Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019972-40.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: RAQUEL BESSA CARVALHO DINIZ

Advogado do(a) AGRAVANTE: JULIANA CRISTINA FINCATTI MOREIRA SANTORO - SP195776-A

AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019972-40.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: RAQUEL BESSA CARVALHO DINIZ

Advogado do(a) AGRAVANTE: JULIANA CRISTINA FINCATTI MOREIRA SANTORO - SP195776-A
AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de agravo de instrumento à decisão que manteve penhora dos imóveis, matrículas 14.486, 18.232 e 45.396.

Alegou, em suma, que: (1) o imóvel de matrícula 14.486 foi gravado com cláusula de impenhorabilidade em 22/11/1994, conforme averbação; (2) o imóvel de matrícula 45.396 é impenhorável por ser bem de família e residência da agravante; (3) os três bens penhorados superam o montante devido, sendo suficiente a manutenção de restrição somente sobre o bem de menor valor, em respeito ao princípio da menor onerosidade; e (4) não houve nomeação de perito avaliador especialista para avaliação do valor das propriedades.

Houve contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 


 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019972-40.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: RAQUEL BESSA CARVALHO DINIZ

Advogado do(a) AGRAVANTE: JULIANA CRISTINA FINCATTI MOREIRA SANTORO - SP195776-A
AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL

 

 

 

 

 

 V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, na origem cuida-se de cumprimento de sentença relativo à multa imposta à agravante nos embargos à arrematação 0001884-88.2009.4.03.6124. Decorrido prazo para pagamento, e após frustrado bloqueio de bens via Renajud e Sisbajud, houve penhora de três imóveis. O apartamento de matrícula 45.396, localizado em São Paulo/SP (ID 135383301, origem), e os imóveis rurais de matrícula 18.232 (Sítio São Pedro) e 14.486 (Fazenda do Bosque), localizados em Santa Rita d’Oeste (ID’s 135383321 e 1335383338, origem).

Quanto à impenhorabilidade do imóvel matrícula 45.396 por constituir bem de família, e à falta de nomeação de perito avaliador especialista, não foram tais alegações sequer deduzidas e tampouco decididas na origem para efeito de gerar sucumbência específica, configurando, ao revés, inovação da lide em sede recursal. Assim, eventual apreciação da matéria nesta via consubstanciaria indevida supressão de instância jurisdicional.

Este é o entendimento da Turma:

 

ApCiv 5004834-14.2020.4.03.6119, Rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, DJEN 03/10/2023: “PROCESSO CIVIL. INOVAÇÃO RECURSAL. CEF. QUITAÇÃO DE FINANCIAMENTO COM SALDO DO FGTS. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. MAJORAÇÃO. CABIMENTO. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. 1. Segundo o art. 336 do CPC, é obrigação do réu, ao ofertar sua contestação, apresentar toda a sua matéria de defesa. Após a contestação, somente as matérias de ordem pública podem ser conhecidas, o que não se verifica na hipótese. 2. A apelação devolve ao Tribunal o conhecimento das questões suscitadas e discutidas no processo, não merecendo conhecimento a peça recursal que contenha inovação, sob pena de ofensa aos princípios do duplo grau de jurisdição, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. 3. A CEF, além de ter sido condenada nos autos por litigância de má-fé, por deixar sistematicamente, quando intimada, de juntar documentos e prestar esclarecimentos nos autos, não trouxe qualquer explicação plausível para a devolução do valor do FGTS da autora, que não foi utilizado para a quitação do contrato de financiamento com a ré, apesar do pedido dos autores. 4. A tese veiculada na apelação não foi, em momento algum, suscitada na contestação ou no decorrer da fase instrutória, a configurar inovação da tese de defesa em sede recursal, prática vedada pelo ordenamento jurídico. 5. Honorários advocatícios majorados em 1% (um por cento), nos termos do art. 85, § 11 do CPC. 6. Apelação não conhecida.”

 

No tocante ao imóvel de matrícula 14.486, consta averbação de cláusula de impenhorabilidade, registrada em 22/11/1994, nos seguintes termos (ID 135383338, f. 2):

 

“AV. 01/14.486. Santa Fé do Sul, 22 de novembro de 1994.

Certifico e dou fé que, que o imóvel objeto desta matrícula já se encontra gravado com as cláusulas de ‘inalienabilidade’; ‘impenhorabilidade’; e ‘incomunicabilidade’, conforme consta da averbação 02 (dois) da M/8.901.”

 

A respeito, a jurisprudência admite o afastamento da inalienabilidade decorrente de ato de vontade particular caso demonstrada a ausência de justa causa para sua imposição ou manutenção.

Neste sentido:

 

AgInt no AREsp 1.364.591, Rel. Min. ISABEL GALLOTTI, DJe de 01/10/2020: “AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE VITALÍCIA. VIGÊNCIA. 1. Conforme estabelece o art. 1.676 do Código Civil de 1916 (1.911 do Código Civil de 2002), a cláusula de inalienabilidade vitalícia tem vigência enquanto viver o beneficiário, cuja morte tem o efeito de transferir os bens objeto da restrição livres e desembaraçados aos seus herdeiros, podendo sobre eles, então, recair penhora. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento.”

 

REsp 1.631.278, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe de 29/03/2019: “RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DOAÇÃO. HERDEIROS NECESSÁRIOS. ANTECIPAÇÃO DE LEGÍTIMA. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE E USUFRUTO. MORTE DOS DOADORES. 1. Controvérsia acerca da possibilidade de cancelamento de cláusula de inalienabilidade instituída pelos pais em relação ao imóvel doado aos filhos. 2. A doação do genitor para os filhos e a instituição de cláusula de inalienabilidade, por representar adiantamento de legítima, deve ser interpretada na linha do que prescreve o art. 1.848 do CCB, exigindo-se justa causa notadamente para a instituição da restrição ao direito de propriedade. 3. Possibilidade de cancelamento da cláusula de inalienabilidade após a morte dos doadores, passadas quase duas décadas do ato de liberalidade, em face da ausência de justa causa para a sua manutenção. 4. Interpretação do art. 1.848 do Código Civil à luz do princípio da função social da propriedade. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.”

 

Na espécie, a agravante não trouxe aos autos cópia integral da matrícula do imóvel de matrícula 8.901, referente à averbação da cláusula restritiva, não sendo possível constatar o fundamento e permanência da vigência da impenhorabilidade, imposta por ato voluntário há quase trinta anos. Assim, revela-se prematuro o levantamento da penhora sem que esclarecida a natureza da restrição.

Por fim, resta inviável o levantamento da penhora do imóvel de matrícula 45.396, sob fundamento de que a execução estaria garantida pelos demais bens. Além da dúvida razoável acerca da futura arrematação e valor que tais imóveis alcançariam em hasta pública, por se tratarem de bens rurais, não se pode estimar valor de mercado a partir apenas de anúncios de imóveis e cálculo realizado pelo próprio executado.

A propósito:

 

AI 5030888-75.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. WILSON ZAUHY, Intimação via sistema 09/10/2023: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO DE ATIVOS. SISTEMA BACENJUD. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA. ACEITE FACULTADO AO CREDOR. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos da Execução Fiscal ajuizada na origem, indeferiu o pedido de substituição da penhora. Alega a agravante que ofereceu à penhora duas unidades de produção em atividade cujo valor somado ultrapassa R$ 10 milhões, suficiente para garantir a obrigação de R$ 3.866.538,48. Argumenta que as inscrições de dívida ativa objeto do feito de origem se referem ao mesmo fato gerador, o que caracteriza bis in idem e defende a necessidade de substituição da penhora em respeito aos princípios da continuidade da empresa e da menor onerosidade ao executado. Equivocada a alegação da agravada no feito de origem segundo a qual o arrolamento dos imóveis em processo administrativo impede que sejam aceitos como garantia em executivo fiscal, tendo em vista que o procedimento de arrolamento previsto pelo artigo 64 da Lei nº 9.532/97 caracteriza constrição ao patrimônio do devedor, impondo-lhe apenas o dever de comunicar ao fisco eventual alienação quando o valor da soma dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a 30% de seu patrimônio conhecido. Da mesma forma, não prospera a alegação de que a mera inobservância da ordem prevista pelo artigo 11 da Lei nº 6.830/80 constitui de per si causa suficiente à rejeição dos imóveis oferecidos à penhora. Descabida a pretensão da agravante de que sejam considerados como valor dos imóveis aqueles indicados em anúncios de imóveis semelhantes. Ainda que por vezes o valor venal considerado como base de cálculo para apuração e cobrança do IPTU não corresponda ao efetivo valor de mercado, os valores mencionados na manifestação da executada no feito de origem se tratam, à evidência, de valores indicados unilateralmente sem a efetiva comprovação de seu verdadeiro valor ou submetidos à efetiva avaliação por oficial de justiça. A incerteza quanto à suficiência do valor dos imóveis para garantia do crédito tributário perseguido, não há como se determinar, ao menos em análise própria deste momento processual, a pretendida substituição da penhora. Recurso a que se nega provimento.”

 

Ante o exposto, conheço em parte do agravo de instrumento e, nesta extensão, nego-lhe provimento.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE IMÓVEIS. TESES NÃO VEICULADAS NA ORIGEM. INOVAÇÃO RECURSLA. CLÁUSULA DE IMPENHORABILIDADE. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE. EXCESSO DE PENHORA. NÃO OCORRÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. É inviável conhecer de questões não decididas na origem e sobre as quais, portanto, não houve sucumbência a justificar o interesse de recorrer, configurando, pois, inovação indevida e supressão de instância em sede recursal. 

2. No tocante à cláusula de impenhorabilidade gravada sobre o imóvel de matrícula 14.486, a jurisprudência admite o afastamento da inalienabilidade caso demonstrada a ausência de justa causa para sua imposição ou manutenção. Na espécie, a agravante não trouxe aos autos cópia integral da matrícula do imóvel de matrícula 8.901, referente à averbação da cláusula restritiva, não sendo possível constatar a vigência da impenhorabilidade, imposta por ato voluntário há quase trinta anos. Assim, revela-se prematuro o levantamento da penhora sem que esclarecida a natureza da restrição.

3. Por fim, resta inviável o levantamento da penhora do imóvel de matrícula 45.396, sob fundamento de que a execução estaria garantida pelos demais bens. Além da dúvida razoável acerca da futura arrematação e valor que tais imóveis alcançariam em hasta pública, por se tratarem de bens rurais, não se pode estimar valor de mercado a partir apenas de anúncios de imóveis e cálculo realizado pelo próprio executado.

4. Agravo de instrumento parcialmente conhecido e, nesta extensão, desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, conheceu em parte do agravo de instrumento e, nesta extensão, negou-lhe provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.