Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5022989-84.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

IMPETRANTE: ROBERTO SOARES GARCIA, EDUARDO PIZARRO CARNELOS
PACIENTE: LAURENCE CASAGRANDE LOURENCO

Advogados do(a) PACIENTE: EDUARDO PIZARRO CARNELOS - SP78154-A, ROBERTO SOARES GARCIA - SP125605-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 3ª VARA FEDERAL CRIMINAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5022989-84.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

IMPETRANTE: ROBERTO SOARES GARCIA, EDUARDO PIZARRO CARNELOS
PACIENTE: LAURENCE CASAGRANDE LOURENCO

Advogados do(a) PACIENTE: EDUARDO PIZARRO CARNELOS - SP78154-A, ROBERTO SOARES GARCIA - SP125605-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 3ª VARA FEDERAL CRIMINAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Laurence Casagrande Lourenço contra decisão do Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo que, na Ação Penal n. 0005963-55.2017.4.03.618, “manteve a instância instaurada, determinando indevidamente, na fase do art. 397 do CPP, o seguimento de ação penal carente de justa causa, iniciada por denúncia inepta e que imputa fatos atípicos ao paciente”.

Os impetrantes alegam, em síntese, o que segue:

a) os autos dizem respeito à Operação Pedra no Caminho, cuja fase ostensiva teve início em 2018, patrocinada pela hoje desmoralizada força tarefa da Operação Lava Jato;

b) o Paciente permaneceu preso cautelarmente por 77 (setenta e sete) dias, até ser solto por ordem do Supremo Tribunal Federal;

c) a denúncia imputa ao Paciente a prática de crimes licitatórios, falsidade ideológica e organização criminosa, condutas supostamente decorrentes de ilegalidades ocorridas na contratação e na execução de obras do trecho norte do Rodoanel Mário Covas (o Paciente ocupava a função de Diretor Presidente e integrava a Diretoria Colegiada da Dersa – Desenvolvimento Rodoviário S/A);

d) os autos foram redistribuídos do Juízo da 5ª Vara Federal Criminal para o da 3ª Vara Federal Criminal, ocasião em que o recebimento da denúncia foi integralmente ratificado em relação ao Paciente;

e) não houve análise das teses alegadas pela defesa, vale dizer, da “natureza dos contratos firmados entre a Dersa e as empresas responsáveis pela execução dos trechos 1, 2 e 3 do Rodoanel Norte, e por isso não levou em consideração a absoluta licitude dos atos praticados pelo Paciente, quem, aliás, nunca teve nem exerceu poderes decisórios monocráticos, muito menos relativamente aos aditivos firmados, aos quais a mal redigida inicial acusatória atirou a pecha de ilegais, sem apontar em que consistiriam as tais ilegalidades, padecendo, em razão disso, a denúncia de inépcia flagrante e a ação penal, de manifesta falta de justa causa”;

f) no que concerne à organização criminosa, a denúncia não descreve as condutas dos agentes, limitando-se a apontar cargos e funções exercidos pelos denunciados, sendo falso que na condição de integrante da Diretoria Colegiada, o Paciente teria aprovado os aditivos (foram aprovados pelo Conselho de Administração);

g) os fatos e as circunstâncias que levaram à rejeição da denúncia em relação a Benjamim Venâncio de Melo Júnior, Diretor Financeiro, devem ser aplicados ao Paciente, sob pena de restar violado o princípio da isonomia;

h) a denúncia não atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, seja porque não descreve os fatos de modo coerente e os vincula a elementos dos autos, seja porque não descreve os elementos constitutivos do crime definido na Lei n. 12.850/13;

i) no que toca ao delito do art. 92 da revogada Lei n. 8.666/93, a denúncia é incompreensível e confusa ao tentar descrever os atos que teriam causado prejuízo ao erário e, quanto ao Paciente, limita-se a afirmar que aprovou os aditivos e os assinou na condição de Presidente, sem atentar para o fato de que foram aprovados pelo Conselho de Administração da Dersa e que não houve objeção do BID, além de haver amparo no art. 42, caput e § 5º, da Lei n. 8.666/93 e nos contratos firmados, o que afasta o elemento essencial do tipo penal e resulta na atipicidade da conduta do Paciente;

j) a denúncia também aponta crime em relação aos aditivos para o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, no entanto, não descreve conduta concreta do Paciente e invoca relatório do TCU que tratou apenas do Lote 2, sem menção aos Lotes 1 e 3;

k) a jurisprudência exige demonstração de dolo e de prejuízo para a configuração do crime do art. 92 da revogada Lei 8.666/93, os quais, uma vez ausentes, resultam na inépcia da inicial;

l) no que toca à suposta subcontratação indevida do serviço de escavação de túneis (páginas 25/31 da denúncia), os fatos descritos não configuram o crime do art. 96 da Lei n. 8.666/93, pois não há indicação de prejuízo ao erário e, em um dos casos, houve rescisão contratual sem a realização de qualquer etapa do serviço;

m) descabida a análise posterior do efetivo prejuízo ao erário, pois o ajuizamento da ação penal somente se justifica se o prejuízo estiver equacionado e demonstrado com clareza;

n) reporta-se ao parecer de Carlos Ari Sundfeld, no sentido da licitude da subcontratação reputada criminosa;

o) no que diz respeito ao delito do art. 299 do Código Penal, a denúncia descreve conduta atípica porque “trata dos mesmos fatos imputados a título de crime do art. 92 da Lei 8.666/93, relativos ao chamado jogo de planilhas, sendo certo que o suposto crime contra a fé pública fica absorvido pelo alegado crime licitatório”;

p) não há descrição de conduta atribuível ao Paciente que possa configurar crime contra a fé pública, exceto a assinatura de aditivos que foram aprovados pelo Conselho de Administração, ademais, todas as informações relativas aos itens incluídos e excluídos das planilhas foram expostas nos documentos que levaram à elaboração dos respectivos aditivos contratuais encaminhadas ao BID, o que impede a caracterização de crime de falsidade ideológica pela óbvia razão de que nada estava oculto;

q) nesses termos, resulta descabida a decisão do Juízo a quo consistente em postergar a análise da tese da defesa para a sentença;

r) além de inepta, falta justa causa à ação penal, à míngua de elementos que demonstrem minimamente os crimes licitatórios, sequer havendo exame de corpo de delito apto, essencial aos crimes que deixam vestígio e que digam respeito a fatos complexos e intrincados;

s) a continuidade das obras públicas é objetivo a ser perseguido, sob pena de a interrupção resultar em maior prejuízo ao erário, esse é o motivo de as normas diretivas do BID preverem soluções negociadas de conflitos durante a execução contratual;

t) por essa razão, a Dersa, com base em estudos realizados por sua área de engenharia, valeu-se da possibilidade de fixar preços provisórios para serviços que, segundo as empreiteiras, não estavam previstos no edital, para depois solicitar a manifestação técnica do IPT;

u) os pagamentos realizados eram provisórios, assim como as medições, e nenhum dos contratos sofreu aditamento superior a 25%, ou seja, todos eles ficaram abaixo do limite imposto pela revogada Lei n. 8.666/93;

v) o Paciente não detinha poder decisório monocrático, conforme esclareceu ao ser preso, sendo insuficientes para o recebimento da denúncia os fundamentos deduzidos pelo Juízo a quo, conforme apontou Carlos Ari Sundfeld em seu parecer;

x) postula-se a concessão da ordem para “cassar os atos coatores, reconhecendo-se a inépcia da denúncia e atipicidade dos fatos imputados a Laurence, bem como a falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal instaurada” (Id n. 278554128).

O pedido liminar foi indeferido (Id n. 278628494).

A autoridade impetrada prestou informações (Id n. 278722366).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Marcos José Gomes Corrêa, manifestou-se pela denegação da ordem (Id n. 279384696).

É o relatório.

 

 


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HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5022989-84.2023.4.03.0000

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IMPETRANTE: ROBERTO SOARES GARCIA, EDUARDO PIZARRO CARNELOS
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Advogados do(a) PACIENTE: EDUARDO PIZARRO CARNELOS - SP78154-A, ROBERTO SOARES GARCIA - SP125605-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 3ª VARA FEDERAL CRIMINAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

 

Laurence Casagrande Lourenço foi denunciado, em conjunto com outras 13 (treze) pessoas. Foi-lhe imputada a prática do delito do art. 92, caput, por cinco vezes, e do delito do art. 96, I e V, por duas vezes, ambos da Lei n. 8.666/93. Também foi imputada ao paciente a prática do delito do art. 299 c. c. o art. 327, § 2º, do Código Penal e do art. 2º, caput, c. c. o § 4º, II, da Lei n. 12.850/13 (Id n. 278554433).

I – BREVE HISTÓRICO DOS FATOS

A denúncia principia com um breve histórico dos fatos quanto às fraudes à licitação do Trecho Norte do Rodoanel Mário Covas. Essas fraudes começaram em outubro de 2014, mais precisamente no dia 28.10.14, quando foi firmado o 1º Termo Aditivo ao Contrato n. 4.349/13, e perduraram até a deflagração da fase ostensiva da Operação Pedra no Caminho (21.06.21). Aduz que fora celebrado o Convênio n. 4/99 entre o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, a Dersa, o estado de São Paulo e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, havendo portanto recursos na União para o financiamento das obras contratadas mediante a Licitação Pública Internacional n. 6/2011-CI. Nessa licitação, houve procedimento de pré-qualificação, de cuja documentação a denúncia ressalta as exigências que deveriam ser cumpridas, bem como que o Projeto Básico contém as características da região com seus aspectos geológicos e geotécnicos. Não obstante, foram firmados termos aditivos ao Contrato n. 4.349/13, firmado pela Construtora OAS, tendo por objeto o Lote 2, para a inclusão de serviços de remoção de matacões (rochas) a céu aberto, estendendo-se, depois, para os Lotes 1, 3, 4 e 5. A denúncia conclui esse escorço anotando que ela abrange o crime de organização criminosa pela (a) contratação e execução dos lotes 1, 2, 3, 4 e 5; e (b) fraudes aos contratos administrativos “durante” a execução dos Lotes 1, 2 e 3. 

II – DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA 

Após esse breve histórico dos fatos, a denúncia trata do crime de organização criminosa. Fixa o termo inicial da atividade delitiva em 28.10.14, quando assinado o 1º Termo Aditivo do Contrato n. 4.349/13. Acrescenta que se formaram, na organização criminosa, três núcleos distintos. O primeiro, que denomina de “núcleo econômico”, composto pelos representantes das construtoras: a) Márcio Aurélio (Mendes Júnior), b) Enrique Fernandes (Isolux), c) Daniel Filardi (Mendes Júnior), d)  Carlos Henrique (OAS); o segundo, chamado de “núcleo administrativo”, é integrado pelos funcionários da Dersa; a) Carlos Prado (Engenheiro Fiscal de Contrato), b) Benedito Aparecido (Engenheiro Fiscal de Contrato), c) Edison Mineiro (Engenheiro Fiscal de Contrato), d) Pedro Paulo Dantas (Gestor), e) Sílvia Cristina (Diretora Jurídica), f) Benjamin Venâncio (Diretor Financeiro), g) Laurence Casagrande (Diretor Presidente), h) Adriano Francisco Bianconcini (Engenheiro Fiscal de Contrato), i) Hélio Roberto Correa (Engenheiro Fiscal de Contrato). A denúncia alude a um terceiro núcleo, dito “núcleo financeiro”, do qual fariam parte “laranjas” e outros que cederiam contas correntes “de passagem”; contudo, não os nomeia nem inclui nesta ação penal. Segundo a denúncia, os engenheiros fiscais de contrato (Carlos Prado, Benedito Aparecido, Edison Mineiro, Adriano Francisco e Hélio Roberto) davam sua anuência às propostas oriundas dos representantes das construtoras (Márcio Aurélio, Enrique Fernandes, Daniel Filardi, Carlos Henrique) pelas quais os serviços essenciais eram reduzidos de modo a não aumentar o valor do contrato e ensejar a inclusão dos serviços supramencionados (remoção de matacões, claro está). As propostas eram encaminhadas para o gestor do empreendimento (Pedro Paulo) que, por sua vez e do mesmo modo as encaminhava para a Diretoria Colegiada (Sílvia Cristina, Benjamin Venâncio e Laurence Casagrande), a qual, após o “ok” do BID,  ultimavam os termos aditivos. Anota a denúncia que os pareceres jurídicos não detectaram as fraudes, malgrado as A denúncia principia com um breve histórico dos fatos quanto às fraudes à licitação do Trecho Norte do Rodoanel Mário Covas. Essas fraudes começaram em outubro de 2014, mais precisamente no dia 28.10.14, quando foi firmado o 1º Termo Aditivo ao Contrato n. 4.349/13, e perduraram até a deflagração da fase ostensiva da Operação Pedra no Caminho (21.06.21). Aduz que fora celebrado o Convênio n. 4/99 entre o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, a Dersa, o estado de São Paulo e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, havendo portanto recursos na União para o financiamento das obras contratadas mediante a Licitação Pública Internacional n. 6/2011-CI. Nessa licitação, houve procedimento de pré-qualificação, de cuja documentação a denúncia ressalta as exigências que deveriam ser cumpridas, bem como que o Projeto Básico contém as características da região com seus aspectos geológicos e geotécnicos. Não obstante, foram firmados termos aditivos ao Contrato n. 4.349/13, firmado pela Construtora OAS, tendo por objeto o Lote 2, para a inclusão de serviços de remoção de matacões (rochas) a céu aberto, estendendo-se, depois, para os Lotes 1, 3, 4 e 5. A denúncia conclui esse escorço anotando que ela abrange o crime de organização criminosa pela (a) contratação e execução dos lotes 1, 2, 3, 4 e 5; e (b) fraudes aos contratos administrativos “durante” a execução dos Lotes 1, 2 e 3. 

II – DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA 

Após esse breve histórico dos fatos, a denúncia trata do crime de organização criminosa. Fixa o termo inicial da atividade delitiva em 28.10.14, quando assinado o 1º Termo Aditivo do Contrato n. 4.349/13. Acrescenta que se formaram, na organização criminosa, três núcleos distintos. O primeiro, que denomina de “núcleo econômico”, composto pelos representantes das construtoras: a) Márcio Aurélio (Mendes Júnior), b) Enrique Fernandes (Isolux), c) Daniel Filardi (Mendes Júnior), d)  Carlos Henrique (OAS); o segundo, chamado de “núcleo administrativo”, é integrado pelos funcionários da Dersa; a) Carlos Prado (Engenheiro Fiscal de Contrato), b) Benedito Aparecido (Engenheiro Fiscal de Contrato), c) Edison Mineiro (Engenheiro Fiscal de Contrato), d) Pedro Paulo Dantas (Gestor), e) Sílvia Cristina (Diretora Jurídica), f) Benjamin Venâncio (Diretor Financeiro), g) Laurence Casagrande (Diretor Presidente), h) Adriano Francisco Bianconcini (Engenheiro Fiscal de Contrato), i) Hélio Roberto Correa (Engenheiro Fiscal de Contrato). A denúncia alude a um terceiro núcleo, dito “núcleo financeiro”, do qual fariam parte “laranjas” e outros que cederiam contas correntes “de passagem”; contudo, não os nomeia nem inclui nesta ação penal. Segundo a denúncia, os engenheiros fiscais de contrato (Carlos Prado, Benedito Aparecido, Edison Mineiro, Adriano Francisco e Hélio Roberto) davam sua anuência às propostas oriundas dos representantes das construtoras (Márcio Aurélio, Enrique Fernandes, Daniel Filardi, Carlos Henrique) pelas quais os serviços essenciais eram reduzidos de modo a não aumentar o valor do contrato e ensejar a inclusão dos serviços supramencionados (remoção de matacões, claro está). As propostas eram encaminhadas para o gestor do empreendimento (Pedro Paulo) que, por sua vez e do mesmo modo as encaminhava para a Diretoria Colegiada (Sílvia Cristina, Benjamin Venâncio e Laurence Casagrande), a qual, após o “ok” do BID,  ultimavam os termos aditivos. Anota a denúncia que os pareceres jurídicos não detectaram as fraudes, malgrado as propostas estarem em contradição com a documentação acima referida (pré-qualificação: Projeto Básico etc.). 

III – DOS CRIMES PRATICADOS PELA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA 

III.1 – DOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 92, CAPUT, E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 8.666/93 

A denúncia passa a tratar especificamente dos crimes perpetrados pela organização criminosa. Começa pelos crimes previstos no art. 92, caput, e parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, afirmando que os denunciados fraudaram em prejuízo à União e ao estado de São Paulo a Licitação Pública Internacional n. 6/11-CI mediante as condutas de (a) elevar arbitrariamente o preço e (b) tornaram injustamente mais onerosa a execução do contrato. A denúncia, então, esclarece que as modificações ilegais serão descritas separadamente em dois tópicos distintos: a) o primeiro descreve o superfaturamento decorrente de preços excessivos “frente” ao mercado; b) o segundo versa sobre o reequilíbrio econômico-financeiro decorrente de atrasos na execução da obra. 

A – Superfaturamento decorrente de preços excessivos “frente” ao mercado.  

Em decorrência da licitação pública internacional, foram celebrados os Contratos n. 4.348/13, 4.349/13 e 4.350/13, para as obras dos Lotes 1, 2 e 3, respectivamente. A denúncia afirma que a organização criminosa procedeu à sua modificação ilegal, “praticando” preços excessivos “frente” ao mercado. Essas práticas tiveram início em 28.10.14, quando foi assinado o 1º Termo Aditivo ao contrato referente ao Lote 2, subscrito pelos denunciados Laurence, Pedro da Silva e Carlos Henrique; depois, em 12.05.15, foi celebrado o 1º Termo Aditivo ao contrato referente ao Lote 1, subscrito pelos denunciado Laurence, Pedro da Silva, Márcio Aurélio e Enrique Fernandes. Por fim, em 30.09.15, assinado o 3º Termo Aditivo ao contrato referente ao Lote 2 por Laurence, Pedro da Silva e, novamente, Carlos Henrique. Dito de outra forma: para o Lote 1, Márcio Aurélio e Enrique Fernandes assinaram o aditivo em 12.05.12; para o Lote 2, Carlos Henrique assinou os aditivos em 28.10.14 e 30.09.15, enquanto que Laurence e Pedro da Silva, pela Dersa, assinaram todos esses aditivos pelos quais foram introduzidas modificações tidas por ilegais pela denúncia por incluírem preços exorbitantes aos do mercado respectivo. 

A inclusão de preços excessivos deu-se por meio de composições de preços novos mediante a inclusão de serviços supostamente necessários, mas não previstos nos contratos originais, dadas as condições de fato encontradas serem mais severas que as previstas no Projeto Básico e, assim, não previstas também nas propostas comerciais à tempo da licitação. Foram incluídos, então, serviços desmonte de rocha a frio com argamassa expansiva, escavação de terraplanagem, carga de material de 1ª, 2º (com ripper e com explosivo) e 3ª categoria, e, ainda, transporte de material de terraplanagem.  
Tratava-se de Pedidos de Composição de Preço novos (PCP), os quais, porém, não se sujeitaram à análise da área técnica da Dersa, vale dizer, seu Departamento de Obras, seja pela Divisão de Projetos, seja pelo Departamento de Orçamentos e Preços. Não obstante, Edison, Benedito, Carlos Prado, sem qualquer parecer e apenas repetindo os pedidos das empreiteiras, os encaminharam como proposta de resolução de diretora, o que adveio pela atuação de Laurence, Pedro da Silva, Silvia e Benjamin. Os termos aditivos foram aprovados apenas com os seguintes documentos: a) pedido da empreiteira; b) definição dos preços dos serviços novos; c) não objeção do BID; d) Proposta de Resolução de Diretoria (PRD) encaminhada por Pedro Paulo; e) parecer jurídico que omite a inexistência de avaliação pela área técnica; f) Resolução de Diretoria (RD). 

Em 13.05.16, portanto posteriormente aos termos aditivos (28.10.14, 12.05.15 e 30.09.15), chegou à Dersa parecer do Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT, segundo o qual matacões ou blocos de rocha não constituem surpresa geológica (Relatório Técnico n. 246.495-205, documento Dersa AT-15.10.000-G09/001-B). Apesar disso, a Dersa continuou a realizar os pagamentos (medidos 102,7% dos serviços) até fevereiro de 2017, perfazendo mais de R$ 6 milhões de pagamentos indevidos. 
No que se refere ao Lote 1, foi celebrado o Contrato n. 4.348/13 em 07.02.13, posteriormente aditado mediante o 1º Termo Aditivo em 12.05.15 e, depois, o 3º Termo Aditivo, em 30.09.15, firmados, de um lado, por Laurence Casagrande e Pedro da Silva e, de outro, por Carlos Henrique. Conforme o Laudo Pericial n. 1.771/16, por meio desses aditivos contratuais foram aumentados os valores originalmente contratados no que se refere ao desmonte de rochas e matacões. Esses acréscimos variam de 66 a 1.060%, alguns dos quais foram discriminados na denúncia: a inclusão da CP 14 implicou um aumento de 242%, resultando na majoração para R$ 17 milhões; a das CPs 17, 29 e 17, mais 16%, correspondendo ao acréscimo de R$ 11 milhões. Segundo o Relatório de Serviços Medidos de 23.06.16, Medição n. 36, concernente a CP 14, sobreveio uma maior quantidade que a prevista nos aditivos: “O volume total desse serviço medido até então era de 200.326,72 m3, superior à quantidade aditivada (sic) de 97.285,13 (denúncia, p. 18, n. 40). Considerados os volumes medidos até 31.01.16 quanto aos itens 2.8, 2.9 e CP 14, houve um aumento de volume de 17% em relação à quantidade prevista, o que implica um aumento de 430%, a representar um aumento de preço na ordem de R$ 30 milhões. Conforme o Relatório de Fiscalização do Tribunal de Contas da União n. 539/16, houve um sobrepreço de  R$23 milhões quanto ao Lote 1. 

No que se refere ao Lote 2, foi celebrado o Contrato n. 4.349/13 em 07.02.13, posteriormente aditado mediante o 1º Primeiro Termo Aditivo, em 28.10.14 (termo inicial da atividade delitiva), e pelo 3º Termo Aditivo, firmado em 30.09.15, firmados, em ambos os casos, de um lado, por Laurence Casagrande e Pedro da Silva, e, de outro lado, por Carlos Henrique. Anota a denúncia que em 13.05.16 a Dersa recebeu o parecer do IPT acima mencionado, do qual decorre a constatação de pagamento indevido na ordem de R$ 6 milhões. Afora isso, o Laudo Pericial n. 2.971/16 indica a inclusão da CP 17, a ensejar uma variação para mais de 987%, implicando um acréscimo de R$ 29 milhões. O Relatório de Fiscalização do Tribunal de Contas da União anteriormente citado aponta para um sobrepreço de R$ 29 milhões quanto ao Lote 2. 

No que se refere ao Lote 3, foi celebrado o Contrato n. 4.350/13 em 07.02.13, posteriormente aditado mediante o 2º Termo de Aditamento firmado em 30.09.15 por, de um lado, Laurence Casagrande e Pedro da Silva, e, de outro, por Enrique Fernandes e Daniel de Souza. Conforme o Laudo Pericial n. 1.977/17, houve um aumento no valor que varia entre 37% a 1.223%, sendo que 8% concernente ao valor para escavação e carga de material de 3ª Categoria, o que implica um acréscimo de preço de R$735 mil. Houve um aumento de 53% para o valor de serviço de escavação e carga de material de 3ª Categoria, o que implica uma majoração de valor na ordem de R$ 5 milhões. O Relatório de Fiscalização do Tribunal de Contas da União indica um sobrepreço de R$ 11 milhões quanto ao Lote 3.  

A denúncia, repita-se, refere-se aos Laudos Periciais n. 1.771/16, 2.971/16, 1.977/17, ao Relatório de Fiscalização do Tribunal de Contas da União n. 539/2016 e, também, à Nota Técnica n. 1.123/2016/GAB/CGU/Regional/SP, a qual retrata o “jogo de planilhas”, que consistiria no seguinte: “Na distribuição de recursos ao longo do cronograma da obra origina-se em orçamentos que apresentam preços unitários superiores aos de mercado nos serviços a serem executados inicialmente, compensados por reduções significativos dos preços a executar no final do contrato, de forma a manter o valor global do contrato dentro dos valores de mercado” Segundo a denúncia, além do superfaturamento, houve também a prática do “jogo de planilhas”, ou seja, “na redução e/ou supressão de outros itens dos contratos para que os valores acrescidos não chamassem a atenção” (p. 10, n. 48), conforme teria sido admitido por Pedro Paulo em declarações que nela se transcrevem. Transcreve, também, a referida Nota Técnica da CGU: “(...) os acréscimos ‘envolvendo os termos aditivos sobre serviços de terraplanagem (remoção de matacões) não foram devidamente justificados e que há indícios da prática conhecida como ‘jogo de planilhas’” (p. 21-22, n. 52, itálico no original). 

B – Reequilíbrio econômico-financeiro decorrente de atrasos na execução da obra 

Com base nos já mencionados Laudos de Perícia Criminal n. 1.771/16 (Lote 1), n. 2.971/16 (Lote 2) e n. 1.977/17 (Lote 3), bem como na já referida Nota Técnica n. 1.123/06, da Controladoria Geral da União, à qual foi somada a Nota Técnica n. 1.242/17, desse mesmo órgão de fiscalização, além do também mencionado Relatório de Fiscalização da União n. 539/16, a denúncia acrescenta que foram assinados outros termos aditivos aumentando os valores do contrato, sob a justificativa reputada incomum de insuficiência de produção nos primeiros meses das obras, dos quais resultaram dano ao erário que supera R$ 235 milhões, tudo a demonstrar a continuidade delitiva quanto aos crimes do art. 92, caput, e parágrafo único, da Lei n. 8.666/93. 

Conforme tabela reproduzida na denúncia, tem-se o seguinte: a) Lote 1, 8º Termo Aditivo de 24.09.16: dano de R$ 36 milhões; b) Lote 2, 8º Termo Aditivo de 23.09.16: dano de R$ 29 milhões; c) Lote 3, 7º Termo Aditivo de 23.09.16: dano de R$ 51 milhões; d) Lote 4, 8º Termo Aditivo de 24.02.17: dano de R$ 41 milhões; e) Lote 5, 7º Termo Aditivo de 23.09.16: dano de R$ 39 milhões; f) Lote 6, 7º Termo Aditivo: dano de R$ 35 milhões.  

III.2 – DO CRIME PREVISTO NO ART.  96, I E V, DA LEI N. 8.666/993 – SUBCONTRATAÇÃO IRREGULAR 

A denúncia afirma ter havido a subcontratação irregular da Toniolo pela OAS, representada pelo acusado Carlos Henrique, relativamente aos Túneis n. 201 (Lote 1) e 301 (Lote 3), respectivamente por R$ 54 milhões e R$ 117 milhões em 04.04.16, conforme o Contrato de Subempreitada CPSS RN L2 025/16, celebrado nessa data, a qual – isso é relevante para a denúncia, que repete esta circunstância – antecedeu aos procedimentos posteriormente levados a efeito no âmbito da Dersa, a partir da Correspondência DP-L2-585/16 (pedido da OAS endereçado à Dersa), que ensejou as Propostas de Resolução de Diretoria n. 31/17 e 33/17, datadas de 24.03.17, providenciadas por Pedro Paulo Dantas, ensejando depois as Resoluções de Diretoria n. 7G/17 e 7I/G, ambas de 03.04.17, aprovadas por Laurence Casagrande e Pedro da Silva. 

Ocorre que, segundo a denúncia, a construção de túneis é considerada Atividade Essencial e não poderia ter sido objeto de subempreitada. A denúncia arrola as disposições normativas que coligiu nesse sentido: Edital de Pré-qualificação (EPQ), item “e”, sub-cláusula IAL 24.1; Seção III, Item 4.2.b. do EPQ (conceito de “Atividades Essenciais”); Formulário SDL da Seção IV do EPQ, item “f” (inadmite subcontratação de Atividades Essenciais).  

Sem embargo desse conjunto de normas, foi firmado o contrato de subempreitada acima mencionado entre a OAS e a Toniolo. Nesse caso, conforme a denúncia, cumpria ser procedida à rescisão do contrato, conforme decorre de outro conjunto de disposições normativas igualmente arroladas na denúncia (Lei n. 8.666/93, arts. 3º, 30, 70, 78, VI; sub-cláusula 15.2). 

III.2 [bis] – DO CRIME PREVISTO NO ART. 299 DO CÓDIGO PENAL 

O crime de falsidade ideológica de documento público é descrito na denúncia em função da falsidade das informações relativas à concretagem dos túneis. Assim, quanto ao Lote 1 (Contrato n. 4.348/13, de 07.02.13, com o Consórcio Mendes Júnior e Isolux), o 3º Termo Aditivo, de 30.09.15, altera os valores quantitativos para esse gênero de serviço que haviam sido previstos no 1º Termo de Aditamento, de 12.05.15. Quanto ao Lote n. 2 (Contrato n. 4.349/13, de 07.02.13, com a OAS), o 3º Termo Aditivo de 30.09.15, altera os valores quantitativos previstos no 1º Termo Aditivo de 28.10.14. Por fim, quanto ao Lote 3 (Contrato n. 4.350/13, de 07.02.13, com o Consórcio Mendes Júnior e Isolux), o mesmo se repete com o 2º Termo Aditivo de 30.09.15, vale dizer, quanto ao 2º Termo Aditivo de 30.09.15 [o único mencionado quanto ao Lote 3]. 

Segundo a denúncia, os referidos termos aditivos, i. e., os acoimados de falsos, “tiveram como objetivo incorporar novos serviços e remanejar serviços existentes em fases distintas, além de apresentar serviços existentes em fases distintas, além de apresentar novas planilhas orçamentárias com variações de quantidades de serviços, sem apresentar impacto financeiro nos contratos” (denúncia, p. 31, n. 84). Ressalta que os serviços de concretagem dos túneis, responsável pela execução do revestimento e do suporte estrutural, sofreram redução substancial, de maneira tal a ocultar o impacto financeiro dos serviços acrescentados e das quantidades aumentadas. Daí decorre “um potencial acréscimo de valor significativo nos contratos pela necessidade de se restituir os serviços necessários suprimidos”. Assim, em que pese os contratos somarem R$ 4 bilhões, “não se sabe qual é o valor real das obras” (denúncia, p. 32, n. 87). 

Depois de transcrever declarações de Benedito Aparecido (Lote 2) e Edison Mineiro (Lote 1), a denúncia aponta para a inserção de declaração falsa na Planilha de Serviços e Preços Consolidada do Lote 1: por meio da Cláusula II do 1º Aditivo ao Contrato n. 4.348/13 (12.05.15), alterando o item 5.18, subitem 25.09.10, ao reduzir a quantidade inicialmente contratada do serviço de “execução de concreto projetado” (3.393,89 m3) no montante de 10.200 m3, com o objetivo de alterar a verdade de fato juridicamente relevante (o valor total do contrato), importando numa redução fictícia de R$ 6 milhões, “para não causar impacto financeiro e correr o risco de haver ‘objeção’ do BID” (denúncia, p. 34, n. 91). Do mesmo modo, quanto ao Lote 2:  por meio da celebração do 1º Termo Aditivo de 28.10.14 (Contrato n. 4.349, de 07.02.13, com a OAS), reduzindo quantidades de itens principalmente quantidades de “concreto para túneis”, com o objetivo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (o valor total do contrato) e, “da mesma forma, para não causar impacto financeiro e precisar submeter as alterações ao BID e correr o risco de sua ‘objeção’, conforme Relatório do TCU” (denúncia, p. 34-35, n. 92). 

Em 01.10.18, o Juízo da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo recebeu a denúncia (Id n. 278554437). Posteriormente, afastou a prevenção para o processamento do feito e determinou a livre distribuição dos autos a uma das Varas Criminas da Subseção Judiciária do Estado de São Paulo (Id n. 278554438).

Os autos foram redistribuídos ao Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo que, em 25.04.23, recebeu em parte a denúncia. Afirmou o Juízo a quo que a materialidade delitiva estava demonstrada, em especial à vista de notas técnicas da CGU Regional em São Paulo que apontaram irregularidades nos contratos e nos termos aditivos do Trecho Norte do Rodoanel. No mesmo sentido, os laudos periciais da Polícia Federal em São Paulo e o relatório de fiscalização do Tribunal de Contas da União, o qual embasa a capitulação descrita na denúncia. No que diz respeito a Laurence Casagrande Lourenço, a denúncia foi ratificada nos seguintes termos:

 

Segundo a peça acusatória, LAURENCE teria integrado o núcleo administrativo de associação criminosa estabelecida para o fim específico de cometer crimes estruturados no seio da DERSA DESENVOLVIMENTO RODOVIÁRIO S.A., e, na condição de Diretor Presidente da empresa, teria firmado e aprovado os aditivos fraudulentos que ensejaram em aumento indevido do valor do contrato, realizado em prejuízo da União e do Estado de São Paulo. LAURENCE ainda teria, segundo a exordial, autorizado em reunião extraordinária da diretoria a adequação de novas planilhas de preços e serviços sem justificativa, bem como teria aprovado a subcontratação da empresa TONIOLO BUSNELLO S.A. pela Construtora OAS. Na defesa apresentada (fls. 01/47 do ID 29625141), LAURENCE negou os fatos imputados, tendo alegado que, na qualidade de presidente da DERSA, teria feito tudo o que lhe cabia para defender os direitos e interesses da empresa. Arguiu a inépcia da inicial, sob o argumento de que não preencheria os requisitos do art. 41 do CPP, posto que seria genérica ao não descrever os fatos concretos imputados ao denunciado. Aduziu ainda a falta de justa causa para a ação penal, sob o argumento de que não há nos autos base para as imputações formuladas, bem como os fatos seriam atípicos e, por fim, que não existiria nos autos o exame de corpo de delito, posto que os laudos elaborados pela Polícia Federal somente teriam se limitado a analisar documentos.

Em que pesem os argumentos formulados, observo que os elementos constantes dos autos indicam, por ora, a participação direta de LAURENCE nos fatos narrados na denúncia, posto que firmou os contratos e aditivos apontados na peça acusatória bem como foi um dos responsáveis por elaborar as resoluções que autorizaram a subcontratação da TONIOLO BUSNELLO S.A., e autorizaram a incorporação das novas Composições de Preços aos contratos firmados no âmbito da DERSA.

Ainda, o noticiante JOÃO BOSCO GOMIDES afirmou perante a autoridade policial que LAURENCE teria pressionado o engenheiro Emílio Squarcina a assinar os aditivos tido como irregulares (fl. 05 do ID 29624857), fato por ele confirmado (fls. 15/17 do ID 29624857).

CARLOS HENRIQUE BARBOSA LEMOS asseverou ainda ter tratado diretamente com LAURENCE as disposições contidas no termo aditivo que envolvia os aludidos matacões (fls. 24/27 do ID 29625106).

Reputo, assim, que tais elementos demandam, por ora, a necessidade de prosseguimento do feito, de modo que os documentos apresentados pela defesa de LAURENCE na peça defensiva deverão ser analisados em conjunto com as provas a serem produzidas perante o Juízo.

Os elementos dos autos, portanto, demonstram a existência de indícios de autoria de LAURENCE CASAGRANDE LOURENÇO nos delitos a ele imputados. Deste modo, ratifico o recebimento da denúncia formulada em seu desfavor. (Id n. 278554130, pp. 6/7).

 

À vista das respostas à acusação juntadas aos autos, o Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo, em 13.07.23, rejeitou as preliminares e analisou os pedidos deduzidos pelos acusados. Designou audiência de instrução e julgamento para 12.09.23. Confira-se o seguinte trecho da decisão proferida:

 

Por meio de decisão proferida em 25 de abril de 2023, este Juízo ratificou o recebimento da denúncia com relação a LAURENCE CASAGRANDE LOURENÇO, PEDRO DA SILVA, PEDRO PAULO DANTAS DO AMARAL CAMPOS, BENEDITO APARECIDO TRIDA, CARLOS PRADO ANDRADE, CARLOS HENRIQUE BARBOSA LEMOS, ENRIQUE FERNANDEZ MARTINEZ, MÁRCIO AURÉLIO MOREIRA e DANIEL DE SOUZA FILARDI JÚNIOR e, também com base nos argumentos apresentados, rejeitou-a com relação a HÉLIO ROBERTO CORREA, ADRIANO e FRANCISCO BIANCONCINI TRASSI, SILVIA CRISTINA ARANEGA MENEZES e BENJAMIM VENÂNCIO DE MELO JUNIOR.

(...)

A defesa de LAURENCE CASAGRANDE LOURENÇO apresentou resposta à acusação (ID 291542815) em que arguiu a inépcia da inicial acusatória a suposta inobservância do conteúdo do art. 41 do CPP. Na sequência, argumentou que os fatos seriam atípicos, ante o alegado não preenchimento dos elementos constitutivos do tipo penal: alegou que a denúncia seria confusa e incompreensível quanto à descrição do art. 92 da Lei nº 8.666/93 e ausência de descrição acerca de eventual conduta do denunciado que poderia caracterizar o crime. Sustentou haver atipicidade no que se refere ao art. 96 da Lei nº 8.666/93 sob o argumento de que não teria potencial de causar prejuízo ao erário. Quanto ao crime do art. 299 do Código Penal, sustentou que se trataria dos mesmos fatos característicos do crime do art. 92 da Lei 8.666/93 e que também não haveria descrição de conduta atribuível a Laurence. Aduziu inexistir justa causa para a ação penal ante a inexistência de exame pericial no local dos fatos, bem como ausência de dolo do acusado em integrar organização criminosa. Asseverou que LAURENCE, na qualidade de diretor presidente, não tomava decisões monocraticamente e que, por isso, se aplicariam os mesmos fundamentos que levaram à rejeição da denúncia em relação a outros diretores. Arrolou 17 (dezessete) testemunhas.

(...)

4) Da alegada inépcia da denúncia

A inépcia é caracterizada pela ausência dos requisitos insertos no art. 41 do Código de Processo Penal, de modo que a denúncia, para não incorrer em tal vício, deve descrever os fatos criminosos imputados aos acusados com todas as suas circunstâncias, de modo a tornar ampla a possibilidade de defesa.

Tal dispositivo não impõe, no entanto, que a denúncia apresente detalhes minuciosos acerca da conduta supostamente perpetrada, pois diversos pormenores do delito somente serão esclarecidos durante a instrução processual, momento apropriado para a análise aprofundada dos fatos narrados pelo titular da ação penal pública. Nesse sentido é a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (...).

A peça acusatória imputa aos réus os crimes de fraude à licitação (arts. 92 e 96, I e V, Lei 8.666/1993, arts. 92 e 96, inciso I e V), falsidade ideológica (art. 299, Código Penal) e organização criminosa (art. 2º, Lei 12.850/13), em virtude da suposta celebração fraudulenta de termos aditivos a contrato de empreitada firmado entre a empresa estatal DERSA e as empresas vencedoras da licitação para a execução de obras de implantação do trecho norte do complexo viário Rodoanel.

Segundo a denúncia, no período de outubro de 2014 até o momento da deflagração da denominada Operação Pedra no Caminho (junho de 2018), uma organização criminosa instalada no seio da DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S/A), sociedade de economia mista do Estado de São Paulo, teria praticado uma série de crimes consistentes na celebração fraudulenta de termos aditivos a contrato de empreitada firmado entre a referida estatal e as empresas vencedoras da licitação para a execução de obras nos lotes 01 a 03 referentes à implantação do trecho norte do complexo viário Rodoanel Mário Covas, na região metropolitana de São Paulo, com a utilização de recursos federais.

Ressalte-se ainda que a denúncia apresentada trouxe evidente individualização da conduta quanto aos réus da presente ação penal, de modo a permitir a compreensão pela defesa quanto aos fatos imputados aos acusados, o que também é comprovado a partir da análise das defesas prévias e das respostas à acusação apresentadas.

Preenchidos, portanto, os requisitos do art. 41 do CPP, quanto à exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação dos crimes e com indicação do rol das testemunhas, e verificando-se que as defesas demonstraram compreender integralmente os fatos imputados aos respectivos acusados, tendo oferecido justificativas e apresentado documentos correspondentes aos fatos apurados na presente ação penal, não há que se falar em inépcia da denúncia.

5) Da justa causa para a ação penal

Em seguida, destaco a existência de justa causa para o exercício da ação penal, ante a existência de suporte probatório mínimo nos autos, por meio da demonstração da materialidade criminosa e da menção aos indícios de autoria delitiva.

A materialidade delitiva se encontra demonstrada nos autos.

Nesse ponto, a Nota Técnica nº 1123/2016 da CGU Regional em SP (fls. 27/41 do ID 29624860) trouxe a conclusão de que os contratos foram celebrados por preços no âmbito do Trecho Norte do Rodoanel, relativamente ao orçamento previsto pela DERSA, com descontos entre 12,5% e 37,2%, mas que, “no entanto, os serviços incluídos por meio dos termos aditivos elevaram o custo das obras, mitigando o relativo sucesso do procedimento licitatório”. Restou consignado, ainda, que a procedência dos acréscimos sob a alegada justificativa de que, durante a execução da obra, teria sido constatada uma dificuldade maior do que a prevista para a remoção do solo, “não foi devidamente comprovada na documentação apresentada”. Referidos aditivos, segundo a nota técnica em questão, teriam sido “cuidadosamente calculados (...) de forma a manter inalterados os valores totais dos contratos, demonstrando a atuação deliberada dos gestores em minimizar ou postergar a divulgação e os efeitos dos acréscimos contratuais”.

Já a Nota Técnica nº 1142/2017 da CGU Regional em SP (fls. 127/130 do ID 29624862) assevera o fato de que foram firmados diversos termos aditivos aos contratos relacionados ao Trecho Norte do Rodoanel, com prorrogação no prazo contratual e em decorrência de suposta necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro por insuficiência de produção nos primeiros meses da obra, tendo tal justificativa sido reputada como, “no mínimo, incomum em contratos de empreitada de obras”.

O Laudo Pericial nº 2971/2016 do NUCRIM da Polícia Federal em São Paulo (fls. 126/144 do ID 29624857 e 01/06 do ID 29624860) contém o resultado da avaliação técnica realizada quanto ao contrato nº 4.349/2013, firmado pela DERSA com Construtora OAS S.A., para a execução do Lote 2 do Trecho do Rodoanel, em que os peritos concluíram que “a inclusão do preço provisório para o serviço de remoção de matacões, em substituição aos preços contratuais dos serviços de escavação e carga de materiais de 2ª e 3ª categorias com uso de explosivos, além de indevida pelo fato de ter sido prevista a existência de matacões no projeto básico da licitação, incidiu de forma improcedente sobre todo o volume de escavação de solo com matacões, em vez de contemplar apenas o volume efetivo de matacões encontrado no Lote 2 do Trecho Norte do Rodoanel”.

O Laudo nº 1771/2017 do NUCRIM da Polícia Federal em São Paulo (fls. 80/88 do ID 29624862) dispõe quanto ao resultado da análise do contrato nº 4.348/13, para a execução do Lote 1 do Trecho Norte do Rodoanel, firmado pela DERSA com o Consórcio Mendes Junior-Isolux Corsan, também evidenciou que foram firmados termos aditivos envolvendo matacões, com acréscimo indevido e extraordinário de valores no âmbito do referido contrato (Id n. 27854432).

O Laudo nº. 1977/2017 do NUCRIM da Polícia Federal em São Paulo (fls. 99/106 do ID 29624862) apresenta o resultado da análise do contrato nº 4.350/13, para a execução do Lote 3 do Trecho Norte do Rodoanel, firmado pela DERSA com a Construtora OAS, contendo menção ao fato de que houve inclusão do serviço de remoção de matacões em escavação a céu aberto no item de Terraplanagem no segundo termo aditivo, com aumento de 8% em relação ao valor inicialmente previsto para o serviço, e consequente aumento de valores no âmbito do contrato, bem como que houve acréscimo de 53% em relação ao valor que era previsto para o serviço de escavação e carga de material de 3ª categoria.

O Relatório de Fiscalização do TCU (fls. 131/199 do ID 29624867 e 01/73 do ID 29624868) embasa a capitulação descrita na denúncia ao descrever a ocorrência de superfaturamento decorrente de preços excessivos frente ao mercado, por pagamento indevido de despesas relativas a atraso na execução da obra e decorrente de alteração da metodologia executiva, bem como ressalta ter havido alteração injustificada de quantitativos nos contratos firmados e de subcontratação irregular no âmbito das obras do Trecho Norte do Rodoanel.

Consta ainda dos autos os seguintes documentos: o trabalho realizado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT mídia de fl. 1.459 dos autos físicos); os Documentos de Licitação e Pré-qualificação para a Contratação de Obras de Implantação do Trecho Norte do Rodoanel Mário Covas, emitidos em 13 de setembro de 2011; Documentos de Licitação para a Contratação de Obras de Implantação do Trecho Norte do Rodoanel Mário Covas, emitidos em 21/09/2012, referentes à Licitação Pública Internacional nº. 006/2011-CI (CD 01, à fl. 09 do ID 29624860 – pasta “LP 006-012 Edital e anexos”; edital para a contratação da obra e seus anexos, formulários de declaração de conhecimento dos documentos e exigências da licitação, acompanhados pelo Projeto Básico (CD 02, à fl. 09 do ID 29624860); bibliografia técnica com o mapeamento das características geológicas de São Paulo, constante do Manual de Geotecnia – Taludes das Rodovias, elaborado pelo DER/SP na década de 90 (CD 02 – pasta “Informe Técnico”).

Em relação ao crime de organização criminosa, observo que existem elementos de materialidade a respeito da existência fatos que constituiriam, em tese, crimes plurissubjetivos, seja associação criminosa, seja organização criminosa. Assim, a existência ou não de crime e qual seria sua precisa qualificação jurídica não possui lugar no presente momento processual a respeito, demandando dilação probatória.

É inequívoco, quanto ao ponto, que “a propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos e suficientes de autoria e materialidade. A certeza será comprovada ou afastada durante a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio do in dubio pro societate" (AgRg no RHC 130.300/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 27/10/2020).

Consigno ainda subsistir indícios de autoria quanto aos réus que foram mantidos no polo passivo da presente ação penal, nos termos da decisão proferida em 25 de abril de 2023 (ID 282615363), na qual foram analisados os elementos constantes dos autos com relação a cada um dos acusados de forma pormenorizada.

Demonstrou-se, naquele ato, que os elementos colhidos nos autos até o presente momento rechaçam, em tese, a imputação de responsabilização objetiva aos acusados ou mesmo de que as condutas descritas seriam inerentes aos seus respectivos cargos na empresa pública ou à mera representação das empreiteiras durante a consecução das obras relacionadas ao Trecho Norte do Rodoanel.

Com efeito, o exame da procedência ou improcedência da acusação, com incursões em aspectos que demandam dilação probatória e valoração do conjunto de provas produzidas só poderá ser feito após o encerramento da instrução criminal, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal.

Nesse sentido, as alegações referentes à suposta ausência de configuração dos tipos penais imputados e a negativa quanto às práticas dos crimes demandam análise à luz dos elementos colhidos nos autos até o presente momento e das provas a serem produzidas em sede de instrução.

(...)

Do mesmo modo, convém destacar que, em princípio, as alegações referentes ao fato de a licitação já se encontrar encerrada e o objeto adjudicado, ou mesmo quanto à subcontratação ter sido efetuada pelo mesmo preço originário, não acarreta, por si só, a conclusão de ausência de prejuízo ao erário quanto ao delito do art. 96 da Lei nº 8.666/93. Isso porque, além de tais fatos estarem correlacionados ao mérito da presente ação penal, não sendo objeto da presente etapa processual, essa conclusão demanda a análise quanto a eventual possibilidade de que os valores envolvidos terem sido elevados em momento antecedente, de modo a ter resultado, outrossim, no mencionado prejuízo aos cofres públicos.

Ademais, a alegação formulada pela defesa de LAURENCE, de que a imputação do crime do art. 299 do Código Penal se referiria aos mesmos fatos característicos do art. 92 da Lei nº 8.666/93, serão objeto de oportuna análise pelo juízo, quando da prolação da sentença, ocasião em que será observada a subsunção dos tipos penais aos fatos narrados à luz das provas a serem produzidas perante o Juízo na fase de instrução em conjunto com os elementos já constantes dos autos até o presente momento.

O Superior Tribunal de Justiça já consignou que “o magistrado, ao examinar a resposta à acusação, está limitado à constatação da presença das hipóteses de absolvição sumária, não podendo ampliar demasiadamente o espectro de análise, sob pena de invadir a seara relativa ao próprio mérito da demanda, que depende de prévia instrução processual para que o julgador possa formar seu convencimento” (RHC n. 139.637/RR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 1/3/2021).

Portanto, a absolvição sumária por falta de justa causa, neste momento processual, somente é possível se houver comprovação, de plano, de alguma das seguintes hipóteses: (i) atipicidade da conduta; (ii) incidência de causa de extinção da punibilidade; (iii) ausência de indícios de autoria ou (iv) ausência de prova sobre a materialidade do delito. No entanto, conforme já ressaltado, a peça acusatória veio instruída com o mínimo embasamento probatório apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização de ilícitos penais por parte dos denunciados.

Verifico, nos termos do que dispõe o artigo 397, do Código Processual Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, que não incidem quaisquer das hipóteses que poderiam justificar a absolvição sumária dos acusados.

(...)

9) Das disposições finais

Diante do fato de a testemunha BENJAMIM VENÂNCIO DE MELO JUNIOR, arrolada pelas defesas de LAURENCE e PEDRO DA SILVA, também ter sido denunciada na presente ação penal – sem que tenha havido, contudo, ratificação da denúncia oferecida contra ele por este Juízo –, terá o direito de não produzir prova contra si ao prestar depoimento perante este Juízo, sendo ainda ouvido na qualidade de informante.

Por fim, diante da necessidade de prosseguimento do feito, designo audiência de instrução nos seguintes termos (...).

Dia 12 de setembro de 2023, às 14h00, na modalidade presencial, para oitiva das seguintes testemunhas de acusação (...).

Os interrogatórios serão designados oportunamente.

Após a manifestação do MPF quanto ao pedido de restituição formulado pelo ESPÓLIO DE EDISON MINEIRO FERREIRA DOS SANTOS e SÔNIA BERNARDO MAGALHÃES FERREIRA DOS SANTOS (ID 290286109), e deste e das demais defesas quanto a eventual apresentação de quesitos para a realização da perícia deferida nesta oportunidade, tornem os autos conclusos.

Intimem-se as partes para que, no prazo de 05 (cinco) dias, apresentem os correios eletrônicos e telefones das partes, advogados e testemunhas arroladas. Após, expeça-se o necessário, servindo a presente de ofício e meio de comunicação. (Id n. 278554432)

 

Os impetrantes postulam a concessão de ordem para “cassar os atos coatores, reconhecendo-se a inépcia da denúncia e atipicidade dos fatos imputados a Laurence, bem como a falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal instaurada” (Id n. 278554128, pp. 42/43).

A ordem deve ser denegada.

Não há constrangimento ilegal na decisão que ratificou o recebimento da denúncia em relação ao Paciente e que determinou o prosseguimento do feito, com designação de audiência de instrução e julgamento.

A análise realizada por ocasião do recebimento da denúncia deve ser de cognição sumária, com verificação da existência de suporte probatório mínimo de materialidade e indícios suficientes da autoria. A denúncia deve atender aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e não incidir em nenhuma das hipóteses do art. 395 do Código de Processo Penal. Assim, cumprirá os requisitos legais a denúncia que contiver a exposição do fato criminoso com todas as circunstâncias necessárias à configuração do delito, os indícios de autoria, a classificação jurídica do delito e, se necessário, o rol de testemunhas, possibilitando ao acusado compreender a acusação que sobre ele recai e sua atuação na prática delitiva para assegurar o exercício do contraditório e da ampla defesa. A rejeição da denúncia ocorrerá apenas quando, de plano, não se verificarem os requisitos formais a evidenciar sua inépcia, faltar pressuposto processual para seu exercício ou não houver justa causa, incidindo, em casos duvidosos, o princípio in dubio pro societate, a determinar a instauração da ação penal para esclarecimento dos fatos durante a instrução processual penal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF, Inq n. 2589, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16.09.14; Inq n. 3537, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 09.09.14 e HC n. 100908, Rel. Min. Carlos Britto, j. 24.11.09).

No caso dos autos, a denúncia atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, com a exposição dos fatos criminosos, suas circunstâncias e a classificação dos delitos imputados a Laurence Casagrande Lourenço, permitindo-lhe o regular exercício do direito de defesa.

Por ocasião da ratificação do recebimento da denúncia e análise das respostas à acusação, o Juízo a quo apontou as diversas notas técnicas, laudos periciais e relatório do Tribunal de Contas da União, dentre outros elementos, os quais constituem suporte probatório mínimo de materialidade. No que diz respeito a Laurence Casagrande Lourenço, o Juízo a quo destacou a celebração dos contratos e aditivos reputados fraudulentos, bem como o fato de o denunciado ter supostamente contribuído para a subcontratação irregular de Toniolo Busnelo S/A pela Construtora OAS S/A.

A afirmação da defesa de que o Paciente não teria poder decisório monocrático para aprovar os aditivos contratuais reputados fraudulentos e autorizar a subcontratação, a despeito de ser Diretor Presidente e integrante da Diretoria Colegiada, não resulta, por si só, no afastamento da autoria delitiva. Assim como a alegada inexistência de prejuízo ao erário, a matéria demanda dilação probatória, a ser realizada nos autos originários, em observância ao princípio do contraditório.

A eventual absorção do delito de falsidade ideológica pelo delito do art. 92, caput, da Lei n. 8.666/93, é questão de mérito que não prescinde da análise aprofundada dos fatos para averiguar a eventual autonomia delitiva e a potencialidade lesiva de cada conduta.

No que concerne ao crime de organização criminosa, a denúncia descreve a conduta do Paciente e fatos que, em tese, configuram a prática delitiva. Segundo a denúncia, o Paciente integraria o núcleo administrativo da organização criminosa, prestando auxílio ao denominado núcleo econômico (engenheiros e diretores da Dersa) que aprovava de comum acordo os aditivos fraudulentos (cf. Id n. 278554433, pp. 9 e seguintes). A qualificação jurídica dos fatos narrados na denúncia não é definitiva e a efetiva prática delitiva é matéria que demanda dilação probatória.

Anoto que a denúncia foi rejeitada em relação a Benjamim Venâncio de Melo Júnior, Diretor Financeiro da Dersa, porque a ele não foi imputado nenhum ato relativo às crimes pelos quais foi denunciado, concluindo o Juízo a quo que a “sua atuação nas condutas narradas somente ocorreu a partir de sua atuação em órgão colegiado” (Id n. 278554130, p. 26). Trata-se de condutas diversas das que são atribuídas ao Paciente, que teria autorizado, sem justificativa, a adequação de planilha de preços e aprovado a subcontratação indevida de empresa, na condição de Diretor Presidente da Dersa, havendo notícia nos autos de que teria, inclusive, pressionado o engenheiro Emílio Squarcina para a assinatura dos aditivos tidos como irregulares.

Ante o exposto, DENEGO a ordem de habeas corpus requerida em favor de Laurence Casagrande Lourenço.

É o voto.



E M E N T A

 

 

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. DENÚNCIA. INÉPCIA. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE. AUTORIA. ELEMENTOES SUFICIENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. NECESSIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. Não há constrangimento ilegal na decisão que ratificou o recebimento da denúncia em relação ao Paciente e que determinou o prosseguimento do feito, com designação de audiência de instrução e julgamento.

2. A análise realizada por ocasião do recebimento da denúncia deve ser de cognição sumária, com verificação da existência de suporte probatório mínimo de materialidade e indícios suficientes da autoria. A denúncia deve atender aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e não incidir em nenhuma das hipóteses do art. 395 do Código de Processo Penal. Assim, cumprirá os requisitos legais a denúncia que contiver a exposição do fato criminoso com todas as circunstâncias necessárias à configuração do delito, os indícios de autoria, a classificação jurídica do delito e, se necessário, o rol de testemunhas, possibilitando ao acusado compreender a acusação que sobre ele recai e sua atuação na prática delitiva para assegurar o exercício do contraditório e da ampla defesa. A rejeição da denúncia ocorrerá apenas quando, de plano, não se verificarem os requisitos formais a evidenciar sua inépcia, faltar pressuposto processual para seu exercício ou não houver justa causa, incidindo, em casos duvidosos, o princípio in dubio pro societate, a determinar a instauração da ação penal para esclarecimento dos fatos durante a instrução processual penal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF, Inq n. 2589, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16.09.14; Inq n. 3537, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 09.09.14 e HC n. 100908, Rel. Min. Carlos Britto, j. 24.11.09).

3. No caso dos autos, a denúncia atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, com a exposição dos fatos criminosos, suas circunstâncias e a classificação dos delitos imputados ao Paciente, permitindo-lhe o regular exercício do direito de defesa.

4. O Juízo a quo apontou as diversas notas técnicas, laudos periciais e relatório do Tribunal de Contas da União, dentre outros elementos que constituem suporte probatório mínimo de materialidade. No que diz respeito ao Paciente, o Juízo a quo destacou a celebração dos contratos e aditivos reputados fraudulentos, bem como o fato de ter supostamente contribuído para a subcontratação irregular de empresa.

5. A afirmação da defesa de que o Paciente não teria poder decisório monocrático para aprovar os aditivos contratuais reputados fraudulentos e autorizar a subcontratação, a despeito de ser Diretor Presidente e integrante da Diretoria Colegiada, não resulta, por si só, no afastamento da autoria delitiva. Assim como a alegada inexistência de prejuízo ao erário, a matéria demanda dilação probatória, a ser realizada nos autos originários.

6. A eventual absorção do delito de falsidade ideológica pelo delito do art. 92, caput, da Lei n. 8.666/93 é questão de mérito que não prescinde da análise aprofundada dos fatos para averiguar a eventual autonomia delitiva e a potencialidade lesiva de cada conduta.

7. No que diz respeito ao crime de organização criminosa, a denúncia descreve a conduta do Paciente e fatos que, em tese, configuram a prática delitiva. A qualificação jurídica dos fatos narrados na denúncia não é definitiva e a efetiva prática delitiva é matéria que demanda dilação probatória.

8. Os fatos e circunstâncias que levaram à rejeição da denúncia em relação ao Diretor Financeiro da Dersa não são aplicáveis ao Paciente.

9. Ordem de habeas corpus denegada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Quinta Turma, por unanimidade, decidiu DENEGAR a ordem de habeas corpus requerida em favor de Laurence Casagrande Lourenço, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.