses, inexistindo violação a primados jurídicos (inclusive de defesa do consumidor). - Quanto ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõem sobre formalidades que asseguram informação do estágio contratual. Esse procedimento é motivado pela necessária eficácia de políticas públicas que vão ao encontro da proteção do direito fundamental à moradia e do Estado de Direito, e não exclui casos específicos da apreciação pelo Poder Judiciário. Precedentes do E.STJ e deste C.TRF da 3ª Região. - Dificuldades financeiras não são motivos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntária e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando inadimplência por esse motivo, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado entre as partes. - Foi realizado o procedimento disciplinado no art. 26 da Lei nº 9.514/1997 em face do devedor fiduciante, sem que houvesse a purgação da mora, razão pela qual a propriedade restou consolidada em favor da credora fiduciária. - Pelas dinâmicas naturais de tempo, o ajuizamento de ação dias antes da realização de leilão induz à clara conclusão de a parte ter tido plena ciência desse ato em tempo hábil ao exercício de seu eventual direito (de purgação da mora ou de preferência). Nesses casos, o propósito material da comunicação prévia resta devidamente comprovado, razão pela qual a juntada aos autos do documento correspondente pode ser dispensada em favor da coerente avaliação do conjunto argumentativo e probatório. - Essa é a orientação do E.STJ para casos nos quais os devedores demonstram que tiveram ciência inequívoca da data, hora e local do leilão, ingressando com ação para suspensão da praça, de modo a indicar a inexistência de prejuízo (brocardo pas de nullité sans grief). - Este E.TRF da 3ª Região tem firme entendimento no sentido de que, caso já arrematado o bem por terceiro de boa-fé (ainda que o devedor-fiduciante tenha manifestado intenção de pagamento da quantia devida, sem contudo, implementá-la), a purgação da mora não será mais possível em razão dos prejuízos que poderia sofrer o arrematante do imóvel (que deve compor a lide como litisconsorte passivo necessário). - Assim, não há ilegalidade na forma a ser utilizada para satisfação dos direitos da credora fiduciária, sendo inadmissível obstá-la de promover atos expropriatórios ou de venda, sob pena de ofender ao disposto nos artigos 26 e 27, da Lei nº 9.514/1997. - Agravo de instrumento provido.”

 

AI 5020707-10.2022.4.03.0000, Rel. Des. Fed. VALDECI DOS SANTOS, DJEN 03/11/2022: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. LEI 9514/97. PROBABILIDADE DO DIREITO NÃO DEMONSTRADA. RECURSO DESPROVIDO. I. No caso dos autos, o agravante requer a suspensão do procedimento de execução extrajudicial da Lei 9.514/97, sob o fundamento de que não foi notificado das datas dos leilões extrajudiciais. II. É de se salientar que o pedido de suspensão ou anulação de atos relativos ao procedimento de execução extrajudicial com base em irregularidades procedimentais deve ser acompanhado da demonstração pelo devedor de que foi frustrada a sua intenção de purgar a mora, a qual permitiria o prosseguimento regular da relação obrigacional. Mesmo porque, a possibilidade de purgar a mora não pode servir de fundamento para que o devedor, conscientemente, postergue o adimplemento da dívida, de maneira que exorbite à razoabilidade. III. Assim sendo, em um exame sumário dos fatos adequado a esta fase processual, a parte agravante não logrou êxito em provar as alegadas irregularidades no procedimento de execução extrajudicial, que ensejariam na sua suspensão. IV. Compulsando os autos, verifica-se que houve a consolidação da propriedade em novembro/2021. Não há informações de que a parte tenha realizado depósitos em juízo ou efetuado diretamente o pagamento das parcelas em atraso à instituição financeira, o que demonstraria sua intenção na continuidade do contrato. V. Quanto à designação de leilão, a partir da Lei n.°13.465/2017, publicada em 12/07/2017, restou inserida, na Lei n.°9.514/97, disposição quanto à necessidade de comunicação dos leilões ao devedor, nos termos do art. 27, §2°-A, in verbis: Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. § 1o  Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes.     (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017) § 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais. § 2o-A.  Para os fins do disposto nos §§ 1o e 2o deste artigo, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.    (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017) § 2o-B.  Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.    (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017) § 3º Para os fins do disposto neste artigo, entende-se por: I - dívida: o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do leilão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais; II - despesas: a soma das importâncias correspondentes aos encargos e custas de intimação e as necessárias à realização do público leilão, nestas compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro. IV. Todavia, de acordo com referidos dispositivos, depreende-se que a intimação ao devedor não mais se destina à purgação da mora, conforme entendimento firmado sob a égide legal anterior, mas tão somente para exercer seu "direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel" (§2°-B). V. In casu, verifica-se que o vício alegado pelo agravante no procedimento de execução extrajudicial refere-se justamente à ausência de notificação das datas dos leilões do imóvel nos termos da Lei 9.514/97. Ocorre que, o agravante não comprovou a intenção de exercer o direito de preferência, eis que não informou o montante devido e sequer realizou os depósitos. Portanto, a simples alegação de irregularidades no procedimento, sem qualquer comprovação de prejuízo à parte, não apresenta os requisitos necessários para a concessão da medida pleiteada. VI. Agravo de instrumento desprovido.”

 

AI 5014759-87.2022.4.03.0000, Re. Des. Fed. WILSON ZAUHY, DJEN 07/11/2022: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSOLIDAÇÃO DE PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA E ALIENAÇÃO. PROCEDIMENTO DA LEI Nº 9.514/97. LEGALIDADE. CONSTITUCIONALIDADE. NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO DO MUTUÁRIO PARA PURGAÇÃO DA MORA. CONSOLIDAÇÃO LEVADA A CABO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. VALIDADE. LEILÃO DO IMÓVEL APÓS A CONSOLIDAÇÃO. NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR. AUSÊNCIA DE PREJUÍZOS AO AGRAVANTE. PURGAÇÃO DA MORA OU DIREITO DE PREFERÊNCIA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE APÓS 12/07/2017. APLICABILIDADE APENAS DO DIREITO DE PREFERÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Trata-se de recurso em que se discutem procedimentos de consolidação de propriedade imobiliária e sua alienação, com fundamento em contrato de alienação fiduciária, celebrado segundo as regras da Lei nº 9.514/97. 2. O procedimento previsto pela Lei nº 9.514/97 não se reveste de qualquer nódoa de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, como pretende a parte recorrente. 3. Para que a consolidação da propriedade em nome da instituição financeira ocorra de maneira válida, é imperioso que seja observado procedimento cuidadosamente especificado pela normativa aplicável, em especial a previsão contida no artigo 26, §§ 1º e 3º da Lei nº 9.514/97, que estabelece que os mutuários devem ser notificados pessoalmente para purgar a mora no prazo de quinze dias. 4. No caso concreto, verifico que consta da matrícula do imóvel - documento que goza de boa-fé e não foi infirmado pelo agravante - que "os fiduciantes GILMAR MARQUES DE SOUZA, e seu cônjuge, DENISE PEREIRA MARINHO DE SOUZA, também já qualificados, foram intimados para satisfazerem, no prazo de quinze dias, as prestações vencidas e as que vencessem até a data do pagamento, assim como os demais encargos, sem que tenham purgado a mora". 5. Não se verifica nenhuma mácula que torne inválida a consolidação da propriedade imobiliária, levada a cabo pela instituição financeira credora. 6. No tocante ao leilão do imóvel promovido após a consolidação da propriedade, a Lei nº 9.514/97, do mesmo modo, é clara ao dispor acerca da necessidade de comunicação ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico, sobre a realização da venda a terceiros. 7. A inclusão do § 2º-A, ao artigo 27, da Lei n. 9.514/97, que passou a determinar a notificação do devedor acerca das datas, horários e locais dos leilões, no art. 27 da Lei nº 9.514/97, somente se deu por ocasião da edição da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. 8. O entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, anteriormente à alteração legislativa, já era no sentido de que "nos contratos de alienação fiduciária regidos pela Lei nº 9.514/97, ainda que realizada a regular notificação do devedor para a purgação da mora, é indispensável a sua renovação por ocasião da alienação em hasta extrajudicial" (in AREsp nº 1.032.835-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, publicado no DJ 22.03.17). 9. No caso dos autos, muito embora a agravada nada tenha comprovado na contestação apresentada na origem, verifico que o imóvel em debate não foi arrematado nos dois leilões realizados. Nestas condições, ainda que não tenha sido comprovada a notificação quanto aos leilões realizados, verifico que eventual irregularidade no procedimento de execução extrajudicial não acarretou prejuízos ao agravante. (...) 14. No caso em análise, verifico que a consolidação da propriedade em nome da instituição financeira foi averbada na matrícula do imóvel em 09.08.2021, ou seja, depois da vigência do § 2º-B do artigo 27 da Lei nº 9.514/97, resguardado, portanto, aos mutuários apenas o direito de preferência. 15. Nestas condições, não há que se falar no pagamento do valor do débito, tampouco em "reabrir o contrato firmado entre as partes, bem como prosseguir com o devido pagamento" como pretende o agravante, tendo em vista que os elementos carreados aos autos revelam a possibilidade de exercer apenas o direito de preferência, nos termos do artigo 27, § 2º-B da Lei nº 9.514/97. 16. Agravo desprovido.”

 

Na espécie, consta que a empresa Arte da Sorte Loterias LTDA-ME realizou contrato de Cédula de Crédito Bancário 16.2780.690.0000043-24, em 25/03/2015, com valor de R$ 198.000,00, com 96 prestações mensais, e os autores alienaram fiduciariamente à CEF o imóvel em discussão (matrícula 61.496 do 3º CRI de São Paulo), avaliado em R$ 1.509.817,20 (ID 278989749, f. 3/4), sendo consolidada a propriedade em 22/08/2019.

Os devedores fiduciantes alegaram que não houve notificação pessoal do edital de leilão do imóvel, o que, porém, como exposto, não tem amparo na Lei 9.514/1997, sendo suficiente, ao contrário, notificação por correspondência (artigo 27, § 2º-A, da Lei 9.514/1997), conforme realizado nos autos, e descrito na certidão de matrícula do imóvel (ID 278990047).

De mais a mais, ainda que se quisesse cogitar de inversão do ônus da prova para que a apelada provasse que remeteu a correspondência devida, é certo que os apelantes tiveram ciência do leilão anteriormente à respectiva realização como foi expresso em confirmar o teor da inicial, distribuída antes do praceamento, não tendo demonstrado, ademais, qualquer intento concreto de exercer direito de preferência garantido legalmente, ou participar do leilão sob qualquer aspecto, sendo tais condicionantes essenciais ao reconhecimento do direito aventado, o que atesta, portanto, ser inviável a reforma da sentença. 

Pela sucumbência recursal, a parte apelante deve suportar condenação adicional, nos termos do artigo 85, § 11, CPC, no equivalente a 5% do valor da causa atualizado, a ser acrescida à sucumbência fixada pela sentença pelo decaimento na instância de origem, com suspensão da respectiva exigibilidade, nos termos do artigo 98, § 3º, CPC.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.


Autos n. 5001308-96.2020.4.03.6100

 

 

 

Egrégia Turma, 

 

Acompanho o voto do e. relator, fazendo, todavia, uma ressalva de fundamentação. 

Com efeito, não comungo com o entendimento segundo o qual a lei material possa retroagir para alcançar contratos anteriormente celebrados. A garantia constitucional da segurança jurídica, traduzida, no caso, pelo respeito ao ato jurídico perfeito, conduz à conclusão de que a lei material aplicável é, sempre, aquela vigente ao tempo do ajuste de vontades. 

Assim, se a lei vigente ao tempo em que o contrato foi firmado garantia a possibilidade de purgação da mora até a arrematação do bem, não é possível aplicar lei nova que, subtraindo tal direito, assegura ao devedor apenas a preferência para a reaquisição do bem. 

No caso concreto, porém, essa questão resta prejudicada, na medida em que os autores não postulam o direito à purgação da mora. Lendo-se a petição inicial, verifica-se, essencialmente, que eles buscam a declaração de nulidade do procedimento extrajudicial porque não teriam sido pessoalmente notificados da data da realização do leilão.

Ocorre que a demanda foi ajuizada antes mesmo da realização do leilão e na petição inicial os autores revelam ter pleno conhecimento da respectiva data.

Nesse cenário, não tem o menor sentido em reconhecer o apontado vício formal, porquanto a finalidade da notificação pessoal seria exatamente lhes dar conhecimento acerca da data do leilão para que pudessem exercer seus eventuais direitos.

Ante o exposto, apenas com a supramencionada ressalva concernente à aplicabilidade da lei material no tempo, acompanho o voto do e. relator. 

 

Nelton dos Santos

Desembargador Federal

 


E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO PRIVADO. SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. LEIS 9.614/1997 E 13.465/2017. INADIMPLÊNCIA. PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. CONSOLIDAÇÃO DE PROPRIEDADE RESOLÚVEL EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. PURGAÇÃO DA MORA. REGRAMENTO APLICÁVEL. NULIDADE CONDICIONADA À PROVA DE EFETIVO PREJUÍZO. SUCUMBÊNCIA. 

1. Caracterizada inadimplência em contrato de cédula de crédito bancário, com garantia de alienação fiduciária do imóvel, regido pela Lei 9.614/1997, tem o devedor fiduciante o direito de purgar a mora, sob pena de consolidação da propriedade resolúvel em nome do credor fiduciário e alienação extrajudicial do bem, consolidada a jurisprudência da Corte no sentido da constitucionalidade de tal procedimento extrajudicial. 

2. Na redação originária da Lei 9.614/1997 a purgação da mora pelo devedor fiduciante era possível mesmo após consolidação da propriedade, desde que exercido o direito até a assinatura do auto de arrematação. Com a edição da Lei 13.465/2017, que alterou a Lei 9.614/1997, a purgação da mora e convalescença do contrato somente é admissível se for anterior à averbação da consolidação da propriedade resolúvel em nome do credor fiduciário. Se posterior, resta ao devedor fiduciante apenas o direito de exercer direito de preferência na aquisição do imóvel pela totalidade do saldo devedor (valor remanescente do débito financiado acrescido dos encargos e despesas previstos na Lei 9.514/1997).

3. Na hipótese de consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário ainda na vigência da redação originária da Lei 9.514/1997, embora firmados precedentes a favor da purgação da mora até assinatura do auto de arrematação, o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, a partir da Lei 13.465/2017, a consolidação da propriedade não mais permite purgação da mora, podendo o devedor fiduciante apenas exercer direito de preferência na aquisição do imóvel em leilão extrajudicial. 

4. No que concerne a vícios do procedimento extrajudicial, o devedor fiduciante deve provar o prejuízo sofrido, não sendo suficiente mera alegação de lesão em abstrato por violação da legislação. Se, por hipótese, tiver havido irregularidade no ato de intimação quanto à purgação da mora, não basta a narrativa da intenção abstrata de exercer o direito, mas efetiva condição de fazê-lo a fim de anular o procedimento. Sobre a intimação, na vigência da Lei 13.465/2017, somente deve ser pessoal no tocante ao prazo para purgar a mora, salvo se o devedor estiver em local incerto e não sabido, podendo ser postal a notificação quanto aos leilões de alienação do imóvel.

5. Verificado, no caso, que a discussão envolve apenas suposta nulidade da intimação do leilão, a suposição de que devesse ser pessoal a notificação não tem amparo na Lei 9.514/1997, que apenas exige expedição de correspondência (artigo 27-A). A alegação de inversão do ônus da prova, ainda que se admitisse, não elidiria a constatação inequívoca de que houve ciência do leilão pela devedora fiduciante antes da respectiva realização, tanto que ajuizada ação para impedir o praceamento, porém não foi demonstrado qualquer efetivo intento de exercer direito de preferência ou participação do leilão a qualquer título para demonstrar prejuízo a ser corrigido na esfera judicial. 

6. Pela sucumbência recursal, a parte apelante deve suportar condenação adicional, nos termos do artigo 85, § 11, CPC, no equivalente a 5% do valor da causa atualizado, a ser acrescida à sucumbência fixada pela sentença pelo decaimento na instância de origem, com suspensão da respectiva exigibilidade nos termos do artigo 98, § 3º, CPC.

7. Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do senhor Desembargador Federal Carlos Muta (relator), acompanhado pelos votos dos senhores Desembargadores Federais Nelton dos Santos e Herbert de Bruyn, ambos com ressalva de fundamentação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.