APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007607-94.2017.4.03.6100
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007607-94.2017.4.03.6100 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SÃO PAULO APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação e de reexame necessário, tido por submetido, em Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), em que se pleiteou a condenação do réu ao cumprimento da obrigação de fazer consistente em restaurar os imóveis tombados pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado (CONDEPHAAT), situados na Vila Maria Zélia, zona leste desta capital. Alega o autor que foi instaurado o Inquérito Civil nº 1.34.001.002778/2006-11 com a finalidade de apurar notícia de ausência de conservação dos imóveis do INSS tombados pelo CONDEPHAAT e CONPRESP, localizados na Vila Maria Zélia, nos seguintes endereços: 1 – Rua Mário da Costa, n° 13/14 (Armazém e Farmácia); 2 – Rua Mário da Costa, n° 18/19/20 (Restaurante) 3 – Rua Adilson Farias Claro, n° 4 (Administração) 4 – Rua Adilson Faria Claro, n° 46-A (Escola de Meninos) 5 – Rua Adilson Farias Claro, n° 88 (Escola de Meninas) 6 – Rua Adilson farias Claro, n° 126 (Açougue) Narra que a Vila Maria Zélia é uma antiga vila operária associada a uma das indústrias têxteis do Sr. Jorge Luís Gustavo Street, datada do início do século XX, composta por 10 ruas, 24 quadras com aproximadamente 280 casas, 2 edifícios públicos, 1 igreja e 1 praça, tendo sido tombado em seu conjunto pelo CONDEPHAAT, por meio da Resolução SC-43, de 18 de dezembro de 1992, e pelo CONPRESP, por meio da Resolução 39/92. Destaca que realizou diversas reuniões com representantes do INSS, do CONPRESP e do CONDEPHAAT, na tentativa de instar o INSS a realizar as obras de conservação necessárias, ocasiões em que a autarquia sempre opôs argumentos de índole financeira para não realizar as obras. Aponta que, em vistoria realizada pelo CONDEPHAAT, de 24 de novembro de 2014, constatou-se o péssimo estado de conservação dos imóveis. Da mesma forma, na vistoria realizada pelo CONPRESP, em 15 de janeiro de 2015, verificou-se a necessidade imediata de realização de obras de restauro e conservação em todos os imóveis do INSS. Assevera que o INSS, em 30 de março de 2015, informa que as tratativas com a Prefeitura de São Paulo para a venda direta dos imóveis da Vila Maria Zélia estavam suspensas, pois seriam priorizadas as negociações para a venda de outros cinco imóveis de interesse daquela Municipalidade. Conclui ser patente o risco a que estão expostos os imóveis tombados, devido à omissão de seu proprietário, sendo necessária a tutela jurisdicional para compelir o INSS a promover a necessária recuperação e restauração dos prédios. Em sede de tutela provisória de urgência, formulou as seguintes pretensões (ID Num. 148650950 - Pág. 24-27): Dessa forma, o Ministério Público Federal requer a concessão, inaudita altera parte, da antecipação parcial dos efeitos da tutela, para que seja determinado ao INSS a contratação das obras emergenciais apontadas a seguir descritas, mediante a devida aprovação pelos órgãos técnicos de proteção, no prazo de 90 (noventa) dias: a) interdição dos imóveis – Armazém 2, Escola dos Meninos e Escola das Meninas – a fim de evitar que ocorram incidentes com os usuários e/ou moradores da Vila. Deverão ser realizados em caráter de urgência a retirada dos itens críticos e que podem se desprender a qualquer momento (madeiras, parte das estruturas, inclusive as de concreto armado, revestimentos das fachadas, telhas e outros); b) verificação da legalidade da ocupação do imóvel – Armazém 1 – que atualmente está sendo utilizado pela Associação (andar térreo) e para moradia de duas famílias (andar superior). Neste ponto, é interessante ponderar que a situação deste imóvel só não é pior, graças a preservação ‘mínima’ que está sendo realizada pela Associação da Vila; c) limpeza urgente e pontual a fim de eliminar as condições insalubres atualmente presentes nos imóveis de responsabilidade do INSS; d) efetivação de um trabalho junto aos usuários e/ou moradores da Vila, a fim de orientá-los da proibição do uso dos imóveis como moradia ou mesmo como visitação e do prejuízo de sua depredação; e) programação de limpeza constante (diária, semanal, quinzenal e/ou mensal) das instalações e seu entorno; f) implantação de sistema de vigilância 24 horas (segurança patrimonial e de câmeras), para inibir a depredação do patrimônio; g) Fechamento dos acessos aos imóveis, permitindo que somente pessoas autorizadas possam utilizar suas instalações; h) elaboração de um projeto de reparos emergenciais, incluindo o memorial descritivo detalhado de forma a propiciar a licitação dos trabalhos, conforme a lei 8666/93, que deverá ser realizado por profissionais legalmente capacitados, principalmente das estruturas que se encontram deterioradas; i) execução dos reparos emergências, conforme projeto específico a ser formulado, com necessidade de fiscalização de sua efetiva realização; j) Elaboração de um projeto completo de restauração, incluindo o memorial descritivo detalhado de forma a propiciar a licitação dos trabalhos, conforme a lei 8666/93, que deverá ser realizado por profissionais legalmente capacitados a fim de preservar as características históricas dos imóveis. Neste projeto, deverão estar inclusos os projetos de arquitetura, estrutural, SPDA, segurança e vigilância, hidráulica (água fria e pluvial), elétrica, paisagismo, impermeabilização, esquadrias e outros; k) Execução das obras de restauração, com a inclusão mínima dos seguintes serviços: recuperação das estruturas (ferragens expostas e tratamento e eliminação das trincas, rachaduras e fissuras); recomposição dos revestimentos (incluindo o tratamento dos tijolos aparentes); reconstituição dos elementos arquitetônicos; correção dos problemas de infiltração; instalação dos sistemas de SPDA; reforma do sistema elétrico (instalação e verificação do funcionamento de todas as luminárias); serviços de pintura da fachada; fechamento dos acessos; implantação de um sistema seguro e de restrição para acesso aos imóveis somente às pessoas autorizadas; l) apresentação o plano de manutenção preditivo, preventivo e corretivo dos imóveis, e sua efetiva implementação, conforme determinação das normas, principalmente com a NBR 5677/99 da ABNT – Manutenção de Edificações e com o Manual de Obras Públicas-Edificações - Práticas SEAP; m) implementação da matriz de responsabilidade garantindo a sua efetiva implementação, a fim de evitar a continuidade da degradação dos imóveis, com a implementação dos programas de manutenção dos bens públicos em referência; n) regularização das documentações e aprovações legais dos imóveis. Ao final, formulou os seguintes pedidos definitivos (ID Num. 148650950 - Pág. 27): 7. DOS PEDIDOS Ante todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer: (...) d) seja, ao final, o Réu condenado em obrigação de fazer, consistente na restauração dos imóveis descritos no item 2, supra, da seguinte forma; i) apresentar projeto completo de restauração ao CONPRESP e CONDEPHAAT, no prazo de 120 (cento e vinte) dias; ii) executar as obras necessárias, após a aprovação do projeto pelos órgãos municipais e estaduais competentes, no prazo de 2 (dois) anos. Em decisão ID Num. 148651265, foi deferida parcialmente a antecipação da tutela: Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO, para determinar à requerida, como 'medidas' imprescindíveis à restauração da situação dos imóveis: No prazo de 90 dias, a contar da ciência desta decisão: - dos imóveis Armazém 2, Escola dos Meninos e Escola interdição das Meninas, bem como a retirada de madeiras, parte das estruturas, inclusive as de concreto armado, revestimentos das fachadas, telhas e outros objetos que possam, de algum modo, causas incidentes com usuários e ou moradores do local; - verificação da legalidade da ocupação do imóvel Armazém 1, utilizado por associação e por duas famílias; - limpeza urgente nos imóveis, a fim de eliminar as condições de insalubridade; - programa de limpeza quinzenal das instalações e do entorno; - reparos de emergência (que possam causar danos a terceiros, usuários ou não); No prazo de 120 dias, a contar da ciência desta decisão: - restauração, com inclusão mínima, de recuperação das estruturas, reconstituição de elementos arquitetônicos, correção de problemas de infiltração; instalação dos sistemas SPDA; reforma do sistema elétrico; serviços de pintura da fachada; fechamento dos acessos aos imóveis, com a implantação, inclusive, de sistema de restrição de acesso somente a pessoas autorizadas (previamente) (item K, fls.26, da petição inicial). Em caso de descumprimento desta decisão, fixo a multa diária de r$ 10.000,00 (dez mil reais) - art.13, da Lei 7.347/85. Desta decisão o INSS interpôs o agravo de instrumento nº 5000368-69.2018.4.03.0000, oportunidade em que foi indefiro o pedido de concessão de efeito suspensivo (ID Num. 148651276). Posteriormente, em juízo de retratação, foi excluída a cominação da multa cominatória (ID Num. 148651281). Na sentença, o r. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC (ID Num. 148651295). Inconformado, o MPF interpôs recurso de apelação, alegando, em síntese: a) os bens históricos, objetos desta Ação Civil Pública, são de propriedade do INSS, sendo todos eles devidamente tombados pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Resolução 39/92) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Resolução SC-43), desde 18 de dezembro de 1992; b) apesar da alegada escassez de recursos financeiros, não se pode liberar o INSS, proprietário, de fazer os reparos necessários, visto que, todos os imóveis estão em péssimas condições de estrutura, sendo possível, se a negligência persistir, a consequente destruição/danificação do Patrimônio Histórico e Cultural daquela região; c) na r. sentença foram observados apenas os argumentos econômicos da autarquia, em detrimento da proteção daqueles bens e dos prejuízos já causados ao entorno; d) é cediço que o proprietário de coisa tombada, no ato do tombamento, adquire a obrigação de manter em bom estado de conservação o bem protegido. Não tendo sido apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte Federal. Em parecer, o representante da Procuradoria Regional da República da 3ª Região opinou pelo provimento do recurso de apelação (ID Num. 155241020). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007607-94.2017.4.03.6100 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SÃO PAULO APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Do reexame necessário De início, impende frisar que está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), in verbis: Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo. Com efeito, assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR CARÊNCIA DE AÇÃO (FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL). REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO INTERNO DA FEDERAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2). 2. Conforme o entendimento desta Corte Superior, o art. 19 da Lei 4.717/1965 aplica-se analogicamente, também, às Ações Civis Públicas, para submeter as sentenças de improcedência ao reexame necessário. Julgados: AgInt no REsp. 1.264.666/SC, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 22.9.2016; AgRg no REsp. 1.219.033/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 25.4.2011. 3. Ao contrário do que alegado pela parte agravante, o art. 19 da Lei 4.717/1965 incide, também, para as hipóteses de carência de ação, conforme a expressa dicção do dispositivo legal. 4. No presente caso, tendo a sentença julgado extinto o processo sem resolução de mérito, justamente pela carência de ação (fls. 347/351) - falta de interesse processual, prevista no art. 267, VI do CPC/1973 -, e considerando a jurisprudência deste STJ quanto à aplicação analógica do sobredito art. 19 às Ações Civis Públicas, é mesmo imprescindível o reexame necessário. 5. Ainda que existisse eventual vício na decisão singular, este seria convalidado pelo julgamento do presente Agravo Interno perante o Órgão Colegiado, sendo incabível o reconhecimento de nulidade. Julgados: AgInt no REsp. 1.709.018/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 2.8.2018; AgInt no REsp. 1.533.044/AC, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 2.2.2017. 6. Agravo Interno da Federação a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1547569/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 17/06/2019, DJe 27/06/2019) Do tombamento A Constituição Federal prevê, em seu art. 23, a competência comum dos entes federados para zelar pelo patrimônio público: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; (...) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; Especificamente quanto ao patrimônio cultural, dispõe a Carta Magna, em seu art. 216: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (...) IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; (...) V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. O § 1º deste dispositivo preconiza que cabe ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, promover e proteger “o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. O tombamento está regulamentado pelo Decreto-lei nº 25/37, o qual prevê, em seu art. 1º, que constitui “o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Os imóveis discutidos nestes autos, todos de propriedade do INSS, estão localizados na Vila Maria Zélia/SP nos seguintes endereços (ID Num. 148650950 - Pág. 2): 1 – Rua Mário da Costa, n° 13/14 (Armazém e Farmácia); 2 – Rua Mário da Costa, n° 18/19/20 (Restaurante) 3 – Rua Adilson Farias Claro, n° 4 (Administração) 4 – Rua Adilson Faria Claro, n° 46-A (Escola de Meninos) 5 – Rua Adilson Farias Claro, n° 88 (Escola de Meninas) 6 – Rua Adilson farias Claro, n° 126 (Açougue) Os referidos imóveis foram tombados em seu conjunto pela Resolução SC-43/92, de 18 de dezembro de 1992, do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado (CONDEPHAAT) (ID Num. 148650951 - Pág. 5): Artigo 1º: Ficam tombados como bens culturais de interesse Histórico, Arquitetônico e Social o traçado urbano e o conjunto de imóveis situados na Vila Maria Zélia, no bairro do Belenzinho, na cidade de São Paulo, pela sua grande representatividade como vila operária do início do século, por ter sido um empreendimento pioneiro e por suas características originais. Os mesmos bens também foram tombados pela Resolução nº 32/92, do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP) (ID Num. 148650951 - Pág. 7): Artigo 1° - Ficam tombados na área da VILA MARIA ZÉLIA e da antiga FÁBRICA MARIA ZÉLIA (atual Companhia Goodyear do Brasil), localizados no Bairro do Belenzinho, Distrito do Belém, os seguintes elementos constituidores do ambiente urbano: l - Na Vila Maria Zélia: a. Traçado urbano; b. Conjunto de 117 edificações; e c. Vegetação de porte arbóreo. Dentre os documentos que instruíram a petição inicial, constam várias fichas cadastrais dos imóveis da Vila Maria Zélia, elaboradas pelo CONDEPHAAT, em que se verifica a informação de que “imóvel pertence ao INSS” (ID Num. 148650954 - Pág. 8 – ID Num. 148650962 - Pág. 4). Além disso, o próprio INSS reconhece que os bens são de sua propriedade, conforme se verifica em sua contestação (ID Num. 148651272 - Pág. 2). Não há, deste modo, dúvidas acerca da titularidade destes imóveis (CPC, art. 374, II). Cinge-se a questão apresentada nestes autos com relação à possibilidade de se condenar o INSS na obrigação de fazer consistente em adotar uma série de medidas concretas em relação a conservação de suas propriedades localizadas na Vila Maria Zélia, bairro do Belenzinho, São Paulo/SP. Em sede de tutela provisória de urgência, o r. Juízo a quo concedeu parcialmente a medida para impor as seguintes obrigações ao apelado (ID Num. 148651262): Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO, para determinar à requerida, como 'medidas' imprescindíveis à restauração da situação dos imóveis: no prazo de 90 dias, a contar da ciência desta decisão: - dos imóveis Armazém 2, Escola dos Meninos e Escola interdição das Meninas, bem como a retirada de madeiras, parte das estruturas, inclusive as de concreto armado, revestimentos das fachadas, telhas e outros objetos que possam, de algum modo, causas incidentes com usuários e ou moradores do local; - verificação da legalidade da ocupação do imóvel Armazém 1, utilizado por associação e por duas famílias; - limpeza urgente nos imóveis, a fim de eliminar as condições de insalubridade; - programa de limpeza quinzenal das instalações e do entorno; - reparos de emergência (que possam causar danos a terceiros, usuários ou não); No prazo de 120 dias, a contar da ciência desta decisão: - restauração, com inclusão mínima, de recuperação das estruturas, reconstituição de elementos arquitetônicos, correção de problemas de infiltração; instalação dos sistemas SPDA; reforma do sistema elétrico; serviços de pintura da fachada; fechamento dos acessos aos imóveis, com a implantação, inclusive, de sistema de restrição de acesso somente a pessoas autorizadas (previamente) (item K, fls.26, da petição inicial). Em caso de descumprimento desta decisão, fixo a multa diária de r$ 10.000,00 (dez mil reais) - art.13, da Lei 7.347/85. Inconformado, a autarquia previdenciária interpôs o agravo de instrumento (nº 5000368-69.2018.4.03.0000), alegando, em síntese, a impossibilidade absoluta de cumprir a liminar no prazo assinalado diante da ausência de previsão orçamentária. Salientou, ainda, que na época do tombamento, o imóvel já estaria deteriorado. Em decisão ID Num. 148651276, indeferi o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, sob o fundamento de que a mera afirmação de insuficiência de recursos não é capaz de afastar as obrigações da autarquia como proprietária no dever de preservar um bem tombado. Para tanto, adotei a seguinte fundamentação: Destaque-se que, apesar do agravante afirmar a absoluta impossibilidade de cumprir a determinação judicial para a realização de obras de restauro e modernização, não trouxe aos autos provas suficientes que comprovem suas alegações. Frise-se que a mera alegação de insuficiência de recursos não é capaz de afastar as obrigações do agravante como proprietário do imóvel, principalmente o seu dever de preservar um bem tombado. (...) Conforme salientado pelo r. Juízo a quo, tombado um bem, qualificado, portanto, pela autoridade administrativa, ele, por assim dizer, ganha novo status jurídico - justamente a proteção ambiental, que lhe confere a feição de coisa incorpórea, distinta do regime jurídico de bens públicos, propriamente (que são corpóreos). Portanto, apesar de os bens objeto desta ação pertencerem ao INSS, o regime jurídico a que estão submetidos, a par das normas da propriedade (Constituição Federal e demais normas jurídicas), também abrange as normas ambientais (Constituição Federal, leis, atos administrativos), uma vez que trata-se de bens tombados. (...) Cumpre salientar que, inicialmente, cabe ao proprietário realizar as obras de conservação e reparação dos bens tombados, conforme determina o artigo 19, do Decreto-lei 25/37; sem embargo, os governos devem, do mesmo modo, tomar providências a respeito; caso as entidades políticas sejam omissas, elas devem ser responsabilizadas pela omissão, pelo fato de terem a obrigação de vigiar a proteção dos bens tombados. Por óbvio, a alegação de falta de recursos financeiros, destituída de comprovação, não é hábil a afastar o dever legal e constitucional imposto ao agravante, quanto a conservação do bem tombado, cabendo destacar que no caso em tela há indícios da inércia do INSS, diante da ausência de adoção de providencias efetivas para sanar os problemas dos seus imóveis. Interposto o agravo interno, em juízo de retratação, reconsiderei parte da decisão ID Num. 148651276 para conceder a antecipação da tutela recursal apenas no que tange à cominação da multa moratória. Na ocasião, assim fundamentei (ID Num. 148651281): Este Relator indeferiu o pedido de concessão de efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento, o que ensejou a interposição deste Agravo Interno pelo INSS. Todavia, melhor debruçando sobre o caso em concreto, entendo por bem deferir o efeito suspensivo restrito à imposição da multa cominatória – astreinte –, fixada pelo r. Juízo de origem no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso no cumprimento da decisão judicial objeto do Agravo de Instrumento. A multa cominatória (multa diária ou astreinte) é prevista nos artigos 536, caput e § 1º e 537 do Código de Processo Civil, além de autorizada a sua concessão no artigo 11 da Lei nº 7.347/1985 (LCAP) no caso de descumprimento de obrigação de fazer; e independe de requerimento da parte em quaisquer das hipóteses. Consigno que a multa diária não possui natureza compensatória nem sancionatória, mas inibitória e coercitiva, cuja finalidade é o cumprimento de decisão judicial de modo mais útil e célere. Assinalo, por oportuno, ser legítima a imposição de astreinte à Autarquia, como no caso do INSS. Segundo demonstra o Ofício nº 61/DIVOLFL/SR-1 (Id. 90413781, págs. 1/11), expedido pela Divisão de Orçamento, Finanças e Logística do INSS e juntado pelo INSS, a disponibilização de valores para o INSS/Brasil, desde 2015, voltados ao atendimento das necessidades de reformas e adaptações, obedece aos seguintes parâmetros: (a) Ano de 2015, dotação final de R$ 17.000.000,00, com parcela de 20% de R$ 3.400.000,00; (b) Ano de 2016, dotação final de R$ 13.000.000,00, com parcela de 20% de R$ 2.600.000,00; (c) Ano de 2017, dotação final de R$ 12.500.000,00, com parcela de 20% de R$ 2.500.000,00; (d) Ano de 2018, dotação final de R$ 12.708.130,00, com parcela de 20% de R$ 2.541.626,00; e (e) Ano de 2019, dotação final de R$ 15.000.000,00, com parcela de 20% de R$ 3.000.000,00. Aponta o referido Ofício que a dotação orçamentária destinada à Superintendência Regional Sudoeste I (existem outras quatro Regionais) é de 20% (vinte por cento) dos valores, aproximadamente, o que corresponde, no ano de 2019, a R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais). Informa, ainda, que o referido montante deverá garantir a realização de todas as intervenções necessárias em imóveis localizados no Estado de São Paulo (442 imóveis, dos quais, 217 são operacionais e 225 dominicais; dentre eles, 283 APS em funcionamento). Por seu turno, o custo estimado para o restauro e revitalização dos imóveis tombados atinge o valor de R$ 11.090.000,00 (onze milhões e noventa mil reais), para o ano de 2014, de acordo com o levantamento realizado pela Secretaria de Cultura do Município, conforme aduz o INSS. Além disso, o INSS menciona as Portarias nº 434 do Ministério da Economia e nº 2.517/PRES/INSS, ambas de 2019, as quais dispõe sobre restrições orçamentárias no âmbito do Ministério da Economia, autarquias e fundações vinculadas, o que limita ainda mais o orçamento do INSS (documentos – Id’s. 90414705, págs. 1/18 e 90414709, págs. 1/4). Nesse contexto, da leitura dos autos, sobretudo da argumentação deduzida neste Agravo Interno, assim como dos documentos carreados pelo INSS na ocasião, infiro que a imposição da multa diária, no caso em voga, acaba por não atingir a sua finalidade precípua – utilidade e celeridade no cumprimento da decisão judicial –, na medida em que irá agravar a situação financeira do INSS. Os recursos financeiros da Autarquia devem ser empregados exclusivamente na preservação dos imóveis tombados, objeto de proteção na Ação Civil Pública subjacente. Além disso, há necessidade de previsão orçamentária para que esses tipos de pagamento sejam realizados (astreinte), cujo montante pode atingir um patamar muito elevado, caso o INSS não consiga cumprir a decisão judicial no prazo estabelecido, fato esse a ser ponderado. Assim, nesse juízo de cognição sumária, revendo o posicionamento anteriormente adotado, vislumbro a existência de plausibilidade de direito nas alegações do INSS e do periculum in mora quanto ao afastamento da imposição da multa diária, na medida em que poderá implicar no atraso do cumprimento da tutela jurisdicional (preservação dos imóveis tombados), se não a sua frustração integral, dependendo do valor que atingir, desvirtuando a finalidade precípua da astreinte. Impende ressaltar que, na referida decisão, restou expressamente consignado que a medida antecipatória recursal restringir-se-ia à multa cominatória, permanecendo íntegro os efeitos da decisão agravada quanto à manutenção dos imóveis tombados: No entanto, é de se manter a decisão de indeferimento do efeito suspensivo quanto à adoção das medidas concretas de preservação dos imóveis tombados, estabelecidas na decisão objeto do Agravo de Instrumento, pelos fundamentos já assinalados na decisão anterior deste Relator, que passam a fazer parte também deste decisum. Na sentença, contudo, houve por bem o r. Juízo a quo julgar improcedente o pedido. Em suas palavras (ID Num. 148651295): Não foge a este juízo o conhecimento de que a mera alegação de insuficiência de recursos não é capaz de afastar as obrigações da Autarquia previdenciária frente aos imóveis objeto da presente lide, porém entendo que deve haver certa ponderação a este respeito. Inobstante, trata-se de uma Autarquia Federal, seus recursos não são infinitos, não devendo ser dirigidos de modo distinto, v.g., de um particular proprietário de um bem tombado. Como explanado pelo Ilmo. Relator do Recurso Interno ao Agravo de Instrumento interposto pelo INSS, segundo demonstra o Ofício nº 61/DIVOLFL/SR-1 (Id. nº 90413781, págs. 1/11), expedido pela Divisão de Orçamento, Finanças e Logística do INSS e juntado pelo INSS, a disponibilização de valores para o INSS/Brasil, desde 2015, voltados ao atendimento das necessidades de reformas e adaptações, obedece aos seguintes parâmetros: (...) Nesse contexto, da leitura dos autos, assim como dos documentos carreados pelo INSS na ocasião, infiro que a imposição de arcar com toda a obra de restauração dos imóveis tombados mostra-se medida que irá agravar a situação financeira do INSS. Feito o panorama jurídico incidente sobre o tema, passo à análise das razões recursais. Acerca desta modalidade de intervenção do Estado na propriedade, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro que o proprietário do bem tombado está sujeito às seguintes obrigações: 1. positivas: fazer as obras de conservação necessárias à preservação do bem ou, se não tiver meios, comunicar a sua necessidade ao órgão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa (art. 19); em caso de alienação onerosa do bem, deverá assegurar o direito de preferência da União, Estados e Municípios, nessa ordem, sob pena de nulidade do ato, sequestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos o transmitente e o adquirente; as punições serão determinadas pelo Poder Judiciário (art. 22). Se o bem tombado for público, será inalienável, ressalvada a possibilidade de transferência entre União, Estados e Municípios (art. 11); 2. negativas: o proprietário não pode destruir, demolir ou mutilar as coisas tombadas nem, sem prévia autorização do IPHAN, repará-las, pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado (art. 17); também não pode, em se tratando de bens móveis, retirá-los do país, senão por curto prazo, para fins de intercâmbio cultural, a juízo do IPHAN (art. 14); tentada sua exportação, a coisa fica sujeita a sequestro e o seu proprietário, às penas cominadas para o crime de contrabando e multa (art. 15); 3. obrigação de suportar: o proprietário fica sujeito à fiscalização do bem pelo órgão técnico competente, sob pena de multa em caso de opor obstáculos indevidos à vigilância. (in Direito administrativo, 36ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2023, livro digital, item 6.8.6) Infere-se que a obrigação primordial do proprietário é o de preservar o bem, não podendo destruí-lo, demoli-lo ou alterar a sua estrutura. É certo que o art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37 impõe à União a responsabilidade pelo pagamento das despesas de conservação e de reparação do bem, contudo, o faz de forma subsidiária, desde que o proprietário alegue a insuficiência de recursos: Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa. § 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa. No caso em análise, os bens imóveis integram o patrimônio público de uma autarquia federal (INSS), razão pela qual o citado dispositivo deve ser analisado cum grano salis. Justamente em razão desta particularidade é que, no agravo de instrumento nº 5000368-69.2018.4.03.0000, externei o entendimento de que a insuficiência de recursos do INSS não é capaz de afastar, por si só, suas obrigações no dever de conservar e preservar os bens tombados. Em caso análogo envolvendo o Estado de São Paulo, esta C. Quarta Turma adotou o mesmo raciocínio: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA, ILEGITIMDADE PASSIVA DAS PARTES, FALTA DE INTERESSE DE AGIR, IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA REJEITADAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL. ART. 216, IV, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE DE PROTEÇÃO INDEPENDENTE DE TOMBAMENTO. (...) - Sobre a proteção ao patrimônio cultural brasileiro dispõe o artigo 216, da Constituição Federal, que "constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem. Ademais, "o poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação". - Existem diversas formas de proteção a este patrimônio (art. 216, V, § 1º), de forma que o tombamento não é o meio exclusivo para tanto, embora a proteção efetiva e concreta se dê pela referida modalidade. Nos termos do Decreto-lei nº 25/37, praticamente todas as prerrogativas e deveres relativos à concreta preservação do patrimônio histórico e cultural material de propriedade privada concebíveis decorrem do tombamento, restando pouca margem para outras medidas, que devem ser subsidiárias. - Diferente é a hipótese da propriedade do bem pelo próprio Poder Público, mas apenas porque neste caso o tombamento é desnecessário, pois nesta hipótese o Ente Titular pode direta e livremente tomar todas as medidas necessárias a este fim sem interferir em direitos de terceiros, situação esta análoga à da desapropriação para preservação do patrimônio histórico e cultural, expressamente prevista na Constituição. - No caso, o ponto controvertido cinge-se a verificar a necessidade de restauração/manutenção do bem Chaminé da Luz pelas apelantes, os limites de suas responsabilidades e a titularidade do bem cultural discutido. - Quanto ao interesse histórico e cultural da Chaminé da Luz, todos os Entes reconhecem a existência de algum valor histórico no monumento discutido, o que é praticamente incontroverso, apesar de alegarem não ter recursos para sua preservação. Diversos documentos constantes nos autos (manifestação do IPHAN, estudo realizado pela CONDEPHAAT e outros) ratificam o caráter histórico e cultural. - No que se refere ao estado do bem e a necessidade de restauro e preservação, não há dúvidas que o quadro atual da Chaminé da Luz é de completo abandono. O conjunto probatório ratificou que, além do mau cheiro e da grande quantidade de lixo nas instalações, há reparos importantes a serem realizados nos elementos estruturais da edificação (risco provável de incidentes graves), no sistema de proteção contra descarga atmosférica (risco iminente de incidentes graves), na conservação das características arquitetônicas do monumento (risco iminente quanto à identificação do patrimônio histórico e cultural) e na proliferação de doenças (risco iminente de incidentes graves). - Com relação à propriedade do bem, a quem cabe o dever de preservação direta e a quem cabe eventual repasse de recursos em caso de insuficiência, restou claro que a Chaminé da Luz é de propriedade do Estado de São Paulo. Conforme também observado pela r. sentença, consta dos autos certidão de propriedade do imóvel Fazenda do Estado de São Paulo, transcrição n. 54.745, de 29/03/1910 (fl. 195). (...) - Não prospera o argumento de que a ausência de previsão do orçamento público legitima o descumprimento da obrigação, haja vista que o legislativo pode adotar providências, se necessário, para abertura de crédito ou o aumento orçamentário, sendo fato corriqueiro na gestão orçamentário-financeira. - O Poder Judiciário pode compelir o município a fiscalizar o monumento, evitando-se a ocorrência de depredações, pichações e ocupação por moradores de rua. Ademais, há risco iminente de um desastre com o desabamento da chaminé. A remoção dos moradores também constitui etapa preparatória à realização das obras de reforma. - Remessa oficial e apelações desprovidas. (ApelRemNec 0003374-13.2015.4.03.6100, Rel. Desembargadora Federal Mônica Nobre, julgado em 21/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/03/2019) Deve-se salientar que o simples fato de os imóveis terem sido tombados pelo Estado de São Paulo e pelo Município de São Paulo não lhes transferem a responsabilidade pela preservação e conservação, já que a dicção do art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37 é clara ao impor este ônus ao seu proprietário. Por outro lado, não se pode ignorar a realidade financeira-econômica do apelado, notadamente demonstrada no Ofício nº 61/DIVOLFL/SR-1 (ID Num. 148651289 - Pág. 1), datado de 12/09/2019, expedido pela Divisão de Orçamento, Finanças e Logística do INSS, “contendo o valor disponibilizado para o INSS/Brasil desde o ano de 2015 para atendimento das necessidades de Reformas e Adaptações”: (a) Ano de 2015, dotação final de R$ 17.000.000,00, com parcela de 20% de R$ 3.400.000,00; (b) Ano de 2016, dotação final de R$ 13.000.000,00, com parcela de 20% de R$ 2.600.000,00; (c) Ano de 2017, dotação final de R$ 12.500.000,00, com parcela de 20% de R$ 2.500.000,00; (d) Ano de 2018, dotação final de R$ 12.708.130,00, com parcela de 20% de R$ 2.541.626,00; e (e) Ano de 2019, dotação final de R$ 15.000.000,00, com parcela de 20% de R$ 3.000.000,00. Ainda de acordo com este documento, os montantes disponibilizados “devem garantir a realização de todas as intervenções necessárias em imóveis localizados no Estado de São Paulo”, sendo na época contabilizados em 442 imóveis (217 são operacionais e 225 dominicais; dentre eles, 283 APS em funcionamento). Consta deste Ofício que a dotação orçamentária destinada à Superintendência Regional Sudoeste I (existem outras quatro Regionais) seria de 20% dos valores, aproximadamente, o que corresponde, no ano de 2019, a R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais). Ocorre que, segundo levantamento realizado pela Prefeitura Municipal de São Paulo, os “custos estimados (em valores de novembro de 2014) para contratação de projeto completo de restauração e execução de obras de restauro e modernização para os imóveis da Vila Maria Zélia, totalizando R$ 11.090.000,00 (onze milhões e noventa mil reais)”. Por fim, o Ofício destaca a existência das Portarias nº 434 do Ministério da Economia e nº 2.517/PRES/INSS, ambas de 2019, as quais dispõe sobre restrições orçamentárias no âmbito do Ministério da Economia, autarquias e fundações vinculadas, os quais limitam ainda mais o orçamento. Não há como negar a relevância histórica, arquitetônica, cultural e ambiental do conjunto de imóveis localizados na Vila Maria Zélia tombados pelo CONDEPHATT e pelo CONPRESP. Apesar disso, os bens integrantes deste conjunto histórico não foram devidamente conservados, o qual se verifica pelos pareceres técnicos elaborados pelo CONDEPHAAT. Transcrevo, a título elucidativo, algumas conclusões (ID Num. 148650954 - Págs. 2-4): 2 – Rua Mario Costa 18/10/20 – Armazém II Está totalmente abandonado, deve ter infiltração no telhado, está sem janelas há anos é necessário que seja feito um levantamento para verificar as condições estruturais, se há necessidade de escoramento das paredes, como está a cobertura, diagnóstico das condições do edifício para nortear um projeto de restauro. (...) 4 - Rua Adilson Farias Claro, n° 46 - A e 5-Rua Adilson Farias Claro, n° 88-Escola de Meninas Retirar as árvores que cresceram dentro das ruinas, escorar as paredes remanescentes, fazer um levantamento com diagnóstico para a reconstrução e recomposição do bem tombado que está em estado de abandono, apresentar o projeto de reconstrução e restauro ao Condephaat. (...) 6-Rua Adilson Farias Claro, n° 126 - Antiga Avícola Restaurar paredes, cobertura, verificar se há pontos de infiltração e outros problemas a serem sanados, pois o imóvel se encontra fechado e sem uso há anos. No Ofício n° 007/DPH-G/2015, o Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal de São Paulo apresenta o relatório de vistoria realizado em 15/01/2015, bem como os custos estimados para a realização das obras necessárias para a conservação dos imóveis (ID Num. 148650962 - Pág. 6). Rua Mario Costa, 13: R$ 1.960.000,00. Rua Mario Costa, 18: R$ 1.980.000,00. Rua Adilson Farias Claro, 4: R$ 480.000,00 Rua Adilson Farias Claro, 46: R$ 3.230.000,00. Rua Adilson Farias Claro, 88: RS 3.230.000,00 Rua Adilson Farias Claro, 126: R$ 210.000,00 Somando os custos estimados, atinge-se o montante de R$ 11.090.000.00 mencionado no Ofício nº 61/DIVOLFL/SR-1. Chama a atenção, dentre os imóveis avaliados, a precária situação da Escola de Meninos (Rua Adilson Farias Claro, 46) e da Escola de Meninas (Rua Adilson Farias Claro, 88): Escola de Meninos (ID Num. 148650967 - Pág. 5) Uma das edificações mais deterioradas do conjunto. Apresenta graves problemas nas instalações, nos elementos de revestimento e principalmente em sua cobertura. Alguns trechos já desabaram inclusive. A estrutura só se encontra estável pois foi instalado um escoramento com pontaletes de madeira, no entanto de caráter provisório, necessitando urgentemente de uma solução que a estabilize definitivamente. Há problemas de segurança com invasões recorrentes de modo que seria recomendável que se lacrasse o edifício até a conclusão das obras necessárias. Escola de Meninas (ID Num. 148650967 - Pág. 6) A situação é muito semelhante ao edifício anterior, a Escola de Meninos. A cobertura já desabou por completo e a estrutura aparenta sérios problemas de estabilidade. É necessária uma limpeza da vegetação e a consolidação de todos os elementos construtivos. Pelos relatórios apresentados, somados às fotos acostadas neste estudo, percebe-se o péssimo estado de preservação e conservação dos imóveis em questão, havendo, inclusive, riscos de desabamento. Acontece que, como já apontado, a dotação orçamentária apresentada pelo INSS não comporta o montante necessário para fazer frente às reformas almejadas. Assim, embora não existam dúvidas acerca da necessidade de salvaguardar estas edificações históricas, a forma pela qual se implementarão as reformas deve guardar consonância com a realidade financeira do ente público que as financiará. Tamanha é a relevância de se fazer o cotejo entre as realidades fáticas e financeiras no momento da apreciação da demanda que o art. 20 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42) prevê que: Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. No mesmo sentido, estabelece o art. 22 que: Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. No caso, segundo o Ofício nº 61/DIVOLFL/SR-1, em 2015, data em que foi elaborado o custo estimado para as obras na Vila Maria Zélia, a Superintendência Regional Sudoeste I possuía o orçamento de R$ 3.400.000,00 para atender a todas as reformas e adaptações das unidades do INSS localizadas nesta Regional. De forma didática, consta deste documento a seguinte passagem (ID Num. 148651289 - Pág. 2): 5.2 Os valores disponibilizados devem garantir a realização de todas as intervenções necessárias em imóveis localizados no Estado de São Paulo, abrangência da SR-I. Incluem-se, pois, nesses valores, as despesas de obras para garantir o bom funcionamento de todas as unidades operacionais em funcionamento (as não cobertas pelos contratos de manutenção predial), as adequações às normas de segurança e às normas de acessibilidade, entre outras demandas recebidas, inclusive, por meio de Inquéritos e Ações Civis Públicas (oriundos do Ministério Público Federal e Estadual e do Ministério Público do Trabalho, entre outros), além de eventuais despesas em imóveis não utilizados para os serviços do INSS (imóveis dominicais vinculados ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social). O MPF, em sua exordial, requereu que a execução das obras fosse feita no prazo de 2 anos, contados da aprovação do projeto pelos órgãos municipais e estaduais competentes (ID Num. 148650950 - Pág. 27). Percebe-se que o prazo solicitado se mostra inexequível, uma vez que, nos valores de 2015, caso fosse determinada a imediata reforma dos imóveis tombados (R$ 11.090.000,00), o orçamento da Superintendência Regional Sudoeste I ficaria comprometido por quase 4 anos. Com o fim de buscar um equilíbrio entre a preservação do patrimônio público e os limites orçamentários do INSS para a manutenção de seus bens, penso que a melhor solução seria realizar as reformas na Vila Maria Zélia de forma gradual e parcelada, priorizando-se aqueles imóveis que apresentam maior risco à segurança pública. Como o relatório de vistoria contido nos autos remonta o ano de 2015, não há como precisar, neste momento, a real situação dos bens. Além disso, também não há informações acerca do atual orçamento do INSS para as reformas em seus imóveis. Cabe salientar que a ausência de tais dados não impede, neste momento, a condenação da autarquia na obrigação de fazer consistente em reformar os imóveis da Vila Maria Zélia, postergando para a fase de cumprimento da sentença o estabelecimento do cronograma a ser respeitado. Trata-se de solução que respeita tanto o princípio da primazia do julgamento de mérito (art. 4º) como o princípio da celeridade processual. Isto porque não se mostra adequado converter este feito em diligência para que seja determinada a elaboração de uma nova vistoria nos imóveis enquanto não houver o trânsito em julgado. E ainda que fosse determinada a nova vistoria, numa eventual interposição dos recursos extraordinários, não haveria como saber se a realidade fática dos imóveis vistoriados será a mesma de quando esta demanda for apreciada pelos Tribunais Superiores. Por outro lado, ao postergar a elaboração do cronograma, evita-se a adoção de medidas desnecessárias, concentrando para a fase de cumprimento de sentença a efetivação das medidas necessárias para avaliar a situação dos imóveis. Especificamente quanto ao cronograma, cumpre frisar que o montante a ser reservado do orçamento para os imóveis em questão não pode inviabilizar a necessidade de atenção e/ou reformas urgentes nos outros bens do INSS, cabendo ao r. Magistrado Singular, em juízo de ponderação e razoabilidade, estabelecer o lapso temporal que considerar adequado. Ressalto, ainda, que o § 3º, do art. 3º, do CPC, preconiza que a “conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. Como todas as partes estão alinhadas com a necessidade de salvaguardar o patrimônio cultural, penso que a utilização da autocomposição seria de grande valia para estabelecer o cronograma das obras. Em suma, reconhece-se, neste momento, a obrigação de fazer do INSS consistente em reformar e conservar os imóveis de sua propriedade localizados na Vila Maria Zélia, postergando para a fase de cumprimento de sentença a elaboração do cronograma de reformas e o estabelecimento dos prazos para o início e conclusão das obras, levando-se em que consideração que o montante a ser reservado do orçamento público não pode inviabilizar a necessidade de atenção e/ou reformas urgentes nos outros bens da autarquia federal. Da concessão da tutela antecipada recursal No que tange ao cumprimento da obrigação de fazer, preceitua o art. 536 do CPC que: Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. Em decisão ID Num. 148651265, foi deferida parcialmente a antecipação da tutela. Contudo, com a prolação da sentença de improcedência, a decisão concessória de tutela antecipada de urgência foi expressamente revogada (ID Num. 148651295 - Pág. 7). Como a sentença foi publicada em março/2020, desde esta época os imóveis da Vila Maria Zélia estão desprotegidos. Assim, salvo a multa cominatória, deve-se restabelecer os termos da decisão ID Num. 148651265 para salvaguardar os imóveis de propriedade do INSS na Vila Maria Zélia. Dispositivo Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação e ao reexame necessário para reconhecer a obrigação de fazer do INSS consistente em reformar e conservar os imóveis de sua propriedade localizados na Vila Maria Zélia, postergando para a fase de cumprimento de sentença a elaboração do cronograma de reformas e o estabelecimento dos prazos para o início e conclusão das obras, e, de ofício, restabeleço os efeitos da decisão ID Num. 148651265, salvo a multa cominatória. É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO TIDO POR SUBMETIDO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TOMBAMENTO. IMÓVEIS DE PROPRIEDADE DO INSS LOCALIZADOS NA VILA MARIA ZÉLIA. CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO. OBRIGAÇÃO DO PROPRIETÁRIO. ORÇAMENTO PÚBLICO. CRONOGRAMA DAS REFORMAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).
2. A Constituição Federal prevê, em seu art. 23, a competência comum dos entes federados para zelar pelo patrimônio público. Já o § 1º, do art. 216, preconiza que cabe ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, promover e proteger “o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.
3. O tombamento está regulamentado pelo Decreto-lei nº 25/37, o qual prevê, em seu art. 1º, que constitui “o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.
4. Os imóveis localizados na Vila Maria Zélia/SP foram tombados em seu conjunto pela Resolução SC-43/92, de 18 de dezembro de 1992, do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado (CONDEPHAAT) e pela Resolução nº 32/92, do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP).
5. No caso em análise, os bens imóveis integram o patrimônio público de uma autarquia federal (INSS), razão pela qual o art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37 deve ser analisado cum grano salis.
6. O simples fato de os imóveis terem sido tombados pelo Estado de São Paulo e pelo Município de São Paulo não lhes transferem a responsabilidade pela preservação e conservação, já que a dicção do art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37 é clara ao impor este ônus ao seu proprietário.
7. Segundo o Ofício nº 61/DIVOLFL/SR-1, em 2015, data em que foi elaborado o custo estimado para as obras na Vila Maria Zélia, a Superintendência Regional Sudoeste I possuía o orçamento de R$ 3.400.000,00 para atender a todas as reformas e adaptações das unidades do INSS localizadas nesta Regional.
8. O prazo solicitado pelo MPF se mostra inexequível, uma vez que, nos valores de 2015, caso fosse determinada a imediata reforma dos imóveis tombados (R$ 11.090.000,00), o orçamento da Superintendência Regional Sudoeste I ficaria comprometido por quase 4 anos.
9. Com o fim de buscar um equilíbrio entre a preservação do patrimônio público e os limites orçamentários do INSS para a manutenção de seus bens, a melhor solução seria realizar as reformas na Vila Maria Zélia de forma gradual e parcelada, priorizando-se aqueles imóveis que apresentam maior risco à segurança pública.
10. Especificamente quanto ao cronograma, cumpre frisar que o montante a ser reservado do orçamento para os imóveis em questão não pode inviabilizar a necessidade de atenção e/ou reformas urgentes nos outros bens do INSS, cabendo ao r. Magistrado Singular, em juízo de ponderação e razoabilidade, estabelecer o lapso temporal que considerar adequado.
11. Como a sentença de improcedência foi publicada em março/2020, desde esta época os imóveis da Vila Maria Zélia estão desprotegidos. Assim, salvo a multa cominatória, deve-se restabelecer os termos da decisão ID Num. 148651265 para salvaguardar os imóveis de propriedade do INSS na Vila Maria Zélia.
12. Apelação e reexame necessário, tido por submetido, parcialmente providos.