Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Órgão Especial

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007118-11.2018.4.03.6104

RELATOR: Gab. Vice Presidência

APELANTE: CLERMONT SILVEIRA CASTOR

Advogados do(a) APELANTE: ANDRE FIGUEIRAS NOSCHESE GUERATO - SP147963, SORAIA SILVIA FERNANDEZ PRADO - SP198868, TEREZA FERREIRA ALVES NOVAES - SP332333-A

APELADO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Órgão Especial
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007118-11.2018.4.03.6104

RELATOR: Gab. Vice Presidência

APELANTE: CLERMONT SILVEIRA CASTOR

Advogados do(a) APELANTE: ANDRE FIGUEIRAS NOSCHESE GUERATO - SP147963, SORAIA SILVIA FERNANDEZ PRADO - SP198868, TEREZA FERREIRA ALVES NOVAES - SP332333-A

APELADO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

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R E L A T Ó R I O

Trata-se de agravo interno interposto pelo FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – FNDE com fundamento no art. 1.030, § 3º, do CPC, em face de decisão desta Vice-Presidência que negou seguimento ao recurso extraordinário.

A decisão agravada tem os seguintes termos:

Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – FNDE contra decisão proferida por órgão fracionário deste Tribunal Regional Federal, em ação civil pública,  assim ementado:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. ADVENTO DA LEI 14.230/2021. IRRETROATIVIDADE DO NOVO REGIME PRESCRICIONAL. ARE 843.989. TESE 1.199. MANTIDA A IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. ACOLHIMENTO PARCIAL DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. Os embargos de declaração devem ser acolhidos em parte, pois o acórdão embargado foi proferido anteriormente ao julgamento pela Suprema Corte do paradigma cuja aplicação se impõe, observada a própria ressalva contida no exame anterior da espécie, devendo-se, diante de fato superveniente, adequar o aresto recorrido ao julgamento do ARE 843.989 (Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe 12/12/2022), com eficácia vinculante, no qual restou definido que “o novo regime prescricional previsto na lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”.

2. Contudo, tal solução não altera o resultado recorrido, pois o reconhecimento da prescrição intercorrente, ora afastada em observância à Tese 1.199 definida pela Corte Constitucional, havia sido feito em acréscimo, apenas, à própria improcedência da pretensão autoral, pelo mérito, dada a atipicidade da conduta frente ao artigo 11 da Lei 8.429/1992, com a redação dada pela Lei 14.230/2021.

3. Com efeito, o acórdão embargado já havia consignado que a inicial imputou ao réu conduta ímproba tipificada no artigo 11, II e VI, da Lei 8.429/1992, na redação original, assentando, porém, que, no texto alterado pela Lei 14.230/2021, o inciso II foi revogado e o inciso VI, ambos do artigo 11, LIA, alterado para “deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades;”. Ressalte-se, a propósito, que na ementa que fixou a Tese 1.199 restou expressamente reconhecido pela Suprema Corte que a alteração pela Lei 14.230/2021 do elemento subjetivo de atos ímprobos previstos na lei de improbidade administrativa é “plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa”.

4. Observou, ainda, o julgado ora impugnado que: “Dentre outras alterações e inclusões, [...] consta, por igual, a seguinte contida na atual redação do artigo 11 da Lei 8.429/1992: “§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. [...] § 4º Os atos de improbidade de que trata este artigo exigem lesividade relevante ao bem jurídico tutelado para serem passíveis de sancionamento e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos.” Tal previsão encontra-se em consonância com as atuais disposições gerais da Lei de Improbidade Administrativa, previstas nos parágrafos do respectivo artigo 1º, nos seguintes termos: “§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.” No mesmo sentido, o § 1º do artigo 17-C da LIA, na atual redação: “§ 1º A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Neste aspecto subjetivo, igualmente não se ajusta à nova tipicidade legal a imputação de dolo genérico, dissociado do especial intento do agente de ocultar irregularidades para obter proveito ou benefício indevido para si ou para outrem com a prática da infração. Com efeito, o próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu, no exame de outra imputação fundamentada no artigo 11 da LIA, que “O afastamento do elemento subjetivo de tal conduta dá-se em razão da dificuldade de identificar o dolo genérico, situação que foi alterada com a edição da Lei n. 14.230/2021, que conferiu tratamento mais rigoroso para o reconhecimento da improbidade, ao estabelecer não mais o dolo genérico, mas o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, ex vi do art. 1º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.429/1992, em que é necessário aferir a especial intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado” (RESP 1.926.832, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 24/05/2022, supracitado)”.

5. Ainda que as disposições do artigo 1º, §§ 1º, 2º, e 3º, da Lei 8.429/1992, na atual redação, tenham sido objeto, dentre outros, de ação direta de inconstitucionalidade, o relator já reconheceu, em decisão liminar, prejudicados os pedidos em relação a tais preceitos, por estarem “abrangidos pela tese fixada no referido Tema 1199 da Repercussão Geral” (ADI 7.236). De fato, como constou expressamente da ementa do ARE 843.989, a Lei 8.429/1992 objetiva a “responsabilização dos agentes públicos corruptos”, pois “O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA)”. 

6. Contudo, a respeito do dolo específico exigido no inciso VI do artigo 11 da LIA - “deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades;” - destacou o julgado embargado que: “No presente caso, a inicial e respectivo aditamento nada discorreram acerca de tal intenção específica do réu, limitando-se a aduzir que o ex-Prefeito manteve-se inerte mesmo após notificado a sanar a irregularidade e que a ausência de comprovação da regular execução do objeto do programa, mediante prestação de contas, poderia mascarar eventual malversação dos recursos públicos, sem, porém, afirmar e, sobretudo, comprovar que esta teria sido a hipótese dos autos. Pelo contrário, sustentou, inclusive, que “a conduta omissiva de não apresentação da prestação de contas, ainda que derivasse de culpa, individualizada pela negligência do gestor público, não afasta a tipificação da improbidade” (ID 55143861, f. 14), o que, à luz da legislação específica e jurisprudência consolidada, conforme realçado, não procede. Ainda que, eventualmente, se alegasse que não houve tal imputação na inicial porque assim não exigia a Lei 8.429/1992, na redação anterior, vigente à época do ajuizamento da ação, tem-se que, na espécie, não restou comprovado, conforme atual exigência legal, que o réu tenha deixado de prestar contas com a intenção específica de ocultar irregularidades, objetivando proveito ou benefício indevido próprio ou de outrem. Realmente, conforme consulta ao inteiro teor do Acórdão 185/2019, do Tribunal de Contas da União, no julgamento da Tomada de Contas Especial 025.058/2014-2, a partir de documentos apresentados pela Prefeitura Municipal de Cubatão (ID 55143871, f. 94/187, e IDs 55143950 e 107310042), restou apurado que, até o final da gestão do réu, os repasses federais do PEJA - Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos, relativos ao exercício de 2006, não foram objeto de saques ou utilização, permanecendo integralmente aplicados em fundos de investimento. Somente na gestão posterior, sob outra titularidade, é que houve o débito de cheques na conta específica do programa, em 19/08/2009 e 02/10/2009, além de transferência de 29/12/2014. Não há nos autos qualquer indício mínimo de que o réu tenha, de qualquer forma, participado ou colaborado para a aplicação, em tese, indevida dos recursos federais pela prefeita que lhe sucedeu, o que afasta o dolo específico exigido para a configuração da conduta imputada na improbidade administrativa prevista no artigo 11, VI, da Lei 8.429/1992, na atual redação”.

7. Concluiu-se, assim, “diante do contexto fático e probatório dos autos, e das inovações produzidas pela Lei 14.230/2021, [...] evidenciada a improcedência da imputação de improbidade administrativa com base no artigo 11 da LIA, a impedir, pois, seja aplicada qualquer penalidade, na espécie”. Destacou-se, ademais, que “restou expressamente consignado no respectivo voto do Tribunal de Contas da União que, em 23/04/2017, a Prefeitura de Cubatão devolveu ao FNDE valores repassados para o município, por meio do PEJA, devidamente corrigidos, pelo que foi “afastado o débito originalmente imputado aos ex-gestores e ao Município de Cubatão (SP)””, de modo que se afigura “improcedente a imputação de improbidade administrativa com base no artigo 11 da LIA, para efeito de aplicação de quaisquer das sanções previstas na legislação, inclusive a de ressarcimento de dano ao erário”.

8. Embargos de declaração parcialmente acolhidos para afastar a prescrição intercorrente, mantida a improcedência da ação, pelo mérito.

Decido.

O Supremo Tribunal Federal no julgamento do no ARE 843.989 – RG, Tema 1.199 firmou a seguinte tese:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1. A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2. O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3. A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4. O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5. A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6. A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA). 7. O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17. Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente – , há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN. 19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei".

(ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022)

O acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, impõe-se o juízo negativo de admissibilidade do recurso excepcional.

Em face do exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário.

Int.

Nas razões do presente agravo, a parte reproduz, em síntese, os argumentos que já houvera formulado quando da interposição do recurso excepcional ao qual fora negado seguimento nos termos da decisão acima transcrita.

A parte agravada apresentou contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Órgão Especial
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007118-11.2018.4.03.6104

RELATOR: Gab. Vice Presidência

APELANTE: CLERMONT SILVEIRA CASTOR

Advogados do(a) APELANTE: ANDRE FIGUEIRAS NOSCHESE GUERATO - SP147963, SORAIA SILVIA FERNANDEZ PRADO - SP198868, TEREZA FERREIRA ALVES NOVAES - SP332333-A

APELADO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

A atuação dos tribunais de segundo grau de jurisdição, no tocante ao exame de admissibilidade dos recursos especiais e extraordinários, ganhou novos contornos, ainda ao tempo do CPC/73, com a introdução da sistemática dos recursos representativos de controvérsia ou, na terminologia do CPC/15, da sistemática dos recursos repetitivos ou de repercussão geral, decorrente da transformação das decisões das Cortes Superiores de precedentes meramente persuasivos para julgados de observância obrigatória pelas instâncias ordinárias do Poder Judiciário.

Assim, a partir da edição dos arts. 543-A a 543-C do CPC/73, foi atribuída, aos tribunais locais, a competência de julgar, pelo mérito, os recursos dirigidos às instâncias superiores, desde que a questão de direito constitucional ou legal neles veiculada tenha sido, anteriormente, objeto de acórdão de Corte Superior erigido à condição de precedente qualificado pelo procedimento estabelecido para sua formação.

Esse sistema, aperfeiçoado pelo CPC/15, permite à instância a quo negar seguimento, desde logo, a recurso especial ou extraordinário em contrariedade à tese jurídica já estabelecida pelas Cortes Superiores, bem como a autoriza a proceder ao encaminhamento do caso para retratação pelo órgão julgador, sempre que verificado que o acórdão recorrido não aplicou, ou aplicou equivocadamente, tese jurídica firmada nos leading cases.

Além da valorização dos precedentes, a atual sistemática acarreta sensível diminuição dos casos individuais que chegam aos Tribunais Superiores, ocasionando maior racionalidade em seu funcionamento e aperfeiçoamento de seu papel de Cortes de “teses” ou de interpretação do direito constitucional ou legal.

Cabe destacar que a manutenção do tradicional sistema de recorribilidade externa, qual seja, da possibilidade de revisão das decisões da instância a quo mediante interposição do agravo de inadmissão para julgamento pela instância ad quem, tinha enorme potencial para esvaziar a eficácia da novel sistemática de valorização dos precedentes qualificados, pois mantinha as Cortes Superiores facilmente acessíveis a todos os litigantes em todo e qualquer caso.

As leis de reforma do sistema processual que trouxeram à luz os arts. 543-A a 543-C do CPC/73 silenciaram quanto ao ponto em destaque, o que instigou os Tribunais Superiores a avançarem em direção a uma solução jurisprudencial para o impasse: no AI 760.358/RS-QO (j. 19.11.2009), o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu por não mais conhecer dos agravos interpostos de decisões proferidas com fundamento no art. 543-B do CPC/73, estabelecendo que a impugnação de tais decisões ocorreria, dali em diante, por meio de agravos regimentais, a serem decididos pelos próprios tribunais de apelação.

Como não poderia deixar de ser, a iniciativa da Suprema Corte foi secundada pelo Superior Tribunal de Justiça, que, por sua Corte Especial, em 12.05.2011, chegou a solução similar ao julgar a QO-AI 1.154.599/SP.

Dessa forma, restou adequadamente solucionada pela jurisprudência a questão, ao se estabelecer, como regra, a recorribilidade “interna” na instância a quo em caso de negativa de seguimento do recurso excepcional pelo tribunal, por considerá-lo em confronto à tese jurídica assentada pelo STF ou pelo STJ em precedente qualificado.

Essa solução foi totalmente encampada pelo CPC/15, prevendo-se expressamente, desde então, o cabimento de agravo interno das decisões que negam seguimento a recurso excepcional, sempre que o acórdão recorrido tenha aplicado precedente qualificado e o recurso interposto tenha, em seu mérito, a pretensão única de rediscutir a aplicação da tese jurídica firmada no precedente.

Trata-se de recurso de fundamentação vinculada, pois não é dado à parte rediscutir o acerto ou a justiça do acórdão recorrido, sendo cognoscível por essa via recursal, tão somente, a questão relativa à invocação correta, ou não, do precedente no caso concreto.

É lícito ao agravante, portanto, alinhavar razões que evidenciem que o precedente invocado não se aplica ao caso concreto, por nele existir circunstância fática ou jurídica que o diferencia (distinguishing), bem como que demonstrem que a tese assentada no precedente, ainda que aplicável ao caso concreto, encontra-se superada por circunstâncias fáticas ou jurídicas (overruling).

A simples reprodução mecânica, no agravo interno, das razões do recurso excepcional a que negado seguimento, ou ainda, o subterfúgio da inovação recursal, extrapolam o exercício regular do direito de recorrer, fazendo do agravo uma medida manifestamente inadmissível e improcedente, a autorizar a aplicação aos agravos internos interpostos com fundamento no art. 1.030, I, do CPC, da penalidade prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, por interpretação extensiva.

Assentadas essas premissas, passa-se ao julgamento do agravo interno.

Verifica-se que, nas razões do agravo, não se impugna a decisão de negativa de seguimento do recurso excepcional, insistindo na veiculação de argumentos por meio dos quais considera equivocado o acórdão produzido pelo órgão fracionário deste Tribunal, o qual se mostra em conformidade a precedente da instância superior firmado sob o regime da repercussão geral ou dos recursos repetitivos.

Não houve, pela parte recorrente, qualquer esforço com vistas a demonstrar que o precedente invocado na decisão monocrática desta Vice-Presidência não encontraria aderência ao caso concreto. Não foi alegada, com efeito, qualquer distinção relevante entre o caso concreto e a ratio decidendi do precedente vinculante observado pelo acórdão impugnado pelo recurso excepcional, e tampouco houve desenvolvimento de fundamentação apta a demonstrar que o precedente estivesse eventualmente superado por circunstância fática ou jurídica superveniente à sua edição.

Não se desincumbiu o agravante, enfim, do ônus da impugnação clara e específica do fundamento determinante da decisão agravada, consistente na observância, pelo acórdão recorrido, do entendimento sufragado pela instância superior em precedente vinculante.

O desprovimento do agravo, nesse contexto, é medida de rigor, e a manifesta improcedência do recurso autoriza a imposição de multa, na forma do art. 1.021, § 4º, do CPC, como forma legal de desestimulo ao comportamento temerário dos litigantes, do que é manifestação explícita a interposição de recurso que não impugna, de forma aderente e fundamentada, as razões da decisão recorrida, limitando-se à reprodução mecânica e acrítica de argumentos que já constavam do recurso excepcional ao qual negado seguimento.

Em face do exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

Agravo interno contra decisão da Vice-Presidência deste tribunal, que não admitiu recurso excepcional para corte superior.

 

Concordo com o desfecho dado ao recurso, porém não aplico a multa do artigo 1021, § 4ª, do CPC por entender não configurada a hipótese de cabimento.

 

É como voto

 

ANDRÉ NABARRETE

DESEMBARGADOR FEDERAL

 

DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:

Peço vênia para divergir, em parte, do e. Relator apenas em relação à condenação da agravante ao pagamento de multa, por não vislumbrar ser manifestamente inadmissível o agravo interposto. No mais, acompanho o voto.

É como voto.


E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECURSO DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA. SIMPLES REPRODUÇÃO MECÂNICA DAS RAZÕES DO RECURSO EXCEPCIONAL. ACÓRDÃO DO ÓRGÃO FRACIONÁRIO EM CONFORMIDADE COM ENTENDIMENTO EMANADO PELO PRECEDENTE. AGRAVO DESPROVIDO.

I. Agravo interno contra decisão que negou seguimento a recurso excepcional.

II. Trata-se o agravo interno de recurso com fundamentação vinculada, sendo cognoscível por essa via recursal, tão somente, a questão relativa à invocação correta, ou não, do precedente no caso concreto.

III. O caso amolda-se ao quanto decidido pela instância superior em recurso representativo de controvérsia invocado na decisão agravada, e o acórdão proferido pelo órgão fracionário deste Tribunal está em total conformidade com o entendimento que emana do mencionado precedente.

IV. Não preenchido o requisito da unanimidade de votos, não se aplica a multa a que alude o art. 1.021, § 4º, do CPC.

V. Agravo interno desprovido.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, O Órgão Especial, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Desembargador Federal Vice-Presidente ANTONIO CEDENHO (Relator). Votaram os Desembargadores Federais NINO TOLDO, LEILA PAIVA, MARCELO SARAIVA, MÔNICA NOBRE, GISELLE FRANÇA, WILSON ZAUHY (convocado para compor quórum), NELSON PORFÍRIO (convocado para compor quórum), MARCELO VIEIRA (convocado para compor quórum), ANTONIO MORIMOTO (convocado para compor quórum), BAPTISTA PEREIRA, ANDRÉ NABARRETE, MAIRAN MAIA, NERY JUNIOR, CARLOS MUTA e CONSUELO YOSHIDA. Condenavam a parte agravante ao pagamento de multa em favor da parte contrária, os Desembargadores Federais Vice-Presidente ANTONIO CEDENHO (Relator), NINO TOLDO, LEILA PAIVA, MÔNICA NOBRE, GISELLE FRANÇA, NELSON PORFÍRIO (convocado para compor quórum), ANTONIO MORIMOTO (convocado para compor quórum), MAIRAN MAIA, NERY JUNIOR e CONSUELO YOSHIDA. Não aplicavam a multa, por não entenderem configurada a hipótese de manifesta improcedência ou inadmissibilidade do recurso, os Desembargadores Federais MARCELO SARAIVA, WILSON ZAUHY (convocado para compor quórum), MARCELO VIEIRA (convocado para compor quórum), BAPTISTA PEREIRA, ANDRÉ NABARRETE e CARLOS MUTA. Afastada a aplicação da multa prevista no art. 1.021, §4º do CPC ante a ausência de unanimidade em relação à manifesta inadmissibilidade ou improcedência. Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Federais MARISA SANTOS (Presidente), MARLI FERREIRA, THEREZINHA CAZERTA, CARLOS DELGADO, DAVID DANTAS e ALI MAZLOUM. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.