APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5024529-11.2020.4.03.6100
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: FUNDAÇÃO MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL - MUDES, ALEJANDRO CONSTANTINO STRATIOTIS
Advogados do(a) APELANTE: CAETANO FALCAO DE BERENGUER CESAR - RJ135124-A, FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI - RJ95237-S
Advogados do(a) APELANTE: ANDRE DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI ABBUD - SP206552-A, EDUARDO LEARDINI PETTER - PR96984, GUSTAVO SANTOS KULESZA - SP299895-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
PARTE RE: B3 S.A. - BRASIL, BOLSA, BALCAO, MARIO ENGLER PINTO JUNIOR, JOSE ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, MATHIEU PAUL MAURICE BARBARA DE LABELOTTERIE DE BOISSESON
ADVOGADO do(a) PARTE RE: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5024529-11.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: FUNDAÇÃO MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL - MUDES, ALEJANDRO CONSTANTINO STRATIOTIS Advogados do(a) APELANTE: CAETANO FALCAO DE BERENGUER CESAR - RJ135124-A, FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI - RJ95237-S APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: PARTE RE: B3 S.A. - BRASIL, BOLSA, BALCAO, MARIO ENGLER PINTO JUNIOR, JOSE ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, MATHIEU PAUL MAURICE BARBARA DE LABELOTTERIE DE BOISSESON ADVOGADO do(a) PARTE RE: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A R E L A T Ó R I O O Exmo. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de recursos de apelação interpostos por FUNDAÇÃO MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – MUDES e ALEJANDRO CONSTANTINO STRATIOTIS em face de sentença que julgou procedente o pedido da UNIÃO, declarando nula a Sentença Arbitral Parcial proferida, em 15/01/2020, pela Câmara de Arbitragem do Mercado – CAM nos autos dos procedimentos arbitrais CAM 85/2017 e CAM 97/2017 (reunidos por conexão), e integrada pela decisão do pedido de esclarecimentos de 05/08/2020. Em suas razões, a FUNDAÇÃO MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (“MUDES”) aduz que, na qualidade de acionista minoritária e substituta processual da Petrobrás, instaurou o Procedimentos Arbitral CAM nº 85/2017, perante a Câmara de Arbitragem do Mercado da BM&F BOVESPA (“CAM-BOVESPA”), buscando a reparação por danos causados à companhia pela sua controladora (União Federal), em razão dos atos de abuso de poder de controle por ela praticados, revelados no curso da denominada “Operação Lava Jato”. Sustenta que, com o ajuizamento da presente ação, a União tenta se desvincular da cláusula compromissória estatutária da Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras, desobrigando-se de participar do procedimento arbitral. Em seu entendimento, a sentença que acolheu o pedido da União se mostrou teratológica, lacônica e superficial, desprezando as razões apresentadas pela ora apelante, e limitando-se a acolher as razões da parte autora, com a reprodução, de forma açodada e irrefletida, dos acórdãos do e.STJ nos Conflitos de Competência nº 151.130/SP (que versa sobre situação fática e jurídica distinta) e nºs 177.436 e 177.437, que não conduzem à nulidade da r. sentença arbitral pretendida pela União no feito de origem. Sustenta que, na decisão proferida no CC nº 151.130/SP, entendeu-se que a Justiça Federal teria competência, a priori, para decidir quem resolveria o mérito da lide, se o Poder Judiciário ou a câmara arbitral, sem que isso consista em negação genérica à atribuição arbitral ou ainda à desvinculação da União à cláusula compromissória estatutária da Petrobrás, entendimento que, uma vez adotado, violaria as regras do segmento especial de governança corporativa Nível 2 da B3, às quais a empresa aderiu em 14/05/2018, e que exigem que a companhia contenha em seu estatuto social cláusula compromissória válida e vinculante a todos os seus acionistas para que os litígios societários havidos entre eles, ou entre eles e a companhia, sejam resolvidos por meio de arbitragem. Destaca que a vinculação da União à arbitragem já foi reconhecida pela Justiça Federal, no agravo de instrumento nº 5013055-15.2017.4.03.0000. Elenca ainda os seguintes fundamentos que, uma vez observados, levariam à improcedência do pedido: i) a ausência de satisfação dos requisitos do art. 32, da Lei de Arbitragem, para nulidade da sentença parcial; (ii) a reiterada autorização legal a que a União participasse de procedimentos arbitrais e se vinculasse à cláusula compromissória estatutária da Petrobrás; (iii) a ausência de interesse processual da apelada no ajuizamento da demanda de origem; e (iv) o comportamento contraditório e vexaminoso da União ao se pretender desvinculada à cláusula compromissória. Pugna, ao final, pelo provimento do recurso, a fim de que seja integralmente reformada a sentença recorrida, mantendo-se os efeitos da sentença arbitral parcial proferida no procedimento CAM 85/2017. ALEJANDRO CONSTANTINO STRATIOTIS aduz, preliminarmente, que o feito deve ser distribuído por prevenção ao Relator do agravo de instrumento nº 5013055-15.2017.4.03.0000, originário do processo nº 5009098-39.2017.4.03.6100. No mérito, sustenta que a sentença recorrida, se limitou a reproduzir julgados proferidos em outros processos, que não servem como precedentes, a exemplo das decisões nos conflitos de competência nº 177.437/DF e nº 151.130/SP, e nos agravos de instrumento nº 5010588-24.2021.4.03.0000 e nº 5011206-66.2021.4.03.0000. Alega que não restou caracterizada nenhuma das hipóteses de nulidade da sentença arbitral relacionadas no rol taxativo do art. 32, da Lei nº 9.307/1996, pois: i) a convenção de arbitragem é válida e eficaz; ii) a sentença foi proferida dentro dos limites da convenção de arbitragem; iii) não houve violação do art. 21, §2º, da Lei nº 9.307/1996, iv) não houve violação da ordem pública. Entende que a União, na qualidade de acionista controladora da Petrobras, também está sujeita ao regime jurídico de direito privado disposto na Lei nº 6.404/1976, uma vez que a lei a equipara ao acionista controlador privado no que diz respeito aos seus direitos e deveres. Destaca a previsão do art. 109, §3º, da Lei nº 6.404/1976, que autoriza a solução de divergência entre acionistas e a companhia, ou acionistas controladores e acionistas minoritários, por meio de arbitragem. Acrescenta que a sentença adentrou em tema relativo ao mérito da arbitragem, o que é vedado por lei, competindo aos árbitros, exclusivamente, decidir sobre a relevância ou não de atos dos diretores da Petrobrás para fins de responsabilização da União. Pugna, ao final, pela reforma da sentença em favor da validade da sentença arbitral objeto da ação anulatória de origem. A União apresentou contrarrazões. É o breve relatório.
Advogados do(a) APELANTE: ANDRE DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI ABBUD - SP206552-A, EDUARDO LEARDINI PETTER - PR96984, GUSTAVO SANTOS KULESZA - SP299895-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5024529-11.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: FUNDAÇÃO MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL - MUDES, ALEJANDRO CONSTANTINO STRATIOTIS Advogados do(a) APELANTE: CAETANO FALCAO DE BERENGUER CESAR - RJ135124-A, FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI - RJ95237-S APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: PARTE RE: B3 S.A. - BRASIL, BOLSA, BALCAO, MARIO ENGLER PINTO JUNIOR, JOSE ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, MATHIEU PAUL MAURICE BARBARA DE LABELOTTERIE DE BOISSESON ADVOGADO do(a) PARTE RE: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A VOTO O Exmo. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): O Poder Judiciário tem competência jurisdicional para o controle judicial da extensão da cláusula compromissória relativa as Procedimentos Arbitrais CAM 85/2017 e CAM 97/2017, sendo certo que o presente feito judicial é atribuição da Justiça Federal porque a controvérsia envolve a União Federal. Apesar de o art. 5º, XXXV, da Constituição, prever o acesso ao Poder Judiciário como garantia fundamental para apreciar lesão ou ameaça a direitos (preceito que deve ser interpretado pelo critério da máxima efetividade), essa regra geral pode ser excluída pela escolha prévia de partes em favor de vias alternativas para a solução de litígios. A arbitragem é uma dessas portas legítimas à disposição daqueles que, no exercício do direito fundamental à liberdade, optam por resolver controvérsias fora do âmbito da judicialização. Uma vez feita a escolha pela arbitragem no âmbito privado, os conflitos devem ser levados à porta indicada, cabendo ao árbitro designado decidir (de ofício, ou por provocação das partes) as questões acerca da existência, da validade e da eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória (regra da “competência-competência” prevista no art. 8º, parágrafo único da Lei nº 9.307/1996). Portanto, ao árbitro é atribuída a função de avaliar a própria cláusula compromissória pela qual as partes optaram por essa via alternativa à judicialização, para então solucionar a controvérsia que lhe é apresentada. Contudo, como todo e qualquer modelo de solução de litígios inserido no Estado de Direito, as atribuições de câmara arbitral e do árbitro não são absolutas, razão pela qual é possível que a parte ou terceiro prejudicado ingresse na via judicial se houver manifesta ou objetiva violação do sistema jurídico no curso do procedimento arbitral. O extraordinário controle judicial da interpretação arbitral, até mesmo quanto à extensão do compromisso arbitral, decorre da força normativa da Constituição sobre a qual se assenta a garantia fundamental do livre acesso à prestação jurisdicional, e também está previsto em diversos preceitos da própria Lei nº 9.307/1996 (dentre eles, art. 4º, §2º, art. 20, §§1º e 2º, art. 33 e art. 37, VI). Sobre o assunto, trago à colação os seguintes julgados do E.STJ afirmando a possibilidade de controle judicial de cláusula compromissória (por vícios formais e materiais), independentemente do estágio do procedimento arbitral: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL E DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. CONTRATO DE FRANQUIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTATAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. INVALIDADE. CONTRATO DE ADESÃO. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/96. 1. Ação ajuizada em 22/5/2017. Recurso especial interposto em 28/5/2018. Autos conclusos ao Gabinete em 11/2/2019. 2. O propósito recursal é definir se é válida a cláusula compromissória prevista no contrato de franquia entabulado entre as partes. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses dos recorrentes. 4. Segundo entendimento do STJ, cabe ao Poder Judiciário, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral 'patológico', i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula. 5. Os contratos de franquia, mesmo não consubstanciando relação de consumo, devem observar o que prescreve o art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96, na medida em que possuem natureza de contrato de adesão. Precedentes. 6. Hipótese concreta em que à cláusula compromissória integrante do pacto firmado entre as partes não foi conferido o devido destaque, em negrito, tal qual exige a norma em análise; tampouco houve aposição de assinatura ou de visto específico para ela. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1803752/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 24/04/2020. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. ART. 4º, § 2º, DA LEI N. 9.307/1996. DESCUMPRIMENTO. CLÁUSULA PATOLÓGICA. ANÁLISE PELO MAGISTRADO. POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. 1. O magistrado pode analisar a alegação de ineficácia da cláusula compromissória por descumprimento da formalidade do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996, independentemente do estado do procedimento arbitral. Precedente: REsp 1.602.076/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/9/2016, DJe 30/9/2016. 2. A divergência jurisprudencial fica prejudicada no caso de a tese ser rejeitada no exame do recurso especial pela alínea "a" do permissivo constitucional. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento (AgInt no AgInt no REsp 1431391/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020) Segundo a Lei nº 9.307/1996, a parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral (art. 33), ao passo em que o art. 32 desse diploma estabelece as causas de nulidade da sentença arbitral: Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nula a convenção de arbitragem; (Redação dada pela Lei nº 13.129, de 2015) II - emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei. Portanto, o Poder Judiciário tem competência jurisdicional para o controle judicial da extensão da cláusula compromissória dada pelo juízo arbitral nos Procedimentos Arbitrais CAM 85/2017 e CAM 97/2017, ao mesmo tempo em que afirmo a competência da Justiça Federal porque a controvérsia envolve a União Federal. Por sua vez, afirmo a competência desta 2ª Turma para processar e julgar as presentes apelações. Estes recursos decorrem da ação anulatória nº 5024529-11-2020.4.03.6100, ajuizada pela União Federal em 30/11/2020, questionando a validade de decisão arbitral parcial, proferida nos procedimentos arbitrais CAM 85/17 e CAM 97/17. Distribuída para a 7ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, nesta ação judicial foi concedida tutela de urgência para suspender a decisão arbitral, o que permitiu a interposição de agravo do instrumento nº 5010588-24.2021.4.03.0000, distribuído livremente para esta 2ª Turma, em 12/05/2021, sob minha relatoria, firmando a prevenção para estas apelações. É verdade que, já em 2017, a União Federal já se via desobrigada de participar do Procedimento Arbitral nº 85/2017, para o que ajuizou a ação declaratória nº 5009098-39.2017.4.03.6100, com tramitação perante a 22ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP e, que agora, consta pendente nesta e.Corte em vista de recursos interpostos em face de sentença. Foi nessa outra ação judicial que se deu a interposição do agravo de instrumento nº 5013055-15.2017.4.03.0000, em 27/07/2017, inicialmente distribuído ao outro órgão fracionário deste e.TRF. Consta que, em razão do agravo de instrumento nº 5013055-15.2017.4.03.0000, foi instaurado Conflito Negativo de Competência nº 0003727-49.2017.4.03.0000 entre integrante da 1ª Turma e da 4ª Turma deste e.TRF. Os autos do agravo de instrumento nº 5010588-24.2021.4.03.0000 foram por mim enviados ao Gabinete da Desembargadora Federal Marli Ferreira, integrante da 4ª Turma, após o que os autos foram enviados ao Desembargador Federal Hélio Nogueira, restando assentada a inexistência de prevenção. Por estar convencido que, em vista do art. 10, §1º, II, do Regimento Interno deste e.TRF, a competência é das Turmas da 1ª Seção para julgar casos como o presente (o que foi reforçado, em 06/09/2022, por decisão do c.Órgão Especial deste Tribunal no referido Conflito de Competência), dei processamento ao agravo do instrumento nº 5010588-24.2021.4.03.0000, assim como a outros também interpostos em razão de decisões interlocutórias lançadas na mencionada ação anulatória (5011206-66.2021.4.03.0000, 5014095-90.2021.4.03.000 e 5015896-41.2021.4.03.0000). É verdade que há ligação entre a ação anulatória nº 5024529-11-2020.4.03.6100 (processada perante a 7ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, em face da qual ora são julgadas as presentes apelações) e a ação declaratória nº 5009098-39.2017.4.03.6100 (que tramitou na 22ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, e que também está neste e.TRF em fase de apelação). Todavia, não há litispendência porque foram formulados pedidos distintos, e nem razão para a reunião de recursos nesta e.Corte pois sequer as ações tramitaram em uma mesma Vara no primeiro grau de jurisdição (p. ex., e.STJ, RESP – 1.834.036-SP, Ministra Nancy Andrighi, STJ – Terceira Turma, v.u. DJe: 17/05/2020). Embora pessoalmente guarde reservas dessa orientação, deve ser privilegiado o entendimento jurisprudencial no sentido de ser facultativa a reunião de processos por conexão ou para evitar decisões conflitantes, sendo inviável se um deles já foi sentenciado (art. 55, §1º, e art. 930, ambos do CPC/2015, e Súmula 235/STJ). Sem razão a apelante MUDES quando alega que, no presente feito, o ente estatal busca rediscutir matéria judicializada. Reafirmo que, no âmbito do processo nº. 5009098-39.2017.4.03.6100, a União busca o reconhecimento de que não estaria obrigada a participar do Procedimento Arbitral nº 85/2017, enquanto nesta presente ação quer a nulidade da decisão arbitral parcial, proferida nos autos dos Procedimentos Arbitrais CAM 85/17 e CAM 97/17 (julgados conjuntamente), e da decisão do pedido de esclarecimentos proferida pela mesma câmara privada. Não há continência pelos mesmos motivos, até porque a decisão arbitral parcial ora impugnada é ato de efeito concreto (superveniente ao ajuizamento da ação declaratória de inexistência de relação jurídica (nº. 5009098-39.2017.4.03.6100) e também é combatida em vista do art. 32 e do art. 33, ambos da Lei nº 9.307/1996. Quanto à matéria de mérito, as apelações devem ser desprovidas porque, a meu ver, está caracterizada a nulidade prevista no art. 32, IV, da Lei nº 9.307/1996, uma vez que a decisão atacada nesta ação anulatória foi proferida fora da convenção de arbitragem. Retomo o relato dos fatos e pontuo os aspectos determinantes para a formação do meu convencimento. Consta que, em 10/03/2017, a MUDES (acionista minoritária e substituta processual da Petrobrás), valendo-se da cláusula compromissória prevista no art. 58, do Estatuto dessa companhia, protocolou pedido de instauração de arbitragem em face da União (Procedimento Arbitral nº 85/2017), na Câmara de Arbitragem do Mercado. Com fundamento no art. 246, da Lei nº 6.404/1976, a MUDES imputou à União o descumprimento de deveres de acionista controlador da Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras, pleiteando, ao final, a condenação do ente estatal à reparação dos prejuízos causados à referida sociedade de economia mista, apurados no curso da “Operação Lava Jato”. A União respondeu no âmbito arbitral sustentando, entre outras razões, a ausência de vinculação à cláusula compromissória prevista no Estatuto da Petrobrás. Suas objeções foram rejeitadas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, motivando o ajuizamento, em 26/07/2017, da ação declaratória de inexistência de relação jurídica em face de B3 S/A – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3 S/A”) e MUDES (processo nº 5009098-39.2017.4.03.6100), em trâmite junto à 22ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, na qual busca o reconhecimento judicial de que não está obrigada a participar do Procedimento Arbitral nº 85/2017. Nessa ação, o pedido de antecipação de tutela foi inicialmente deferido, desobrigando a União de participar do Procedimento Arbitral, decisão que foi reformada no agravo de instrumento nº 5013055-152017.4.03.0000, embora esse recurso tenha restado prejudicado em razão da superveniente prolação de sentença no feito originário (julgando procedente o pedido da União). Consta a pendência de apreciação de recurso de apelação interposto pela ré MUDES. Em 27/10/2017, em paralelo ao Procedimento Arbitral nº 85/2017 instaurado por iniciativa da MUDES, Alejandro Constantino Stratiotis, também na condição de acionista minoritário da Petrobrás, protocolizou pedido similar na mesma Câmara de Arbitragem do Mercado, dando início ao Procedimento Arbitral nº 97/2017. Daí, em 19/04/2018, os procedimentos arbitrais (nº 97/2017 e nº 85/2017) foram reunidos para processamento e julgamento conjuntos. No Procedimento Arbitral nº 97/2017, os argumentos da União foram igualmente rejeitados, o que levou o ente público federal ao ajuizamento de nova ação declaratória de inexistência de relação jurídica em face de B3 S/A – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3 S/A”) e Alejandro Constantino Stratiotis (processo nº 0230623-98.2017.4.02.5101), distribuída para a 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ. Nessa ação o pedido de tutela de urgência foi deferido, em parte em 30/03/2020, para declarar “a inexistência de relação jurídica apta a sujeitar a União Federal à cogente observância da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da Petrobrás”. Em suma, a União aduz que, apesar das reiteradas decisões judiciais, o procedimento arbitral não foi sobrestado, tendo sido proferida decisão arbitral parcial em 15/01/2020, assim ementada (id 258650090): AÇÃO SOCIAL DE RESPONSABILIDADE CONTRA CONTROLADOR – ART. 246, LEI 6.404/76 – SENTENÇA ARBITRAL PARCIAL UNÂNIME – QUESTÕES PRELIMINARES – CLÁUSULA ARBITRAL ESTATUTÁRIA VÁLIDA E EFICAZ – ARBITRABILIDADE OBJETIVA – ARBITRABILIDADE SUBJETIVA – LEGITIMIDADE DAS PARTES – AUSÊNCIA DE IDENTIDADE DA ARBITRAGEM COM AÇÃO JUDICIAL EM CURSO – AUSÊNCIA DE RENÚNCIA AO JUÍZO ARBITRAL – TRIBUNAL ARBITRAL COMPETENTE – AUSÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA – MANTIDA REUNIÃO DOS PROCEDIMENTOS ARBITRAIS CAM 85/17 E CAM 97/17 EM ARBITRAGEM ÚNICA – DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CONFLITO DE INTERESSE DOS ÁRBITROS COM RELAÇÃO AOS TERCEIROS FINANCIADORES E PARTES RELACIONADAS – DEFERIDO PEDIDO PARA CONFIRMAÇÃO DOS GESTORES DE UM DOS FUNDOS FINANCIADORES – DESENTRANHAMENTO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO DEFERIDO – INDEFERIDO PEDIDO DE JUNTADA DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO – FIXADA CAUÇÃO DO ART. 246, § 1º, ‘b’, LEI 6.404/76 – DIVISÃO DE PRÊMIO. 1. A cláusula arbitral estatutária é eficaz para dirimir disputas entre as partes da presente Arbitragem. Consentimento expresso dos acionistas que votam pela inclusão da cláusula arbitral estatutária em assembleia geral dos acionistas. Regulamento da CAM aplicável à Arbitragem não prevê Termo de Anuência. 2. A cláusula arbitral estatutária vincula a Requerida à presente Arbitragem. Autonomia da vontade dos acionistas, contemplada no art. 1º, Lei 9.307/96, e expressa na cláusula arbitral estatutária. 3. Interpretação da cláusula arbitral estatutária concluindo pela vinculação da Requerida à presente arbitragem não implica ofensa aos preceitos constitucionais da legalidade e da inafastabilidade da jurisdição. 4. A cláusula arbitral estatutária abrange a demanda proposta com fundamento no art. 246, Lei 6.404/76, em que o acionista age como legitimado extraordinário da companhia. Tribunal Arbitral reconhece sua competência no caso concreto. 5. Legitimidade processual passiva da Requerida para responder pela ação de indenização prevista no art. 246, Lei 6.404/76, com fundamento nesse dispositivo legal, assim como nos arts. 116 e 117, Lei 6.404/76, e no art. 15, Lei 13.303/16. 6. Legitimidade processual ativa dos Requerentes que atendem à condição de acionista prevista em lei para a legitimação extraordinária. Consentimento de condôminos do condomínio acionário para que um dos condôminos iniciasse a presente Arbitragem em representação dos seus interesses. 7. Improcedente afirmação sobre identidade entre a presente Arbitragem e a ação judicial n. 0013096-54.2016.4.02.5101. Ausência de renúncia ao juízo arbitral por vontade das partes, nos termos do art. 337, § 6º, Código de Processo Civil. Tribunal Arbitral competente para decidir a presente Arbitragem. 8. Ausência de litispendência sobre o Procedimento Arbitral CAM 97/17. Mantida a reunião dos Procedimentos Arbitrais CAM 85/17 e 97/17 em uma única arbitragem. 9. Financiamento de terceiros. Declarada pelos Árbitros ausência de conflito de interesse com relação aos terceiros financiadores e partes relacionadas. Árbitros reiteram declarações de imparcialidade, independência, diligência e discrição. Deferido pedido para que um dos Requerentes confirme quem são os gestores do fundo financiador. Irrelevância dos termos do contrato de financiamento para verificação do conflito de interesses, ausência de arbitragem capaz de justificar uma excepcionalidade no caso concreto que justificasse a revelação do conteúdo do referido contrato de financiamento. Indeferido pedido de juntada de contrato de financiamento de um dos Requerentes. Deferido pedido de desentranhamento de contrato de financiamento de outro Requerente. 10. Caução. Exigência expressa do art. 246, § 1º, ‘b’, Lei 6.404/76, para que o acionista detentor de participação inferior à 5% no capital social presente caução suficiente para assegurar o pagamento de custas e honorários de advogado devidos em caso de improcedência da demanda. Condenação de cada um dos Requerentes ao pagamento de 50% do montante total da caução. 11. Divisão de eventual prêmio entre Requerentes e possíveis critérios de divisão serão julgados em Sentença Arbitral Final. A sentença arbitral parcial foi integrada por decisão que apreciou o pedido de esclarecimentos apresentado pelas partes, com os seguintes destaques (id 258650091) : “III.3 DECISÃO SOBRE OS PEDIDOS DE ESCLARECIMENTOS 391. Diante de todo o exposto, o Tribunal Arbitral decide, por unanimidade, relativamente aos Pedidos de Esclarecimentos formulados pelo Requerente Alejandro e pela Requerida UNIÃO: (...) (b) Da Requerida UNIÃO: b.1 Requer que o Tribunal Arbitral “(a) manifeste-se expressamente quanto aos pontos omissos relacionados à conclusão de que a União teria se vinculado em livre exercício de sua autonomia da vontade, em especial quanto à análise sobre a ausência de possibilidade jurídica somada à inexistência, na Assembleia Geral citada pelo Il. Tribunal Arbitral, de representante da UNIÃO com competência para vinculá-la a um procedimento arbitral; e (b) supere contradição entre a fundamentação apresentada em sua decisão e o teor do documento ao qual se refere, integrante dos autos da ação civil pública 1106499-89.2017.8.26.0100, tendo em vista estar a União, naquela oportunidade, atuando como assistente da Petrobras, e não em nome próprio”; Não conhecer o pedido (a) para suprir a omissão alegada. Indeferir o pedido (b) para esclarecer a suposta contradição. b.2 Requer ao Tribunal Arbitral “(a) saneamento da dúvida relacionada à interpretação utilizada pelo Il. Tribunal Arbitral para concluir que um parágrafo único não teria o condão de portar uma exclusão de situação relacionada com o caput do dispositivo; e (b) eliminação de contradição consistente em reconhecer a aplicação do disposto no art. 238 da Lei n. 6.404, de 1976, e no art. 4º da Lei n. 13.303, de 2016, e, ao mesmo tempo, concluir que haveria condutas possíveis à Administração direta que fogem ao escopo do art. 238, LSA, sendo certo que o interesse público, no caso das empresas estatais, sempre deve ser perseguido por sua controladora. A contradição é reforçada pelo fato de que a interpretação conferida pelo il. Tribunal Arbitral retira a utilidade da previsão constante do parágrafo único da cláusula compromissória, questão a respeito da qual a UNIÃO também solicita esclarecimentos”; Indeferir o pedido (a) para sanear a dúvida. Não conhecer o pedido (b) para eliminar suposta contradição. b.3 Requer ao Tribunal Arbitral “(a) saneamento da omissão/dúvida relativa à ausência de apreciação de argumento central da UNIÃO segundo o qual a possibilidade de participação da União em arbitragens pode ser reconhecida desde o notório caso Lage, de 1973 (STF AI 52.181/GB), porém sempre com a expressa ressalva quanto à necessidade de autorização legislativa, ressaltando que a jurisprudência relacionada a entidades privadas da Administração Pública indireta não se aplicam à União; e (b) eliminação de contradição relacionada à apreciação da jurisprudência do TCU, que passou a admitir a arbitragem envolvendo a União na medida em que foram surgindo as autorizações legais específicas para tanto, sendo certo que em nenhum momento o entendimento foi superado, mas tão somente preenchido o requisito exigido pela Corte de Contas”; Indeferir os pedidos (a) e (b). b.4 Requer ao Tribunal Arbitral “o saneamento da contradição assinalada em relação ao item (iv) – impossibilidade de substituição processual em arbitragem – de modo a reconhecer a ilegitimidade da União se se confirmar que os fatos constantes da causa de pedir da arbitragem dizem respeito à época anterior à promulgação da Lei 13.303, de 2016. Caso não seja possível se confirmar que os fatos constantes da causa de pedir da arbitragem dizem respeito à época anterior à promulgação da Lei 13.303, de 2016, a União pugna pela reapreciação da matéria quando da segunda fase do processo arbitral, momento em que serão apreciadas as questões de mérito”; Não conhecer o pedido para sanear contradição. Indeferir o pedido para reapreciar matéria julgada. (...)” Indeferir o pedido para atribuir efeitos modificativos ao pedido de esclarecimentos em decorrência dos itens b.1 a b.9 acima, posto que nenhum deles foi acolhido pelo Tribunal Arbitral.” Diante da rejeição, por parte do Tribunal Arbitral, dos pedidos deduzidos pela União, tanto na decisão arbitral parcial quanto na integrativa do pedido de esclarecimentos, foi ajuizada a presente ação visando à declaração de nulidade dos referidos atos, pelos seguintes fundamentos: i) ausência de vinculação da União à convenção de arbitragem; ii) ausência de arbitrabilidade subjetiva; iii) ausência de aceitação da autoridade ou ente competente; iv) inexistência de cláusula compromissória eficaz; v) ausência de arbitrabilidade objetiva e prolação de sentença arbitral fora dos limites da cláusula compromissória; vi) não aplicação do regime do art. 246, da Lei nº 6.404/1976; vii) desrespeito ao contraditório, igualdade das partes e imparcialidade do árbitro (art. 21, § 2º, da Lei nº 9.307/1996); viii) violação à ordem pública. Processado o feito, judicial sobreveio sentença concluindo que a cláusula compromissória, prevista no art. 58, do Estatuto da Petrobrás, não obrigou a União a se submeter a procedimento arbitral para solução de controvérsia decorrente de sua atuação como acionista controladora da referida sociedade de economia mista, julgando, ao final, procedente o pedido para declarar nula a decisão arbitral parcial proferida nos autos dos procedimentos arbitrais 85/2017 e 97/2017, integrada pela decisão do pedido de esclarecimentos. Pretendem os réus, nos recursos ora analisados, a reforma da sentença. A apelante MUDES, centra suas alegações nos seguintes fundamentos: i) inaplicabilidade do acórdão do e.STJ no Conflito de Competência 151.130/SP ao caso concreto; ii) interpretação equivocada das decisões proferidas nos Conflitos de Competência 177.437/DF e 177.436/SP; iii) inadequação às hipóteses de anulação da sentença arbitral previstas no art. 32 da Lei nº. 9.307/1996; iv) existência de autorização legal para que a União participasse de procedimentos arbitrais, vinculando-se à cláusula compromissória estatutária da Petrobrás. Por sua vez, Alejandro Stratiotis fundamenta a pretensão de reforma da sentença nos seguintes pontos: i) ausência de violação ao art. 32 da Lei de Arbitragem; ii) inaplicabilidade das decisões dos Conflitos de Competência 177.437/DF e 177.436/SP; iii) inaplicabilidade do acórdão do STJ no Conflito de Competência 151.130/SP; iv) existência de arbitrabilidade objetiva e subjetiva. Posto o prolema sub judice, e admitindo como certo que a Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras está submetida à válida cláusula compromissória prevista no artigo 58 de seu Estatuto Social, o cerne da lide diz respeito ao alcance dessa mesma cláusula para a inclusão da União Federal (como parte) em procedimentos arbitrais que dizem respeito à responsabilidade (como acionista controladora) por atos de gestão praticados por membros do corpo diretivo dessa empresa privada, apurados na "Operação Lava Jato". Todos os argumentos listados pelos apelantes devem ser rejeitados, e o fundamento central é que a União Federal não está submetida à referida cláusula compromissória, do que decorre o vício previsto no art. 32, IV, da Lei nº 9.307/1996. Justifico meu entendimento pela análise sequencial dos seguintes pontos controvertidos: a) se, quando realizada a assembleia de sócios que aprovou o artigo 58 do Estatuto da Petrobras, a legislação infraconstitucional permitia que a União Federal figurasse como parte em arbitragem; b) se a União Federal esteve representada de modo válido nessa assembleia de sócios; c) se, vista de legislação superveniente, a União se comprometeu com o procedimento arbitral; e d) se a redação desse artigo 58 do Estatuto da Petrobras alcança a União Federal como parte (aspecto pessoal) e, caso positivo, se a indicação de membros para o corpo diretivo dessa empresa está compreendida pela cláusula compromissória (aspecto material) para fins de descumprimento de deveres de acionista controlador da Petrobras. Friso que, nesta ação judicial, não há discussão se houve (ou não) descumprimento de deveres da União Federal como acionista controladora da Petrobras, pois o objeto litigioso deste feito é restrito à submissão (ou não) da União Federal como parte nos procedimentos arbitrais diante da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto Social dessa companhia. Ou seja, neste julgamento não tem lugar qualquer discussão sobre a existência ou não de responsabilidade da União Federal em razão de perdas nos investimentos de acionistas ou da própria Petrobrás, mas tão somente a atribuição de câmara arbitral para analisar esse problema. Inicio observando que a inserção da cláusula arbitral no Estatuto Social da Petrobrás foi aprovada em Assembleia Geral realizada em 22/03/2002, com o propósito de adequar o perfil da empresa às modificações implementadas na Lei nº 6.404/1976, por força da Lei nº 10.303/2001, e ainda permitir a migração para os segmentos especiais de listagem da Bovespa, em especial o “Nível 2”, que exige práticas de governança corporativa diversas das estabelecidas na Lei das Sociedades por Ações, dentre as quais a adesão à Câmara de Arbitragem, de modo a tornar a empresa mais atrativa para os investidores. Ocorre que, na data em que realizada a Assembleia de acionistas que deliberou e aprovou o artigo 58 do Estatuto da Petrobras, 22/03/2002, inexistia previsão legal autorizando que a União Federal figurasse como parte em litígio submetido a procedimento arbitral. O Poder Público tem suas atividades delimitadas pela legislação (art. 37, da Constituição de 1988), e a redação originária da Lei nº 9.307/1996 não permitia que a administração pública celebrasse compromissos arbitrais. Somente com a Lei nº 13.129/2015, que incluiu os §§1º e 2º no art. 1º da Lei nº 9.307/1996, a administração pública (direta e indireta) foi autorizada a utilizar da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis: Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015) § 2º A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015) Fosse o caso de o artigo 58 do Estatuto da Petrobras ter expressamente incluído a União Federal como parte no âmbito arbitral, excluindo a regra geral de solução de litígios pela via judicial, essa cláusula estatutária seria ilegal (por ausência de permissivo legal) na extensão que envolve ente estatal. Mesmo supondo que, por hipótese, a União Federal tivesse se movido para aceitar a cláusula compromissória em questão (como parte, e não para a Petrobras), o artigo 58 do Estatuto da Petrobras não poderia alcançar esse ente estatal pelo conteúdo da Lei nº 9.307/1996 então vigente. E, como cláusula ilegal na extensão que incluiria a União, esse vício jurídico originário do artigo 58 do Estatuto não seria convalidado pela superveniente Lei nº 13.129/2015, porque o compromisso arbitral depende de manifestação válida, livre e inequívoca de vontade do contratante ao tempo em que é celebrado. Se a União tivesse pactuado ilegal cláusula compromissória, ainda assim o procedimento arbitral não estaria legitimado para incluir o ente federal porque seguiria caminho ilegal, sem prejuízo de responsabilização do ente estatal na via judicial. Antes de a Lei nº 13.129/2015 ter incluído regra geral no art. 1º, §§1º e 2º, da Lei nº 9.307/1996, havia preceitos especiais permitindo o procedimento arbitral para alguns entes públicos em certos segmentos. Contudo, nenhuma dessas regras especiais permite envolver a União Federal na cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto Social da Petrobrás, como se vê na Lei nº 9.472/1997 (serviços de telecomunicações), na Lei nº 9.478/1997 (concessão de exploração de petróleo), na Lei nº 11.196/2005 (contratos de concessão de serviço público em geral), na Lei nº 10.233/2001 (concessão de exploração de transportes aquaviários e terrestres), e na Lei nº 11.079/2004 (contratos de parceria público privada). Ademais, se qualquer ente público (da administração direta ou indireta) estivesse autorizado a se valer da arbitragem a partir da redação originária art. 1º, da Lei nº 9.307/1996, a inclusão promovida pela Lei nº 13.129/2015 seria dispensável. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, analisando o PLS nº 406/2013 (que deu origem à mencionada Lei nº 13.129/2015), consignou o que se travava de criar “a possibilidade de a Administração Pública direta e indireta utilizar-se da arbitragem”. A inexistência de autorização legal para a celebração de convenção de arbitragem, pela União à época da realização da Assembleia Geral que aprovou o artigo 58 do Estatuto da Petrobras, implica na ausência da arbitrabilidade subjetiva em relação ao ente público federal, requisito necessário para admitir sua vinculação ao procedimento arbitral, ainda que se extraísse da redação do artigo 58 o alcance suficiente para a vinculação da União à cláusula compromissória. Sabemos que a administração pública federal civil é organizada de modo hierárquico, razão pela qual a celebração de acordos ou transações, bem como de compromissos arbitrais, depende de autorização legal e de competência funcional, não podendo ser firmada por servidor ou procurador sem expressa autorização. Mesmo se fosse possível dispensar permissivo legal para ente estatal se subordinar a procedimento arbitral, não seria todo e qualquer agente público que poderia comprometer a União Federal, daí porque a celebração de cláusula compromissória somente poderia ser feita com a devida e expressa autorização administrativa. Ao que consta dos autos, na assembleia da Petrobras que aprovou o artigo 58 de seu Estatuto, a União Federal não foi representada por autoridade ou o órgão competente para inclui-la como parte em procedimento arbitral. Cumpre destacar que de acordo com o art. 11, da lei nº 9.784/1999, “a competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos”. Teorias da aparência não podem escoltar interpretação para incluir a União Federal como parte em compromisso arbitral, somente porque seu representante esteve presente em assembleia da Petrobras que aprovou cláusula estatutária para essa empresa privada (incluindo seus sócios), fazendo pouco caso de regramentos administrativos de competência. Acerca do alcance pessoal e material do artigo 58 do Estatuto da Petrobras, transcrevo seu conteúdo vigente à época dos fatos: Art. 58- A Companhia, seus acionistas, administradores e membros do Conselho Fiscal obrigam-se a resolver por meio de arbitragem, perante a Câmara de Arbitragem do Mercado, toda e qualquer disputa ou controvérsia que possa surgir entre eles, relacionada ou oriunda, em especial, da aplicação, validade, eficácia, interpretação, violação e seus efeitos, das disposições contidas na Lei das Sociedades por Ações, na Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, no Estatuto Social da Companhia, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como nas demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas constantes do Regulamento do Nível 2, do Regulamento de Arbitragem, do Contrato de Participação e do Regulamento de Sanções do Nível 2. Parágrafo único. As deliberações da União, através de voto em Assembleia Geral, que visem à orientação de seus negócios, nos termos do art. 238 da Lei n. 6.404, de 1976, são consideradas formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput deste artigo. Sobre o alcance pessoal, a redação do parágrafo único desse artigo 58 do Estatuto da Petrobras expressamente exclui a União Federal de procedimentos arbitrais, sobretudo contextualizando sua ratio com a legislação vigente ao tempo em que foi firmada em assembleia (22/03/2002), que não autorizava a submissão de pessoa jurídica de direito público (da administração direta e indireta) a procedimento arbitral. De outro lado, uma vez que se considere inexistente manifestação de vontade voltada à adesão a cláusula arbitral inserta no art. 58, do Estatuto da Petrobrás, por parte da União, não há que cogitar de sua posterior vinculação em decorrência da edição superveniente de atos normativos, pelo simples fato de autorizarem a utilização da arbitragem na solução de conflitos pela administração. É descabido falar que a União Federal aceitou implicitamente essa cláusula compromissória após a Lei nº 13.129/2015, apenas por ter ciência e acompanhado a gestão dessa empresa. Clausulas compromissórias, que excluem o acesso ao Poder Judiciário em favor de procedimentos arbitrais, dependem de livre e expressa manifestação de vontade das partes envolvidos, à evidência. Houvesse um único documento assinado pela União Federal admitindo se submeter, como parte, ao procedimento arbitral, o mesmo deveria ter sido apresentado pelas ora apelantes. Não bastasse, o histórico de judicialização mostra que a União Federal nunca aceitou se submeter ao procedimento arbitral. Quanto ao aspecto material, a menção expressa ao art. 238 da Lei nº 6.404/1976 (que se reporta ao art. 116 e ao art. 117, ambos da mesma lei), feita pelo artigo 58 do Estatuto da Petrobras, deixa claro que a atuação da União Federal é na figura de acionista controlador (ainda que possa - ou deva - orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação). Esse artigo 58 do Estatuto da Petrobrás excluiu a União Federal de procedimento arbitral por considerar que as manifestações desse ente estatal são “formas de exercício de direitos indisponíveis” por orientarem seus negócios também no interesse público que justificou a criação dessa empresa privada. E se as mais relevantes manifestações da União Federal não estão submetidas a compromisso arbitral (voto em assembleia de sócios), com igual ou maior razão não estão abrangidas pela arbitragem outros atos societários secundários que possam gerar litígios. Por certo, o artigo 58 do Estatuto da Petrobras alcança lides de conteúdo contratual ou societário (típicos de direitos disponíveis), mas a expressão “toda e qualquer disputa ou controvérsia que possa surgir entre eles”, feita no caput desse artigo estatutário não pode ignorar a exclusão feita no seu próprio parágrafo único, muito menos pode ser desconecto do programa normativo vigente à época em que foi celebrado, ignorando a impossibilidade de a União Federal se submeter a procedimento arbitral excluindo o acesso à via judicial. A suposta responsabilização da União Federal por indicação de membros diretivos da Petrobras, e por não vigiá-los continuamente durante o exercício das funções (nas quais teriam ocorrido ilícitos apurados em investigações e processos judiciais, notadamente na “Operação Lava Jato”), toma contornos extracontratuais e envolve matéria fática, com rumos ou vieses sancionadores na medida em que, como acionista controlador, o ente federal também pode, eventualmente, ser tido como vítima dos alegados desvios de gestão (considerando que há mecanismos de controle e de auditoria interna e externa dessa empresa privada, especialmente exigidos em se tratando de companhia aberta). Discussão similar à presente já foi decidida pelo e.STJ, no CC 151.130/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 11/02/2020. Trata-se de julgamento com conteúdo persuasivo, sendo oportuna a transcrição de ementa: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ARBITRAGEM OU JURISDIÇÃO ESTATAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. ART. 58 DO ESTATUTO SOCIAL DA PETROBRAS. SUBMISSÃO DA UNIÃO A PROCEDIMENTO ARBITRAL. IMPOSSIBILIDADE. DISCUSSÃO ACERCA DA PRÓPRIA CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA DA CLÁUSULA AO ENTE PÚBLICO. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA JURISDIÇÃO ESTATAL. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL OU ESTATUTÁRIA. PLEITO INDENIZATÓRIO COM FUNDAMENTO NA DESVALORIZAÇÃO DAS AÇÕES POR IMPACTOS NEGATIVOS DA OPERAÇÃO "LAVA JATO". PRETENSÃO QUE TRANSCENDE AO OBJETO SOCIETÁRIO. 1.No atual estágio legislativo, não restam dúvidas acerca da possibilidade da adoção da arbitragem pela Administração Pública, direta e indireta, bem como da arbitrabilidade nas relações societárias, a teor das alterações promovidas pelas Leis nº 13.129/2015 e 10.303/2001. 2. A referida exegese, contudo, não autoriza a utilização e a extensão do procedimento arbitral à União na condição de acionista controladora da Petrobrás, seja em razão da ausência de lei autorizativa ou estatutária (arbitrabilidade subjetiva), seja em razão do conteúdo do pleito indenizatório que subjaz o presente conflito de competência na hipótese, o qual transcende o objeto indicado na cláusula compromissória em análise (arbitrabilidade objetiva). 3. Nos exatos termos da cláusula compromissória prevista no art. 58 do Estatuto da Petrobras, a adoção da arbitragem está restrita "às disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei n° 6.404, de 1976, neste Estatuto Social". 4. Em tal contexto, considerando a discussão prévia acerca da própria existência da cláusula compromissória em relação ao ente público - circunstância em que se evidencia inaplicável a regra da "competência-competência" - sobressai a competência exclusiva do Juízo estatal para o processamento e o julgamento de ações indenizatórias movidas por investidores acionistas da Petrobrás em face da União e da Companhia. 5. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo Federal suscitado. (CC 151.130/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 11/02/2020) As apelantes se insurgem contra a parte da sentença judicial recorrida que faz referência a esse CC 151.130/SP, argumentando que se trata de controvérsia absolutamente distinta do caso dos autos. Alegam que o Conflito de Competência está relacionado a arbitragem instaurada por acionistas minoritários em face da Petrobrás e da União, buscando que ambas paguem indenização diretamente a eles, por prejuízos sofridos com a perda de valor das ações da companhia, enquanto na arbitragem que deu origem ao caso ora sob análise, os acionistas estariam agindo como substitutos processuais da Petrobrás, buscando a condenação da União (na condição de acionista controladora) ao pagamento de indenização à própria Petrobrás por atos de abuso de poder de controle praticados em face da companhia. Portanto, teria o magistrado deixado de realizar o “distinguishing” entre o precedente citado e o caso concreto. O que se vê na argumentação dos apelantes é o descontentamento quanto a pronunciamentos judiciais que não acolhem sua pretensão de envolver a União Federal em procedimento arbitral, a partir de cláusula compromissória não pactuada pelo ente estatal. A ratio da decisão do e.STJ, no mencionado CC 151.130/SP, é a impossibilidade de vinculação da União a procedimento arbitral instaurado com base na cláusula compromissária prevista no art. 58, do Estatuto da Petrobrás, em razão da ausência de lei autorizativa (arbitrabilidade subjetiva) e, mesmo que existisse essa autorização, a abrangência da pretensão voltada à reparação de prejuízos decorrentes da desvalorização das ações da Companhia, por força de fatos revelados na "Operação Lava-Jato", transcenderia o objeto da cláusula compromissária, restrito que está ao universo societário (arbitrabilidade objetiva), impondo a sujeição da matéria ao juízo estatal. O mesmo entendimento restou assentado pelo e.STJ nos Conflitos de Competência nº 177.436/DF e nº 177.437/DF, suscitados com o propósito de definir se o juízo competente para processamento de pleito voltado à responsabilização da União por atos de abuso de poder de controle da Petrobrás seria o arbitral (Câmara de Arbitragem do Mercado, por meio dos processos CAM nº 97/1997 e nº. 85/1997, respectivamente) ou o estatal (1ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ, no processo nº 0230623-98.2017.4.02.5101 e 22ª Vara Federal de São Paulo/SP, no processo nº. 5009098-39.2017.4.03.6100, respectivamente). Nos dois incidentes, ficou consignado que a cláusula compromissária prevista no art. 58, do Estatuto Social da Petrobrás não vincula a União, inexistindo arbitrabilidade subjetiva e objetiva que justifique a sujeição do ente público ao procedimento arbitral, declarando assim a competência do Poder Judiciário para apreciar a eventual responsabilidade da União por atos de abuso de poder de controle da Petrobrás. Não socorrem os apelantes o manuseio do art. 109, do art. 117 e do art. 246, todos da Lei nº 6.404/1976, alegações de que a discussão não cuida de responsabilidade da União por atos de sobrepreço e sim ato típico de abuso de poder de controle e que a cláusula compromissória abrangeria toda controvérsia entre empresa e acionista, pautada na mesma lei societária. Mesmo que fosse possível superar a inexistência de autorização legal para a União celebrar a cláusula compromissória do artigo 58 do Estatuto do Estatuto da Petrobrás, a submissão ao procedimento arbitral ainda esbarraria no art. 2º, §3º, da Lei nº 9.307/1996 (incluído pela Lei nº 13.129/2015), uma vez que a suposta responsabilidade do acionista por eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente), envolve matéria fática, ao passo em que a arbitragem que envolva a administração pública será sempre sobre matéria de direito. As diferentes faces pelas quais o mesmo problema é visto (pretensão do acionista em nome próprio, como beneficiário direto da indenização pretendida, ou o pleito é formulado em substituição processual da Companhia, visando à reparação dos danos por parte da União em favor da Petrobrás), passam pelo mesmo ponto: a União Federal não está submetida ao procedimento arbitral instaurado com base na cláusula compromissária prevista no art. 58, do Estatuto da Petrobrás. Todos os argumentos apresentados pelas apelantes, em seus recursos, são refutados por essa conclusão, pelo que consta na legislação de regência e na ordem dos fatos. Em suma, a cláusula compromissória do artigo 58 do Estatuto Social da Petróleo Brasileiro S/A, Petrobrás não alcança a União Federal (como parte), que não pode ser submetida a procedimentos arbitrais que dizem respeito à eventual responsabilidade (como acionista controladora) por atos de gestão praticados por membros do corpo diretivo dessa empresa privada, apurados na "Operação Lava Jato": 1º) à época, a Lei nº 9.307/1996 não permitia a submissão desse ente estatal a procedimentos arbitrais; 2º) coerente com a legislação então vigente, o parágrafo único desse artigo 58 expressamente excluiu a União Federal como parte da cláusula compromissória (aspecto pessoal), além de não alcançar sua eventual responsabilização extracontratual por indicação de membros do corpo diretivo da empresa (aspecto material e fático); 3º) a União Federal não aceitou implicitamente essa cláusula compromissória após a Lei nº 13.129/2015, mesmo porque a renúncia ao Poder Judiciário em favor de procedimentos arbitrais depende de livre e expressa manifestação de vontade das partes envolvidos. Portanto, são nulas a decisão arbitral parcial (de 15/01/2020) e a decisão do pedido de esclarecimentos (de 05/08/2020), ambas da Câmara de Arbitragem do Mercado – CAM, constantes dos autos dos procedimentos arbitrais CAM 85/2017 e CAM 97/2017 (reunidos por conexão), porque foram proferidas fora dos limites da convenção de arbitragem, violando o art. 32, IV, da Lei nº 9.307/1996. Diante do exposto, REJEITO as preliminares e NEGO PROVIMENTO às apelações. Em vista do trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). É como voto.
Advogados do(a) APELANTE: ANDRE DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI ABBUD - SP206552-A, EDUARDO LEARDINI PETTER - PR96984, GUSTAVO SANTOS KULESZA - SP299895-A
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. ARBITRAGEM. CONTROLE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DE TURMA DA 1ª SEÇÃO DO TRF3. REUNIÃO DE PROCESSOS. IMPOSSIBILIDADE. PROCEDIMENTO ARBITRAL. ACIONISTAS MINORITÁRIOS DA PETROBRÁS. RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS. “OPERAÇÃO LAVA JATO”. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. ART. 58, DO ESTATUTO DA SOCIEDADE. IMPOSIÇÃO EM FACE DA UNIÃO FEDERAL. ACIONISTA CONTROLADORA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL. TRANSCENDÊNCIA DA MATÉRIA OBJETO DA CLÁUSULA ARBITRAL. ACEITAÇÃO SUPERVENIENTE. NÃO COMPROVAÇÃO. NULIDADE. ART. 32, IV, DA LEI Nº 9.307/1996. DECISÃO PROFERIDA FORA DA CONVENÇÃO. CONFIGURAÇÃO.
- Como todo e qualquer modelo de solução de litígios inserido no Estado de Direito, as atribuições de câmara arbitral e do árbitro não são absolutas, razão pela qual é possível que a parte ou terceiro prejudicado ingresse na via judicial se houver manifesta ou objetiva violação do sistema jurídico no curso do procedimento arbitral. O extraordinário controle judicial da interpretação arbitral, até mesmo quanto à extensão do compromisso arbitral, decorre da força normativa da Constituição sobre a qual se assenta a garantia fundamental do livre acesso à prestação jurisdicional, e também está previsto em diversos preceitos da própria Lei nº 9.307/1996 (dentre eles, art. 4º, §2º, art. 20, §§1º e 2º, art. 33 e art. 37, VI).
- Em vista do art. 10, §1º, II, do Regimento Interno deste e.TRF, é certa a competência das Turmas da 1ª Seção para julgar casos como o presente. Embora exista ligação entre a ação anulatória nº 5024529-11-2020.4.03.6100 (processada perante a 7ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, em face da qual ora são julgadas as presentes apelações) e ação declaratória nº 5009098-39.2017.4.03.6100 (que tramitou na 22ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, e agora também está neste e.TRF), não há litispendência ou continência porque foram formulados pedidos distintos, continência, e nem razão para a reunião de recursos nesta e.Corte pois sequer as ações tramitaram em uma mesma Vara no primeiro grau de jurisdição. É dominante o entendimento jurisprudencial no sentido ser facultativa a reunião de processos por conexão ou para evitar decisões conflitantes, sendo inviável se um deles já foi sentenciado (art. 55, §1º, e art. 930, ambos do CPC/2015, e Súmula 235/STJ).
- Admitindo como certo que a Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras está submetida à válida cláusula compromissória prevista no artigo 58 de seu Estatuto Social, o cerne da lide diz respeito ao alcance dessa mesma cláusula para a inclusão da União Federal (como parte) em procedimentos arbitrais que dizem respeito à responsabilidade (como acionista controladora) por atos de gestão praticados por membros do corpo diretivo dessa empresa privada, apurados na "Operação Lava Jato". Nesta ação judicial, não há discussão se houve (ou não) descumprimento de deveres da União Federal como acionista controladora da Petrobras, pois o objeto litigioso deste feito é restrito à submissão (ou não) da União Federal como parte nos procedimentos arbitrais diante da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto Social dessa companhia.
- As diferentes faces pelas quais o mesmo problema é visto (pretensão do acionista em nome próprio, como beneficiário direto da indenização pretendida, ou o pleito é formulado em substituição processual da Companhia, visando à reparação dos danos por parte da União em favor da Petrobrás), passam pelo mesmo ponto: a União Federal não está submetida ao procedimento arbitral instaurado com base na cláusula compromissária prevista no art. 58, do Estatuto da Petrobrás. Todos os argumentos apresentados pelas apelantes, em seus recursos, são refutados por essa conclusão, pelo que consta na legislação de regência e na ordem dos fatos.
- A cláusula compromissória do artigo 58 do Estatuto Social da Petróleo Brasileiro S/A, Petrobrás não alcança a União Federal (como parte), que não pode ser submetida a procedimentos arbitrais que dizem respeito à eventual responsabilidade (como acionista controladora) por atos de gestão praticados por membros do corpo diretivo dessa empresa privada, apurados na "Operação Lava Jato": 1º) à época, a Lei nº 9.307/1996 não permitia a submissão desse ente estatal a procedimentos arbitrais; 2º) coerente com a legislação então vigente, o parágrafo único desse artigo 58 expressamente excluiu a União Federal como parte da cláusula compromissória (aspecto pessoal), além de não alcançar sua eventual responsabilização extracontratual por indicação de membros do corpo diretivo da empresa (aspecto material e fático); 3º) a União Federal não aceitou implicitamente essa cláusula compromissória após a Lei nº 13.129/2015, mesmo porque a renúncia ao Poder Judiciário em favor de procedimentos arbitrais depende de livre e expressa manifestação de vontade das partes envolvidos.
- São nulas a decisão arbitral parcial (de 15/01/2020) e a decisão do pedido de esclarecimentos (de 05/08/2020), ambas da Câmara de Arbitragem do Mercado – CAM, constantes dos autos dos procedimentos arbitrais CAM 85/2017 e CAM 97/2017 (reunidos por conexão), porque foram proferidas fora dos limites da convenção de arbitragem, violando o art. 32, IV, da Lei nº 9.307/1996.
- Em vários julgados, o e.STJ já afirmou a impossibilidade de vinculação da União a procedimento arbitral instaurado com base na cláusula compromissária prevista no art. 58, do Estatuto da Petrobrás, em razão da ausência de lei autorizativa (arbitrabilidade subjetiva) e, mesmo que existisse essa autorização, a abrangência da pretensão voltada à reparação de prejuízos decorrentes da desvalorização das ações da Companhia, por força de fatos revelados na "Operação Lava-Jato", transcenderia o objeto da cláusula compromissária, restrito que está ao universo societário (arbitrabilidade objetiva), impondo a sujeição da matéria ao juízo estatal.
- Preliminares rejeitadas e apelações desprovidas.