AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013895-15.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL
AGRAVADO: GERALDINO EUGENIO DA SILVA
Advogados do(a) AGRAVADO: CAROLINA FUSSI - SP238966-A, SHEILA ANDREA POSSOBON - SP229690-A
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013895-15.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: GERALDINO EUGENIO DA SILVA Advogados do(a) AGRAVADO: CAROLINA FUSSI - SP238966-A, SHEILA ANDREA POSSOBON - SP229690-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela UNIÃO FEDERAL em face da r. decisão proferida pelo MM. Juízo “a quo”, nos autos de ação sob o rito comum, determinando o fornecimento da medicação PATISIRANA - ONPATTRO® ao agravado, fixando o pagamento de multa diária de R$ 500,00 por eventual atraso no cumprimento da ordem, a ser paga pelo recebedor da intimação. Alega a agravante, em síntese, que não pode prevalecer a r. decisão agravada na parte em que impõe ao representante judicial da União o pagamento da multa diária, por atraso no cumprimento pela autoridade do Ministério da Saúde. Aduz que inexiste na Constituição Federal ou nas Leis nº 73/93 e 13.327/2021, previsão de que Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional ou Procuradores Federais têm o dever de adquirir medicamentos mediante procedimento licitatório ou modalidade de compra direta. Sustenta, ainda, que decisão judicial determinando o pagamento de multa diária por quem não é parte no processo, mas representante judicial de uma parte, sem a concessão do contraditório e da ampla defesa em processo administrativo ou judicial autônomo, viola as garantias constitucionais previstas no art. 5º da Constituição Federal. Deferido o pedido de efeito suspensivo somente para afastar a imposição de multa diária ao representante judicial da União, por atraso no cumprimento da decisão proferida nos autos originários que deferiu o pedido de tutela de urgência (ID 275044752). Devidamente intimado o agravado apresentou contraminuta (ID 276076323). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013895-15.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: GERALDINO EUGENIO DA SILVA Advogados do(a) AGRAVADO: CAROLINA FUSSI - SP238966-A, SHEILA ANDREA POSSOBON - SP229690-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Pretende a agravante a reforma da r. decisão que fixou multa diária por eventual atraso no cumprimento da ordem judicial que determinou o fornecimento do medicamento PATISIRANA - ONPATTRO® ao agravado, a ser paga pelo recebedor da intimação. Na origem trata-se de ação sob o rito comum ajuizada por Geraldino Eugênio da Silva em face da União Federal, objetivando o fornecimento do medicamento PATISIRANA - ONPATTRO®, consoante prescrição médica. Na espécie, o r. Juízo de piso ao deferir o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, determinou que a agravante forneça ao agravado a medicação PATISIRANA - ONPATTRO® 10mg/frasco (frasco de 5 ml com 2mg/ml), prescrita pela profissional médica neurologista Dra. Izabel Cristina Ferreira Arroyo Marchi, CRM 114039, para uso contínuo e por prazo indeterminado. In casu, o magistrado de primeiro grau, diante do descumprimento da tutela deferida determinou a intimação da representação da União Federal, ora agravante, por mandado, para que dê efetivo cumprimento à tutela de urgência no prazo de 05 (cinco) dias, seja pela conclusão do procedimento licitatório ou pela aquisição direta do medicamento, fixando multa pelo descumprimento no montante de R$ 500,00 (quinhentos reais), por dia de atraso, a ser paga pelo recebedor da intimação. De rigor observar que o medicamento reclamado na ação originária têm caráter alimentar, pois imprescindível à manutenção da vida do agravado. A propósito, vale observar que o artigo 536, § 1º, do Código de Processo Civil, permite ao magistrado, de ofício ou a requerimento, visando à efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, determinar providências que entender adequadas diante do caso em concreto, quando outras menos gravosas se mostrarem insuficientes à garantia da efetividade do provimento judicial, como disposto no art. 536 do CPC, verbis: Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial. (gn) § 2º O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observando-se o disposto no art. 846, §§ 1º a 4º, se houver necessidade de arrombamento. § 3º O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência. § 4º No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se o art. 525, no que couber. § 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional. Por conseguinte, admite-se, em tese, a fixação de pena pecuniária pelo descumprimento da ordem judicial que determinou o fornecimento medicamento PATISIRANA - ONPATTRO®, de caráter alimentar, caso demonstrado que não ocorreu por motivos alheios à vontade daquele que detém o poder de atuação direta para a sua execução. Contudo, o ilustre representante da AGU não é parte no processo e não depende dele o efetivo cumprimento da decisão judicial proferida, já que tal encargo é do Ministério da Saúde, portanto, não há como lhe atribuir a responsabilidade pelo atraso no cumprimento. A Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde - AGU/CONJUR-SAÚDE é órgão integrante da Advocacia-Geral da União, sendo que ambas não ostentam atribuição ou competência para cumprir a decisão de fornecimento dos medicamentos, tampouco os seus membros e servidores. O Ministério da Saúde, por meio dos seus órgãos internos, é quem detém a atribuição de fornecimento dos medicamentos e, corolário lógico, do cumprimento da ordem judicial. A propósito do tema, a jurisprudência já consagrou entendimento no sentido de que não se pode atribuir ao membro da Advocacia-Geral da União – AGU, a responsabilidade pelos atos do destinatário da decisão judicial. A Constituição Federal dispõe acerca da Advocacia-Geral da União no artigo 131, verbis: Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Nessa esteira, a Lei Complementar nº 73, de 10/02/1993, instituidora da Advocacia-Geral da União, estabelece, no artigo 1º, caput e §1º, que a Advocacia-Geral da União é a instituição que representa a União judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo. Por fim, a Lei nº 13.327, de 29/07/2016, elenca, no artigo 37, as atribuições do Advogado da União. É oportuno esclarecer que o e. Conselho Nacional de Justiça decidiu sobre a questão, quando assentou orientação de que não se pode atribuir ao advogado público a responsabilidade pelo descumprimento de comandos judiciais, cabendo-lhes apenas o dever de comunicar a decisão judicial ao destinatário responsável por efetivá-lo - Pedido de Providência nº 749-61.2011.2.00.0000. O mesmo posicionamento é adotado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, nos termos da Súmula nº 7: “Os Advogados Públicos, no exercício de suas atribuições, não podem ser presos ou responsabilizados pelo descumprimento de decisões judiciais. A responsabilidade dos gestores não pode ser confundida com a atividade de representação judicial e extrajudicial do advogado público”. Nesse sentido, colaciono julgado do c. Superior Tribunal de Justiça, verbis: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASTREINTES. AGENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE PESSOAL PELO PAGAMENTO. POSSIBILIDADE, QUANDO É PARTE NA AÇÃO. DESCABIMENTO NA HIPÓTESE. 1. Não é possível a responsabilização pessoal do agente público pelo pagamento das astreintes quando ele não figure como parte na ação, sob pena de infringência ao princípio da ampla defesa. Precedentes. 2. No caso, tem-se ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais apenas contra o Estado de Minas Gerais e o Município de Santa Bárbara do Leste. 3. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1633295/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, Segunda Turma, Julg.:17/04/2018, DJe 23/04/2018). Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, apenas e tão somente, para afastar a imposição de multa diária ao representante judicial da União por atraso no cumprimento da decisão proferida nos autos originários que deferiu o pedido de tutela de urgência, nos termos da fundamentação. É como voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO SOB O RITO COMUM. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. AUSÊNCIA DE ATRIBUIÇÃO FUNCIONAL PARA O CUMPRIMENTO. ASTREINTES. ILEGALIDADE. AGRAVO PROVIDO.
1. Pretende a agravante a reforma da r. decisão que fixou multa diária por eventual atraso no cumprimento da ordem judicial que determinou o fornecimento do medicamento PATISIRANA - ONPATTRO® ao agravado, a ser paga pelo recebedor da intimação.
2. Na espécie, o r. Juízo de piso ao deferir o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, determinou que a agravante forneça ao agravado a medicação PATISIRANA - ONPATTRO®.
3. O magistrado de primeiro grau, diante do descumprimento da tutela deferida, determinou a intimação da representação da União Federal para que dê efetivo cumprimento à ordem, fixando multa pelo descumprimento a ser paga pelo recebedor da intimação.
4. Ao magistrado é permitido, de ofício ou a requerimento, visando à efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, determinar providências que entender adequadas diante do caso em concreto.
5. Ocorre que o ilustre representante da AGU não é parte no processo e não depende dele o efetivo cumprimento da decisão judicial proferida, já que tal encargo é do Ministério da Saúde, portanto, não há como lhe atribuir a responsabilidade pelo atraso no cumprimento.
6. A Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde - AGU/CONJUR-SAÚDE é órgão integrante da Advocacia-Geral da União, sendo que ambas não ostentam atribuição ou competência para cumprir a decisão de fornecimento dos medicamentos, tampouco os seus membros e servidores.
7. O Ministério da Saúde, por meio dos seus órgãos internos, é quem detém a atribuição de fornecimento dos medicamentos e, corolário lógico, do cumprimento da ordem judicial.
8. A jurisprudência já consagrou entendimento no sentido de que não se pode atribuir ao membro da Advocacia-Geral da União – AGU, a responsabilidade pelos atos do destinatário da decisão judicial. Precedentes.
9. Agravo de instrumento provido.