Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002150-34.2020.4.03.6114

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: CREUSA TREVISAN ALVES

Advogados do(a) APELADO: BRUNO LUIS TALPAI - SP429260-A, VICTOR DE ALMEIDA PESSOA - SP455246-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002150-34.2020.4.03.6114

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: CREUSA TREVISAN ALVES

Advogados do(a) APELADO: BRUNO LUIS TALPAI - SP429260-A, VICTOR DE ALMEIDA PESSOA - SP455246-A

 

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de ação ordinária intentada por Creusa Trevisan Alves em face da União, objetivando a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral no importe de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), tendo em vista a prisão por motivos políticos do esposo da autora, durante o período da ditadura militar.

A r. sentença julgou procedente o pedido, para condenar a União ao pagamento de indenização por danos morais à autora no valor total de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), corrigidos monetariamente de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal e nos termos da fundamentação, e juros de mora, desde o evento danoso, (05/10/1988) com aplicação de juros de em 0,5% ao mês até 10/01/2003 e, a partir daí, na taxa de 1% ao mês.

A União apelou. Em suas razões recursais, sustenta a ocorrência de prescrição. No mérito, argumenta com a impossibilidade de cumular pedido de reparação econômica com danos morais. Alega que não há prova nos autos dos fatos em questão e, ainda, com a ausência de responsabilidade civil. Subsidiariamente requer a redução do valor da indenização e a fixação dos juros a partir do arbitramento.

A autora, por sua vez, apresentou recurso adesivo. Requereu a majoração da indenização para a quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) ou, ao menos, no parâmetro mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Requer, ainda, a fixação dos juros de mora a partir do evento danoso, ou seja, do dia 17/03/1979, primeiro ato de perseguição política praticado pelo Estado Brasileiro que culminou com a detenção do de cujus no DOPS por motivações políticas. Pleiteou, por fim, a majoração dos honorários advocatícios.

Houve apresentação de contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002150-34.2020.4.03.6114

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: CREUSA TREVISAN ALVES

Advogados do(a) APELADO: BRUNO LUIS TALPAI - SP429260-A, VICTOR DE ALMEIDA PESSOA - SP455246-A

 

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

No presente feito, a autora objetiva provimento jurisdicional que condene a União ao pagamento de danos morais, tendo em vista a prisão de seu já falecido marido, por motivos políticos.

Afirma que, além de ter sido preso, pelo prazo de 2 anos, seu marido foi perseguido pela ditadura militar, perdeu o emprego e teve seu nome vinculado na “lista negra” do Estado brasileiro.

Cabe destacar que a autora comprovou a condição de anistiado político de seu cônjuge, falecido em 02/07/2018 (ID 266266679 – pág. 3), tanto é assim que a Comissão de Anistia reconheceu o seu direito, consoante portaria n.º 1567, de 21 de maio de 2009 (ID 266267909).

Neste sentido, consta do relatório e voto da Comissão da Anistia (ID 266267910):

 

“Pela documentação juntada aos autos, observa-se que o Anistiando participou ativamente na Greve dos Metalúrgicos do ABC, ocorrida em maio de 1980.

É o que se vê às fls. 142, pelo informa jornalístico intitulado como “A ação de 13 líderes metalúrgicos durante a greve do ABC foi considerada um atentado à segurança nacional pelo procurador da Justiça Militar. Por isso ele apresentou uma denúncia ontem aceita pelo juiz-auditor”, cujo nome do Anistiando é listado dentre os metalúrgicos.

Há nos autos vasta documentação concernente à prisão do Anistiando por participação na greve dos Metalúrgicos do ABC, sendo encontrada no interrogatório junto a Polícia Civil de São Paulo (fls. 14) a seguinte afirmação:

 

‘(...) em relação à Greve do ano corrente, o interrogado aderiu desde o início e, permanecendo em greve até o final do Movimento (...)’

 

Observa-se ainda, às fls. 31, em registro confidencial do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo, que o Anistiando e demais participantes do movimento grevista foi indiciado em inquérito policial, instaurado pela Divisão de Ordem Social – DOPS, com o escopo de apurar o envolvimento na greve do ABC/80.

Há certidão da Justiça Militar Federal, às fls. 34, informando que o Anistiando foi preso no correr do inquérito policial nº 15/80-DOPS-SP, por força do artigo 53 § 1.º da LSN. Tem-se ainda, que a comunicação do tempo legal da prisão do Anistiando ocorreu em 19/04/1980.

Às fls. 42, consta o Mandado de Prisão do Anistiando datado de 25/02/1981, cujo conteúdo versa sobre a condenação do mesmo à pena de 2 (dois) anos de reclusão.

Deste modo, comprovada a perseguição política exercida pelo Estado Brasileiro em relação ao Anistiando, compete nesta senda, a análise da reparação econômica que lhe é devida, consoante a disposição normativa constante no Regime de Anistiado Político.

(...)”

 

Pois bem.

Por primeiro, rejeito a prejudicial de mérito de prescrição, pois entendo que a indenização por danos morais é paga em razão de danos causados aos direitos da personalidade, que não estão sujeitos à prescrição. Além disso, está-se diante de danos decorrentes do regime militar, pelo que por longo período as partes sequer poderiam postular seus direitos sem o temor de represálias. Assim, afasta-se a ocorrência de prescrição, qualquer que seja sua espécie ou fundamento jurídico.

A jurisprudência do E. STJ é majoritária quanto à imprescritibilidade da ação de indenização por danos morais decorrentes do regime militar:

 

 

"ADMINISTRATIVO - DESAPARECIDO POLÍTICO - TORTURA - REGIME MILITAR - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - LEGITIMIDADE DE AGIR - PRESCRIÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - SÚMULA 07/STJ - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA - SÚMULAS 282 E 356 DO STF.

1. Mesmo que o familiar de desaparecido político já tenha se valido da Lei n. 9.140/95 para requerer perante a Administração a indenização por dano material tarifada, não lhe falta ilegitimidade para o exercício de pretensão no bojo de processo judicial que busca valor em maior extensão, bem como reparação por danos morais. As instâncias administrativa e judicial não se confundem e é garantia constitucional do jurisdicionado a busca do Judiciário para a reparação de lesões ou inibição de ameaça a direito.

2. No que diz respeito à prescrição, já pontuou esta Corte que a prescrição qüinqüenal prevista no art. 1º do Decreto-Lei n. 20.910/32 não se aplica aos danos morais decorrentes de violação de direitos da personalidade, que são imprescritíveis, máxime quando se fala da época do Regime militar, quando os jurisdicionados não podiam buscar a contento as suas pretensões.

3. Entende-se, assim, que a morte decorrida da tortura no Regime militar é fato tão sério e que viola em tamanha magnitude os direitos da personalidade, que as pretensões que buscam indenização a títulos de danos morais são imprescritíveis, dada a dificuldade, ou a impossibilidade de serem validadas na época, sendo que apenas se aplica o lustro prescricional para as pretensões de indenização ou reparação de danos materiais.

4. A questão é controvertida na doutrina e, com ressalvas de meu posicionamento pessoal, ainda que não se abarcasse a tese da imprescritibilidade das pretensões que visam reparar/garantir a efetividade dos direitos fundamentais, baseada em um dos pilares da República, que é a dignidade humana, a pretensão da irmã do preso, torturado e morto pelo Regime militar, no caso dos autos, também não estaria prescrita.

5. A Lei n. 9.140/95, em seu art. 10, § 1º, previu o prazo de 120 dias para que os parentes do desaparecido político nela expressamente contemplados requeressem a respectiva indenização reparatória. Na mesma linha ditou o art. 2º da Lei n. 10.536/02, que reabriu os prazos para requerimento da indenização.

6. Quando o nome do desaparecido político não consta da lista, expressamente se previu que "o prazo para haver a indenização somente se inicia após o reconhecimento dessa condição pela Comissão Especial criada por aquele mesmo normativo" (art. 10, § 1º).

7. Referido prazo de 120 dias, vale dizer, diz respeito apenas para o requerimento administrativo, não se confundindo com o das pretensões exercidas em juízo. Neste caso, para aqueles que admitem a tese da prescritibilidade, incidiria o art. 1º do Decreto-Lei n. 20.910/32, cujo comando expõe a existência do lustro prescricional.

8. No caso dos autos, o nome do falecido Severino Viana Calôr não constava, desde o início, da lista aludida pela lei, somente sendo reconhecido pela Administração como desaparecido político em 19.12.2003 (Ata de fls. 119/122). Como o eventual prazo para o exercício da pretensão indenizatória dos familiares se encerraria apenas cinco anos após, não há falar, em hipótese alguma, em prescrição neste caso, pois a ação foi ajuizada em 21.11.2005.

9. Não pode o STJ, em sede de recurso especial, discutir a configuração dos requisitos da responsabilidade civil ou o arbitramento dos danos morais, sob pena de violar o comando da Súmula 07/STJ.

Recurso especial da União conhecido em parte e improvido. Recurso de Maria Viana de Souza não-conhecido."

(RESP 1002009, Segunda Turma, rel. Min. Humberto Martins, DJ Data: 21/02/2008, p. 58)

 

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. REGIME MILITAR . DISSIDENTE POLÍTICO PRESO NA ÉPOCA DO REGIME MILITAR . TORTURA. DANO MORAL. FATO NOTÓRIO. NEXO CAUSAL. NÃO INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL - ART. 1º DECRETO 20.910/1932. IMPRESCRITIBILIDADE.

1. Ação ordinária proposta com objetivo de reconhecimento dos efeitos previdenciários e trabalhistas, acrescidos de danos materiais e morais, em face do Estado, pela prática de atos ilegítimos decorrentes de perseguições políticas perpetradas por ocasião do golpe militar de 1964, que culminaram na prisão do autor, bem como na sua tortura, cujas conseqüências alega irreparáveis.

2. Prova inequívoca da perseguição política à vítima e de imposição, por via oblíqua, de sobrevivência clandestina, atentando contra a dignidade da pessoa humana, acrescido do fato de ter sido atingida a sua capacidade laboral quando na prisão fora torturado, impedindo atualmente seu auto sustento.

3. A indenização pretendida tem amparo constitucional no art. 8º, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Precedentes.

4. Deveras, a tortura e morte são os mais expressivos atentados à dignidade da pessoa humana, valor erigido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

5. Sob esse ângulo, dispõe a Constituição Federal: "Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;"

"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes; (...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;"

6. Destarte, o egrégio STF assentou que: "...o delito de tortura - por comportar formas múltiplas de execução - caracteriza- se pela inflição de tormentos e suplícios que exasperam, na dimensão física, moral ou psíquica em que se projetam os seus efeitos, o sofrimento da vítima por atos de desnecessária, abusiva e inaceitável crueldade. - A norma inscrita no art. 233 da Lei nº 8.069/90, ao definir o crime de tortura contra a criança e o adolescente, ajusta-se, com extrema fidelidade, ao princípio constitucional da tipicidade dos delitos (CF, art. 5º, XXXIX). A TORTURA COMO PRÁTICA INACEITÁVEL DE OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA. A simples referência normativa à tortura, constante da descrição típica consubstanciada no art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, exterioriza um universo conceitual impregnado de noções com que o senso comum e o sentimento de decência das pessoas identificam as condutas aviltantes que traduzem, na concreção de sua prática, o gesto ominoso de ofensa à dignidade da pessoa humana. A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete - enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva - um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento positivo." (HC 70.389/SP, Rel. p. Acórdão Min. Celso de Mello, DJ 10/08/2001)

7. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento.

8. Consectariamente, não há falar em prescrição da ação que visa implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade.

9. Outrossim, a Lei 9.140/95, que criou as ações correspondentes às violações à dignidade humana, perpetradas em período de supressão das liberdades públicas, previu a ação condenatória no art. 14, sem estipular-lhe prazo prescricional, por isso que a lex specialis convive com a lex generalis, sendo incabível qualquer aplicação analógica do Código Civil no afã de superar a reparação de atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana, como sói ser a dignidade retratada no respeito à integridade física do ser humano.

10. Adjuntem-se à lei interna, as inúmeras convenções internacionais firmadas pelo Brasil, a começar pela Declaração Universal da ONU, e demais convenções específicas sobre a tortura, tais como a Convenção contra a Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU, a Convenção Interamericana contra a Tortura, concluída em Cartagena, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

11. A dignidade humana violentada, in casu, decorreu do fato de ter sido o autor torturado- revelando flagrante atentado ao mais elementar dos direitos humanos, os quais, segundo os tratadistas, são inatos, universais, absolutos, inalienáveis e imprescritíveis.

12. Inequívoco que foi produzida importante prova indiciária representada pelos comprovantes de tratamento e pelas declarações médicas que instruem os autos, consoante se extrai da sentença de fls. 72/79.

13. A exigibillidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos".

14. Deflui da Constituição federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual.

15. O egrégio STJ, em oportunidades ímpares de criação jurisprudencial, vaticinou: "RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRISÃO, TORTURA E MORTE DO PAI E MARIDO DAS RECORRIDAS. REGIME MILITAR. ALEGADA PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. LEI N. 9.140/95. RECONHECIMENTO OFICIAL DO FALECIMENTO, PELA COMISSÃO ESPECIAL DE DESAPARECIDOS POLÍTICOS, EM 1996. DIES A QUO PARA A CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.

A Lei n. 9.140, de 04.12.95, reabriu o prazo para investigação, e conseqüente reconhecimento de mortes decorrentes de perseguição política no período de 2 de setembro de 1961 a 05 de outubro de 1998, para possibilitar tanto os registros de óbito dessas pessoas como as indenizações para reparar os danos causados pelo Estado às pessoas perseguidas, ou ao seu cônjuge, companheiro ou companheira, descendentes, ascendentes ou colaterais até o quarto grau. Omissis "

(RESP 845228, Primeira Turma, rel. Min. Luiz Fux, DJ Data: 18/02/2008, p. 1)

 

Por outro lado, o direito à reparação em razão de danos sofridos por perseguições políticas encontra arrimo na Lei Federal n.º 10.559/02, a qual trata exclusivamente da reparação econômica. Portanto, essa indenização não abrange eventual prejuízo extrapatrimoniais sofrido pelo anistiado.

O pagamento de indenização por danos materiais sofridos não se confunde com os danos extrapatrimoniais, decorrentes do abalo emocional e psicológico resultado da perseguição, consistente em demissões, prisões e torturas.

Assim, a reparação administrativa de danos decorrentes de perseguição a anistiado político, prevista em legislação específica, não exclui o interesse de agir na ação de indenização por danos morais, que se destina à proteção, tutela e reparação de bens jurídicos distintos dos tratados administrativamente, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 

"RESP 890.930, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 14/06/2007: "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ANISTIA (LEI 9.140/95). ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535, I E II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. ACUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 16 DA LEI 10.559/2002. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

(...)

A Lei 10.559/2002 proíbe a acumulação de: (I) reparação econômica em parcela única com reparação econômica em prestação continuada (art. 3º, § 1º); (II) pagamentos, benefícios ou indenizações com o mesmo fundamento, facultando-se ao anistiado político, nesta hipótese, a escolha da opção mais favorável (art. 16).

4. Não há vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto se tratam de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade. Aplicação da orientação consolidada na Súmula 37/STJ.

5. Os direitos dos anistiados políticos, expressos na Lei 10.559/2002 (art. 1º, I a V), não excluem outros conferidos por outras normas legais ou constitucionais. Insere-se, aqui, o direito fundamental à reparação por danos morais (CF/88, art. 5º, V e X; CC/1916, art. 159; CC/2002, art. 186), que não pode ser suprimido nem cerceado por ato normativo infraconstitucional, tampouco pela interpretação da regra jurídica, sob pena de inconstitucionalidade.

6. Recurso especial desprovido."

 

 

Com relação à constatação da responsabilidade do Estado, ressalto que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria entendem que a responsabilidade civil do Estado é decorrente da existência de três caracteres interligados: ato ilícito praticado por seus agentes, dano ao particular e nexo de causalidade. Tal responsabilidade é objetiva, portanto prescinde de dolo ou culpa.

Estão presentes, no presente caso, todos os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil da ré pelos danos morais sofridos pela apelante e seu esposo, o qual foi demitido exclusivamente por motivos políticos, vindo a ser readmitido somente 2 (dois) anos depois.

A prática de atos ilícitos está cabalmente comprovada pelos documentos que instruem o processo.

O falecido esposo da autora, certamente, experimentou as aflições decorrentes da perseguição política, o que por si só permitem verificar a presença de danos de natureza extrapatrimonial.

Não se olvide, ainda, que a Constituição Federal de 1988, pós-regime militar, fez questão de resguardar os direitos daqueles que sofreram com os abusos dos atos de um Estado ditatorial, no artigo 8o do ADCT, de modo a efetivar os objetivos da República Federativa do Brasil, formulado como Estado Democrático de Direito e que tem por fundamento a dignidade da pessoa humana.

Há que se reconhecer, ante sua manifesta evidência, a ocorrência de lesão à dignidade da pessoa humana.

Quanto ao terceiro elemento, há o nexo de causalidade entre os danos mencionados e a ação estatal.

Já no que se refere ao valor da indenização, este deve ser fixado tendo-se em vista dois parâmetros: por primeiro é importante que tenha um caráter educativo, buscando desestimular o condenado à prática reiterada de atos semelhantes; por outro lado, não pode ser de uma magnitude tal que acabe por significar enriquecimento ilícito por parte da vítima.

Entretanto, a indenização por danos morais na espécie é de difícil mensuração. Como estabelecer indenização que vise a recompor, ainda que em mínima medida, a dignidade perdida, a dor, a humilhação, a vida destruída?

No caso concreto, a indenização deve ser fixada em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), valor adequado e nos termos do pedido da autora.

Sobre a referida quantia deve incidir juros de mora, nos termos da Súmula 54, do STJ, desde o evento danoso, considerado como a data da promulgação da Constituição Federal de 1988, nos termos da jurisprudência, bem como correção monetária a partir do presente arbitramento (Súmula 362, do STJ).

Com relação aos consectários, deve-se observar os índices previstos nos julgamentos do Pleno do Supremo Tribunal Federal (RE n.º 870.847) e da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (Resp n.º 1.495.146/MG), garantindo, inclusive, a aplicação dos juros de mora à razão de 0,5% ao mês, nos termos do artigo 1.º-F , da Lei 9.494/97, porque em conformidade com os precedentes citados.

Por fim, a fixação dos honorários advocatícios observou o disposto no art. 85 do NCPC, e levando-se em conta o não provimento do recurso de apelação, de rigor a aplicação da regra do § 11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários advocatícios em 1%, sobre o valor atualizado do proveito econômico obtido, nos termos do art. 85, § 3º, I.

Por estes fundamentos, nego provimento à apelação da União e dou parcial provimento ao recurso adesivo da autora, nos termos da fundamentação.

É o meu voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

 

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. DEMISSÃO E PRISÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS. PRESCRIÇÃO AFASTADA. INDENIZAÇÃO CONCEDIDA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. APELAÇÃO DA UNIÃO IMPROVIDA. RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDO.

- No presente feito, a autora objetiva provimento jurisdicional que condene a União ao pagamento de danos morais, tendo em vista a prisão de seu já falecido marido, por motivos políticos.

- Inicialmente, rejeito a prejudicial de mérito de prescrição, pois entendo que a indenização por danos morais é paga em razão de danos causados aos direitos da personalidade, que não estão sujeitos à prescrição. Além disso, está-se diante de danos decorrentes do regime militar, pelo que por longo período as partes sequer poderiam postular seus direitos sem o temor de represálias. Assim, afasta-se a ocorrência de prescrição, qualquer que seja sua espécie ou fundamento jurídico. Jurisprudência do STJ.

- O direito à reparação em razão de danos sofridos por perseguições políticas encontra arrimo na Lei Federal n.º 10.559/02, a qual trata exclusivamente da reparação econômica. Portanto, essa indenização não abrange eventual prejuízo extrapatrimoniais sofrido pelo anistiado.

- O pagamento de indenização por danos materiais sofridos não se confunde com os danos extrapatrimoniais, decorrentes do abalo emocional e psicológico resultado da perseguição, consistente em demissões, prisões e torturas.

- Com relação à constatação da responsabilidade do Estado, ressalto que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria entendem que a responsabilidade civil do Estado é decorrente da existência de três caracteres interligados: ato ilícito praticado por seus agentes, dano ao particular e nexo de causalidade. Tal responsabilidade é objetiva, portanto prescinde de dolo ou culpa.

- Estão presentes, no presente caso, todos os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil da ré pelos danos morais sofridos pela autora e seu esposo.

- No que se refere ao valor da indenização, este deve ser fixado tendo-se em vista dois parâmetros: por primeiro é importante que tenha um caráter educativo, buscando desestimular o condenado à prática reiterada de atos semelhantes; por outro lado, não pode ser de uma magnitude tal que acabe por significar enriquecimento ilícito por parte da vítima.

- No caso concreto, a indenização deve ser fixada em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).

- Com relação aos consectários, deve-se observar os índices previstos nos julgamentos do Pleno do Supremo Tribunal Federal (RE n.º 870.847) e da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (Resp n.º 1.495.146/MG), garantindo, inclusive, a aplicação dos juros de mora à razão de 0,5% ao mês, nos termos do artigo 1.º-f , da Lei 9.494/97, porque em conformidade com os precedentes citados.

- Apelação da União improvida. Recurso adesivo parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da União e dar parcial provimento ao recurso adesivo da autora, nos termos do voto da Des. Fed. MÔNICA NOBRE (Relatora), com quem votaram o Des. Fed. MARCELO SARAIVA e o Des. Fed. WILSON ZAUHY. Ausente, justificadamente, a Des. Fed. MARLI FERREIRA (em férias), substituída pela Juíza Fed. Conv. NOEMI MARTINS , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.