Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0003023-58.2011.4.03.6107

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

APELADO: WLADIMIR RAMOS RASTEIRO

Advogados do(a) APELADO: DANIELLE FERNANDES LIMIRO HANUM - GO23150, GUSTAVO AUGUSTO HANUM SARDINHA - GO23151

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0003023-58.2011.4.03.6107

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

 

APELADO: WLADIMIR RAMOS RASTEIRO

Advogado do(a) APELADO: DANIELLE FERNANDES LIMIRO HANUM - GO23150

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R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de recursos de apelação e reexame necessário, em Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo, proposta por WLADIMIR RAMOS RASTEIRO em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA), em que se pleiteou a nulidade do Auto de Infração nº 263771-D e do Termo de Embargo/Interdição nº 0267808-C.

Alega o autor que, em 05 de junho de 1992, adquiriu um terreno situado à Rua Antônio Lino, no Bairro Jardim Sumaré, perímetro urbano do Município de Araçatuba/SP, o qual se encontra registrado no Livro de Notas n° 263, Folhas n° 182/183, do 3° Cartório de Notas de Araçatuba.

Narra que, no início do ano de 2003, apresentou à Prefeitura Municipal de Araçatuba o projeto arquitetônico de sua residência, bem como requereu licença para construção, o que foi devidamente concedido em 22/01/2003.

Aponta que, em 18/05/2005, o analista ambiental do IBAMA, Júlio César Zambão, lavrou o Auto de Infração nº 263771-D e o Termo de Embargo/Interdição nº 0267808-C, sob a imputação de haver praticado infração ambiental incursa nos seguintes dispositivos: art. 70 e 38 da Lei 9.605/98; art. 2º, incisos II e VII e art. 25 do Decreto n° 3.179/99; art. 2º, alínea “c", da Lei nº 4.771/65; art. 3º, inciso II, da Resolução CONAMA nº 303/02.

Destaca que a área onde está edificando sua obra é vizinha a uma área onde antigamente existia a Pedreira Baguaçu, a qual foi declarada de utilidade pública pelo Decreto Municipal nº 6.831, de 25 de maio de 1995, destinada à ampliação do Parque Ecológico Baguaçu - PEBA.

Segundo afirma, na antiga Pedreira, a atividade de mineração corroborou para a abertura de cava nas rochas, ou seja, as explosões causaram fendas nas rochas subterrâneas e expuseram os lençóis freáticos, com o “vazamento" não natural de minas d'água. Assim, a "nascente ou olho d'água" apontada pelo fiscal ambiental é de origem artificial, de modo que o enquadramento constante no Auto de Infração seoia inadequado.

Ao final, formulou os seguintes pedidos (ID Num. 90553472 - Pág. 26):

Face o exposto, requer seja concedida a tutela antecipada "inaudita altera pars", a fim de SUSPENDER o Termo de Embargo / Interdição n° 0267808, Série C, uma vez que presentes os requisitos do art. 273 do CPC, conforme explanado no item 4 (vide supra). Entendendo V. Exa. que os requisitos acima apontados não se enquadram no pedido de antecipação de tutela inaudita altera pars, mas sim em pedido cautelar, requer seja aplicado o princípio da fungibilidade e seja o presente pedido recebido como cautelar em caráter incidental, conforme hipótese prevista no art. 273, §7º, do Código de Processo Civil.

No mérito, requer seja julgado PROCEDENTE a pretensão acima explanada para o fim de declarar nulo o Auto de Infração n° 263771, Série D, haja vista estarem constatados defeitos no ato administrativo, quais sejam, competência e motivação.

Caso não entenda V. Exa. pela declaração da nulidade do Auto de Infração nº 263771, Série D, o que se admite apenas para argumentar, requer seja reduzido o quantum da multa aplicada, qual seja, R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para o valor mínimo legal, ou seja, R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).

Em decisão ID Num. 90553473 - Pág. 166, foi indeferido o pedido de antecipação da tutela.

Em decisão Num. 90553589 - Pág. 68, o r. Juízo Singular reconheceu a conexão deste feito com a Ação Civil Pública nº 2005.61.07.005293-0 (atual 0005293-65.2005.4.03.6107), declinando de sua competência para determinar a remessa dos autos para a Subseção Judiciária de Araçatuba/SP.

Laudo pericial juntado no ID Num. 90553551 - Págs. 83-112.

Em decisão ID Num. 90553560 - Pág. 144, o r. Juízo a quo determinou a suspensão deste feito, “nos termos do artigo 265. IV, “a”, do CPC, até que o processo conexo - ação civil pública n° 0005293-65.2005.403.6107, esteja também apto para prolação da sentença”. Na mesma ocasião, determinou a juntada do laudo pericial produzido naquela demanda.

Laudo pericial da ação civil pública n° 0005293-65.2005.403.6107 juntado no ID Num. 90553560 - Pág. 149 – ID Num. 90553562 - Pág. 10.

Na sentença, o r. Juízo Singular julgou procedente o pedido “para declarar a NULIDADE do Auto de Infração n. 263771, Série D, e respectivo Termo de Embargo/Interdição de Obra n. 0267808, Série C, devendo a autarquia ré, ainda, restituir eventual valor adimplido pelo autor a título de multa de infração ambiental, a ser atualizado até a data da efetiva restituição. Consequentemente, determino a extinção do feito, com resolução de mérito, com fundamento no inciso II do artigo 269 do Código de Processo Civil”.

Na mesma ocasião, concedeu a medida liminar para que o autor possa dar seguimento às obras.

Não houve condenação da parte sucumbente ao pagamento de honorários advocatícios.

A sentença foi submetida ao reexame necessário.

O autor opôs embargos de declaração, tendo o r. Juízo Singular proferido a seguinte decisão (ID Num. 90553637 - Pág. 24):

Em face do exposto, ACOLHO OS presentes aclaratórios para fazer constar da sentença guerreado o seguinte: (parte em destaque):

Condeno a parte sucumbente ao reembolso dos valores despendidos pelo autor a título de honorários periciais, devidamente atualizados até a data do efetivo pagamento. Condeno-a, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais à parte vitoriosa, fixados equitativamente (CPC, art. 20, § 4º) no importe de R$ 5.000.00 (cinco mil reais).

Inconformado, apela o Ministério Público Federal alegando, em preliminar: a) nulidade da r. sentença por não apreciar pontos essenciais à causa; b) extrapolação da causa de pedir; c) violação do princípio da demanda, já que concedeu a liminar de ofício; d) suspeição do magistrado.

No mérito, alega que: a) é incontroverso que há nascentes no entorno da obra da ré (afora a encosta); b) a sentença induz que todos os fluxos d'água do local têm de desaguar no "Córrego Ribeirão Baguaçu", o que o perito não disse; c) a sentença omite que o perito negou a existência de escoamento de fluxo contínuo com o córrego "apenas próximo à lagoa"; d) a falta de clareza fez também o perito não responder qual força faz as águas aflorarem à superfície; e) as águas afloram naturalmente à superfície nos lugares surgidos pela atividade da pedreira, já que não há nenhum engenho (artificial) de sucção que, vencendo a força da gravidade, as faça subir; f) a legislação ambiental não distingue quanto à naturalidade ou artificialidade das nascentes; g) a eventualidade de as nascentes serem todas intermitentes é irrelevante porque, afora fato incomprovado nos autos, o auto de infração foi lavrado (em 2005) antes da modificação legal (em 2012) que abandonou a proteção daquelas nascentes, e, portanto, constitui ato jurídico perfeito que a lei posterior não pode afetar.

Apela o IBAMA aduzindo, em síntese: a) a multa objeto do auto de infração nº 263771-D deve permanecer inalterada, já que se originou de um processo administrativo que observou todos os tramites legais, sob a égide do antigo Código Florestal, caracterizando ato jurídico perfeito; b) o novo Código Florestal não trouxe anistia universal de maneira a extinguir ou apagar os efeitos dos atos ilícitos praticados anteriormente a sua publicação; c) foi condenado a pagar ao autor a verba honorária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). A seu ver, este valor é exorbitante, pois não há nada que justifique, na natureza da causa, valor tão elevado.

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.

Em petição ID Num. 206126439, o autor narra que o recorrente/IBAMA vem mantendo as restrições relativas ao Auto de Infração nº 263.771/D, inclusive com notificação para do prazo de 60 dias, seja apresentado um Plano de Recuperação de Área Degradada ao Ibama, causando dano grave e de difícil reparação ao recorrido, e ainda, desrespeitando a decisão de antecipação dos efeitos da tutela, proferida em sentença.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


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V O T O

 

 

 

Da alegação de suspeição

Há tempo, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça assentou que “simples decisões contrárias às pretensões deduzidas pelo excipiente não são suficientes para comprovar suspeição, porquanto ausentes nos autos quaisquer elementos que demonstrem eventual parcialidade do excepto" (AgInt na ExSusp 108/PA, Corte Especial, DJ 28.5.2012).

Ao argumentar a suspeição do Magistrado a quo, alega o MPF que (ID Num. Num. 90553637 - Págs. 52-54):

Pois bem, dadas as circunstâncias acima narradas, pode o Ilustre Juiz PEDRO LUIS PIEDADE NOVAES, prolator da sentença guerreada, considerar-se sem interesse moral no julgamento da causa em favor da ré?

Afinal, o enviesamento da análise dos autos é tão intenso que, como visto, o juiz enxergou em uma petição do autor o reconhecimento, pelo réu, da procedência do pedido. E insistiu nisso, mesmo sendo-lhe apontado o disparate em embargos de declaração (como visto). Não bastasse, induziu (fis. 1196v., 2.° parágrafo) que a Nota Técnica de fls. 1141/1175 é das assistentes do MPF, quando é do IBAMA. E viu (fis. 1195, 5º parágrafo), na contestação do IBAMA (fls. 256/289), afirmativa de que, no local da construção, fora encontrada nascente ou "olho d'água" - o que não se encontra na contestação. Por fim, abriu parênteses (fls. 1195 e v.) para destacar a contestação do IBAMA na ação conexa (em que nega a existência de dano ambiental por obra próxima à do autor), omitindo que o IBAMA, depois daquela contestação, noticiou haver lavrado novo auto de infração (cf. fls. 267/295 daqueles autos), e, portanto, reafirmou o dano.

Doutro lado, a justificativa apresentada para conceder a tutela antecipada (preservar a saúde pública - fis. 1197/1198) – que anteriormente ele mesmo indeferira (fls. 998/999) – é claramente inconsistente: é que a remoção do lixo, entulho, carcaças de animais mortos e restos de poda de árvores, ditos existentes na cava, permitiria a recuperação do solo e da água, como afirma a sentença; logo, bastava autorizar a remoção (que nunca foi impedida), e não a finalização da construção embargada! Mesmo porque a construção não se situa na cava. Aliás, decerto que o autor não vai remover nada, pois - além de ser atribuição do Poder Público -a área da cava não é sua (v. resposta ao quesito 5 de fis. 1036/1 037).

A isso se aliam as ocorrências na ação civil pública conexa, isto é, a concessão de liminar, de oficio, sem pedido, em favor da ré, bem como o pré-julgamento do crime e da improbidade decorrentes dos indícios de falsidade do relato de que as nascentes seriam intermitentes, objeto de inquérito policial próprio (cf. fis. 917 daqueles autos, e 1132/1138 destes). E o pré-julgamento foi contraditório, pois, se não há surgências de água na cava, não passando os fluxos existentes de enxurradas (como parecem concluir, aqui como lá, as respectivas sentenças), também não há falar em nascentes de qualquer espécie, ainda que intermitentes; logo, o relato do IBAMA é falso por este motivo, assim como a autuação que deu base à presente. Sem contar que, outra vez, estas questões extrapolam o objeto daquela ação - agora, inclusive, o seu pedido, além da causa de pedir. Portanto, é manifesto que o juiz não deseja que nada mais aconteça ao autor, ou aos agentes do réu IBAMA, por qualquer motivo relacionado à questão ambiental envolvendo a extinta pedreira.

Ora, da simples leitura das alegações ministerial, percebe-se que a sua irresignação versa tão somente sobre aspectos decisórios contidos na r. sentença, precipuamente ao deferimento da medida liminar ex officio, conduta esta que será posteriormente analisada neste voto.

No entanto, ainda que a medida liminar ex officio possa ser processualmente equivocada, tal como defende o Parquet, isto, por si só, não importa em automática suspeição do julgador.

Outro argumento que também corrobora a manifesta improcedência desta suspeição é a ausência de elementos de concreta aferição para subsidiar a imputação ministerial.

Com efeito, ao suscitar a suspeição, o Parquet fundamenta o seu pedido no art. 135, V, do CPC/73, o qual possuía a seguinte redação:

Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:

(...)

V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

Ocorre que, em sua alegação, o MPF não especifica qual seria o interesse do magistrado no julgamento favorável ao apelado, mas apenas faz breves conjecturas acerca dos efeitos práticos da decisão liminar concedida de ofício e dos posicionamentos adotados pelo Julgador.

O E. Superior Tribunal de Justiça, contudo, já decidiu ser um dos pressupostos da exceção de suspeição a demonstração concreta dos fatos imputados ao magistrado:

AGRAVO INTERNO NA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO ESPECÍFICA DA HIPÓTESE LEGAL DE CABIMENTO DA EXCEÇÃO. PRESSUPOSTOS DO ART. 145 DO CPC/15. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA. AUSÊNCIA. MERO INCONFORMISMO COM O RESULTADO DO JULGAMENTO.

1. A excipiente não apontou, de modo objetivo e articulado, em sua inicial, qual das situações elencadas no art. 145 do CPC/15 evidenciaria a suspeição alegada.

2. A ausência de demonstração inequívoca da irregularidade no exercício das funções jurisdicionais enseja a rejeição da exceção de suspeição. Precedentes.

3. A via processual eleita não pode ser utilizada para manifestação de mero inconformismo com o resultado do julgamento.

AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

(AgInt na ExSusp n. 218/DF, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 30/3/2021, DJe de 7/4/2021.)

Ressalte-se, por fim, que o eventual término da obra do apelado não representa qualquer óbice à sua posterior demolição, uma vez que não é possível se falar em direito adquirido à degradação ambiental diante do decurso do tempo. Neste sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 613:

Súmula 613/STJ: Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.

Rejeito, portanto, a alegação de suspeição do Magistrado a quo.

 

Da legislação aplicável

O Auto de Infração nº 263.771-D, de 18/05/2005, foi lavrado pelo IBAMA em razão do apelado “utilizar área de preservação permanente sem autorização do órgão competente, ocupando-a com 355,0 m² de edificações” (ID Num. 90553472 - Pág. 72).

A legislação aplicável ao caso deve ser a da época dos fatos - tempus regit actum - eis que o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), em alguns aspectos, diminuiu a proteção ambiental e, por conseguinte, não pode retroagir para atingir fatos ocorridos sob a égide de lei anterior mais protetiva ao meio ambiente, não afetando direito ambiental adquirido.

Nesse sentido é o entendimento firmado pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE EDIFICAÇÕES. ZONA DE VIDA SILVESTRE. AÇÃO CONSUMADA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965. APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA LEI MAIS RESTRITIVA.

I - Na origem, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Púbico do Estado de São Paulo objetivando a demolição de edificações em APP e a reparação dos danos ambientais com a restauração da vegetação, além de indenização por danos patrimoniais ambientais. Na sentença, julgaram-se procedentes os pedidos. No Tribunal a quo, a sentença foi parcialmente reformada apenas para conceder o prazo de 12 meses para os réus iniciarem a demolição respectiva, salvo se obtiverem licença ambiental. Nesta Corte, conheceu-se do agravo para dar provimento ao recurso especial a fim de restabelecer a sentença.

II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, em se tratando de matéria ambiental, deve-se analisar a questão sob o ângulo mais restritivo, em respeito ao meio ambiente, por ser de interesse público e de toda a coletividade, e observando, in casu, o princípio tempus regit actum.

(...)

(AgInt no AREsp 1145207/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 09/08/2021, DJe 13/08/2021)

 

AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÔMPUTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO CÁLCULO DA RESERVA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO CÓDIGO FLORESTAL. VEDAÇÃO AO RETROCESSO (PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM). PRECEDENTES DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMA DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(...)

5. Entretanto, ambas as Turmas da Primeira Seção deste Tribunal Superior firmaram entendimento segundo o qual a regra geral será a incidência da legislação florestal, de direito material, vigente à época dos fatos, na qual se determina a aplicação da Lei 4.771/1965 para as degradações ambientais ocorridas em sua vigência (PET no REsp. 1.240.122/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012 e REsp. 1.646.193/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. GURGEL DE FARIA, DJe 4.6.2020).

6. Agravo Interno dos Particulares a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1668484/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 03/09/2020)

Ao lavrar o auto de infração, o fiscal do IBAMA entendeu que a obra do apelado estaria edificada nas proximidades de nascentes ou "olhos d'água" no interior da cava de mineração da antiga Pedreira Baguaçu, violando o disposto no art. 2º, “c”, do antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965):

Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

(...)

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;

Apesar da impossibilidade do novo Código Florestal retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, é certo que, a meu ver, a extensão da área de preservação permanente para as nascentes ou olhos d'água permaneceu a mesma, conforme se verifica da redação do art. 4º, IV, “e”, da Lei nº 12.651/12:

Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(...)

IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;

Isto porque, embora o inciso IV, do art. 4º, do novo Código Florestal, apenas mencione a proteção para as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água que sejam perenes - quando o antigo Diploma não fazia esta restrição -, o E. Supremo Tribunal Federal, nos autos das ADC 42/DF, ADI 4901/DF, ADI 4902/DF, ADI 4903/DF e ADI 4937/DF, deu interpretação conforme a Constituição para reconhecer que os entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes também configuram área de preservação permanente:

(b) Art. 3º, XVII, e art. 4º, IV (Exclusão das nascentes e dos olhos dágua intermitentes das áreas de preservação permanente): Interpretações diversas surgem da análise sistemática dos incisos I e IV do artigo 4º da Lei n. 12.651/2017. Embora o artigo 4º, inciso IV, apenas tenha protegido o entorno de nascentes e olhos dágua perenes , o art. 4º, inciso I, protege, como áreas de preservação permanente, as faixas marginais de qualquer curso dágua natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros (grifo nosso). In casu, a polissemia abrange duas interpretações: a primeira inclui as nascentes e os olhos dágua intermitentes como APPs; a segunda os exclui. Assim, cabe ao STF selecionar a interpretação que melhor maximize a eficácia das normas constitucionais. Considerando que o art. 225, §1º, da Constituição Federal, determina que incumbe ao Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, a interpretação mais protetiva deve ser selecionada. O Projeto de Lei n. 350/2015 (Autoria do Dep. Fed. Sarney Filho), em trâmite perante a Câmara Federal, prevê alteração nesse sentido no novo Código Florestal. A proteção das nascentes e olhos dágua é essencial para a existência dos cursos dágua que deles se originam, especialmente quanto aos rios intermitentes, muito presentes em áreas de seca e de estiagem; Conclusão: interpretação conforme ao artigo 4º, inciso IV, da Lei n. 12.651/2017, com vistas a reconhecer que os entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes configuram área de preservação permanente (APP);

Assim, diante do posicionamento do E. Supremo Tribunal Federal de que também devem ser consideradas áreas de preservação permanente o entorno das nascentes e dos olhos d’água intermitentes, concluo que, em termos práticos, não houve modificação do âmbito da proteção ambiental então prevista pelo Antigo Código Florestal.

 

Do imóvel discutido

Analisando alguns documentos constantes dos autos, precipuamente do Processo Administrativo nº 02027.001252/2005-0, infere-se que, ao anular o Auto de Infração nº 263.771-D, o IBAMA afirmou que, nas vistorias realizadas no interior da cava, os afloramentos encontrados seriam intermitentes e, diante da superveniência da Lei nº 12.651/12, não seriam mais considerados APP. É o que se infere da Informação nº 20/13 (ID Num. 90553636 - Págs. 34-35, grifei):

Em razão da publicação da Lei n° 12.651 (Novo Código Florestal), de 25/05/12, que introduziu alteração quanto a condição de área especialmente protegida pela legislação ambiental à área embargada pelo TE n° 267808/C (fl. 2), objeto do Auto de Infração n° 263771/D (fl. 1) que originou este processo, prestamos os seguintes esclarecimentos para a continuidade de seu trâmite:

(...)

5. Nota-se que a grande alteração introduzida pela nova norma foi considerar a característica de perenidade das nascentes e olhos d'água para que suas áreas adjacentes sejam consideradas como área de preservação permanente, limitadas pela metragem especificada, o que não ocorria anteriormente, visto que as normativas vigentes à época da autuação admitiam a intermitência no fluxo das águas que afloravam nas nascentes ou olhos d'água.

6. Durante as quatro ocasiões em que vistoriamos o interior da cava da antiga Pedreira Baguaçu, diligências estas ocorridas em 27/09/2004, 24/05 e 16/11/2005 e 27/04/2006, não restaram dúvidas que os 10 (dez) pontos onde foram identificados os aforamentos de água eram todos intermitentes. Esta característica também pode ser confirmada no Parecer Técnico n° 024/2006/IBAMNDIPRO/CGFIS, elaborado por técnicos da CGFIS/IBAMA-Sede que vistoriaram o local, incluso nos autos (vide fl. 56, item 3).

7. Desta forma, considerando a legislação superveniente (Lei n° 12.651/12) que trouxe uma nova definição para as áreas de preservação permanentes situadas ao redor de nascentes ou olhos d'água, conclui-se que o imóvel objeto deste processo não mais apresenta a irregularidade ambiental registrada pelo Auto de Infração n° 263771/D, de 18/05/2005, visto que os aforamentos de água localizados no interior da cava de mineração da antiga Pedreira Baguaçu deixaram de ser assim caracterizados, visto não apresentarem a condição de perenidade requerida pela nova norma.

8. Com isso, em nosso entendimento, deverá ser cancelado o embargo imposto ao imóvel através do TE n° 267808/C.

Na sentença, o Magistrado Singular reconheceu a incidência do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), e ao julgar procedentes os pedidos, assim fundamentou (ID Num. 97451842 - Págs. 32- 37, grifei):

Verifico que o Laudo Técnico juntado às fis. 782/814 (original às fls. 884/918), da lavra do perito judicial FLÁVIO HENRIQUE DE SOUZA (CREA n. 5081574705-D/SP), é prova inconteste de que o local da construção (imóvel residencial localizado na Rua Antônio Lino, n. 129, Bairro Jardim Sumaré, no perímetro urbano de Araçatuba/SP) não se caracteriza como área de preservação permanente, pois o lençol freático não aflora na superfície, inexistindo nascente (item “considerações finais” - fl. 902). O que há é uma camada impermeável de basalto na área da antiga pedreira, para a qual as águas pluviais da zona urbana (áreas mais altas) escorrem durante a ocorrência de chuva.

O expert ressaltou que não foram identificados pontos de surgência de água na cava da Pedreira Baguaçu ou no seu entorno (resposta aos quesitos 1 .c,1 .g, 2, 3, 4 e 8 do MPF - fl. 906), tampouco aforamento de água subterrânea na área (resposta aos quesitos 30 e 31 do MPF - fl. 910). Bem por isso, ou seja, como não foi constatada a presença de nascente ou de olho dágua no local, não foi possível proceder ao enquadramento da área como sendo de preservação permanente (resposta ao quesito 38 do MPF - fl. 911).

Concluiu, por fim, que a obra periciada não afeta e nem invade encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive (resposta ao quesito 39 do MPF - fl. 911).

No mesmo sentido foram as conclusões do perito judicial Mário Çorbucci Neto (CREA/SP 5063541442), nomeado nos autos da Ação Civil Pública conexa cujo Laudo Técnico, trasladado para estes autos com natureza de prova documental, está encadernado às fls. 1002/1055. Também nele as conclusões foram no sentido de que na cava da antiga mineradora não aflora naturalmente água subterrânea, tampouco há surgência (ou vazão) de água de forma perene.

Com efeito, o expert destacou que a lagoa formada no local é decorrência de antiga atividade minerária e do acúmulo intermitente de águas pluviais. Frisou não existir qualquer escoamento de fluxo continuo em direção ao Córrego Ribeirão Baguaçu, exceto em períodos com altos índices de pluviosidade (resposta ao quesito 2 do MPF - fl. 1006).

Sublinhou que na antiga Pedreira Baguaçu o lençol freático não aflora de forma natural devido ao processo de exploração ocorrido na área, o qual modificou a camada de solo existente que desempenharia a função vital de recarga do lençol freático (resposta ao quesito 25 do MPF - fl. 1022).

Percebe-se que o r. Magistrado Singular se utilizou de dois argumentos principais para julgar procedente a pretensão inaugural: a) o recurso hídrico existente no local seria oriundo de nascente artificial; b) nas vistorias realizadas no interior da cava, os afloramentos encontrados seriam intermitentes.

O segundo fundamento deve ser reformado, uma vez que, como anteriormente ressaltado, a legislação aplicável ao caso deve ser a da época em que foi lavrado o Auto de Infração nº 263.771-D, quando vigorava o Antigo Código Florestal.

E, ainda que se aplicasse o Novo Diploma Ambiental, o E. Supremo Tribunal Federal, nos autos das ADC 42/DF, ADI 4901/DF, ADI 4902/DF, ADI 4903/DF e ADI 4937/DF, reconheceu que os entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes também configuram área de preservação permanente.

Quanto ao primeiro fundamento, contudo, assiste-lhe razão.

A Resolução CONAMA nº 303/02 define nascente ou olho d'água nos seguintes termos:

Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:

(...)

II - nascente ou olho d'água: local onde aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea;

Portanto, em termos infralegais, a nascente ou olho d'água somente podem ser assim qualificados quando houver afloramento natural da água subterrânea.

Já o conceito de nascente artificial está previsto na Resolução CONAMA nº 302/02:

Art. 2º Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:

I - Reservatório artificial: acumulação não natural de água destinada a quaisquer de seus múltiplos usos;

No laudo pericial produzido na ACP 0005293-65.2005.4.03.6107, ao responder os quesitos do MPF, o Sr. Expert conceitua nascentes naturais nos seguintes termos (ID Num. 90553561 - Pág. 13, grifei):

Segundo o Caderno de Matas Ciliar da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, as nascentes naturais ou nascentes se enquadram no conceito do aforamento do lençol freático em que se origina uma fonte de água de acúmulo (represa), ou cursos d'água (regatos, ribeirões e rios). Em virtude da sua importância dentro da propriedade, deve ser tratada com um cuidado especial. A nascente ideal é aquela que fornece água de boa qualidade, abundante e contínua., localizada próxima do local de uso e de cota topográfica alta oferecendo distribuição de água por gravidade sem alto custo de energia.

(...)

Para o Código Florestal (Lei 4.771/1965), as nascentes são definidas como "local onde aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea"; já a Lei 12.651/2012 que altera o Código Florestal pressupõe que, a nascente segue como "aforamento do lençol freático que apresenta perenidade e dá início ao curso d'água".

Já a nascente artificial, segundo o Sr. Expert, seria “toda acumulação de água não natural destinada a qualquer um dos seus usos múltiplos”, conforme previsto no art. 2º da Resolução CONAMA nº 302/02.

O Sr. Perito esclarece que a legislação ambiental diferencia, para efeito de proteção, as nascentes naturais das nascentes artificiais (ID Num. 90553561 - Pág. 14):

21- A legislação ambiental diferencia, para efeito de proteção, nascentes naturais ou artificiais? Justifique.

R: Sim, a legislação ambiental diferencia quanto à efeito de proteção e conceito, para nascentes artificiais ou naturais. A Resolução CONAMA 302/2002 trata de forma mais detalhada em relação à reservatórios ou nascentes artificiais, definindo as margens de proteção que devem ser seguidas de acordo com cada situação e região. Já para as nascentes naturais, segue o Código Florestal (Lei 4.771/1965) em que foi recentemente modificado alguns conceitos relativos à efeito de proteção, conceituação com a Lei 12.651/2012.

Prosseguindo na análise das nascentes natural e artificial, o Sr. Perito ali esclarece que (ID Num. 90553561 - Pág. 16):

23- Há diferença entre "nascentes artificiais" e nascentes (onde água aflora à superfície naturalmente) surgidas de processos não naturais ou antrópicos? Qual?

R: No conceito técnico não há a expressão "nascentes artificiais", e sim uma aceleração do processo de aforamento do lençol freático em decorrência da ação humana em áreas susceptíveis a este processo devido ao relevo do terreno e à determinados condicionantes ambientais favoráveis (como a declividade do terreno). Outro tipo de formação pode ocorrer quando a superfície do lençol freático ou de um aquífero intercepta a superfície do terreno originando um escoamento do tipo espraiado.

Assim, há a caracterização do surgimento difuso com um alto número de nascentes ao redor criando as determinadas veredas. Em uma classificação técnica, pode-se dizer que as nascentes estão relacionadas ao fluxo: perenes (fluxo contínuo), temporárias (somente em período chuvoso) e efêmeras (surgem nas chuvas e duram poucos dias ou horas), ressaltando que, esta interpretação deve se ajustar de acordo com a interpretação às legislações ambientais vigentes.

 

24- Qual a diferença entre nascentes surgidas por forças de processos ou atividades não naturais, ou antrópicos, em curso, daquelas surgidas por forças de processos ou atividades não naturais encerrados ou abandonados há tempos?

R: A diferença entre nascentes surgidas por processos naturais ou por processos antrópicos está no fato de que, por processos antrópicos há um aceleramento e descontrole do processo de recarga do aquífero através de águas subterrâneas trazendo graves consequências ao meio ambiente, dentre eles o desequilíbrio da fauna e flora.

Conforme demonstrado na figura, o processo natural surge com o processo de absorção e infiltração águas pluviais pelo solo levando até as rochas profundas e, de acordo, com a declividade natural do terreno e o perfil do rio há uma alimentação que é feita constantemente para as águas superficiais a partir do aforamento natural do lençol subterrâneo. O volume de água da nascente deve ser suficientemente à população ao longo do ano. A bacia deve absorver a maioria da água pelo solo, armazená-la em seu lençol freático e cedê-la, continuamente mantendo a vazão durante os períodos da seca.

Naquela perícia, o Sr. Expert concluiu que as águas encontradas no local seriam oriundas de nascentes artificiais (ID Num. 90553561 - Pág. 17, grifei):

Na antiga Pedreira Baguaçú, o aforamento do lençol freático não aflora de forma naturalmente à superfície devido ao processo de exploração ocorrido na área em que modificou a camada de solo existente na qual desempenharia a função vitais para a recarga do lençol freático.

Em outra resposta, o Sr. Perito reforça que as águas encontradas seriam de nascentes artificiais (ID Num. 90553561 - Pág. 19, grifei):

28- É contraditório afirmar que, em um local ou solo gerado ou modificado pela ação humana (escavação, e.g.), a água subterrânea aflora naturalmente à superfície?

R: É contraditório, em razão dos processos naturais que o envolvem e da manutenção natural que ocorre a partir de um processo natural.

O Parquet defende que a Lei nº 4.771/65 não fez distinção entre nascentes artificiais ou naturais, de modo que deve ser estendida sua proteção a ambas espécies.

A meu ver, ao contrário do que sustenta o MPF, o antigo Código Florestal é claro ao dispor no caput, do art. 2º, que a proteção nele consignado alcança apenas as formas de vegetação natural:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

Esta tentativa de buscar proteger, de forma idêntica, tanto as formas naturais como as artificiais, é criticada por Paulo de Bessa Antunes, ao ensinar que:

O Novo Código Florestal não fez modificações profundas na proteção das chamadas matas ciliares, que são aquelas que ficam às margens dos cursos d’agua naturais. Aliás, a modificação mais relevante e necessária foi aquela que determinou a proteção das aguas naturais, o que certamente era a mens legis do Código revogado, mas que, no entanto, foi ultrapassada por inúmeras ações e medidas judiciais, inclusive de natureza criminal, as quais buscavam dar interpretação ao texto legal então vigente, de forma que a proteção fosse estendida para margens de cursos artificiais, tais como canais de irrigacao, canais de drenagem e outros assemelhados, em verdadeiro absurdo que a nova lei, espera­se, veio a impedir prossiga sendo praticado.

(in Comentários ao Novo Código Florestal: Atualizado de Acordo com a Lei nº 12.727/12 - Código Florestal, 2ª edição, Grupo GEN, 2014, E-book, pg. 122).

Cumpre frisar que, quando o Antigo Código Florestal almejou defender formas de vegetação de origens artificiais, adotou redação expressa, tal como se verifica na alínea "b", do art. 2º:

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;

Como não existe esta especificação no que tange às nascentes ou aos olhos d’água, tendo a lei considerado como APP as “nascentes, mesmo nos chamados ‘olhos d'água’, seja qual for a sua situação topográfica”, concluo pelo acerto da r. sentença neste ponto.

Corrobora o entendimento acima firmado o laudo pericial produzido nestes autos, ocasião em que o Sr. Expert, em suas conclusões, afirma que não existe área de nascente no local (ID Num. 90553551 - Pág. 101):

A área de objeto estudo não se caracteriza por área de nascente pois o lençol freático não aflora na superfície o que existe é uma camada impermeável de basalto na área da antiga pedreira Baguaçu (hoje parque) que possui uma camada de basalto impermeável, quando chove as águas pluviais da zona urbana (áreas mais altas) acabam escorrendo para dentro do parque isto faz com que crie-se empoçamento na área do parque pois a base é impermeável, o basalto fraturado (paredão) encontra-se seco e sua área de recarga seria a superfície que está impermeabilizada (Jardim Sumaré).

Em suma, a conclusão firmada na r. sentença de que a obra do apelado não está situada em área de preservação permanente deve ser mantida, contudo com fulcro no art. 2º, “e”, da Lei nº 4.771/65, e não na Lei nº 12.651/12.

 

Da violação do princípio da demanda

Em seu apelo, o MPF sustenta a violação do princípio da demanda, uma vez que a r. sentença concedeu, de ofício, medida liminar para que o apelado continue e finalize as obras. Em suas palavras (ID Num. 90553637 - Pág. 53):

Doutro lado, a justificativa apresentada para conceder a tutela antecipada (preservar a saúde pública - fis. 1197/1198) – que anteriormente ele mesmo indeferira (fls. 998/999) -é claramente inconsistente: é que a remoção do lixo, entulho, carcaças de animais mortos e restos de poda de árvores, ditos existentes na cava, permitiria a recuperação do solo e da água, como afirma a sentença; logo, bastava autorizar a remoção (que nunca foi impedida), e não a finalização da construção embargada! Mesmo porque a construção não se situa na cava. Aliás, decerto que o autor não vai remover nada, pois - além de ser atribuição do Poder Público -a área da cava não é sua (v. resposta ao quesito 5 de fis. 1036/1 037).

Na sentença, o trecho ora impugnado foi assim redigido (ID Num. 90553637 - Págs. 12-14, grifei):

A par da inexistência do dano ambiental, a prova documental trasladada demonstra que o local da edificação carece de imediata intervenção, pois, se mantido como está, a situação da área tende a causar prejuízos ainda maiores à saúde pública. Conforme resposta apresentada ao quesito suplementar n. 14 (fl. 1040), existe risco à saúde pública e ao meio ambiente, notadamente nas imediações do local, tendo em vista a disposição inadequada de entulhos, animais mortos e restos de podas de árvore na cava de mineração.

O perito assinalou que precauções necessárias ao afastamento de possíveis danos à saúde humana, ao meio ambiente e à propriedade não estão sendo tomadas. Sinalizou que o risco adviria da área potencialmente contaminada (cava de mineração), e que a omissão contraria a lógica do desenvolvimento econômico e sustentado do Município em detrimento das presentes e futuras gerações (resposta ao quesito suplementar n. 15- fl. 1040). No mais, afirmou que a remoção do lixo doméstico, entulhos, carcaças de animais e restos de podas de árvores eventualmente existentes na cava de mineração permitiria a recuperação do solo e da água (resposta ao quesito suplementar n. 4 - fl. 1042).

(...)

De qualquer sorte, em razão de evidente dano social para a saúde pública e ao meio ambiente diagnosticado pelo laudo pericial (resposta apresentada ao quesito suplementar n. 14 - fl. 1040), pela presença de entulhos, animais mortos e restos de podas na cava de mineração, entendo estarem presentes os requisitos autorizadores da antecipação dos efeitos da tutela (CPC, art. 273 - [i] prova inequívoca do direito alegado; [ii] verossimilhança da alegação; e [iii] fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação) para admitir que o autor, caso tenha ainda interesse, continue, limpe e finalize a construção embargada.

Acerca da relação entre o princípio da demanda e os limites da decisão judicial, ensina Elpídio Donizetti que:

(...) o juiz deve se ater aos limites da demanda traçados pelas partes, na petição inicial e na resposta, sem falar da manifestação de alguns intervenientes. Tal princípio recebe diversos nomes, mas a essência é a mesma: princípio da inércia, princípio da demanda, princípio da congruência e princípio da correlação ou da adstrição. São muitas palavras para designar a mesma coisa: o juiz, a não ser nos casos previstos em lei (como ocorre com as matérias de ordem pública), não pode fugir às questões (nem para ir além, nem para ficar aquém) deduzidas pelos litigantes, sob pena de viciar a sua decisão.

(in Curso de direito processual civil, 25ª edição, Barueri/SP. Atlas, 2022, pg. 311)

A análise da questão deve ser desmembrada em dois aspectos: o primeiro, consistente na concessão da liminar para retirar o lixo, entulhos e outras formas poluidoras encontradas do local vistoriado; e o segundo, consistente na concessão da liminar para prosseguir e concluir as obras.

Sob o primeiro ponto, tendo sido constatado pelo Sr. Perito que no local existem lixos domésticos, entulhos, carcaças de animais, restos de podas de árvores, entre outros itens poluidores, a concessão da medida liminar de ofício para que o apelado limpe a região não apenas está em consonância com os princípios do desenvolvimento sustentável e da função socioambiental da propriedade, como também no poder geral de cautela, então positivado no art. 798 do CPC/73 (atual art. 297 do CPC/2015).

Sobre os limites do poder geral de cautela e o princípio da demanda (ou da adstrição), assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA PETIÇÃO. MEDIDA CAUTELAR. DEFERIMENTO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. LIMITES DO PEDIDO. OBSERVÂNCIA. DESNECESSIDADE. CARÁTER PROVISÓRIO. EFICÁCIA DA TUTELA JURISDICIONAL. PREVALÊNCIA. EXORBITÂNCIA. AJUSTE. CABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

 1. O poder geral de cautela, positivado no art. 297 do CPC/2015, autoriza que o juiz defira medidas 'ex officio', no escopo de preservar a utilidade de provimento jurisdicional futuro.

 1.1. Não contraria o princípio da adstrição o deferimento de medida cautelar que diverge ou ultrapassa os limites do pedido formulado pela parte, se entender o magistrado que essa providência milita em favor da eficácia da tutela jurisdicional.

 2. No caso concreto, embora o TJ local tenha afirmado a ausência dos requisitos para o deferimento da tutela de urgência pleiteada - entendida essa como a abstenção total do uso das invenções objeto do litígio - deferiu medida cautelar de natureza alternativa e provisória para evitar o enriquecimento indevido da agravada, que teria deixado de remunerar sua contraparte pelo uso das patentes.

(...)

(AgInt na Pet n. 15.420/RJ, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 13/12/2022)

Já o segundo ponto, referente à concessão da liminar para prosseguir e concluir as obras, cuida-se, em verdade, de decisão desprovida de efetividade jurídica.

Isto porque, com a anulação do Auto de Infração nº 263.771/D, não existe este óbice administrativo que impeça o apelado de, por conta própria, prosseguir na edificação de seu imóvel.

Em outros termos, a permissão para que o recorrido conclua as obras não decorre diretamente da medida liminar concedida ex officio, mas da anulação do Auto de Infração nº 263.771/D.

 

Da manutenção da multa ambiental

Apela o IBAMA aduzindo que a multa objeto do Auto de Infração nº 263771/D deve permanecer inalterada, já que se originou de um processo administrativo que observou todos os tramites legais, sob a égide do antigo Código Florestal, caracterizando ato jurídico perfeito.

O argumento não prospera, uma vez que, como já ressaltado, o recurso hídrico existente no local seria oriundo de nascente artificial, de modo que não incide a disposição prevista no art. 2º, “c”, do antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), argumento utilizado para lavrar o auto de infração.

 

Da condenação em honorários periciais

Insurge-se o IBAMA com relação à sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios no montante de R$ 5.000,00, a seu ver, exorbitante.

Quanto ao arbitramento da verba, impõe-se ao julgador ponderação que lhe permita concluir o quantum que melhor refletirá a atividade do causídico na defesa dos interesses da parte, considerando-se não apenas o tempo despendido com a causa, mas também as particularidades a ela inerentes.

In casu, em que pesem as peculiaridades do caso em concreto, e sempre respeitando o grau de zelo do profissional, lugar de prestação do serviço, o trabalho realizado, a natureza e a importância da causa, verifica-se que a solução da lide envolveu complexidade, inclusive com a produção de prova pericial.

Assim, entendo que o valor fixado na r. sentença se mostrou razoável e adequado, aplicando-se a regra prevista no § 4º, do art. 20, do CPC/1973, vigente à época da decisão.

 

Do pedido de tutela antecipada incidental

Em petição ID Num. 206126439, o apelado narra que o IBAMA vem mantendo as restrições relativas ao Auto de Infração nº 263.771/D, inclusive com notificação para do prazo de 60 dias, seja apresentado um Plano de Recuperação de Área Degradada ao Ibama, causando dano grave e de difícil reparação ao recorrido, e ainda, desrespeitando a decisão de antecipação dos efeitos da tutela, proferida em sentença.

De fato, segundo o Ofício Nº 10100811/2021/UT, ao fazer expressa referência ao Auto de Infração nº 263.771/D, o órgão ambiental o notifica “para que, no prazo de 60 dias, seja apresentado um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) ao lbama, que deve ser elaborado de acordo com todas diretrizes e determinações contidas na instrução Normativa lbama nº 4, de 13 de abril de 2011 (cópia anexa)” (ID Num. 206126445).

Tendo em vista que o referido auto de infração foi declarado nulo no dispositivo da r. sentença (ID Num. 90553637 - Pág. 14), conclusão esta mantida na presente decisão, deve ser concedido o pedido de tutela provisória recursal para afastar a obrigação de fazer descrita no referido Ofício.

Com relação ao pedido para que seja fixada multa diária ao IBAMA para o caso de descumprimento da tutela deferida em sentença, penso que não se mostra cabível, ao menos por enquanto.

Ao regulamentar o procedimento da obrigação de fazer ou de não fazer (“tutela específica”), o Diploma Processual Civil em vigor prevê diversas medidas de natureza executiva, estando, dentre elas, a multa cominatória (“astreinte”) no art. 537:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

Na tutela específica, o propósito do legislador é compelir a parte devedora a praticar a obrigação almejada, entregando ao credor o mesmo resultado que ele obteria caso o cumprimento tivesse sido espontâneo.

Neste sentido, a multa cominatória ostenta especial importância, tanto que o Código de Processual Civil autoriza o magistrado a fixá-la de ofício em qualquer fase do processo de conhecimento ou de execução.

Impende considerar, por outro lado, que a previsão da multa coercitiva possui os condicionantes de ser “suficiente e compatível com a obrigação”.

Ou seja, caso a obrigação almejada pelo credor seja efetivamente cumprida pelo devedor, nos termos em que foi proposta, a multa cominatória perde a sua principal razão de existir.

No caso em tela, não vislumbro a existência de elementos que justifique a aplicação da multa cominatória, uma vez que, de acordo com a apelação do órgão ambiental, embora o auto de infração tenha sido anulado, permaneceria incólume a multa aplicada.

Daí porque pondero ser necessário apenas oficiar o IBAMA acerca da concessão da presente tutela antecipada recursal para cessar a exigência da apresentação do Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD).

E somente no caso de insistência do órgão ambiental, então, que se afigura demonstrado em concreto a resistência ao cumprimento da determinação judicial.

 

Do dispositivo

Ante o exposto, rejeito liminarmente a alegação de suspeição, nego provimento às apelações, dou parcial provimento ao reexame necessário, apenas para que a análise da área de preservação permanente esteja fundamentada no art. 2º, "c", da Lei nº 4.771/65, e concedo a antecipação da tutela recursal para afastar a obrigação de fazer prevista no Ofício Nº 10100811/2021/UT.

À Subsecretaria da Quarta Turma, determino a expedição de ofício ao IBAMA contendo cópia da presente decisão.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0003023-58.2011.4.03.6107

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

 

APELADO: WLADIMIR RAMOS RASTEIRO

Advogado do(a) APELADO: DANIELLE FERNANDES LIMIRO HANUM - GO23150

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O - V I S T A

 

 

 

 

 

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA:

 

 

Pedi vista para analisar melhor a questão vertida, por ter divergido em outros feitos que tratavam da tutela ambiental em área de preservação permanente, apresentados pelo e. Relator.

Cuida-se de ação proposta com o objetivo de ver declarada a nulidade do Auto de Infração nº 263771-D e do Termo de Embargo/Interdição nº 0267808-C.

Na hipótese dos autos, o e. Relator rejeitou a pretensão recursal do MPF e do IBAMA, que busca reformar a r. sentença para manter o auto de infração e termo de embargo/interdição, haja vista que o imóvel do apelado teria sido edificado nas proximidades de nascentes ou "olhos d'água", no interior da cava de mineração da antiga Pedreira Baguaçu, violando o disposto no art. 2º, “c”, do antigo Código Florestal.

In casu, não há dúvida de que o lençol freático, atingido durante atividade de mineração, ensejou o brotamento de suas águas, comprometendo, inclusive, a continuidade das atividades no local. Portanto, a edificação, na proximidade de nascente artificial, não pode ser considerada como intervenção em APP, seja pela Antiga legislação, seja pelo Novo Código Florestal, cuja aplicação restou assegurada pelo C. STF no julgamento das ADI's 4.937, 4.902 e 4.903 e ADC 42. Vejamos:

 

 

“ Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

(...)

XVII - nascente: afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água;

XVIII - olho d’água: afloramento natural do lençol freático, mesmo que intermitente;

 Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(...)

III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;

IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; 

(...)

§ 1º Não será exigida Área de Preservação Permanente no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais. 

§ 4º Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa, salvo autorização do órgão ambiental competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama.” (destaquei)

 

 

Ora, para ser considerada APP, o afloramento do lençol freático deve ser natural(!), ou seja, não pode derivar de intervenção humana, como descreve a legislação ambiental protetiva, o que não é o caso dos autos, sendo irrelevante eventual continuidade do fluxo à superfície como propõe o MPF.

Seja na lei revogada, analisada pelo e. Relator, seja no Novo Código Florestal, sem razão o IBAMA e o MPF.

Ante o exposto, pelos fundamentos alinhavados, acompanho o e. Relator quanto à remessa oficial, ressalvado entendimento quanto à aplicação da legislação anterior, bem como em relação ao desprovimento das apelações. 

É como voto.

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSPEIÇÃO DO MAGISTRADO SINGULAR. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. REJEIÇÃO LIMINAR. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. IRRETROATIVIDADE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965. TEMPUS REGIT ACTUM. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OLHOS D'ÁGUA. FORMAÇÃO ARTIFICIAL. INEXISTÊNCIA DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

1. Há tempo, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça assentou que “simples decisões contrárias às pretensões deduzidas pelo excipiente não são suficientes para comprovar suspeição, porquanto ausentes nos autos quaisquer elementos que demonstrem eventual parcialidade do excepto" (AgInt na ExSusp 108/PA, Corte Especial, DJ 28.5.2012).

2. Da simples leitura das alegações ministerial, percebe-se que a sua irresignação versa tão somente sobre aspectos decisórios contidos na r. sentença, precipuamente ao deferimento da medida liminar ex officio, conduta esta que será posteriormente analisada neste voto. No entanto, ainda que a medida liminar ex officio tenha se mostrado processualmente equivocada, tal como defende o Parquet, isto, por si só, não importa em automática suspeição do julgador.

3. Ademais, o MPF não especifica qual seria o interesse do magistrado no julgamento favorável ao apelado, mas apenas faz breves conjecturas acerca dos efeitos práticos da decisão liminar concedida de ofício.

4. O Auto de Infração nº 263.771-D, de 18/05/2005, foi lavrado pelo IBAMA em razão do apelado “utilizar área de preservação permanente sem autorização do órgão competente, ocupando-a com 355,0 m² de edificações”.

5. A legislação aplicável ao caso deve ser a da época dos fatos - tempus regit actum - eis que o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), em alguns aspectos, diminuiu a proteção ambiental e, por conseguinte, não pode retroagir para atingir fatos ocorridos sob a égide de lei anterior mais protetiva ao meio ambiente, não afetando direito ambiental adquirido.

6. Apesar da impossibilidade do novo Código Florestal retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, é certo que, a extensão da área de preservação permanente para as nascentes e os olhos d'água permaneceu a mesma, conforme se verifica da redação do art. 4º, I, “e”, da Lei nº 12.651/12.

7. Embora o inciso IV, do art. 4º, do novo Código Florestal, apenas mencione a proteção para as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água que sejam perenes - quando o antigo Diploma não fazia esta restrição -, o E. Supremo Tribunal Federal, nos autos das ADC 42/DF, ADI 4901/DF, ADI 4902/DF, ADI 4903/DF e ADI 4937/DF, deu interpretação conforme a Constituição para reconhecer que os entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes também configuram área de preservação permanente.

8. Na perícia, o Sr. Expert concluiu que as águas encontradas no local seriam oriundas de nascentes artificiais.

9. O antigo Código Florestal é claro ao dispor no caput, do art. 2º, que a proteção nele consignado alcança apenas as formas de vegetação natural. Cumpre frisar que, quando o Antigo Código Florestal buscou defender formas de vegetação artificiais, adotou redação expressa, tal como se verifica na alínea "b", do art. 2º.

10. A análise da concessão de medida liminar de oficio deve ser desmembrada em dois aspectos: o primeiro, consistente na concessão da liminar para retirar o lixo, entulhos e outras formas poluidoras encontradas do local vistoriado; e o segundo, consistente na concessão da liminar para prosseguir e concluir as obras.

11. Sob o primeiro ponto, tendo sido constatado pelo Sr. Perito que no local existem lixos domésticos, entulhos, carcaças de animais, restos de podas de árvores, entre outros itens poluidores, a concessão da medida liminar de ofício para que o apelado limpe a região não apenas está em consonância com os princípios do desenvolvimento sustentável e da função socioambiental da propriedade, como também no poder geral de cautela, então positivado no art. 798 do CPC/73 (atual art. 297 do CPC/2015).

12. Já o segundo ponto, referente à concessão da liminar para prosseguir e concluir as obras, cuida-se, em verdade, de decisão desprovida de efetividade jurídica. Isto porque, com a anulação do Auto de Infração nº 263.771//D, não existe este óbice administrativo que impeça o apelado de, por conta própria, prosseguir na edificação de seu imóvel.

13. Deve ser afastada a alegação de manutenção da multa ambiental, uma vez que o recurso hídrico existente no local seria oriundo de nascente artificial, de modo que não incide a disposição prevista no art. 2º, “c”, do antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), argumento utilizado para lavrar o auto de infração.

14. Quanto ao arbitramento da verba, impõe-se ao julgador ponderação que lhe permita concluir o quantum que melhor refletirá a atividade do causídico na defesa dos interesses da parte, considerando-se não apenas o tempo despendido com a causa, mas também as particularidades a ela inerentes.

15. Apelações não providas. Alegação de suspeição rejeitada liminarmente. Reexame necessário parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Des. Fed. MARLI FERREIRA e o voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE, foi proferido o seguinte resultado: A Quarta Turma, à unanimidade, decidiu rejeitar liminarmente a alegação de suspeição, negar provimento às apelações, dar parcial provimento ao reexame necessário, apenas para que a análise da área de preservação permanente esteja fundamentada no art. 2º, c, da Lei nº 4.771/65, e conceder a antecipação da tutela recursal para afastar a obrigação de fazer prevista no Ofício Nº 10100811/2021/UT, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MARLI FERREIRA e o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. A Des. Fed. MARLI FERREIRA, pelos fundamentos alinhavados, acompanhou o e. Relator quanto à remessa oficial, ressalvado entendimento quanto à aplicação da legislação anterior, bem como em relação ao desprovimento das apelações. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.