APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007521-30.2020.4.03.6000
RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE: ALTEMIR VIAPIANA
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA EVANGELISTA CUNHA - MS21578-A, DANIEL IACHEL PASQUALOTTO - MS19600-A, GUSTAVO BITTENCOURT VIEIRA - MS13930-A, LUIZ LEMOS DE SOUZA BRITO FILHO - MS21121-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007521-30.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: ALTEMIR VIAPIANA Advogados do(a) APELANTE: CAMILA EVANGELISTA CUNHA - MS21578-A, DANIEL IACHEL PASQUALOTTO - MS19600-A, GUSTAVO BITTENCOURT VIEIRA - MS13930-A, LUIZ LEMOS DE SOUZA BRITO FILHO - MS21121-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de Altemir Viapiana contra a sentença de Id n. 273331859 que o condenou à pena de 1 (um) ano de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, pelo cometimento do crime do art. 27 da Lei n. 11.105/05. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pagamento de 3 (três) salários mínimos, ambas em favor de entidade beneficente ou assistencial a ser destinada pelo Juízo da Execução. A defesa apela, alegando, em síntese, o seguinte: a) preliminarmente, a necessidade do sobrestamento do feito em razão da caducidade do decreto que criou o Parque Nacional da Serra de Bodoquena, objeto da Ação n. 5002288-57.2017.4.03.6000, pendente de julgamento, cujo desfecho pode retirar a tipicidade da conduta atribuída ao apelante “pois se reconhecida a caducidade do mencionado Decreto, automaticamente, todas as propriedades que não tiverem sido devidamente desapropriadas e seus proprietários indenizados, deixarão de integrar o mencionado Parque, o qual terá suas demarcações modificadas, excluindo, assim, qualquer conduta antijurídica daqueles que as exploram, tal qual o Réu"; b) a sentença deve ser reformada por ausência de antijuridicidade na conduta do acusado, tendo em vista que enquanto não implantado o parque, com a desapropriação das áreas particulares, não há restrições para plantio, como é o caso de limites para o plantio de OMGs, uma vez que o Decreto n. 21/00 que criou o Parque Nacional da Bodoquena previu a desapropriação das áreas privadas existentes nos seus limites no prazo de cinco anos, o que expirou há quase duas décadas sem previsão para que seja finalizada a regularização da Unidade de Conservação; c) inexistência de dolo na conduta do apelante, haja vista que o plantio de soja transgênica em área inferior a 500 metros do Parque Nacional é costume na região; d) a exploração na área foi permitida entre 2006 e 2017 por liminar decorrente dos Autos n. 0001696-84.2006.403.6000, sendo que posteriormente tornaram-se constantes as decisões conflitantes que permitiam e depois barravam a utilização de terras próximas ao parque, o que deve ser suficiente para afastar o dolo ou a culpa na conduta do apelante, devendo ser reformada a sentença condenatória para o fim de absolver o réu (Id n. 273331875). Contrarrazões no Id n. 273331880. A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Adriana Scordamaglia, manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação (Id n. 273817090). Foi juntado aos autos ofício expedido pela Justiça Estadual, informando que as intimações decorrentes da carta precatória não foram efetuadas em tempo hábil para a audiência designada. Contudo, verifica-se dos autos que não houve prejuízo, uma vez que o acusado e as testemunhas arroladas compareceram ao ato e foram ouvidas (Id n. 273331581). É o relatório. Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007521-30.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: ALTEMIR VIAPIANA Advogados do(a) APELANTE: CAMILA EVANGELISTA CUNHA - MS21578-A, DANIEL IACHEL PASQUALOTTO - MS19600-A, GUSTAVO BITTENCOURT VIEIRA - MS13930-A, LUIZ LEMOS DE SOUZA BRITO FILHO - MS21121-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL V O T O Imputação. Altemir Viapiana foi denunciado pelo cometimento do delito do art. 27 da Lei n. 11.105/05 c. c. o art. 1º do Decreto n. 5.950/06. Narra a denúncia, em síntese, o seguinte: Consta dos autos que, na safra dos anos 2016/2017, na Fazenda Rio Formoso, em Bonito/MS, ALTEMIR VIAPIANA, consciente e voluntariamente, realizou o plantio de soja geneticamente modificada tolerante ao herbicida glifosato em 58,1 hectares da referida propriedade rural, a menos de 500 metros do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização. Com efeito, em fiscalização decorrente da Operação Quimera, em 08/04/2017, fiscais do IBAMA recolheram amostras das lavouras de soja plantadas e constataram que se tratavam de organismos geneticamente modificados apontados no Decreto nº 5.950/2006 e no Plano de Manejo do Parque, já que ao serem submetidas a ensaio de detecção, foram encontradas proteínas CP4 EPSPS (informações constantes de Relatórios de Apuração de Infrações Administrativas Ambientais fls. 9/13), que lhes conferem tolerância ao herbicida glifosato, o que gerou a emissão do auto de infração nº 9141140 – E (f. 8). Assim, agindo, nas circunstâncias de tempo e lugar acima referidas, ALTEMIR VIAPIANA, dolosamente e consciente da ilicitude e reprovabilidade, liberou/descartou, organismo geneticamente modificado (soja) no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pelos órgãos de fiscalização, incorrendo na conduta do artigo 27 da Lei 11.105/05 c/c art. 1º do Decreto 5.950/2006: Lei 11.105/05. Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Decreto nº 5.950/2006[1] Art. 1º. Ficam estabelecidas as faixas limites para os seguintes organismos geneticamente modificados nas áreas circunvizinhas às unidades de conservação, em projeção horizontal a partir do seu perímetro, até que seja definida a zona de amortecimento e aprovado o Plano de Manejo da unidade de conservação: I – quinhentos metros para o caso de plantio de soja geneticamente modificada, eventoGTS40-3-2, que confere tolerância ao herbicida glifosato; Os indícios de autoria e a prova da materialidade dos delito estão demonstrados pelo Auto de Infração (f. 8), pelo Relatório de Apuração de Infrações Administrativas Ambientais (fls. 9/13), pelo Laudo Técnico n. 67/2018 (o qual foi elaborado pelo Núcleo de Fiscalização do Patrimônio Genético e Conhecimento Tradicional Associado (Nufgen) do IBAMA) e pelo Contrato de Parceria Agrícola no qual o denunciado figura como parceiro outorgado (fls. 102/106). Ante todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia ALTEMIR VIAPIANA como incurso no artigo 27 da Lei 11.105/05 c/c art. 1º do Decreto 5.950/2006, requerendo que, recebida e autuada a presente, seja instaurado o devido processo penal, citando-se o denunciado, ouvindo-se as testemunhas ao final arroladas, até o final do julgamento. Requer-se, também seja oficiado ao IBAMA a fim de que encaminhe a este D. Juízo o Laudo Pericial n. 67/2018, mencionado nos Relatórios de Apuração de Infrações Administrativas Ambientais, para que seja juntado aos autos. Outrossim, considerando-se a pena mínima prevista para o delito ora tratado e o disposto no artigo 28-A do CPP, verifica-se a possibilidade de aplicação a este caso do instituto do Acordo de Não Persecução Penal, a ser ofertado ao requerido em audiência a ser designada com essa finalidade, na qual deverá demonstrar a reunião dos requisitos para o benefício, na forma do supradito artigo, conforme proposta anexa. (sic, Id n. 273331325)Do processo. O Ministério Público Federal formulou proposta de acordo de não persecução penal, que foi rejeitada pelo acusado, que fundamentou a sua recusa na ausência de cometimento de ilícito, alegando a atipicidade da conduta (Id n. 273331488). Suspensão do processo penal (CPP, art. 93). Faculdade do magistrado. Nos termos do art. 93 do Código de Processo Penal, a suspensão do processo penal, em virtude de questão prejudicial heterogênea, é facultativa nos casos que não versem sobre estado civil das pessoas, dependendo da discricionariedade do juízo diante das particularidades do caso concreto: RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. PEDIDO DE SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL. AÇÃO ANULATÓRIA NA ESFERA CÍVEL. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO INALTERADA. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS CÍVEL, CRIMINAL E ADMINISTRATIVA. SUSPENSÃO FACULTATIVA A CRITÉRIO DO JUÍZO CRIMINAL. ARTIGO 93 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Este Sodalício pacificou o entendimento segundo o qual, em razão da excepcionalidade do trancamento da ação penal, tal medida somente se verifica possível quando ficar demonstrado - de plano e sem necessidade de dilação probatória - a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade. 2. No caso concreto, busca-se o trancamento, ou a suspensão, da ação penal que apura a prática de crime contra ao ordem tributária, ao argumento de que a exigibilidade do crédito tributário está suspensa em razão de tutela antecipada concedida em ação anulatória que tramita na Vara da Fazenda Pública Estadual. Contudo, o mero ajuizamento de ação anulatória não desconstitui, per si, o crédito tributário. Persiste a condição de procedibilidade da ação penal exigida na Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal - STF, segundo a qual "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo." No caso em análise, é incontroverso que houve constituição definitiva do tributo e esgotamento da via administrativa. 3. A suspensão do processo penal em virtude de questão prejudicial prevista no art. 93 do Código de Processo Penal - CPP é facultativa, dependendo da discricionariedade do juízo diante das particularidades do caso concreto. Precedentes. 4. Esta Corte Superior tem admitido a suspensão da ação penal apenas na hipótese de desconstituição do crédito tributário por sentença judicial, mesmo com recurso pendente de julgamento, o que não é o caso dos autos. Precedentes. 5. Recurso desprovido. (STJ, RHC n. 88.672, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 13.11.18) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. CRIME TRIBUTÁRIO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO ANULATÓRIA. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS. 2. PEDIDO DE SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL. ART. 93 DO CPP. FACULDADE DO MAGISTRADO. 3. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "havendo lançamento definitivo, a propositura de ação cível discutindo a exigibilidade do crédito tributário não obsta o prosseguimento da ação penal que apura a ocorrência de crime contra a ordem tributária, tendo em vista a independência das esferas cível e penal". (AgRg no REsp 1390734/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 13/3/2018, DJe 21/3/2018). 2. Não se pode descurar, outrossim, que a suspensão da ação penal, conforme autoriza o art. 93 do Código de Processo Penal, é faculdade do magistrado, diante das particularidades do caso concreto. Ademais, esta Corte tem considerado particularidade apta a ensejar a suspensão do processo a efetiva desconstituição do crédito tributário por sentença judicial, mesmo com recurso pendente de julgamento, o que não é o caso dos autos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgInt no HC n. 480.789, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.03.19) AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. NÃO CONHECIMENTO. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. PECULATO E INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES. SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL EM RAZÃO DA ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO PROFERIDO EM PROCESSO DE TOMADA DE CONTAS. INCIDENTE QUE NÃO AFETOU AS PROVAS UTILIZADAS PARA A PROLAÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. 2. Nas hipóteses previstas no artigo 93 do Código de Processo Penal, cumpre ao magistrado singular analisar a necessidade ou não de suspensão da ação penal, tratando-se, assim, de faculdade a ele conferida. 3. A sentença condenatória proferida contra o agravante baseou-se em diversas provas, razão pela qual o ajuizamento de ação rescisória no processo que tramitou perante o Tribunal de Contas Estadual, bem como a posterior anulação do acórdão nele proferido, não tem o condão de suspender a presente ação penal, como pretendido. 4. O referido aresto foi anulado por falta de defesa, inexistindo qualquer menção à inocência ou à impossibilidade de responsabilização do acusado, o que reforça a inexistência de coação ilegal a ser reparada por este Sodalício, ante a independência entre as esferas cível, administrativa e penal. Precedente. 5. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no HC n. 429.531, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 21.02.19) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CAUTELAR. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS PELA SUPOSTA DEVEDORA. GARANTIA GARANTIA DO DÉBITO TRIBUTÁRIO POR MEIO DE CARTA DE FIANÇA. PLAUSIBILIDADE DA TESE INVOCADA PELA EMPRESA NA ESFERA CÍVEL. SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL RECOMENDÁVEL. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO DIREITO INVOCADO 1. Nos termos do artigo 93 do Código de Processo Penal, a suspensão da ação penal ante a pendência de discussão acerca do crédito tributário é facultativa. Doutrina. Jurisprudência. 2. No caso dos autos, houve a constituição definitiva do crédito tributário, sobrevindo o ajuizamento de ação cautelar preparatória pela empresa administrada pelos recorrentes, objetivando, em síntese, a aceitação de carta de fiança bancária como garantia antecipada da futura execução fiscal a ser ajuizada, sendo que, em consulta à página eletrônica do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, verificou-se que os pedidos nela formulados foram julgados procedentes. 3. Conquanto a carta de fiança não se equipare ao pagamento do tributo, o certo é que, na espécie, a empresa dirigida e administrada pelos recorrentes obteve decisão favorável na esfera cível, que, embora ainda não esteja acobertada pela coisa julgada, demonstra a plausibilidade jurídica da tese por ela invocada quanto à ilegalidade dos tributos que lhe estão sendo cobrados, afigurando-se recomendável, portanto, que se aguarde o desfecho da questão para que se dê prosseguimento à persecução criminal. Precedentes. 4. Recurso provido para determinar o sobrestamento da ação penal até a resolução, na esfera cível, do procedimento que trata da legalidade da cobrança tributária. (STJ, RHC n. 76.331, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 04.12.18) Do caso dos autos. A defesa pugna, preliminarmente, pelo sobrestamento do feito. Sustenta que a caducidade do decreto que criou o Parque Nacional da Serra de Bodoquena é objeto de discussão nos autos da Ação n. 5002288-57.2017.4.03.6000, pendente de julgamento, cujo desfecho pode excluir a tipicidade da conduta atribuída ao apelante. Não lhe assiste razão. Ao contrário do que sustenta a defesa, o deslinde da ação cível em tramitação não afeta a tipificação do fato. Conforme abaixo se verá, a tipificação decorre da incidência das normas legais e regulamentares que dispõem acerca do impedimento ao plantio de soja transgênica a menos de 500m (quinhentos metros) de unidade de conservação. Essas normas tem aplicabilidade por seus próprios méritos, isto é, não dependem da ação do IBAMA para primeiramente intentar ações de desapropriação de áreas particulares que se encontrem no interior do Parque como também não dependem da criação de um plano de manejo a ele correspondente. Ao contrário, é da essência da norma regulamentar a proteção ambiental ainda que não haja sido implementado o plano de manejo como também não há necessidade de primeiramente haver a expropriação das áreas particulares para somente depois o Parque Nacional da Serra da Bodoquena ser considerado “criado”. E isso porque é o próprio Decreto de 21.09.00 que, para todos os efeitos, cria o Parque. Afora isso, deve-se ter presente a independência das instâncias cível, administrativa e penal. Em consequência da liberdade de convicção, o juiz criminal pode livremente decidir segundo seu próprio critério jurídico a respeito da pretensão punitiva deduzida pela acusação. Ele não precisa esperar que o juiz cível resolva a respeito da matéria que lhe é colocada sob apreciação. Apenas em matéria de estado e outras hipóteses excepcionais é que há uma dependência desse gênero. Mas, como regra, o juiz criminal pode tanto considerar como impertinente a alegação de caducidade quanto acolhê-la ou rejeitá-la, ainda que o juiz cível tenha uma compreensão diversa da matéria. Por esses motivos, rejeito a alegação. Antijuridicidade. O réu está sendo processado pela prática do crime do art. 27 da Lei n. 11.105/05, que tipifica a conduta de liberar ou descartar organismos geneticamente modificados (OGM) no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização, pois plantou soja geneticamente modificada que confere tolerância ao herbicida glifosato a menos de quinhentos metros do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, o que contraria o disposto no inciso I do art. 1º do Decreto n. 5.950/06. Alega a defesa, em última análise, que o fato é atípico na medida em que o Decreto de 21.09.00, em seu art. 4º, dispôs que as terras e benfeitorias localizadas nos limites ali descritos ficam declaradas de utilidade pública para fins de desapropriação pelo IBAMA; por outro lado, o art. 5º estabeleceu o prazo máximo de cinco anos, contado da publicação do Decreto, para a elaboração do Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Bodoquena. À míngua da implementação dessas medidas, adveio a caducidade correspondente, de sorte que não há falar em violação ao preceito acima mencionado, isto é, aquele que impede o plantio de soja transgênica a menos de quinhentos metros da suposta Unidade de Conservação. Entendo que a alegação não procede. Em verdade, o Parque Nacional da Serra da Bodoquena está formal e devidamente constituído por força inerente à edição do Decreto de 21.09.00. Não há dúvida alguma a respeito da efetiva constituição e da própria realidade material do Parque, ainda que não tenham sido implementadas, pelo IBAMA, essas ou outras medidas de seu encargo. Nesse sentido, o Decreto de 21.09.00 veiculou a declaração de utilidade pública de áreas no interior do Parque para fins de desapropriação; mas a caducidade da ação de desapropriação não afeta em nada a existência do próprio Parque, malgrado nele ainda possam, eventualmente, haver propriedades particulares que carecem de serem expropriadas pelo Poder Público mediante a indispensável edição de (novo) decreto de utilidade pública. Esse problema, como se percebe, não afeta o Parque enquanto tal nem autoriza que sejam desrespeitadas as normas ambientais para a respectiva proteção. Considerações semelhantes devem ser feitas quanto ao Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra de Bodoquena. De fato, o art. 1º do Decreto n. 5.950/06 resguarda a distância mínima “até que seja definida a zona de amortecimento e aprovado o Plano de Manejo da unidade de conservação”; em outras palavras, a norma regulamentar integra a norma penal exatamente para que a tipificação do fato não fique a depender indefinidamente de superveniência formal do plano de manejo. Por esse motivo, a eventual caducidade – admitida para efeito de argumentação – não é um lenitivo para a infração penal; ao contrário, a norma regulamentar associa à unidade de conservação uma determinada faixa de interdição sem prejuízo de que por intermédio de um plano de manejo ela possa ser modificada. Essas considerações explicam, por um outro prisma, a razão para rejeitar o pedido de suspensão do processo enquanto tramitam ações no âmbito cível quanto ao pleito de caducidade, seja do Decreto, seja do Parque, seja de ações de desapropriação ou do próprio plano de manejo. Sucede que a caducidade, ou seja, a decadência, pode eventualmente atingir uma faculdade jurídica do Poder Público para quaisquer dessas iniciativas, mas de nenhuma forma a inércia desse mesmo Poder Público altera a vigência e a eficácias das normas supramencionadas que, para além de criar o Parque, impedem ações que possam causar-lhe danos ambientais. Mesmo que o IBAMA não atue, a norma penal incide para sancionar danos ao meio ambiente. Materialidade. A materialidade delitiva foi demonstrada por intermédio dos seguintes elementos de convicção: Notícia de Fato n. 1.21.000.001372/2020-20 (Id n. 273331326) composta de: a.1) auto de infração autuado pelo Ibama (fl. 6); a.2) relatório de apuração de infrações administrativas ambientais da vistoria realizada na propriedade Fazenda Rio Formoso, na qual foi constatada a presença de um cultivo de soja a menos de 500m do limite do Parque Nacional da Bodoquena (fls. 7/11). Autoria. Em Juízo, a testemunha Michel Lopes Machado, servidor do Ibama, disse ter participado da diligência e que se recordava em parte dos fatos, em vista do tempo decorrido, quase seis anos. Tinha um plano operacional padrão a ser seguido. Foi feito um levantamento prévio das áreas de lavoura existentes no perímetro de menos de 500 m do Parque Nacional. Foram vistoriadas aproximadamente 25 propriedades, sendo uma delas a Fazenda Rio Formoso. Foi até a Fazenda e foi recebido pelo senhor Altemir, que acompanhou a diligência. Foi feita a coleta e encaminhada ao laboratório de análise. Foi produzido laudo técnico atestando a presença das proteínas da modificação genética e foi lavrado o auto de infração. Altemir estava na propriedade e acompanhou a fiscalização, recebeu a notificação e declarou-se ciente, colaborando com a fiscalização. Foi uma operação nacional do IBAMA que ocorreu simultaneamente em oito estados, sendo um deles o Mato Grosso do Sul, com o objetivo de fazer cumprir a política nacional de segurança. Na região tinham outras propriedades que cultivavam o mesmo produto. Não foi avaliada a ocorrência de dano neste processo administrativo (Id n. 273331647). Compareceu em Juízo, a testemunha Andrea de Souza Diogo Moulie, também servidora do Ibama, a qual disse que participou da Operação Nacional em 2017. Recordou-se que foram coletadas as amostras na propriedade do acusado, sendo constatado após realizado o laudo que havia sido plantada soja geneticamente modificada em desacordo com a legislação vigente à época. Não lembra muito bem dos fatos pelo tempo decorrido. Altemir não estava na ocasião e não acompanhou a vistoria, mas não se recorda muito bem desse fato, pois não está se lembrando se foi o caso dele. Acredita que, na época, foram vistoriadas aproximadamente seis propriedades, sendo que na maioria deles foi encontrada a soja geneticamente modificada. Pelo que verificou é um costume na região a plantação de soja modificada a menos de 500m do parque. Não atua no Mato Grosso do Sul e não sabe dizer sobre a regulamentação do parque. O que foi avaliada era a prerrogativa da norma vigente na ocasião e não o dano ambiental e à saúde pública, uma vez que a vistoria era destinada à coleta (Id N. 273331749). A testemunha de defesa Luis Lemos de Souza Brito, testemunha arrolada pela defesa, compareceu em Juízo e disse que teve conhecimento dos fatos tratados nos autos. Explicou que Altemir é seu parceiro agrícola, pois é proprietário da área em que Altemir planta. Seu pai é proprietário da área desde 1958 e depois de formado foi trabalhar no local em 1984, passando a ser proprietário da área junto com seus irmãos. Desde então explora a área, o que permanece até os dias de hoje. Faz 22 anos que foi feito o Decreto da área, em 2.000, e depois de passados 5 anos não foi tomada nenhuma providência com relação à indenização da desapropriação, de forma que entrou na justiça para requerer a caducidade do decreto, em 2006, o que corre na Vara Federal de Campo Grande. Relatou que, depois de várias limiares a seu favor, o Juiz sentenciou em seu favor, dizendo que o decreto foi caducado. Foi feito recurso no TRF da 3ª região, mas a área não foi legitimada e voltou a estaca zero. Existe uma nova ação pendente de julgamento na mesma Vara. No decorrer deste período não foi delimitada a área. A área está registrada em seu nome com georreferenciamento e o decreto pendente de julgamento. Fisicamente não há nada demarcado. Durante o período de vigência da liminar não poderia haver penalidades aos produtores que não foram indenizados. Em nenhum momento recebeu documento informando a delimitação do parque e a área em que é permitida a exploração. A única vez que recebeu um documento foi emitido do ICMBIO, questionando-lhe o interesse em negociar a área. Essa soja é considerada uma planta exótica que não causa nenhum malefício, pois é impossível de fazer cruzamento com as espécies da região. A soja geneticamente modificada traz mais benefícios que malefícios, uma vez que necessita de menos inseticida que a não modificada (Id n. 273331808). Interrogado em Juízo, o acusado Altemir respondeu que estudou até a 8ª série e trabalha como agricultor. Recebe mensalmente aproximadamente dez mil reais. Disse que em alguns anos planta outros não, mas que não tinha conhecimento da questão de parque, pois não tem nenhum marco divisório no local. Plantou a soja, mas não tinha conhecimento da marcação do parque, pois nunca lhe falaram nada. Tem uma área total de 650 hectares, no qual plantou a soja identificada na época dos fatos. Luis é o dono da fazenda e tem uma parceria com ele desde 2013. Recebeu a visita do Ibama em 2017, sendo que de 2013 a 2017 sempre explorou a área e nunca teve problemas. Luis não lhe informou sobre a proibição de plantar na área e não tinha conhecimento de nada, caso contrário não teria plantado. Não soube dizer se outros fazendeiros estão enfrentando a mesma situação (Id n. 273331829). A defesa pugna pela reforma da sentença por ausência de antijuridicidade na conduta do acusado. Alega que enquanto não implantado o Parque Nacional, com a desapropriação das áreas particulares, não há restrições para plantio no local. Sustenta a ausência de dolo do apelante, considerando a reiteração constante de decisões contraditórias sobre a permissão do plantio na região. Conforme salientado anteriormente, não prospera a alegação de faltar antijuridicidade à conduta imputada ao acusado; incidem as normas regulamentares mencionadas acima independentemente da efetiva expropriação de áreas particulares e/ou plano de manejo concernente ao parque. Por sua vez, o réu objeta que desconhecia a efetividade do parque, ou melhor, seus reais limites, circunstância essa ainda associada a liminares que foram concedidas e depois revertidas, sendo enfim sucedidas por nova ação cível, tudo a sugerir uma verdadeira confusão quanto a necessidade ou não de cumprimento ou da extensão em que deveriam ser cumpridas as normas que impedem o plantio de soja transgênica a 500m (quinhentos metros) do parque. Quanto ao ponto, penso que a sentença bem apreciou a matéria: No que se refere à alegação do réu de que desconhecia a proteção da área, o argumento não merece prosperar. Consta dos autos que a criação do Parque de Bodoquena/MS remonta aos anos 2000. Trata-se de extensa área que abrange os Município de Bodoquena, Bonito, Jardim, e Porto Murtinho, reconhecida pelo seu patrimônio natural. Segundo se afere do feito, o acusado é sediado na região de Bonito/MS há vários anos, razão pela qual tem conhecimento da existência do parque e das várias medidas adotadas para preservação do meio ambiente daquela área. Ademais, o acusado tinha meios de obter acesso às informações sobre os limites do parque, seja por meio de contato com os órgãos de proteção ambiental; consultas às normativas vigentes; uso de equipamentos de georreferenciamento; e/ou o próprio relato dos proprietários rurais. Neste ponto, o depoimento de Luís Lemos de Souza Brito, proprietário da área, bem demonstra que era conhecida a intersecção de parte da área utilizada pelo réu com os limites do Parque de Bodoquena/MS, tanto que houve questionamentos judiciais para declarar a caducidade do decreto que instituiu a unidade de conservação sobre os seus limites. Salienta-se que a mera inexistência de demarcação física (com uso de cercas, linhas, e/ou demarcações visíveis) não retira do proprietário, possuidor, arrendatário, o ônus de observar as regras ambientais vigentes. Além disso, como havia meios para o acusado se inteirar das limitações ao seu direito de uso da propriedade, a negativa de autoria, neste caso, assemelha-se ao mero desconhecimento da lei, circunstância inócua para afastar a sua culpabilidade no caso. Desta forma, a mera alegação de desconhecimento dos limites da área da unidade de conservação não exclui o dolo do acusado, pois tinha potencial de obter tais informações e realizar o cultivo de sua produção em conformidade com as normas vigentes. (Id 273331859) De fato, a própria tramitação de ações judiciais para discutir a subsistência do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, ao contrário do que talvez pareça ao acusado, revela o reconhecimento da existência do parque, ou melhor, sugere a necessidade de cautelas próprias para o cultivo de plantas exóticas como a soja transgênica, pelo menos a obtenção de alguma tutela jurisdicional que desse cobertura jurídica para o cultivo de soja transgênica. Não se trata de informação que não estivesse ao alcance do réu, de maneira tal que não se configura excludente de ilicitude. Sendo assim, demonstradas a materialidade, a autoria e o dolo, deve ser mantida a condenação do acusado. Passo a rever a dosimetria da pena, que foi fixada pelo Juízo a quo, nos seguintes termos: Consagrado no Código Penal o critério trifásico para o cálculo da pena (art. 68), inicio pela fixação da pena-base (primeira fase), considerando as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, atento ao preceito secundário do tipo penal em questão, que prevê de 1 a 4 anos de reclusão. A culpabilidade, juízo de reprovação que se faz pela opção que o agente escolheu, não se afasta dos padrões já sopesados pelo legislador ao delimitar o mínimo em abstrato da pena. O só fato de o agente ser produtor rural, não revela maior reprovabilidade de sua conduta. A necessidade de observância das regras ambientais é a mesma que seria aplicável às demais pessoas. Não há registro de maus antecedentes. Não há elementos por meio dos quais se possa avaliar negativamente sua personalidade e sua conduta social. Não se denota uma motivação especial configuradora de um agravamento da conduta, desbordante do que é normal à espécie. As circunstâncias do delito são condizentes à valoração já feita, em abstrato, pelo legislador, razão pela qual não há elementos para aumentar a pena-base. Nada a valorar a título de consequências do crime. Também nada a valorar a título de comportamento da vítima, a União. Ante a ausência de circunstâncias desfavoráveis, fixo no mínimo legal, qual seja em 01 ano de reclusão e 10 dias-multa, parâmetro que considero suficiente e necessário para a prevenção e reprovação do crime, nas condições em que foi praticado. Na segunda fase, não há agravantes nem atenuantes. Assim, mantenho a pena fixada em 01 ano de reclusão e 10 dias-multa. Na terceira fase, não há causa de aumento ou de diminuição da pena. Deste modo, torno a pena definitiva em 01 ano de reclusão e 10 dias-multa. Regime inicial de cumprimento O regime inicial de cumprimento a ser fixado é o aberto, nos termos do que prevê o art. 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal. Fixado o regime mais brando, desnecessária a análise do § 2º do art. 387 do CPP. À míngua de informações sobre a condição econômica do réu, fixo o dia-multa em 1/30 do salário mínimo. Substituição da pena Entendo cabível, tendo em conta o montante da pena aplicada e as demais circunstâncias do caso, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O delito não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa e não se configurou a reincidência em crime doloso. Assim, nada indica que a substituição da pena privativa de liberdade seja insuficiente para a prevenção e reprovação do crime praticado; ao contrário, trata-se, a meu viso, de medida socialmente adequada ao caso concreto, inclusive para a ressocialização do condenado. Dessa forma, com fulcro no art. 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade do réu por duas restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser definida pelo Juízo da Execução Penal, pelo período da pena privativa de liberdade, e pagamento de prestação pecuniária em favor de entidade beneficente ou assistencial, a ser destinada pelo Juízo da Execução, no valor de 3 salários-mínimos vigentes na presente data. (Id n. 273331859) A defesa não se insurgiu contra a dosimetria da pena, a qual foi fixada no mínimo legal e fica mantida. Contudo, em observância ao art. 44, § 2º, do CP, e considerando que a pena foi fixada no mínimo legal de 1 (um) ano de reclusão, substituo, de ofício, a pena privativa de liberdade por apenas uma restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser definida pelo Juízo da Execução Penal, pelo período da pena privativa de liberdade aplicada. Ante o exposto, REJEITO as preliminares arguidas, NEGO PROVIMENTO à apelação da defesa e, de ofício, substituo a pena privativa de liberdade por apenas uma restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser definida pelo Juízo da Execução Penal, pelo período da pena privativa de liberdade aplicada. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 27 DA LEI N. 11.105/05. SUSPENSÃO DO PROCESSO PENAL (CPP, ART. 93). FACULDADE DO MAGISTRADO. PRELIMINARES REJEITADAS. PLANTIO DE SOJA TRANSGÊNICA. DOSIMETRIA. MANTIDA. SUBSTITUIÇÃO. RESTRITIVA DE DIREITO. PENA MÍNIMA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. APELAÇÃO DA DEFESA DESPROVIDA.
1. Preliminar rejeitada. Nos termos do art. 93 do Código de Processo Penal, a suspensão do processo penal, em virtude de questão prejudicial heterogênea, é facultativa nos casos que não versem sobre estado civil das pessoas, dependendo da discricionariedade do juízo diante das particularidades do caso concreto (STJ, RHC n. 88.672, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 13.11.18; STJ, AgInt no HC n. 480.789, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.03.19; STJ, AgRg no HC n. 429.531, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 21.02.19; STJ, RHC n. 76.331, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 04.12.18).
2. Autoria, materialidade e dolo demonstrados.
3. O Parque Nacional da Serra da Bodoquena está formal e devidamente constituído por força inerente à edição do Decreto de 21.09.00. Não há dúvida alguma a respeito da efetiva constituição e da própria realidade material do Parque, ainda que não tenham sido implementadas, pelo IBAMA, essas ou outras medidas de seu encargo. Nesse sentido, o Decreto de 21.09.00 veiculou a declaração de utilidade pública de áreas no interior do Parque para fins de desapropriação; mas a caducidade da ação de desapropriação não afeta em nada a existência do próprio Parque, malgrado nele ainda possam, eventualmente, haver propriedades particulares que carecem de serem expropriadas pelo Poder Público mediante a indispensável edição de (novo) decreto de utilidade pública. Esse problema, como se percebe, não afeta o Parque enquanto tal nem autoriza que sejam desrespeitadas as normas ambientais para a respectiva proteção. Considerações semelhantes devem ser feitas quanto ao Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra de Bodoquena. De fato, o art. 1º do Decreto n. 5.950/06 resguarda a distância mínima “até que seja definida a zona de amortecimento e aprovado o Plano de Manejo da unidade de conservação”; em outras palavras, a norma regulamentar integra a norma penal exatamente para que a tipificação do fato não fique a depender indefinidamente de superveniência formal do plano de manejo. Por esse motivo, a eventual caducidade – admitida para efeito de argumentação – não é um lenitivo para a infração penal; ao contrário, a norma regulamentar associa à unidade de conservação uma determinada faixa de interdição sem prejuízo de que por intermédio de um plano de manejo ela possa ser modificada.
4. A própria tramitação de ações judiciais para discutir a subsistência do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, ao contrário do que talvez pareça ao acusado, revela o reconhecimento da existência do parque, ou melhor, sugere a necessidade de cautelas próprias para o cultivo de plantas exóticas como a soja transgênica, pelo menos a obtenção de alguma tutela jurisdicional que desse cobertura jurídica para o cultivo de soja transgênica. Não se trata de informação que não estivesse ao alcance do réu, de maneira tal que não se configura excludente de ilicitude.
5. Apelação da defesa desprovida.
6. Substituição, de ofício, da pena privativa de liberdade por apenas uma restritiva de direito.