APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000261-58.2018.4.03.6003
RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. ADRIANA PILEGGI
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO
APELADO: MUNICÍPIO DE SELVÍRIA
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000261-58.2018.4.03.6003 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. ADRIANA PILEGGI APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL APELADO: MUNICÍPIO DE SELVÍRIA OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL — MPF, objetivando a reforma da r. sentença que, em sede de ação civil pública, extinguiu o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, VI, do Código de Processo Civil — CPC, por falta de legitimidade ativa do Órgão Ministerial. Na origem, o MPF propôs a presente a presente ação civil pública, com pedido de tutela provisória de evidência, contra o MUNICÍPIO DE SELVÍRIA/MS. A pretensão deduzida em Juízo pelo Órgão Ministerial objetiva compelir o Ente Municipal a adotar as providências necessárias à regularização do sítio eletrônico já implantado e à correta implementação do Portal da Transparência, nos termos previstos pela Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (alterada pela Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009), pela Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, e pelo Decreto nº 7.185, de 27 de maio de 2010. De acordo com o Autor, a Ré violou o princípio da publicidade previsto no art. 5°, XXXIII, e no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil — CRFB, porque não disponibiliza informações quanto à prática de seus atos, sustentando suas alegações em avaliações realizadas a partir de Notícia de Fato nº 1.21.002.000045/2018-16. O Juízo de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de ilegitimidade ativa do Autor para deduzir a referida pretensão em juízo. Conforme se extrai da sentença apelada, o eminente magistrado compreendeu que o direito envolvido no caso dos autos é local, relativo ao direito de publicidade dos munícipes à transparência da gestão da coisa pública. Segundo o julgamento realizado, tal interesse não se vincula direta e imediatamente aos interesses do Poder Público Federal, pois o interesse na fiscalização da regularidade dos recursos financeiros repassados pela União à Ré é meramente reflexo. Para o magistrado sentenciante, tanto a Lei Complementar nº 131/2009 quanto a Lei nº 12.527/2011 buscam tutelar o direito dos cidadãos, e não diretamente o direito de órgão ou entidade federal. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL interpôs o recurso de apelação contra a sentença proferida, objetivando a reforma do ato judicial, para que seja dado regular processamento ao feito, mediante o recebimento da petição inicial, o deferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela e a posterior instrução processual. Em suas razões recursais, o Apelante sustentou, inicialmente, as premissas republicanas, internacionais e constitucionais do princípio da publicidade, cujo corolário é o princípio da transparência, que impõe ao administrador público o dever de prestar contas de seu governo. Após, o Apelante defendeu que, como instituição destinada à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, detém legitimidade para atuar diante de irregularidades envolvendo a publicidade de recursos financeiros federais, de modo a promover as medidas necessárias à garantia do efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública correlatos aos fatos em comento. O Apelante argumentou, também, que tais fatos se encontram no âmbito de competência da Justiça Federal, por força da supremacia do interesse da União na ação civil pública, e que, embora instituição autônoma, o MPF se situa na estrutura federativa como órgão do Ente Federal. Não houve a intimação do MUNICÍPIO DE SELVÍRIA/MS para apresentar contrarrazões ao recurso, uma vez que a Ré não foi citada e a relação jurídica processual não se aperfeiçoou. Os autos subiram a este e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região — TRF3. Em segundo grau de jurisdição, o Órgão Ministerial opinou em favor do MPF. Nos termos do parecer elaborado no âmbito da Procuradoria Regional da República, a presente demanda possui inequívoco interesse federal, e o Autor/Apelante possui legitimidade para propor a presente ação civil pública. Segundo o eminente parecerista, o interesse jurídico discutido nos autos ultrapassa as esferas municipal e estadual, porquanto parcela significativo dos recursos público à disposição da gestão pública municipal advém dos cofres federais, de modo que o interesse federal decorre da necessidade fiscalizatória, pela União, de tais recursos e dos consectários jurídicos oriundos da violação do princípio da publicidade pelo Ente Municipal em seu Portal da Transparência. É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000261-58.2018.4.03.6003 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. ADRIANA PILEGGI APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL APELADO: MUNICÍPIO DE SELVÍRIA OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A controvérsia submetida a este Tribunal se resume ao exame da existência ou não de legitimidade ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, para propor ação civil pública contra município, a fim de obrigar tal ente federado a adequar o seu Portal da Transparência às disposições jurídicas concernentes ao princípio da publicidade, possibilitando o controle dos recursos federais transferidos ao Ente Municipal pela União. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme preconiza o art. 127 da Constituição da República. Para a realização de suas atribuições precípuas, a própria Constituição definiu como duas de suas funções institucionais tanto zelar pelos poderes e serviços públicos quanto promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, entre outros interesses, nos termos do art. 129, II e III, da CRFB. No plano infraconstitucional, o legislador pátrio igualmente conferiu legitimidade ao Ministério Público para atuar na defesa do patrimônio público e social, à luz do art. 1°, VIII e do art. 5º, I, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, recepcionada pela CRFB. A coisa material que se busca tutelar perante o Poder Judiciário sem dúvida alguma enseja a atuação do Ministério Público, e a questão jurídica remanescente versa sobre a descoberta de qual o ramo da Justiça competente apreciar a causa e qual o ramo do Ministério Público com atribuição para promover a defesa dos interesses que fundamentam a propositura da presente ação civil pública. Com efeito, a publicidade é um dos princípios administrativos expressamente previstos pelo art. 37 da Constituição da República, e os dados que se pretende tornar públicos se referem a bens pertencentes ao domínio estatal destinados ao atendimento das necessidades coletivas, quais sejam, verbas públicas repassadas à Ré pela União para a concretização dos objetivos sociais. A respeito disso, convém registrar que os fatos narrados na petição inicial dão conta do alegado descumprimento das regras estabelecidas pela Lei de Transparência e pela Lei de Acesso à Informação pelo MUNICÍPIO DE SELVÍRIA/MS, de modo a inviabilizar a fiscalização, pelos órgãos de controle da Administração Pública Federal, quanto ao correto emprego das verbas públicas repassadas pela União. Segundo o Autor/Apelante, para se adequar às disposições da referida legislação, a Ré/Apelada teria de atender e/ou se atentar aos seguintes pontos: i) O site do Município não contém ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação (o art. 8º, §3º, I, da Lei 12.527/11, dispõe que para os municípios com menos de 10.000 habitantes esse item é considerado como uma boa prática de transparência); ii) não há informações sobre a receita nos últimos 6 meses, incluindo natureza, valor de previsão e valor arrecadado (art. 48-A, inciso II, da LC 101/00; art. 7º, inciso II, do Decreto 7.185/10); iii) as informações em relação às despesas não apresentam dados dos últimos 6 meses contendo valor do empenho, valor da liquidação, valor do pagamento e favorecido (art. 7º, inc. I, alíneas "a" e "d", do Decreto nº 7.185/2010); iv) o site não apresenta dados nos últimos 6 meses contendo íntegra dos editais de licitação, resultado dos editais de licitação (vencedor é suficiente) e contratos na íntegra (art. 8º, §1º, inc. IV, da Lei 12.527/2011); v) o ente não divulga as informações referentes a processos licitatórios, constando a modalidade e o valor (art. 8º, §1º, inc. IV, da Lei 12.527/2011 e Art. 7º, inc. I, alínea "e", do Decreto nº 7.185/2010); vi) o site não apresenta a prestação de contas (relatório de gestão do ano anterior), nem o relatório resumido da execução orçamentária (RREO) dos últimos 6 meses (art. 48, caput, da LC 101/00; Art. 30, III, da Lei 12.527/11); vii) o site não possibilita a gravação de relatórios em diversos formatos abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto (CSV), de modo a facilitar a análise das informações (art. 8º, §3º, II, da Lei 12.527/11. Para os municípios com menos de 10.000 habitantes esse item é considerado como uma boa prática de transparência); viii) no site não está disponibilizado o regime de competências e a estrutura organizacional (art. 8º, §1º, inciso I, Lei 12.527/11. Para os municípios com menos de 10.000 habitantes esse item é considerado como uma boa prática de transparência); ix) o portal não disponibiliza endereços e telefones das respectivas unidades e horários de atendimento ao público (art. 8º, §1º, inciso I, Lei 12.527/11. Para os municípios com menos de 10.000 habitantes esse item é considerado como uma boa prática de transparência); x) não há divulgação de remuneração individualizada por nome do agente (esse item é considerado como uma boa prática de transparência a exemplo do Art. 7º, §2º, VI, do Decreto 7.724/2012 e Decisão STF RE com Agravo ARE 652777); xi) não há divulgação de diárias e passagens por nome de favorecido e constando, data, destino, cargo e motivo da viagem (esse item é considerado como uma boa prática de transparência. http://transparencia.gov.br, http://www.transparencia.mpf.mp.br). Examinando a causa de pedir e o pedido formulados pelo Órgão Ministerial na petição inicial, tenho que a presente causa envolve interesse público e social e, nesse contexto, engloba principalmente o interesse da União, seja sob a perspectiva macro do interesse da coletividade, seja sob a perspectiva micro do interesse patrimonial desse ente da Federação. Na medida em que envolvem verba pública federal, os supostos fatos ensejadores do caso em exame implicariam na impossibilidade de fiscalização dos respectivos valores pelos órgãos de controle da União. E isso, em última instância, violaria o interesse público primário, enquanto circunstância impeditiva do pleno direito de todos os cidadãos da República à publicidade do emprego de tais verbas. A propósito disso, deve ser rememorado que é competência comum de todos os entes federados zelar pela democracia e suas instituições e conservar o patrimônio público, nos termos do art. 23, I, da Constituição. Em verdade, esses fatos obstariam, ainda que parcialmente, a fiscalização da atividade financeira do próprio Estado brasileiro. Afinal, ao meu sentir, uma vez que os interesses envolvidos transcendem a esfera de interesses de um único ente federado, tais interesses passam a ser verdadeiramente nacionais. De mais a mais, os fatos narrados na inicial, se comprovados, violariam o interesse público secundário, pois, obviamente, tem o potencial para ameaçar o interesse patrimonial da União. Nesse sentido, deve ser rememorado que os recursos em comento estão sujeitos ao controle externo exercido pelo Tribunal de Contas da União — TCU, conforme dispõe o art. 71, VI, da CRFB. Portanto, após identificada a natureza da demanda, não há dúvidas sobre a competência da Justiça Federal para processar e julgar a matéria, como igualmente não há dúvidas sobre ser o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o ramo do Ministério Público com atribuição para promover a defesa dos interesses em discussão. Observando-se o ordenamento jurídico pátrio, a competência da Justiça Federal está fundamentada no art. 109, I, da Constituição, e a legitimação extraordinária do MPF para ajuizar a presente ação civil pública na defesa do patrimônio coletivo, para além do assento constitucional constante do art. 127 e do art. 129, III, da CRFB, está alicerçada no art. 37, I, e no art. 39, I, da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. Então, no que diz respeito à questão jurídica dos autos, trago os seguintes precedentes extraídos da jurisprudência, cujas ementas ora transcrevo: PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO DECLINATÓRIA DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FISCALIZAÇÃO DE RECURSOS FEDERAIS TRANSFERIDOS A ENTES MUNICIPAIS. INTERESSE DO ENTE FEDERAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO POLO ATIVO DA DEMANDA. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Narra o recorrente que propôs Ação Civil Pública por improbidade administrativa alegando indevida inexigibilidade de licitação em convênios firmados entre o Ministério do Turismo e o Município de Aparecida D'Oeste/SP. 2. O Superior Tribunal de Justiça adotou o entendimento de que a decisão interlocutória sobre competência pode desafiar a interposição de Agravo de Instrumento, corroborando o entendimento de boa parte da doutrina. O REsp 1.704.520/MT, julgado pela Corte Especial sob o regime dos recursos repetitivos, assentou a tese de que o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de Agravo de Instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de Apelação. Na ocasião, modularam-se os efeitos da decisão a fim de que a tese jurídica somente fosse aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão, que se deu em 19/12/2018. 3. Verifica-se, assim, que o recorrente utilizou-se da via possível para que sua pretensão recursal fosse apreciada pelo órgão ad quem, a qual, como se viu, poderia atualmente ser levada por meio mais célere (Agravo de Instrumento), sem necessidade de aguardar eventual recurso de Apelação. 4. No sentido específico de permitir Agravo de Instrumento em decisão que declina da competência: AgInt no RMS 55.990/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 14/2/2019, e AgInt no AREsp 1.248.906/AM, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 14/6/2019. 5. Via de regra, o simples fato de a ação ter sido ajuizada pelo Ministério Público Federal implica, por si só, a competência da Justiça Federal, por aplicação do art. 109, I, da Constituição, já que o MPF é parte da União. Contudo, a questão de uma ação ter sido ajuizada pelo MPF não garante que ela terá sentença de mérito na Justiça Federal, pois é possível que se conclua pela ilegitimidade ativa do Parquet Federal, diante de eventual falta de atribuição para atuar no feito. 6. Haverá a atribuição do Ministério Público Federal, em síntese, quando existir interesse federal envolvido, considerando-se como tal um daqueles previstos pelo art. 109 da Constituição, que estabelece a competência da Justiça Federal. Assim, tendo sido fixado nas instâncias ordinárias que a origem da Ação Civil Pública é a necessidade de prestação de contas de recursos públicos, incluídos aqueles transferidos por ente federal, justifica-se plenamente a atribuição do Ministério Público Federal. Nesse sentido, confira-se precedente do Pleno do Supremo Tribunal Federal: ACO 1463 AgR. Relator(a): Min. Dias Toffolli Tribunal Pleno, julgado em 1/12/2011. Acórdão eletrônico DJe-22 Divulg. 31-01-2012 Public. 1-2-2012 RT v. 101, a 919.2011 p. 635-650. 7. Nessa linha de entendimento, precedente desta Segunda Turma sob a relatoria da eminente Min. Eliana Calmon: "... tratando-se de malversação de verbas federais, repassadas pela União ao Município de Canoas/RS, para aporte financeiro ao Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE FNDE. cujo objetivo é atender as necessidades nutridonais de alunos matriculados em escolas públicas, razão pela qual é inquestionável a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do MPF" (AgRg no AREsp 30.160,RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 20.11.2013). 8. Tratando-se da fiscalização de recursos que abrangem verbas provenientes da União, sujeitos, inclusive, à fiscalização de entes federais, indubitável a atribuição do Ministério Público Federal para atuar no feito e, consequentemente, enquadrando-se o MPF na relação de agentes trazidas no art. 109, I, da Constituição, a competência da Justiça Federal. Nesse sentido: REsp 1.513.925/BA, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 13/9/2017; AgRg no AREsp 30.160/RS, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJ 20/11/2013; REsp 1.283.737/DF, Rel. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 25/3/2014. 9. Assim, o aresto hostilizado destoa da jurisprudência do STJ, que se firmou no sentido de que, em se tratando de malversação de verbas federais repassadas pela União, é inquestionável a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do Ministério Público Federal. 10. Deveras, a competência federal é tão patente que o art. 73-C da Lei de Responsabilidade Fiscal (incluído pela LC 131/2009) estipula que o não atendimento, até o encerramento dos prazos definidos no art. 73-B, das determinações contidas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e no art. 48-A sujeita o ente à sanção prevista no inciso I do § 3° do art. 23 da Lei Complementar 101/2000, isto é, o não recebimento das transferências voluntárias enquanto perdurar essa irregularidade. 11. Há, portanto, inquestionável supremacia do interesse nacional da União nessas ações, uma vez que, entre o volume de recursos que municípios e estados administram, há expressivo montante de recursos federais, em consequência das características do nosso federalismo. 12. Ademais, a Lei Orgânica do Ministério Público da União - LC 75/1993 -, entre outros aspectos, disciplina a atuação dos seus membros, conferindo-lhes prerrogativas para a defesa dos direitos de uma coletividade de indivíduos e do efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública, objeto do recurso em exame. 13. Ressalta-se que a demanda proposta pelo Parquet Federal veicula típico interesse transindividual, que ultrapassa a esfera pessoal dos indivíduos envolvidos e atinge uma coletividade de pessoas, repercutindo no interesse público e no respeito aos princípios da transparência e de publicidade de gastos públicos envolvendo a aplicação de verbas federais e a proteção ao Erário. 14. Por conseguinte, tendo em conta a possível repercussão do eventual descumprimento das prescrições legais citadas sobre repasses de verbas da União, reconhece-se a legitimidade do MPF para propor a presente ACP e fixa-se a competência da Justiça Federal para este caso, haja vista o entendimento cristalizado pelo STF e pelo STJ. 15. Recurso Ordinário provido para conceder a ordem pleiteada, fixando a competência da Justiça Federal para apreciar a demanda originária. (RMS n. 58.552/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/9/2019, DJe de 25/10/2019.) ------------------------------------------- DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO E LEI DA TRANSPARÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 8º, § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR 75/1993; ART. 21 DA LEI 12.527/2011 E LEI COMPLEMENTAR 131/2009. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o Município de Campo Grande/MS em razão de reiterados descumprimentos às disposições da Lei 12.527/2001 (Lei de Acesso à Informação) e da Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência). 2. O Tribunal de origem confirmou a sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito por concluir pela ilegitimidade do Parquet Federal, tendo em vista que a pretensão final postulada pelo MPF se refere unicamente a adequação do Município aos termos das leis mencionadas, logo inexistiria interesse federal a ser defendido. 3. O art. 127 da Constituição Federal define o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, cabendo-lhe promover Ação Civil Pública (art. 129, III). 4. Cabe ao Parquet resguardar os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no art. 37 da Constituição Federal, entre os quais temos os princípios da publicidade, da legalidade, da eficiência e ainda o da probidade administrativa. 5. No caso dos autos, o Município recorrido recebe verbas oriundas da União, devendo o recebimento e a aplicação constar no portal da transparência do Município. Frise-se que a inadimplência do Município com sua obrigação para com a transparência pode gerar inclusive a suspensão de repasses federais. 6. Diante das supostas irregularidades narradas envolvendo a publicidade do uso de recursos financeiros federais, a atuação do Ministério Público Federal configura-se legitima, tendo em vista sua tarefa de "zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia", nas quais se incluem a promoção do inquérito civil público e da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social (CRF/88, art. 129, II e III). 7. Ressalta-se, ainda, que, nos termos do art. 1º, VIII, da Lei 7.347/1985, o Ministério Público Federal possui legitimidade ativa para ajuizar Ação Civil Pública que vise a resguardar o interesse da União no tocante à correta aplicação de recursos federais transferidos aos Estados e Municípios. 8. Recurso Especial provido. (REsp n. 1.784.354/MS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/8/2019, DJe de 18/10/2019.) ------------------------------------------- CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. IMPLANTAÇÃO DO PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. NULIDADE DA R. SENTENÇA. - O Ministério Público Federal - MPF propôs a presente ação civil pública em face do Município de Dois Irmãos do Buriti, objetivando a regularização das pendências encontradas no sítio eletrônico do Município, bem como de links não disponíveis para consulta e a adequada implantação do Portal da Transparência previsto na Lei Complementar nº 131/2009 e Lei 12.527/2011. - O Ministério Público Federal possui legitimidade ativa para a propositura da presente ação, pois a Constituição Federal, ao defini-lo como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), cabendo-lhe promover Ação Civil Pública (art. 129, III). - O Município recebe verbas oriundas da União, cujo recebimento e aplicação também devem constar do portal da transparência do Município. Frise-se que a inadimplência do Município com suas obrigações de transparência pode, inclusive, gerar a suspensão de repasses federais. Nos termos do art. 1º, VIII, da Lei nº 7.347/85, o Ministério Público Federal possui legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública que visa a resguardar o interesse da União no tocante à correta aplicação de recursos federais transferidos aos Estados e Municípios. - Apelação do Ministério Público Federal provida. Sentença anulada. (TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2252876 - 0006715-22.2016.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, julgado em 16/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/06/2018). Finalmente, a despeito da necessidade de reforma da r. sentença proferida em primeiro grau de jurisdição, pelas razões ora declinadas neste voto, compreendo que este julgamento não comporta o exame dos demais pedidos formulados no recurso. Conforme penso, o exame dos pedidos de recebimento da inicial — mediante o afastamento da tese de ilegitimidade ad causam do Autor da ação que fundamentou a sentença terminativa —; de pedido de antecipação dos efeitos da tutela; e de posterior regular instrução processual ainda não foram realizados pelo magistrado sentenciante, e, desse modo, a análise dessas matérias nesse momento se configuraria em supressão de instância. Diante de todo o exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL à apelação interposta, para anular a r. sentença que extinguiu o processo nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil, devendo o Juízo singular reapreciar a petição inicial da ação civil pública à luz dos termos constantes do presente julgamento colegiado. É como voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. LEI DE TRANSPARÊNCIA E LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE POR ENTE MUNICIPAL. FISCALIZAÇÃO DOS RECURSOS FEDERAIS TRANSFERIDOS AO MUNICÍPIO PELA UNIÃO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXAME DOS PEDIDOS DE RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL, DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA E DE REGULAR INSTRUÇÃO PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE EM RAZÃO DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
1. A controvérsia submetida a este Tribunal se resume ao exame da existência ou não de legitimidade ativa do Ministério Público Federal, para propor ação civil pública contra município, a fim de obrigar tal ente federado a adequar o seu Portal da Transparência às disposições jurídicas concernentes ao princípio da publicidade, possibilitando o controle dos recursos federais transferidos ao Ente Municipal pela União.
2. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme preconiza o art. 127 da Constituição da República. Para a realização de suas atribuições precípuas, a própria Constituição definiu como duas de suas funções institucionais tanto zelar pelos poderes e serviços públicos quanto promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, entre outros interesses, nos termos do art. 129, II e III, da CRFB. No plano infraconstitucional, o legislador pátrio igualmente conferiu legitimidade ao Ministério Público para atuar na defesa do patrimônio público e social, à luz do art. 1°, VIII e do art. 5º, I, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, recepcionada pela CRFB.
3. A coisa material que se busca tutelar perante o Poder Judiciário enseja a atuação do Ministério Público, e a questão jurídica remanescente versa sobre a descoberta de qual o ramo da Justiça competente apreciar a causa e qual o ramo do Ministério Público com atribuição para promover a defesa dos interesses que fundamentam a proposição da presente ação civil pública. Os fatos narrados na petição inicial dão conta do alegado descumprimento das regras estabelecidas pela Lei de Transparência e pela Lei de Acesso à Informação por Ente Municipal, de modo a inviabilizar a fiscalização, pelos órgãos de controle da Administração Pública Federal, quanto ao correto emprego das verbas públicas repassadas pela União.
4. A presente causa envolve interesse público e social e, nesse contexto, engloba principalmente o interesse da União, seja sob a perspectiva macro do interesse da coletividade, seja sob a perspectiva micro do interesse patrimonial desse ente da Federação.
5. Na medida em que envolve verba pública federal, a impossibilidade de fiscalização dos respectivos valores pelos órgãos de controle da União violaria o interesse público primário. Inicialmente, enquanto circunstância impeditiva do pleno direito de todos os cidadãos da República à publicidade do emprego de tais verbas. Além disso, é competência comum de todos os entes federados zelar pela democracia e suas instituições e conservar o patrimônio público, nos termos do art. 23, I, da Constituição. Por fim, esses fatos obstariam a fiscalização da atividade financeira do próprio Estado brasileiro, uma vez que os interesses envolvidos transcendem a esfera de interesses de um único ente federado, os quais se transformam em interesses nacionais.
6. Os fatos narrados na inicial também violariam o interesse público secundário, pois, obviamente, tem o potencial para ameaçar o interesse patrimonial da União. Os recursos em comento estão, inclusive, sujeitos ao controle externo exercido pelo Tribunal de Contas da União — TCU, conforme dispõe o art. 71, VI, da CRFB.
7. Portanto, a Justiça Federal é competente para processar e julgar a matéria, e o Ministério Público Federal é o ramo do Ministério Público com atribuição para promover a defesa dos interesses em discussão. O ordenamento jurídico pátrio dispõe que a competência da Justiça Federal está fundamentada no art. 109, I, da Constituição, e que a legitimação extraordinária do MPF para ajuizar a ação civil pública na defesa do patrimônio coletivo, para além do assento constitucional constante do art. 127 e do art. 129, III, da CRFB, está alicerçada no art. 37, I, e no art. 39, I, da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. Precedentes do STJ e do TRF3.
8. A despeito da necessidade de reforma da r. sentença proferida, o julgamento da apelação não comporta o exame dos demais pedidos formulados no recurso, sob pena de se configurar supressão de instância.
9. Apelação parcialmente provida.