Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003995-42.2013.4.03.6112

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, PEDRO MARQUES, MARIA NEIDE DE ABREU MARQUES

Advogado do(a) APELANTE: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, PEDRO MARQUES, MARIA NEIDE DE ABREU MARQUES

Advogado do(a) APELADO: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003995-42.2013.4.03.6112

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, PEDRO MARQUES, MARIA NEIDE DE ABREU MARQUES

Advogado do(a) APELANTE: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590
Advogado do(a) APELANTE: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, PEDRO MARQUES, MARIA NEIDE DE ABREU MARQUES

Advogado do(a) APELADO: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590
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R E L A T Ó R I O

 

 

 Trata-se de recursos de apelação e remessa oficial, tida por submetida, em Ação Civil Pública, proposta pelo MINISTERIO PUBLICO FEDERAL em face de PEDRO MARQUES e MARIA NEIDE DE ABREU MARQUES, na qual foi acolhida parcialmente a pretensão para a recuperação de dano ambiental em área de preservação permanente, causada por edificação localizada às margens do Rio Paraná, no bairro Beira Rio, no Município de Rosana/SP.

Alega o autor que os corréus são possuidores do imóvel localizado no lote 145, posteriormente renumerado para 147, da Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, no bairro Beira-Rio, Município de Rosana/SP, conforme se depreende do Cadastro de Ocupações da Prefeitura Municipal de Rosana, do Auto de Infração Ambiental n° 195619, do Boletim de Ocorrência Ambiental n° 080094, do Boletim de Ocorrência n° 108/2008, lavrado pela Delegacia de Polícia de Rosana, dos depoimentos prestados nos autos do IPL 8-0166/2008 e do Relatório Socioeconômico Ambiental elaborado pela Prefeitura Municipal de Rosana.

Narra que a área objeto desta ação foi submetida pela Polícia Ambiental em 12 de fevereiro de 2008, sendo constatado que o rancho se encontra totalmente em área de preservação permanente, a menos de 500 metros da margem do Rio Paraná, não havendo autorização para construção no local.

Destaca que, em vistoria realizada pela CBRN - Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais, verificou-se que a área está situada na margem esquerda do rio Paraná, integrante de parcelamento irregular de solo, e nela foi construída uma edificação em alvenaria.

Ao final, formulou os seguintes pedidos (ID Num. 210483412 - Págs. 40-41):

1. Ao cumprimento de obrigação de não fazer, consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas situadas na área de preservação permanente do imóvel localizado no lote 145, posteriormente renumerado para 147, da Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, s/n°, ao lado do "Bar do João", no bairro Beira-Rio, município de Rosana/SP, bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente - CBRN ou IBAMA;

2. Ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente em demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 dias;

3. Ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente em recompor a cobertura florestal das áreas de várzea e preservação permanente do referido lote, no prazo de 06 (seis) meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 02 (dois) anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CBRN - Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 dias;

4. A recolher, em conta judicial, quantia suficiente para a execução das referidas restaurações, a ser apurada em liquidação, caso não o façam nos prazos fixados em sentença;

5. Ao pagamento de indenização a ser definida por arbitramento por Vossa Excelência, correspondente aos danos ambientais causados ao longo dos anos, em razão de se ter impedido a regeneração da vegetação no local da edificação, corrigida monetariamente, a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação de Interesses Difusos Lesados;

6. Ao pagamento de multa diária equivalente a um salário mínimo, multa essa a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total ou parcial de qualquer das obrigações de fazer e não fazer, acima discriminadas;

7. Ao pagamento das custas, honorários periciais e despesas do processo.

8. Seja determinado o desligamento das unidades consumidoras de energia elétrica instaladas no imóvel da parte-ré, mediante expedição de oficio à Elektro - Eletricidade e Serviços, concessionária de energia elétrica responsável pela instalação.

9. Seja determinada a desocupação do imóvel da parte -ré.

Em decisão ID Num. 210483412- Págs. 46-48, foi deferida a liminar nos termos propostos.

Em petição ID Num. 210483412- Pág. 57, a União manifestou interesse em ingressar no feito na qualidade de assistente litisconsorcial do Ministério Público Federal.

Em decisão ID Num. 210483412 - Pág. 116 foi determinada a realização de perícia por entidade pública.

O Centro Técnico Regional de Fiscalização V, da Secretaria do Meio Ambiente, apresentou o Relatório Técnico de Vistoria nº 005/2015 tendo por objeto o imóvel discutido nos autos (ID Num. 210483412- Págs. 145-164).

Em decisão ID Num. 210483412 - Pág. 187, foi deferida a realização de nova perícia “a fim de evitar qualquer alegação de nulidade e o pedido da parte ré”.

O novo laudo pericial foi juntado no ID Num. 210483412 - Pág. 211-247.

Na sentença, o r. Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos (ID Num. 210483412- Págs. 287-289):

Ante o exposto, ratifico a liminar deferida folhas 42/44 e julgo parcialmente procedente a presente ação civil pública, condenando a parte requerida:

1. Ao cumprimento de obrigação de não-fazer consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente do lote nº 145, posteriormente renumerado para 147, imóvel localizado na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira (Estrada da Balsa), s/nº, ao lado do "Bar do João" bairro Beira Rio, às margens do Rio Paraná, no Município de Rosana/SP, nas coordenadas UTM E=293749 e N=7506923, ou 22 2 31'53"S e 53 2 00'20"W, bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente - CBRN ou IBAMA;

2. Ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente em demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 (trinta) dias;

3. Ao cumprimento da obrigação de fazer consistente em recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 06 (seis) meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 02 (dois) anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CBRN - Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 (trinta) dias;

4. Ao pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), limitado ao prazo de 30 (trinta) dias, multa essa a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total ou parcial da ordem judicial.

Indevida condenação em verba honorária. Isto porque, se na Ação Civil Pública o Ministério Público não paga honorários advocatícios, quando vencido, salvo se agir de má-fé, razoável que dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o "Parquet" beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública. (Precedentes do C. STJ).

Indefiro a expedição de oficio à empresa ELEKTRO, ante o deferimento do pedido de demolição da construção.”

Apela o Ministério Público Federal para requerer a condenação da parte ré à reparação dos danos ambientais gerados durante todo o período de intervenção antrópica no imóvel, no montante de R$ 50.000,00.

Apela a União para requerer a condenação dos corréus à reparação dos danos ambientais.

Os corréus também interpõem recurso de apelação, aduzindo, em síntese: a) há prescrição quanto ao pedido de demolição e desocupação do imóvel residencial, nos termos do art. 1º da Lei n° 9.873/1999, uma vez que residem há mais de 40 anos no imóvel; b) o Município de Rosana deve integrar o polo passivo, sendo certo que editou a Lei Complementar Municipal n°45/2015 (Plano Diretor do Município de Rosana); c) a construção do imóvel “está a mais de 100(cem) metros da margem do Rio Paraná” (ID Num. 210483560 - Pág. 26); d) o Novo Código Florestal permite a regularização fundiária dos locais de interesse social e específico; e) a residência dos apelantes está na mesma localidade que é objeto das Ações Civis Públicas n° 0002885-08.2013.4.03.6112, n° 0003994-57.2013.4.03.6112 e n° 0004210-18.2013.4.03.6112, grau de Recurso de Apelação perante este Egrégio Tribunal Regional Federal, com decisões diferentes da questionada nesta ação; f) deve-se deferir a unificação de todas as Ações Civis Públicas do Ministério Público Federal que envolva construções e imóveis localizados as margens do Rio Paraná do Município de Rosana. Requerem, por fim, que em eventual condenação para demolição, seja condenada a União Federal em indenizar os apelantes ou fornecer uma nova moradia.

Processado o feito, subiram os autos a esta E. Corte.

Em parecer, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República, manifestou-se pelo provimento dos recursos da União e do MPF e pelo desprovimento do recurso dos corréus (ID Num. 210483560 - Pág. 133-159).

Em sessão de julgamento do dia 1º/08/2018, esta C. Turma, por unanimidade, negou provimento à remessa oficial e aos recursos de apelação do Ministério Público Federal e da União, e deu parcial provimento ao recurso de apelação de Pedro Marques e Maria Neide de Abreu Marques (ID Num. 210483560 - Págs. 175-188).

Interposto o recurso especial pelo Ministério Público Federal, os autos foram enviados ao E. Superior Tribunal de Justiça. Em decisão ID Num. 210483560 - Págs. 230-235, o Exmo. Ministro Relator Og Fernandes proferiu a seguinte determinação:

Ante o exposto, com fulcro no art. 932, III e V, do CPC, c/c o art. 255, § 4º, I e III, do RISTJ, conheço em parte do recurso especial e, nessa extensão, dou-lhe provimento a fim de, afastando a preponderância do direito à moradia ante os danos ambientais, determinar o seguimento do julgamento na origem para a avaliação dos danos ambientais.

É o relatório.

 

 

 


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4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003995-42.2013.4.03.6112

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, PEDRO MARQUES, MARIA NEIDE DE ABREU MARQUES

Advogado do(a) APELANTE: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590
Advogado do(a) APELANTE: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, PEDRO MARQUES, MARIA NEIDE DE ABREU MARQUES

Advogado do(a) APELADO: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590
Advogado do(a) APELADO: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590

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V O T O

 

 

 

De início, impende frisar que está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), in verbis:

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.

Com efeito, assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR CARÊNCIA DE AÇÃO (FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL). REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO INTERNO DA FEDERAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2).

2. Conforme o entendimento desta Corte Superior, o art. 19 da Lei 4.717/1965 aplica-se analogicamente, também, às Ações Civis Públicas, para submeter as sentenças de improcedência ao reexame necessário. Julgados: AgInt no REsp. 1.264.666/SC, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 22.9.2016; AgRg no REsp. 1.219.033/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 25.4.2011.

3. Ao contrário do que alegado pela parte agravante, o art. 19 da Lei 4.717/1965 incide, também, para as hipóteses de carência de ação, conforme a expressa dicção do dispositivo legal.

4. No presente caso, tendo a sentença julgado extinto o processo sem resolução de mérito, justamente pela carência de ação (fls. 347/351) - falta de interesse processual, prevista no art. 267, VI do CPC/1973 -, e considerando a jurisprudência deste STJ quanto à aplicação analógica do sobredito art. 19 às Ações Civis Públicas, é mesmo imprescindível o reexame necessário.

5. Ainda que existisse eventual vício na decisão singular, este seria convalidado pelo julgamento do presente Agravo Interno perante o Órgão Colegiado, sendo incabível o reconhecimento de nulidade. Julgados: AgInt no REsp. 1.709.018/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 2.8.2018; AgInt no REsp. 1.533.044/AC, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 2.2.2017.

6. Agravo Interno da Federação a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1547569/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 17/06/2019, DJe 27/06/2019)

No julgamento do recurso especial interposto pelo Parquet, o Exmo. Ministro Relator reconheceu, no caso concreto, a preponderância do meio ambiente em relação ao direito de moradia, assim fundamentando (ID Num. 210483560 - Págs. 230-232):

Descabe submeter-se o direito ambiental ao direito à moradia, ainda que de populações carentes. Entende esta Corte que os desprovidos podem ser atendidos por políticas habitacionais e assistenciais diversas, inclusive de regularização fundiária, mas nunca em detrimento do direito coletivo ao meio ambiente sadio.

(...)

Como bem aponta o primeiro precedente citado, trata-se de um falso dilema: há alternativas para a alocação dos residentes; para o meio ambiente, nem tanto. Além disso, pode-se cogitar até mesmo de indenização pela restrição ao uso do imóvel. O que não se cogita é legitimar o dano ambiental pelo decurso de tempo, em uma espécie de prescrição fática.

Avançar quanto aos danos, entretanto, é prematuro, em virtude da ausência de discussão da matéria na origem. Assim, forçoso o retorno dos autos à origem para, afastada a premissa de cabimento da preservação dos particulares na situação prejudicial ao meio ambiental em face do direito à moradia, sejam apreciados concretamente os danos ambientais e sua extensão.

Passo, então, à análise dos recursos de apelação, nos termos acima determinados.

Com relação ao dano ambiental, quando do julgamento das apelações, adotei a seguinte linha de fundamentação:

Contudo, o direito de construir é regulado pela lei vigente à época de seu exercício. Assim, a legislação aplicável ao caso deve ser a da época do fato que provocou o dano ambiental, aplicando-se o princípio do tempus regit actum.

Conforme o conjunto probatório constante nos autos, ressaltando-se o Boletim de Ocorrência e o Auto de Infração Ambiental (fls. 43/45 do apenso), o imóvel foi construído entre os anos 60 e 70, sendo que o réu já reside no local há aproximadamente 40 (quarenta) anos, sendo certo que o imóvel já estava construído quando o adquiriu.

Cabe destacar que, no Laudo n° 0327/08, foi constatado que o imóvel está localizado a cerca de 200 metros da margem do Rio Paraná. Afirmou que o prédio, pela aparência, apresentava aspecto remoto, não sendo possível determinar quando teria sido erigido ao certo, bem como se na época o local se tratava de área de preservação permanente ou ambiental, nem tampouco a vegetação que outrora existia (fls. 76 do apenso). Desse modo, forçoso reconhecer que referido laudo corrobora as afirmações dos apelantes.

Faz-se oportuno transcrever a redação inicial da Lei n° 4771/65, a qual estava vigente à época da construção do imóvel, fato que provocou o dano ambiental:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d'água, em faixa marginal cuja largura mínima será:

1 - de 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura:

2 - igual à metade da largura dos cursos que meçam de 10 (dez) a 200 (duzentos) metros de distancia entre as margens;

3 - de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 (duzentos) metros.

Ora, considerando que o imóvel foi construído a aproximadamente 200 metros da margem do rio, não há como se afirmar que, na época, a construção foi feita de forma irregular e clandestina, desobedecendo as normas ambientais vigentes.

Destarte, percebe-se que, na ocasião da construção, foram respeitados os limites legais referentes às áreas de preservação permanente, situação que permaneceu por longos anos, e sem se olvidar que, conforme documentos e depoimentos constantes nos autos, a área não se enquadrava, na época, como área de preservação permanente, a qual somente foi ampliada para 500 metros em 1989.

O raciocínio então adotado partiu da premissa de que o imóvel foi construído na época em que vigorava a redação original do antigo Código Florestal (Lei n° 4.771/65), que previa a faixa protetiva de 100 metros para todos os rios cuja largura seja superior a 200 metros.

E, como o Laudo n° 0327/08 constatou que o imóvel está localizado a cerca de 200 metros da margem do Rio Paraná, conclui que a construção não foi irregular, tendo sido obedecido os parâmetros legais então vigentes, aplicando-se o princípio do tempus regit actum.

Em seu recurso especial, o MPF se insurge em face deste argumento, ponderando que, “o lote onde foi perpetrado o dano ambiental em questão foi objeto de ocupação clandestina, assim como todos os outros localizados no mesmo bairro do município de Rosana/SP” (ID Num. 210483560 - Pág. 199).

Compulsando novamente os autos, verifico que o corréu PEDRO MARQUES, em depoimento prestado em 28/07/2008 perante o 1º Distrito Policial de Rosana, assim afirmou (ID Num. 210483562 - Pág. 100, grifei):

Que mora no endereço supra há aproximadamente 29 anos, juntamente com a sua família; no local somente existe uma casa; é o único "proprietário" do imóvel, porém não tem documentos do imóvel; quando trabalhava no porto de areia da empresa Marajá, na época, ao sair da empresa, porque eles fecharam o porto de areia e foram embora, "eles não quiseram pagar o meu acerto, então eu fiquei com casa" (sic); apenas ocupou o imóvel e a empresa deixou que ele lá ficasse; a casa não foi construída pelo declarante, já existia anteriormente, desde quando começou a trabalhar para a empresa, isso há aproximadamente 33 anos, e portanto não sabe dizer quem construiu a referida casa, ou qual a vegetação que existia anteriormente no local (...)

Assim, em melhor reflexão dos fatos, verifico que assiste razão ao Parquet ao afirmar que, em razão de o imóvel discutido nos autos ter sido ocupado irregularmente, não seria possível adotar o entendimento outrora firmado.

O direito de construir não ostenta natureza absoluta, estando condicionado ao respeito ao “direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos” (CC, art. 1.299).

No caso em tela, não há provas de que o imóvel foi construído em consonância com a licença administrativa emitida pelo Poder Público competente. Aliás, sequer consta dos autos o título de domínio em nome dos corréus.

Daí porque se mostra indevida a incidência da norma prevista pelo antigo Código Florestal, em sua redação original, porquanto o Direito não se presta a salvaguardar situações flagrantemente contrárias aos seus ditames.

Como bem sintetizado pelo órgão ministerial, “o direto de construir é uma faculdade do proprietário, cujo exercício deve ser precedido de licença do órgão competente. Se não observada esta regra ela será ilegal e, por via de consequência, incapaz de gerar direito adquirido à sua manutenção, pois não há direito adquirido se não há direito” (ID Num. 210483560 - Pág. 200).

Partindo-se de tal premissa, cumpre analisar se o terreno em que foi edificado o imóvel pode ser considerado como área de preservação permanente.

Em extenso trabalho realizado pela Perícia Criminal da Polícia Federal naquela região (Laudo nº 3.871/2011), foram firmadas importantes conclusões (ID Num. 210483562 - Págs. 202-203):

Uma situação atual do loteamento Beira Rio, no município de Rosana/SP, foi apresentada neste Laudo, com medidas aproximadas de áreas impermeabilizadas por lote e uma valoração aproximada da recuperação da Área de Preservação Permanente (APP) do rio Paraná, baseada no custo de demolição e transporte de edificações em APP e recomposição florestal da área.

A área periciada representa um dos muitos pontos de intervenção humana na APP do rio Paraná contribuindo para a descaracterização dos atributos naturais e para os distúrbios das relações ecológicas. Estes prejuízos, considerados de forma isoladas, podem parecer pouco significativos, mas adquirem proporções consideráveis quando analisados no âmbito de toda a região do rio.

Em estudo realizado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (“Relatório Técnico de Vistoria nº 39/2011”), extraem-se as seguintes informações (ID Num. 210483562 - Pág. 276):

b) Qual a extensão da faixa de preservação permanente no local da vistoria (Rio Paraná) de acordo com a caracterização da área em urbana consolidada ou rural?

Nos locais vistoriados tem-se que a Área de Preservação Permanente (APP) é de:

- 500 metros a partir do leito maior do Rio Paraná, que possui largura superior a 500 metros;

- 200 metros a partir do leito maior do Rio Paranapanema, que possui largura entre 200 e 600 metros;

(...)

c) Há construções na faixa de Preservação Permanente? Em caso positivo, responder:

c.1) A que distância da margem do Rio Paraná iniciam-se as construções (especifica uma a uma), em projeção horizontal?

Verificaram-se inúmeras construções na área de preservação permanente deste rio, tornando-se uma tarefa extremamente complexa prover esta informação individualmente. Em todo caso, como as construções estão bastante próximas ao curso d'água (vide fotos) e a APP do Rio Paraná é bastante extensa (500 metros) é possível afirmar que toda área das construções está inserida em APP.

Já do Laudo Pericial, o Sr. Expert também confirmou que o imóvel se encontra instalado em área de preservação permanente (ID Num. 210483412 - Pág. 225):

3.7 O imóvel está inserido, total ou parcialmente em APP de faixa marginal de curso d' agua, nos termos do art 4º, inc I, da Lei 12.651/2012? Discriminar a largura do curso d' agua em toda a extensão ou projeção do imóvel (se superior a 600 m, basta consignar esta informação), e a largura da faixa marginal de APP aplicável.

O imóvel está totalmente inserido dentro da faixa marginal de 500 m de APP (Figura 14).

O Rio Paraná na altura do Bairro Beira Rio possui largura ao redor de 2300 metros (Figura 15).

A definição de área de preservação permanente é legal, de modo que, havendo intervenção antrópica de forma irregular, a norma estabelece a responsabilidade objetiva.

Em tese, para perquirir o Diploma Legal que incide ao caso em concreto, cumpriria analisar a época em que a construção questionada foi edificada.

Ocorre que, no caso aqui analisado, a adoção do citado raciocínio acabaria por proteger uma situação jurídica de apossamento irregular e clandestina do imóvel pelos corréus, o que não se mostra consentâneo com o ordenamento jurídico brasileiro.

Analisando os autos, verifico que os corréus possuem ciência de que o seu imóvel teria sido edificado em área de preservação permanente ao menos desde 12/02/2008, quando foi lavrado o Boletim de Ocorrência Ambiental ID Num. 210483562 - Pág. 51.

Por tratar, em tese, do primeiro momento em que a Administração Pública teve conhecimento da irregularidade da construção, entendo que a referida data deve ser considerada para fins de apurar a legislação ambiental incidente, porquanto foi a partir deste momento que formalmente se verificou o interesse de agir público consistente em adotar medidas práticas para salvaguardar o meio ambiente.

Cumpre destacar que tal discussão se releva importante, uma vez que a legislação aplicável ao caso deve ser a da época dos fatos - tempus regit actum - eis que o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), em alguns aspectos, diminuiu a proteção ambiental e, por conseguinte, não pode retroagir para atingir fatos ocorridos sob a égide de lei anterior mais protetiva ao meio ambiente, não afetando direito ambiental adquirido.

Nesse sentido é o entendimento firmado pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE EDIFICAÇÕES. ZONA DE VIDA SILVESTRE. AÇÃO CONSUMADA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965. APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA LEI MAIS RESTRITIVA.

I - Na origem, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Púbico do Estado de São Paulo objetivando a demolição de edificações em APP e a reparação dos danos ambientais com a restauração da vegetação, além de indenização por danos patrimoniais ambientais. Na sentença, julgaram-se procedentes os pedidos. No Tribunal a quo, a sentença foi parcialmente reformada apenas para conceder o prazo de 12 meses para os réus iniciarem a demolição respectiva, salvo se obtiverem licença ambiental. Nesta Corte, conheceu-se do agravo para dar provimento ao recurso especial a fim de restabelecer a sentença.

II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, em se tratando de matéria ambiental, deve-se analisar a questão sob o ângulo mais restritivo, em respeito ao meio ambiente, por ser de interesse público e de toda a coletividade, e observando, in casu, o princípio tempus regit actum.

(...)

(AgInt no AREsp 1145207/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 09/08/2021, DJe 13/08/2021)

 

AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÔMPUTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO CÁLCULO DA RESERVA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO CÓDIGO FLORESTAL. VEDAÇÃO AO RETROCESSO (PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM). PRECEDENTES DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMA DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(...)

5. Entretanto, ambas as Turmas da Primeira Seção deste Tribunal Superior firmaram entendimento segundo o qual a regra geral será a incidência da legislação florestal, de direito material, vigente à época dos fatos, na qual se determina a aplicação da Lei 4.771/1965 para as degradações ambientais ocorridas em sua vigência (PET no REsp. 1.240.122/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012 e REsp. 1.646.193/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. GURGEL DE FARIA, DJe 4.6.2020).

6. Agravo Interno dos Particulares a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1668484/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 03/09/2020)

Quanto à extensão da largura do leito do Rio Paraná, segundo o Relatório Técnico de Vistoria nº 39/2011, o Rio Paraná “possui largura superior a 500 metros” (ID Num. 210483562 - Pág. 276).

Portanto, na época dos fatos, vigoravam as disposições do antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), com a redação dada pela Lei nº 7.803/89, que estabelecia uma faixa protetiva de 500 metros para os rios cuja largura fosse superior a 600 metros:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

(...)

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

Apesar da impossibilidade do novo Código Florestal retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, é certo que, no caso dos autos, a extensão da área de preservação permanente para o Rio Paraná permaneceu a mesma, conforme se verifica da redação do art. 4º, I, “e”, da Lei nº 12.651/12:

Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: 

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

Cumpre ressaltar que a conclusão acima firmada encontra respaldo em diversos precedentes desta E. Corte Federal, inclusive desta C. Turma, que apreciando a questão dos danos ambientais causados pelas construções imobiliárias no mesmo bairro Beira Rio, em Rosana/SP, concluiu que deve ser considerado a largura mínima de 500 metros como limite da extensão da faixa não edificável referente à área de preservação permanente no Rio Paraná:

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. ARTIGO 225, CF/88. LEIS 4.771/1965, 6.938/1981, 7.347/1985, 12.651/2012. RESOLUÇÕES CONAMA 04/1985, 302/2002, 303/2002. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL IN RE IPSA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E PROPTER REM. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. CONDUTA, NEXO E DANO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO A OBRIGAÇÕES DE FAZER, NÃO FAZER E À RESTAURAÇÃO AMBIENTAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. APELAÇÕES E REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDAS.

(...)

- Após análise do conjunto probatório, não há dúvidas da existência de edificações às margens do Rio Paraná, dentro da área de preservação permanente e, consequentemente, da ofensa ao meio ambiente.

- Nesse sentido, o auto de infração (fls. 30/32), o relatório técnico de vistoria (fls. 84/88), o auto de constatação do Ministério Público de São Paulo, com fotografias de uma das inundações ocorridas no bairro Beira Rio (fls. 153/158), o laudo de perícia criminal federal (fls. 330/346) e o relatório técnico de vistoria da secretaria do meio ambiente (fls. 359/367) mostram que o imóvel corresponde a um lote de 504,00 metros quadrados de área construída.

- As edificações existentes no bairro Beira Rio, além de impedirem a regeneração da vegetação, ainda promovem a impermeabilização do solo, o que altera os ciclos ecológicos normais, prejudicando assim a fauna e a flora local. O local integra o conjunto de ambientes que compõe um dos últimos refúgios de vida silvestre na região do Rio Paraná.

- Saliento, por oportuno, ainda que irregularidades apontadas pelo Ministério Público ficassem caracterizadas nos termos da antiga redação do Código Florestal (Lei 4.771/65, com as alterações da Lei 7.803/89), é certo que o advento do novo Código Florestal (Lei 12.651/12) não alterou substancialmente a matéria, continuando a prever como área mínima de consolidação de uma APP a distância de 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros (como é o caso do Rio Paraná).

(...)

(ApCiv 0001441-08.2011.4.03.6112, 4ª Turma, Rel. Desembargador Federal Andre Nabarrete, julgado em 18/07/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/09/2019)

 

DIREITO AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – BAIRRO BEIRA RIO – MUNICÍPIO DE ROSANA/SP – CHÁCARA DE LAZER – AGRAVO RETINO NÃO REITERADO – NÃO CONHECIMENTO – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - REMESSA NECESSÁRIA TIDA POR INTERPOSTA - CONSTRUÇÃO IRREGULAR ÀS MARGENS DO RIO PARANÁ - DANO AMBIENTAL "IN RE IPSA" - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - OBRIGAÇÃO "PROPTER REM" – IMPOSSIBILIDADE DE CONSOLIDAÇÃO E DE REGULARIZAÇÃO DA ÁREA - CUMULAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE INDENIZAR E REPARAR.

(....)

III – O cerne da controvérsia, como em tantos outros casos já analisados por esta E. Corte, consiste na averiguação do local em que a construção imobiliária foi erigida e à data da edificação. Cuida-se de chácara de lazer localizada no bairro Beira Rio, no Município de Rosana/SP, propriedade inserta em área de preservação permanente por distar há menos de 500m (quinhentos metros) das margens do Rio Paraná, cuja margem possui largura próxima a 2.300m (dois mil e trezentos metros).

(...)

(ApCiv 5004024-31.2018.4.03.6112, 3ª Turma, Rel. Desembargador Federal Cecilia Maria Piedra Marcondes, julgado em 02/05/2019, Intimação via sistema DATA: 09/05/2019)

De minha relatoria, cito a Ap 0007423-03.2011.4.03.6112, julgado em 15/08/2018, e-DJF3 Judicial 1 de11/10/2018, oportunidade em que a mesma questão foi apreciada.

Destarte, não se verifica qualquer controvérsia de que o imóvel se encontra a menos de 500 metros do leito do rio Paraná, em área de preservação permanente, na faixa marginal do curso d'água, violando a previsão do art. 2º da Lei nº 4.771/65.

A responsabilidade pelos danos ambientais possui natureza objetiva, sendo prescindível a caracterização de culpa, nos termos do § 1º, do art. 14, da Lei nº 6.938/81:

Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(...)

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

A manutenção da propriedade dos corréus, localizada às margens do Rio Paraná, acarreta nítida degradação ambiental, impedindo a regeneração da vegetação nativa na área de preservação permanente, razão pela qual se mostra imprescindível desfazer as construções e remover os entulhos para permitir a recomposição florestal do local.

Frise-se que não está configurada a ofensa ao direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII), ao direito de moradia (CF, arts. 6º e 7º) e ao direito ao lazer (CF, art. 217, § 3º), uma vez que não é possível se falar em direito adquirido à degradação ambiental diante do decurso do tempo. Neste sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça a Súmula nº 613:

Súmula 613/STJ: Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.

Registre-se, inclusive, a existência de precedente na E. Corte Superior que afasta a incidência da teoria do fato consumado mesmo diante de em situações que envolvam residências familiares localizadas em área de proteção ambiental:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. LEGALIDADE NO ATO DO ESTADO DE DISCIPLINAR A UTILIZAÇÃO DA ÁREA E ZELAR PARA QUE SUA DESTINAÇÃO SEJA PRESERVADA. A OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA, FEITA DE MANEIRA IRREGULAR, NÃO GERA OS EFEITOS GARANTIDOS AO POSSUIDOR DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO DE FATO CONSUMADO EM MATÉRIA AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER AMPARADO PELA VIA MANDAMENTAL, RESSALVA DAS VIAS PROCESSUAIS ORDINÁRIAS. PARECER MINISTERIAL PELO DESPROVIMENTO DO FEITO. AGRAVO REGIMENTAL DA AMCA E OUTROS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Os impetrantes buscam o reconhecimento da ilegalidade no procedimento de desocupação perpetrado pelo Secretário de Administração de Parques do Distrito Federal, objetivando que a autoridade coatora abstenha-se de praticar qualquer ato tendente a remover os moradores do Parque das Copaíbas.

(...)

6. Não prospera também a alegação de aplicação da teoria do fato consumado, em razão de os moradores já ocuparem a área, com tolerância do Estado por anos, uma vez que tratando-se de construção irregular em Área de Proteção Ambiental-APA, a situação não se consolida no tempo. Isso porque, a aceitação da teoria equivaleria a perpetuar o suposto direito de poluir, de degradar, indo de encontro ao postulado do meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à qualidade sadia de vida.

7. Agravo Regimental da AMCA e outros a que se nega provimento.

(AgRg no RMS 28.220/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 18/04/2017, DJe 26/04/2017)

Portanto, na demanda em análise, deve prevalecer o direito coletivo ao meio ambiente ecologicamente sustentável e equilibrado, previsto no art. 225 da Constituição Federal.

Cabe salientar que um dos objetivos do Código Florestal ao fixar as áreas de preservação permanente é justamente o de proteger as pessoas, impedindo que se estabeleçam nessas áreas, degradando-as e, com isso, potencializando os riscos de ocorrência de inundações. Desse modo, a manutenção da edificação no local, além de provocar inúmeros prejuízos ao meio ambiente, acarreta riscos aos próprios ocupantes do local, diante das constantes inundações, prejudicando a segurança e a integridade física dos moradores.

Destaque-se que as obrigações ambientais possuem caráter propter rem, transferindo a responsabilidade por eventuais danos ao atual proprietário ou possuidor, ainda que eles não tenham sido os responsáveis pela degradação ambiental. É a inteligência da Súmula nº 623/STJ:

Súmula nº 623/STJ: As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.

Na sentença, o r. Juízo Singular reconheceu a faixa protetiva de 500 metros da margem do rio Paraná. Em suas palavras (ID Num. 210483412 - Pág. 284):

Anoto que a autorização administrativa sempre foi necessária. Na época da edificação estava em vigor a Lei 4.771/65, a qual estabelecia que para cursos d'água como o rio Paraná, a área de preservação permanente a ser respeitada deveria ser de 500 metros de largura (artigo 2º, "a", V)

Não há, portanto, qualquer reparo na conclusão acima firmada.

Cumpre, então, analisar a matéria devolvida a esta E. Corte em decorrência do provimento do recurso especial, consistente na “avaliação dos danos ambientais”.

Nos recursos de apelação interpostos pelo MPF e pela União, ambos requerem a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos ambientais.

Sobre o tema, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) estabelece que a indenização pode ser mera alternativa quando não for possível a recuperação ambiental:

Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(...)

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

No Relatório Técnico de Vistoria nº 39/2011, realizado pelo Centro Técnico Regional V – Presidente Prudente, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, ao responder o quesito a respeito da recuperação ambiental na região, os técnicos responsáveis assim aduziram (ID Num. 210483411 - Pág. 1):

n) O que pode ser feito para recompor a APP?

A medida inicial para recompor a APP é promover a retirada das construções e qualquer outra intervenção resultante das atividades humanas no local. Considerando que esta área possui alto potencial de regeneração natural da vegetação o simples abandono da área já garantiria a recuperação da vegetação típica de APP. Contudo, outras técnicas podem ser adotadas tais como o enriquecimento e/ou adensamento com a inserção de mudas de essências nativas regionais.

(..)

g) As áreas direta ou indiretamente afetadas ou degradadas são passiveis de recuperação ambiental física e biológica? Em caso positivo, quais as medidas mínimas a serem adotadas para viabilizar a recuperação ambiental da área degradada?

Sim, a área é possível de comportar recuperação ambiental. Como informado ao Ministério Público Federal, a medida inicial para recompor a APP é promover a retirada das construções e de todas as intervenções negativas do local. Considerando que esta área possui alto potencial de regeneração natural da vegetação, o simples abandono da área já garantiria a recuperação da vegetação típica de APP. Contudo, outras técnicas podem ser adotadas, tais como o enriquecimento e/ou adensamento com a inserção de mudas de essências nativas regionais.

No Relatório Técnico de Vistoria nº 005/2015 no imóvel da parte ré, consta a seguinte passagem (ID Num. 210483412 - Pág. 149)

4. Restauração Ambiental

O local no qual estão inseridas as edificações é passível de restauração ambiental, sendo necessária a retirada de toda e qualquer intervenção que possa impedir ou dificultar a plena regeneração da vegetação nativa. Especificamente para o caso em comento, deverão ser retiradas as construções erigidas no local, incluindo a casa, calçamentos, rampas, muros, aterros, fossa e qualquer outra edificação existente. Após a retirada das construções e a destinação adequada dos resíduos/entulhos a área do lote deverá ser isolada de novas intervenções nocivas e deverá ser feito o acompanhamento da regeneração natural da vegetação, promovendo o controle de vegetação invasora (principalmente gramíneas), sendo recomendado, ainda, o enriquecimento da área com o plantio de mudas de essências nativas. Os cuidados no local devem permanecer por período aproximado de 30 (trinta) meses, tempo estimado parco efetivo estabelecimento da vegetação nativa arbórea. Importante ressaltar que as ações de recuperação, sobretudo no que se refere a retirada das edificações, deverão ser precedidas de projeto técnico elaborado por profissional habilitado e devidamente aprovado pelo órgão ambiental.

Assim, como existem provas de que a demolição das construções e o reflorestamento seriam suficientes para reparar o dano ambiental, entendo que se mostra desarrazoada a condenação dos recorridos ao pagamento de indenização em dinheiro.

Nesse sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, demostrada a possibilidade de reparação plena da área degradada através da obrigação de fazer e de não fazer, é incabível a reparação indireta:

PROCESSO CIVIL. AMBIENTAL AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO TOTAL DA ÁREA DEGRADADA. PEDIDO INDENIZATÓRIO INDEFERIDO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Tratando-se de casos de danos ambientais, é perfeitamente possível a cumulação de indenização em conjunto com obrigação de fazer, entretanto isso não é obrigatório, e está adstrito à possibilidade ou não de recuperação total da área degradada.

2. No caso, conclusão diversa da apresentada pela Corte de origem, a respeito do dever de indenizar o dano ambiental, demanda o reexame do contexto fático-probatória dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7 do STJ.

3. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp 1.581.257/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 07/02/2019, DJe 12/02/2019)

 

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFETIVA REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. SÚMULA 7/STJ.

1. Em ação civil pública ambiental, é admitida a possibilidade de condenação do réu à obrigação de fazer ou não fazer cumulada com a de indenizar. Tal orientação fundamenta-se na eventual possibilidade de que a restauração in natura não se mostre suficiente à recomposição integral do dano causado.

2. No entanto, na hipótese dos autos, impossível alterar o entendimento do Tribunal a quo, uma vez que lastreado em prova produzida. Óbice da Súmula 7/STJ.

Agravo não conhecido.

(AgRg no REsp 1.486.195/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 03/03/2016, DJe 11/03/2016)

Portanto, deve ser mantido o indeferimento do pedido de indenização pelos danos ambientais.

A despeito da matéria devolvida para julgamento estar limitada ao dano ambiental, entendo que, diante da conclusão que se aplicam as disposições do antigo Código Florestal na data em que foi lavrado o Boletim de Ocorrência Ambiental, remanescem pedidos na apelação dos corréus que não foram analisados na sessão de julgamento do dia 1º/08/2018.

Com efeito, naquela ocasião, esta C. Turma deu parcial provimento ao recurso de apelação dos corréus por reconhecer que o imóvel teria sido edificado de acordo com a legislação vigente à época, que estabelecia como área de preservação permanente a distância de 100 da margem do rio.

Ora, tendo sido considerada regular a construção do imóvel, alguns argumentos trazidos pelos corréus deixaram de ser apreciados. E, como a regularidade restou agora afastada, por boa-fé processual (CPC, art. 5º), deve-se analisar os argumentos remanescentes.

Em seu apelo, os corréus aduziram, em síntese: a) há prescrição quanto ao pedido de demolição e desocupação do imóvel residencial, nos termos do art. 1º da Lei n° 9.873/1999, uma vez que residem há mais de 40 anos no imóvel; b) o Município de Rosana deve integrar o polo passivo, sendo certo que editou a Lei Complementar Municipal n°45/2015 (Plano Diretor do Município de Rosana); c) a construção do imóvel “está a mais de 100(cem) metros da margem do Rio Paraná” (ID Num. 210483560 - Pág. 26); d) o Novo Código Florestal permite a regularização fundiária dos locais de interesse social e específico; e) a residência dos apelantes está na mesma localidade que é objeto das Ações Civis Públicas n° 0002885-08.2013.4.03.6112, n° 0003994-57.2013.4.03.6112 e n° 0004210-18.2013.4.03.6112, grau de Recurso de Apelação perante este Egrégio Tribunal Regional Federal, com decisões diferentes da questionada nesta ação; f) deve-se deferir a unificação de todas as Ações Civis Públicas do Ministério Público Federal que envolva construções e imóveis localizados as margens do Rio Paraná do Município de Rosana.

A análise da prescrição (item “a”), da inclusão do Município de Rosana no polo passivo (item “b”) e a unificação das Ações Civis Públicas (item “f”) já foram analisadas no julgamento anterior.

Sobre a Lei Complementar Municipal nº 45/2015 (item “c”), que instituiu o Plano Diretor Participativo, a sua promulgação em nada interfere na conclusão de que o imóvel em questão foi construído em área de preservação permanente, violando a legislação ambiental de regência.

Ademais, como bem ressaltado pelo Exmo. Desembargador Federal Johonsom Di Salvo nos autos da ApCiv 0002504-97.2013.4.03.6112, o Rio Paraná abrange mais de um Estado da Federação, razão pela qual é considerado bem da União (CF, art. 20, III):

Nesse ponto deve-se esclarecer que que o Rio Paraná banha mais que um Estado e por isso é considerado bem da UNIÃO FEDERAL, nos termos do artigo 20, III, da Constituição Federal, submetendo-se à legislação federal. Bem por isso, a publicação da Lei Complementar Municipal nº 45/2015, que aprovou o Plano Diretor do Município de Rosana/SP, e do Decreto Municipal nº 2.953/2018, que instituiu o “Processo Administrativo do Programa de Regularização Fundiária”, são insuficientes para regularizar o imóvel ocupado pelos corréus, totalmente alocado em área de interesse federal.

(Sexta Turma, julgado em 05/02/2021, Intimação via sistema DATA: 18/02/2021)

Daí porque não poderia a Lei Complementar Municipal nº 45/2015 regulamentar a questão de forma diversa da legislação federal.

Quanto ao argumento de que seria cabível a regularização fundiária com fulcro no art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 (item “d”), que trata das áreas consolidadas em áreas de preservação permanente, o dispositivo apresenta a seguinte redação:

Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.

(...)

Pela dicção da norma, constata-se que a regularização fundiária pretendida não se mostra cabível ao imóvel discutido nos autos.

O preceito legal condiciona a manutenção do imóvel em área rural consolidada até 22/07/2008 desde que seja em “continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural”.

In casu, não existem provas de que no imóvel tais atividades são exercidas.

Para além deste argumento, o § 12 do mesmo disposto veda a sua aplicação quando a área apresentar risco à vida ou à integridade física das pessoas:

§ 12. Será admitida a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1º a 7º, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas.

No caso, as provas demonstram que a região possui risco de inundação.

O novo Código Florestal (Lei n° 12.651/2012) estabeleceu o conceito de várzea de inundação como "áreas marginais a cursos d’água sujeitas a enchentes e inundações periódicas" (art. 3º, XXI).

Do Relatório Técnico de Vistoria nº 39/2011, tem-se as seguintes informações (ID Num. 210483562 - Pág. 278):

h) Há risco de inundação na área em que está localizada a propriedade? Quais as doenças que eventualmente possam ser transmitidas à população em caso de enchentes?

Muitas construções estão inseridas dentro da área de inundação dos rios Paraná e Paranapanema, sendo que, sazonalmente, há aumento do nível desses rios, gerando as enchentes. Essa condição, inclusive, se configura como um dos principais problemas da presença humana nessas áreas, visto oferecer riscos à saúde e integridade física. Quanto às doenças, sabe-se que há diversas enfermidades que podem ser transmitidas pela água contaminada, como leptospirose, hepatite, problemas no sistema digestório, etc. Para mais detalhes, órgãos relacionados à saúde poderiam elucidar melhor a questão.

No mesmo sentido, consta do Relatório Técnico de Vistoria nº 005/2017, realizado no imóvel em questão, que (ID Num. 210483412 - Pág. 146):

A ocupação humana do local, onde hoje existe o bairro Beira-Rio, se deu em uma porção denominada, geomorfologicamente, de "dique marginal" do Rio Paraná. Os diques marginais são cristas estreitas e contínuas construídas naturalmente ao longo das margens de canais fluviais. São formados por sedimentos depositados por suspensão durante as cheias do canal fluvial e fazem a delimitação do leito normal de rios que possuem planícies de inundação ou várzeas.

Em termos infralegais, a Resolução CONAMA nº 369/06 também é categórica ao vedar a regularização fundiária em áreas sujeitas a risco de inundações:

Art. 9º A intervenção ou supressão de vegetação em APP para a regularização fundiária sustentável de área urbana poderá ser autorizada pelo órgão ambiental competente, observado o disposto na Seção I desta Resolução, além dos seguintes requisitos e condições:

(...)

§ 2º É vedada a regularização de ocupações que, no Plano de Regularização Fundiária Sustentável, sejam identificadas como localizadas em áreas consideradas de risco de inundações, corrida de lama e de movimentos de massa rochosa e outras definidas como de risco.

Em síntese, como bem destacado pelo Exmo. Rel. Desembargador Federal Antonio Carlos Cedenho, nos autos do AI 5015437-73.2020.4.03.0000:

Todavia, verifica-se que a propriedade dos agravados está localizada em área rural de 461,5m² e dentro da faixa de 500m, na margem esquerda do Rio Paraná, no município de Rosana/SP, considerada como área de preservação permanente, segundo o Laudo de Perícia Criminal Federal realizado pelo Departamento de Polícia Federal e o Relatório Técnico Ambiental lavrado pelo IBAMA, nos autos da ação civil pública n. 0006679-08.2011.4.03.6112/SP.

(...)

Outrossim, o local não é passível de regularização fundiária, com base no artigo 65 da Lei n. 12.651/12, que determina que "na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana."

"In casu", é incontroverso que o imóvel está situado em área de preservação permanente, a qual não se enquadra como área urbana consolidada, tampouco como de interesse social e que, mesmo que fosse considerada urbana, não pode ser regularizada por estar em várzea com risco de inundações sazonais.

Cumpre destacar que este Relator não desconhece a existência da Reclamação nº 51.472/SP, proposta perante o E. Supremo Tribunal Federal em face do v. acórdão proferido pela C. Sexta Turma desta E. Corte (Ação Civil Pública nº 0004931-67.2013.4.03.6112).

Segundo o relatório da ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112, discutiu-se os danos ambientais no imóvel denominado "Rancho Boca do Sucuri", localizados no bairro Entre Rios, estrada do Pontalzinho, Município de Rosana/SP, às margens do rio Paraná.

Na Reclamação nº 51.472/SP, aduziram os requerentes que, ao não aplicar as disposições do art. 61-A, §§ 1º, 12 e 14 da Lei 12.651/12, o v. acórdão teria afrontado a autoridade do E. Supremo Tribunal Federal e desrespeitado a eficácia do julgado nas ADI nºs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF e na ADC nº 42/DF.

Em decisão liminar proferida em 18/02/2022, o eminente Ministro Relator Dias Toffoli concedeu parcialmente a tutela de urgência “para suspender, no limite de área regulamentada pela Lei nº 12.651/2012, a eficácia de decisão do TRF 3 na ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112 no tocante às ordens de abstenção de exploração, demolição de construções e recomposição da cobertura florestal e eventual multa pelo descumprimento da decisão nessa parte ou prática de eventuais atos ou procedimentos executivos dela decorrentes”.

Ao fundamentar a adoção desta providência, o Ministro Relator assim justificou:

Em juízo de delibação, entendo que há plausibilidade jurídica na tese de que a autoridade reclamada, ao recusar a análise do Processo nº 0004931-67.2013.4.03.6112 à luz da Lei nº 12.651/2012 - declarando não apenas a irrelevância do debate preliminar quanto às propriedades em litígio estarem localizada em área urbana ou rural, mas também a necessidade de a ação ser analisada à luz da legislação vigente ao tempo das condutas controvertidas (Lei nº 4.771/65)-, esvazia a força normativa do referido dispositivo legal cuja validade constitucional fora afirmada pelo STF na ADI 4.903/DF e na ADC nº 42/DF (sessão de julgamento de 28/2/2018, ata de julgamento publicada no DJe de 2/3/2018).

Há verossimilhança na alegação de recusa à aplicação do art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 no caso concreto, com fundamento no princípio do tempus regit actum e do postulado da vedação do retrocesso em matéria ambiental, em afronta à autoridade do STF nas ações paradigmas.

Após o trâmite processual de praxe, em decisão monocrática datada de 23/06/2022, o Ministro Relator julgou procedente o pedido “para cassar a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3), nos autos da ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112, e determinar que outra seja proferida com observância do que decidido por esta Corte no julgamento das ADIs 4.901, 4.902 e 4.903, 4.937 e da ADC 42”.

Com a devida vênia, entendo que causa de pedir utilizada na ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112 para afastar a incidência do art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 não é a mesma daqui adotada.

Com efeito, segundo o Ministro Relator, o dispositivo legal foi recusado em razão do princípio do tempus regit actum e do postulado da vedação do retrocesso em matéria ambiental.

Neste voto, foi adotada a linha argumentativa de que não se aplica o art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 ao imóvel discutido nos autos por ele não atender ao disposto no caput, que menciona a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, bem como por estar em uma região sujeita a inundação, não atendendo ao disposto no § 12, uma vez que a área oferece risco à vida ou à integridade física das pessoas.

Deste modo, concluo que a determinação contida na Reclamação nº 51.472/SP não alcança o presente feito.

Quanto ao item “e”, os apelantes afirmam que teria havido decisões contraditórias deste E. Tribunal nas Ações Civis Públicas n° 0002885-08.2013.4.03.6112, n° 0003994-57.2013.4.03.6112 e n° 0004210-18.2013.4.03.6112.

Analisando a ACP nº0004210-18.2013.4.03.6112, consta que a sua ementa foi assim elaborada:

DANO AMBIENTAL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) DO RIO PARANÁ: ação civil pública objetivando a reparação de degradação na APP da faixa marginal do Rio Paraná, onde os corréus possuem um lote de 544 metros quadrados, com 253 metros quadrados de área construída, situado na Rua São Cristovão II, 124, bairro Beira-Rio, em Rosana/SP. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NÃO COMPROVADA: a sentença partiu da premissa de que o bairro Beira-Rio se encontra efetivamente consolidado, motivo pelo qual aplicou a regra do artigo 65, parágrafo 2º, da Lei nº 12.651/2012, que estabelece faixa não edificável de 15 metros. Ocorre que o conjunto probatório é no sentido de que o bairro Beira-Rio, embora em perímetro urbano, não é objeto de programa de regularização fundiária. Também, de que o terreno ocupado pelo réu defronte ao Rio Paraná e atualmente desprovido de vegetação nativa, deriva de loteamento clandestino, realizado de forma desautorizada e ilegal e, portanto, impossível de ser convalidado. OS DEVERES ASSOCIADOS À APP TÊM NATUREZA PROPTER REM: os deveres associados à APP têm natureza propter rem, aderindo ao título de domínio ou posse (STJ - REsp 1307026/BA, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 16/06/2015, DJe 17/11/2015). APP DE 500 METROS: assiste razão ao Ministério Público Federal e à União Federal que pugnam pela fixação da APP de 500 metros, salientando-se que esse é o posicionamento firmado pela jurisprudência desta Corte em casos congêneres (TRF 3ª Região - TERCEIRA TURMA, AC 0000438-81.2012.4.03.6112, Relator Desembargador Federal NELTON DOS SANTOS, julgado em 24/05/2017, e-DJF3 02/06/2017; SEXTA TURMA, AC - 0001637-70.2014.4.03.6112, Relator Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO, julgado em 22/09/2016, e-DJF304/10/2016; TERCEIRA TURMA, AC 85.2013.4.03.6112, Relator Desembargador Federal CARLOS MUTA, julgado em 10/03/2016, e-DJF3 18/03/2016; SEXTA TURMA, AC 0001355-37.2011.4.03.6112, Relatora Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA, julgado em 03/03/2016, e-DJF3 11/03/2016; TERCEIRA TURMA, AC 0002076-18.2013.4.03.6112, Relatora Juíza Federal Convocada ELIANA MARCELO, julgado em 28/01/2016, e-DJF3 01/02/2016). APLICABILIDADE DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965: embora os apelantes tenham pleiteado a adoção do artigo 4º, I, "e", da Lei nº 12.651/2012, que compila o novo Código Florestal, o artigo 2º, "a", item 5, da Lei nº 4.771/65, confere maior proteção ambiental no que tange ao estabelecimento da faixa marginal. TEMPUS REGIT ACTUM: o entendimento do STJ é de que a norma ambiental a ser observada é a vigente à época dos fatos (STJ - PET no REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 19/12/2012). SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA: fixada a APP de 500 metros, com fulcro no artigo 2º, "a", item 5, da Lei nº 4.771/65, ficando mantidos todos os demais aspectos da sentença compatíveis, inclusive a multa diária por descumprimento das obrigações. DANOS AMBIENTAIS PASSÍVEIS DE RECUPERAÇÃO: o STJ entende que a indenização pelos danos ambientais só se justifica na impossibilidade de recuperação da área degradada, o que não corresponde ao caso dos autos (STJ - AgRg no AREsp 628.911/SC, Relator Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 01/07/2015; REsp 1382999/SC, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 18/09/2014). Todavia, na ausência de recurso dos corréus, fica mantida a indenização de R$ 2.000,00 fixada sentença, em favor do Fundo Constitucional de Interesses Difusos e Coletivos.

(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2133751 - 0004210-18.2013.4.03.6112, Rel. Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, julgado em 30/11/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/12/2017 ) (grifei)

No caso, não se vislumbra divergência do referido julgado quanto ao presente, tendo ali também sido “fixada a APP de 500 metros, com fulcro no artigo 2º, "a", item 5, da Lei nº 4.771/65”.

Além disso, consignou o eminente Desembargador Federal Relator que “o bairro Beira-Rio, embora em perímetro urbano, não é objeto de programa de regularização fundiária. Também, de que o terreno ocupado pelo réu defronte ao Rio Paraná e atualmente desprovido de vegetação nativa, deriva de loteamento clandestino, realizado de forma desautorizada e ilegal e, portanto, impossível de ser convalidado”.

Quanto à ACP nº 0003994-57.2013.4.03.6112, também não há incompatibilidade. Confira-se:

DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). RIO PARANÁ. MUNICÍPIO DE ROSANA. DANO AMBIENTAL. EXTENSÃO. 500 METROS. EDIFICAÇÃO. DEMOLIÇÃO. RECOMPOSIÇÃO DA COBERTURA VEGETAL. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. INVIABILIDADE. POSSIBILIDADE DE INTEGRAL REABILITAÇÃO DO MEIO AMBIENTE.

1. Reconhecida a submissão da r. sentença à remessa oficial, conforme o disposto no art. 475, I, do CPC/1973 c/c art. 19 da Lei n.º 7.347/1985.

2. Estando comprovado nos autos, conforme o Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 3.871/2011, o fato de que o lote em questão está em Área de Preservação Permanente (APP), cujo parcelamento do solo foi realizado de forma irregular e clandestina, com risco de inundação, a discussão acerca do caráter urbano ou rural da área e sua eventual sujeição às leis municipais de uso e ocupação do solo torna-se despicienda, mesmo porque o parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 4.771/1965 é claro ao dispor que no caso de áreas urbanas (...) observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

3. Portanto, a faixa a ser considerada, in casu, deve ser a de 500 (quinhentos) metros do leito do Rio Paraná, na forma da legislação ambiental e não a de 15 (quinze) metros de cada lado, conforme prevista no § 2º do art. 65 da Lei n.º 12.651/2012.

4. Ainda que assim não fosse, é entendimento assente que o novo Código Florestal não pode retroagir a fim de reduzir a proteção de ecossistemas frágeis, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da "incumbência" do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais.

5. Não deve prosperar o pedido de majoração da indenização pelos danos ambientais, porquanto a possibilidade de cumulação da indenização pecuniária com a reparação do dano por meio de obrigação de fazer só se justifica quando inexiste possibilidade de integral reabilitação do meio ambiente.

6. À mingua de impugnação do apelado e havendo plena possibilidade de recuperação da área por meio do plantio de mudas nativas da região, deve ser mantida a indenização arbitrada em R$ 1.000,00 (dois mil reais) pelo r. Juízo de origem em razão do dano ambiental, dada a pequena área do lote e a situação social do réu.

7. Apelações e remessa oficial, tida por interposta parcialmente providas.

(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1996687 - 0002885-08.2013.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 29/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/12/2018)

Quanto à ACP nº 0003994-57.2013.4.03.6112, consta do andamento processual eletrônica que os autos estão aguardando julgamento dos recursos de apelação.

Ao final, os apelantes formulam pedido subsidiário de que, em caso de eventual condenação para demolição, "seja condenada a União Federal em indenizar os apelantes ou fornecer uma nova moradia".

A Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) não regulamenta o cabimento da reconvenção em suas demandas.

Analisando a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, constata-se a existência de julgado proferido antes da promulgação do CPC/2015 em que não se admitiu a aplicação do instituto:

(...)

RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO. PERMISSÃO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. NULIDADE. INDENIZAÇÃO. NÃO CABIMENTO. LIMITES DA LIDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE.

(...)

4. A Ação civil pública é o instrumento processual destinado à defesa judicial de interesses difusos e coletivos, permitindo a tutela jurisdicional do Estado com vistas à proteção de certos bens jurídicos. Por meio desta ação, reprime-se ou previne-se a ocorrência de danos ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio público, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, dentre outros, podendo ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Assim, não cabe neste tipo de ação, em que se busca a tutela do bem coletivo, a condenação do Estado em indenizar o "réu", no caso, a permissionária de transporte público, na indenização dos investimentos realizados, que poderá ser pleiteado em ação autônoma.

(...)

(REsp 1.354.802/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19/09/2013, DJe 26/09/2013)

Em outro precedente da mesma Corte Superior, foi indeferida a reconvenção em sede de Ação Popular que, assim como a Ação Civil Pública, integra o chamado microssistema do processo coletivo:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. RECONVENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. AFERIÇÃO. SÚMULA 07/STJ.

1. A ação popular é um dos mais antigos meios constitucionais de participação do cidadão nos negócios públicos, na defesa da sociedade e dos relevantes valores a que foi destinada. Admitir o uso da reconvenção produziria efeito inibitório do manejo desse importante instrumento de cidadania, o que o constituinte procurou arredar, quando isentou o autor das custas processuais e do ônus da sucumbência.

2. O instituto da reconvenção exige, como pressuposto de cabimento, a conexão entre a causa deduzida em juízo e a pretensão contraposta pelo réu. A conexão de causas, por sua vez, dá-se por coincidência de objeto ou causa de pedir.

3. Na hipótese, existe clara diversidade entre a ação popular e a reconvenção. Enquanto a primeira objetiva a anulação de ato administrativo e tem como causa de pedir a suposta lesividade ao patrimônio público, a segunda visa à indenização por danos morais e tem como fundamento o exercício abusivo do direito à ação popular.

4. O pedido reconvencional pressupõe que as partes estejam litigando sobre situações jurídicas que lhes são próprias. Na ação popular, o autor não ostenta posição jurídica própria, nem titulariza o direito discutido na ação, que é de natureza indisponível. Defende-se, em verdade, interesses pertencentes a toda sociedade. É de se aplicar, assim, o parágrafo único do art. 315 do CPC, que não permite ao réu, "em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem".

5. A discussão a respeito da suposta má-fé do autor popular ao propor a demanda sem um mínimo de provas aceitáveis resvala no óbice da Súmula n.º 07/STJ, que impede o reexame, na via especial, do suporte fático-probatório que fundamenta a decisão recorrida.

6. Recurso especial improvido.

(REsp 72.065/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 03/08/2004, DJ 06/09/2004, p. 185)

Com o Novo Diploma Processual Civil, os debates acerca do cabimento da reconvenção na Ação Civil Pública foram retomados, precipuamente em razão da previsão do § 5º, do art. 343:

§ 5º Se o autor for substituto processual, o reconvinte deverá afirmar ser titular de direito em face do substituído, e a reconvenção deverá ser proposta em face do autor, também na qualidade de substituto processual.

Isso porque no CPC/73, o parágrafo único, do art. 315, previa que “não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem”.

De todo modo, é certo que, independentemente desta divergência, no caso em tela, a reconvenção não pode ser admitida.

Sobre o mencionado § 5º, ensina Teresa Arruda Alvim Wambier e outros que:

2.3.2. Reconvenção e substituição processual – parágrafo quinto. Na hipótese em que, na ação principal, houver substituição processual no polo ativo, o réu, se pretender reconvir, somente poderá fazê­lo se sua pretensão envolver direito que afirma ter em relação ao substituído. Da mesma forma, se a substituição processual ocorrer no polo passivo, o substituto somente poderá reconvir para fazer valer, em face do autor, direito do substituído.

(in Primeiros Comentários ao novo código de processo civil – livro eletrônico: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier... et al. – São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016, comentários ao art. 343)

A presente ação foi proposta pelo Ministério Público que, como substituto processual, não demanda em nome próprio, mas em nome de toda a coletividade, na defesa do meio ambiente (interesse difuso).

Para se admitir a reconvenção em caso de substituição processual, o § 5º prevê que “o reconvinte deverá afirmar ser titular de direito em face do substituído”.

Em outros termos, para se admitir o instituto processual em análise, os apelantes (reconvintes) devem ser titulares de direitos em face da coletividade (substituído), o que, por certo, não é o que se apresenta.

Impende destacar que os apelantes podem propor demanda autônoma em face da União para discutir a questão do direito à moradia, uma vez que a reconvenção tem natureza facultativa.

Em síntese, devem ser mantidas as obrigações impostas na r. sentença, observando-se a área de preservação permanente da faixa marginal do Rio Paraná correspondente a 500 metros, com fulcro no art. 2º, “a”, 5, da Lei nº 4.771/65.

Ante o exposto, nego provimento às apelações e à remessa oficial, tida por submetida.

É como voto.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003995-42.2013.4.03.6112

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, PEDRO MARQUES, MARIA NEIDE DE ABREU MARQUES

Advogado do(a) APELANTE: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, PEDRO MARQUES, MARIA NEIDE DE ABREU MARQUES

Advogado do(a) APELADO: NELSON ANTONIO DE OLIVEIRA - SP123590

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O - V I S T A

 

 

 

 

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA:

 

 

Pedi vista para assenhorear-me das questões de fato e de direito discutidas nos autos.

Peço vênia para divergir, por não concordar com a conclusão adotada pelo e. Relator.

Como já mencionado em diversos outros processos de minha relatoria, a situação do Município de Rosana é especialíssima.

Esse Município foi desmembrado do Município de Teodoro Sampaio e o Bairro Beira Rio surgiu na década de 1960. Antes desse desmembramento, era ocupado por ribeirinhos e pescadores, que tiravam seu sustento do Rio Paraná e, posteriormente, por pescadores amadores e pequenos comerciantes, que aproveitavam o movimento de cruzamento do rio Paraná em direção ao Estado de Mato Grosso do Sul que era feito por uma balsa. Isto até enchimento da represa da Hidrelétrica Sérgio Motta. Portanto, o bairro surgiu antes do próprio Município de Rosana, há mais de 50 anos.

Dando cumprimento ao que determina o art. 182 da Constituição Federal e a Lei Federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), o Município promulgou, ainda, a Lei Complementar nº 45/2015, instituindo o Plano Diretor Participativo do Município de Rosana, com inclusão do Bairro Beira Rio em seu perímetro urbano (https://www.rosana.sp.gov.br/legislacao/LeiComplementar045_2015_Mapa_Zoneamento_Urbano_de_Rosana_Geral.pdf).

Diante do peculiar interesse do Município, e considerando a certificação legal de que o bairro onde se localiza o imóvel dos réus está dentro do perímetro urbano da cidade, estabeleceu-se um zoneamento municipal e o território de Rosana foi ordenado a partir de macrozonas, dentre as quais ressalta o art. 29, II, a Macrozona de Interesse Turístico e Ambiental (MZITA).

Nesse documento o parágrafo único do art. 31, assim dispõe:

 

"Parágrafo único. São diretrizes específicas da MZITA:

I- Estimular e promover a regularização ambiental das ocupações situadas em APPs e nas ilhas do Rio Paraná, observando a Lei Federal nº 12.651/2012, em especial as disposições contidas no Capítulo XIII, Seção II que trata das áreas consolidadas em APP."

 

Portanto, dentro do regramento do novo Código Florestal, e com fundamento em seu interesse local, é direito e dever do Município de Rosana, ordenar seu território e proceder, como, aliás, expressamente autoriza referida norma, a regularização dessas ocupações antrópicas ao longo do rio Paraná. Pouco importa se o Ministério Público concorda ou não com a inserção do Bairro Beira Rio como perímetro urbano. O problema é do Município, e não da União Federal. Nenhum Poder Judiciário poderá, com a devida vênia, dizer que a lei municipal é inconstitucional, eis que sua edição e promulgação está prevista constitucionalmente e no Estatuto das Cidades.

Esses dispositivos legais, por mais que alguns entendam que não devem ser assim aplicados, foram declarados constitucionais pelo Colendo STF, e cuida das Áreas Consolidadas em Áreas de Preservação Permanente.

Quanto às denominadas áreas urbanas e urbanas consolidadas, o próprio Código Florestal remete ao Estatuto das Cidades, e nesse sentido foi que o Município de Rosana dispôs no § 2º do art. 80 do Plano Diretor, o seguinte:

 

§ 2º- Para fins de regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, deverá ser mantida Área de Preservação Permanente (APP) com largura mínima de 5 (cinco) metros de cada lado." (destaquei)

 

A compatibilização do novo Código Florestal com os interesses do Município, igualmente protegidos, devem levar em consideração a dignidade da pessoa humana, e a Lei nº 12.651/2012 faz uma diferenciação entre a área rural consolidada e área urbana ou urbana consolidada, para fixar limites diferenciados para observância de APP, sendo absurda e divorciada totalmente da realidade exigir-se em área urbana ou urbana consolidada APP de 500 (quinhentos) metros, pena de se inviabilizar totalmente o pequenino Município de Rosana, que conta com um população de pouco mais de 19.600 habitantes, pelo último censo, cerca de 26,5 habitantes por km2 e um PIB de R$ 778.538,00, comparativamente com a cidade de Presidente Prudente, que lhe é próxima e conta com um PIB de R$ 24,8 bilhões.

Ora, é evidente que o magistrado há de julgar os feitos que lhe são submetidos com a ponderação e razoabilidade nas decisões. Aliás, é assim que determina o art. 20 da Lei nº 13.655/2018 que instituiu a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, determinando que a decisão judicial considere as consequências práticas de sua decisão.

A legislação ambiental prevê expressamente a possibilidade de regularização da área, sem ampliação ou modificação do status quo, devendo os ribeirinhos se submeterem ao PRA, nos termos do art. 4º do Código Florestal.

Aliás, bem por isso o Plano Diretor do Município já prevê o PRA (Plano de Recuperação Ambiental). Os imóveis, quer rurais, quer urbanos, devem, na hipótese alinhavada, se submeterem à Regularização Ambiental, em especial se considerarmos que nenhum deles tem área superior a 1 (hum) hectare.

Nesse sentido, o § 12 do art. 61-A do Código Florestal, cuja constitucionalidade veio de ser reconhecida pelo C. STF:

 

"§ 12- Será admitida a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1º a 7º, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas."

 

Esse dispositivo, expressamente admite a manutenção das residências. Assim não fosse, o artigo em análise não teria afirmado "e da infraestrutura associada". Teria o legislador escrito residências "e infraestrutura associadas", o que não ocorreu.

Mas a ocupação antrópica que o Código admite, não é qualquer ocupação. Há de ser aquela preexistente a 22 de julho de 2008, como é o caso dos autos.

Acrescento que a dignidade da pessoa humana e os direitos que lhe foram garantidos pelo texto constitucional, explicitados no "caput" do art. 6º, arrolam, ao lado da educação e da saúde, dentre outros, o trabalho, a moradia e o lazer.

O Prof. Celso Antonio Fiorillo ensina:

 

"... a nova legislação instrumental ratifica no plano infraconstitucional que lesões ou ameaça aos bens ambientais/direito ambiental (patrimônio genético, meio ambiente cultural, meio ambiente digital, meio ambiente artificial, saúde ambiental, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural) serão apreciadas pelo Poder Judiciário, conforme os princípios fundamentais indicados nos arts. 1º a 3º da Carta Magna, bem como em face das garantias e direitos individuais fundamentais indicados no  art. 5º e seguintes da Constituição Federal." (Direito Processual Ambiental Brasileiro-Saraiva, 2018, p. 25)

 

Por fim, cabe deixar consignado que o C. STF, nas inúmeras reclamações recebidas contra a autoridade dos julgamentos proferidos nas ADI's 4901, 4902, 4903, 4937 e ADC 42, apreciadas em 28/02/2018, tem suspendido os efeitos dos julgamentos proferidos com fundamento nas disposições do Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), inclusive desta E. Corte., in verbis:


 
"Decisão:
Vistos.
Cuida-se de reclamação constitucional, com pedido de tutela de urgência, ajuizada por Rogério Fernando Ferreira e outros contra decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, mediante a qual se teria afrontado a autoridade do Supremo Tribunal Federal e desrespeitado a eficácia do julgado nas ADI nºs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF e na ADC nº 42/DF.
Os reclamantes narram que são demandados pelo Ministério Público Federal, nos autos da Ação Civil Pública nº 0004931-67.2013.4.03.6112, 
“com objetivo de condená-los ao cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, consistentes, basicamente, em deixar de utilizar o imóvel que lhes pertence, demolir a edificação existente no local e reflorestar a área, além da condenação ao pagamento de indenização por danos ambientais supostamente causados”.
Relatam que, em sede de recurso de apelação,
“[e]m sessão de julgamento realizada em Abril/2019, a Sexta Turma do [TRF 3] manteve a sentença, ignorando completamente a constitucionalidade do art. 61-A, §§ 1, 12, e 14 da Lei 12.651/12, declarada pelo Pretório Excelso por ocasião das ADI`s 4901, 4902, 4903, 4937 e ADC 42, apreciadas pela Suprema Corte em 28/02/2018.”
Informam que contra essa decisão foram opostos embargos de declaração, os quais foram rejeitados, e, logo após interpuseram recursos especial e extraordinário, estando ambos pendente de admissibilidade.
Sustentam os reclamantes que
“o TRF 3 permanece recalcitrantemente com o entendimento de inaplicabilidade do novo Código Florestal com base no princípio da vedação ao retrocesso ambiental e com fulcro na regra tempus regit actum, utilizada aqui como fundamento para tornar letra morta o disposto no art. 61-A, §§ 1, 12 e 14 da Lei 12.651/12, contrariando o STF no julgamento da ADC 42 e das ADI`s 4901, 4902, 4903 e 4937, que em controle concentrado de constitucionalidade à recepcionou integralmente, sem ressalvas ou observações.”
Ressaltam, ainda, que,
“[d]e acordo com o v. Acórdão objeto desta reclamação, aplica-se a anacrônica Lei 4.771/67 ao caso dos autos porque era a lei vigência na época dos fatos, ademais é pressuposto do art. 61-A, do Novo Código Florestal, a regularização fundiária, sem a qual é inaplicável o dispositivo, ou seja, trata-se de condição sine qua non.”.
Rogério Fernando Ferreira e outros defendem que
“[a] teoria da vedação ao retrocesso da defesa de direitos e garantias ambientais foi peremptoriamente afastada no julgamento da ADC 42, oportunidade em que o Pretório Excelso cotejou essa tese com outros valores igualmente elevados às garantias constitucionais, e chegou-se à conclusão de que não se trata de um princípio absoluto e intocável no ordenamento jurídico, devendo ser interpretado em conjunto com o arcabouço jurídico constitucionalmente relevante, estando, portanto, sujeito à mudanças democraticamente promovidas pelo Legislativo, cf. se verificou com a promulgação do novo Código Florestal.”
Ponderam que,
“[d]eclarada a constitucionalidade da Lei 12.651/12, não pode ela ser taxada de retrocesso ambiental para obstaculizar efeitos quanto à sua vigência, inclusive e notoriamente para ações em curso, como é o caso que tramita na origem, sob pena de, indiretamente, negar-lhe vigência e constitucionalidade, tornando-a letra morta e com manifesta violação ao julgamento da ADI 4902, evidenciando um casuísmo processual absurdo.”.
Argumentam, ademais,
“[ser] indevida a aplicação do princípio tempus regit actum porque o novo Código foi expresso ao prever a retroatividade da novel legislação a fatos pretéritos, tendo dedicado todo capítulo das disposições transitórias a retroação da lei, justamente para atingir aquelas situações consolidadas que podem ser regularizadas, conferindo assim um tratamento isonômico à todos aqueles que se encontravam à margem da lei.”.
Requerem que seja deferida a tutela de urgência para suspender os efeitos do acórdão reclamado até o julgamento definitivo da presente reclamação. No mérito, pedem que seja julgada procedente a reclamação.
É o relatório. Decido.
Aponta-se como ato reclamado acórdão proferido pelo TRF da 3ª Região nos autos da Ação Civil Pública nº 0004931-67.2013.4.03.6112, cuja ementa transcrevo, na parte de interesse:
“DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. ART. 475, 1, DO CPC/1973 C/C ART. 19 DA LEI N.° 7.347/1985. PRELIMINARES REJEITADAS. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). RIO PARANÁ. MUNICÍPIO DE ROSANA. DANO AMBIENTAL. EXTENSÃO. 500 (QUINHENTOS) METROS. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE INTEGRAL RECUPERAÇÃO.
(...)
4. Igualmente, não prospera a preliminar de nulidade da sentença por deixar de aplicar a regra do art. 61-A, § 1° e 12 do novo Código Florestal, uma vez que, estando comprovado nos autos, por meio de laudo pericial e Relatório Técnico de Vistoria, o fato de o lote em questão estar em Área de Preservação Permanente (APP), cujo parcelamento do solo foi realizado de forma irregular e clandestina, com risco de inundação, a discussão acerca do caráter urbano ou rural da área e sua eventual sujeição às leis municipais de uso e ocupação do solo torna-se despicienda, de modo que a faixa a ser considerada, in casu, deve ser a de 500 metros do leito do Rio Paraná, na forma da legislação ambiental e não a de 5 metros, conforme prevista no § 10 do art. 61-A da Lei n.° 12.651/2012.
(...)
6. No caso vertente, os réus, ora apelantes, são proprietários dos imóveis denominados ‘Rancho dos Alongados’ ou ‘Rancho do Ranulfo’ e ‘Rancho Boca do Sucuri’, localizados no bairro Entre Rios, estrada do Pontalzinho, Município de Rosanal/SP, às margens do rio Paraná.
7. Acerca da definição das áreas de preservação permanente, dispunha a Lei n.° 4.771/1965, vigente à época que (...) consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas (...) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (...) 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros (art. 2°, ‘a’, item 5).
8. A jurisprudência desta C. Sexta Turma é pacífica quanto à aplicação, aos casos como o presente, do Código Florestal anterior (Lei n.° 4.771/1965), vigente à época dos fatos.
9. Como já dito anteriormente, estando comprovado o fato de o lote em questão estar em Area de Preservação Permanente, cujo parcelamento do solo foi realizado de forma irregular e clandestina, com risco de inundação, a discussão acerca do caráter urbano ou rural da área e sua eventual sujeição às leis municipais de uso e ocupação do solo torna-se despicienda, mesmo porque o parágrafo único do art. 2° da Lei n.° 4.771/1965 é claro ao dispor que no caso de áreas urbanas (..) observar-se-á o disposto nos respectivos planos, diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.” (e-Doc. 10, grifo nosso)
Em juízo de delibação, entendo que há plausibilidade jurídica na tese de que a autoridade reclamada, ao recusar a análise do Processo nº 0004931-67.2013.4.03.6112 à luz da Lei nº 12.651/2012 - declarando não apenas a irrelevância do debate preliminar quanto às propriedades em litígio estarem localizada em área urbana ou rural, mas também a necessidade de a ação ser analisada à luz da legislação vigente ao tempo das condutas controvertidas (Lei nº 4.771/65)-, esvazia a força normativa do referido dispositivo legal cuja validade constitucional fora afirmada pelo STF na ADI 4.903/DF e na ADC nº 42/DF (sessão de julgamento de 28/2/2018, ata de julgamento publicada no DJe de 2/3/2018).
Há verossimilhança na alegação de recusa à aplicação do art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 no caso concreto, com fundamento no princípio do tempus regit actum e do postulado da vedação do retrocesso em matéria ambiental, em afronta à autoridade do STF nas ações paradigmas. Nesse sentido:
“MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. DECISÃO RECLAMADA NA QUAL SE APLICA O PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. AFASTAMENTO DAS REGRAS DE TRANSIÇÃO DA LEI N. 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL). ALEGADO DESCUMPRIMENTO AO DECIDIDO NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE NS. 4.937, 4.903, 4.902 E NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 42. INCIDÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO ESTABELECIDA NO ART. 61-A DA LEI N. 12.651/2012. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS” (Rcl nº 42.786/SP-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje de 24/9/20).
“RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. ADIs Nº 4.937, 4.903, 4.902 E ADC Nº 42. SÚMULA VINCULANTE Nº 10. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE VEDAÇÃO AO RETROCESSO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. ATO RECLAMADO QUE APLICA O PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM AO CASO. AFASTAMENTO DE NORMA COM BASE EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO” (Rcl nº 42.711/SP, Rel. Min. Rosa Weber, Dje de 20/11/20).
Há, ainda, periculum in mora, ante a existência de ordem judicial para
“1. [...] abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente dos imóveis [...] 2. [...] demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 (trinta) dias; 3. [...] recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 06 (seis) meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 02 (dois) anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CBRN - Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 (trinta) dias; [...]”
Ante o exposto, e sem prejuízo de nova análise da questão após prestadas as informações e instaurado o contraditório, defiro parcialmente a tutela de urgência para suspender, no limite de área regulamentada pela Lei nº 12.651/2012, a eficácia de decisão do TRF 3 na ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112 no tocante às ordens de abstenção de exploração, demolição de construções e recomposição da cobertura florestal e eventual multa pelo descumprimento da decisão nessa parte ou prática de eventuais atos ou procedimentos executivos dela decorrentes.
Registro que, ante o caráter cautelar da medida, ficam mantidos os efeitos da decisão reclamada na parte em que institui ordem de não fazer consistente em “abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente - CBRN ou IBAMA”, bem como as astreintes fixadas pelo descumprimento nessa parte.
Ante a ausência de indicação do valor da causa (CPC, art. 291 c/c art. 319, inciso V), determino a emenda da inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de revogação da liminar e indeferimento da reclamação.
Apresentada a emenda da inicial, à Secretaria para que proceda i) à intimação da autoridade reclamada para que preste as informações e ii) à citação da parte beneficiária do ato reclamado (CPC, art. 989, I e III).
Após, encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral da república para manifestação como custos legis.
Publique-se. Int."
(Rcl 51472 MC/SP - Relator Min. DIAS TOFFOLI - j. 18/02/2022 - Publicação DJe-s/n DIVULG 21/02/2022 PUBLIC 22/02/2022 - destaquei)

 

Como consequência do julgamento do mérito da Reclamação, a E. Vice-Presidência deste E. Tribunal proferiu a r. decisão (id. 259733111), determinando o retorno dos autos à E. 6ª Turma para rejulgamento da Apelação nº 0004931-67.22013.403.6112, com observância das disposições do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) ao caso concreto (Área de Preservação Permanente localizada no Rio Paraná, Município de Rosana/SP), afastando-se a incidência do princípio tempus regit actum, expressamente adotado pelo e. Relator na hipótese em julgamento. 

Ante o exposto, e por tais fundamentos, peço vênia ao e. Relator, para dar parcial provimento à apelação dos réus, limitando as obrigações impostas na r. sentença – demolição e remoção de entulho - às edificações inseridas nas faixas marginais previstas no art. 61-A da Lei 12.651/2012, prejudicadas a apelação da União e do Ministério Público Federal e a remessa oficial, impondo-se a recuperação ambiental nos limites estabelecidos, seguindo-se as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O EXMO DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA RIBEIRO

Acompanho a e. Relatoria, considerando que a inteligência da Súmula nº 679/STJ admite o dever de indenizar no caso de a restauração ambiental "in natura" não se mostrar suficiente à recomposição integral do dano causado,  o que não se vislumbra nos autos.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Remessa oficial e apelações interpostas pelos corréus,  MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e União Federal contra sentença por meio da qual foi acolhida parcialmente a pretensão deduzida pelo Parquet para apuração e recuperação de dano ambiental em área de preservação permanente.

O eminente Relator votou no sentido de desprover os recursos e a remessa oficial. Relativamente ao apelo do Parquet e da União, entendeu que, verbis:

 Nesse sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, demostrada a possibilidade de reparação plena da área degradada através da obrigação de fazer e de não fazer, é incabível a reparação indireta: (...) 

Concordo inteiramente com o Relator, com relação ao apelo do réu. Quanto ao do MPF e da União e à remessa, divirjo quanto à não fixação dos danos morais coletivos.

A sentença não acolheu o pleito de condenação ao pagamento de indenização pelos danos ambientais, questão contra a qual se insurgiu o  MPF e a União. Passo, pois, ao seu exame.

O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental , indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.

A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o erigir das construções. Trata-se de conduta infracional continuada, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental , a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação. Daí decorre o dever de indenizar. A jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata. Nesse sentido, destaco o entendimento do STJ:

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL . AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA ( INDENIZAÇÃO ). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.

1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.

2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico- ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.

3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.

4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo normal do negócio". Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.

5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização . Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura - mais ainda se a perder de vista - do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.

6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental , deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.

7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).

8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.

(STJ; REsp nº 1145083/MG; Rel. Min. Herman Benjamin; 2ª Turma; Dje 04/09/2012)

Penso que o dano coletivo extrapatrimonial ou moral está presente. Pela própria definição constitucional (art. 225, CF), o meio ambiente é primacialmente coletivo e sua proteção, seja da flora ou da fauna, respeita seus aspectos material e espiritual e deve ser considerado no seu conjunto, como é a expressão do legislador: meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. De acordo com José Rubens Morato Leite (2003, p. 249):

Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e a seu ambiente. A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão é um confisco dos direitos de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade.

O autor ainda ressalta:

O dano extrapatrimonial está muito vinculado ao direito da personalidade, mas não restringido, pois este é conhecido tradicionalmente como atinente à pessoa física e no que concerne ao dano ambiental , abraçando uma caracterização mais abrangente e solidária, tratando-se, ao mesmo tempo, de um direito individual e um direito da coletividade. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está ligado a um direito fundamental de todos e se reporta à qualidade de vida que se configura como valor imaterial da coletividade. (p. 266-267).

Veja-se, a propósito, entendimento do STJ sobre o dano moral coletivo:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL . AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA COIBIR A PRÁTICA RECORRENTE DE POLUIÇÃO SONORA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE RECONHECIDA. DANO MORAL COLETIVO. POLUIÇÃO SONORA. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO . REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Recurso especial decorrente de ação civil pública em que se discute danos morais coletivos decorrentes de poluição sonora e irregularidade urbanística provocadas por funcionamento dos condensadores e geradores colocados no fundo do estabelecimento das condenadas. 2. Tratando-se de poluição sonora, e não de simples incômodo restrito aos lindeiros de parede, a atuação do Ministério Público não se dirige à tutela de direitos individuais de vizinhança, na acepção civilística tradicional, e, sim, à defesa do meio ambiente, da saúde e da tranqüilidade pública, bens de natureza difusa. O Ministério Público possui legitimidade para propor Ação Civil Pública com o fito de prevenir ou cessar qualquer tipo de poluição, inclusive sonora, bem como buscar a reparação pelos danos dela decorrentes. Nesse sentido: REsp 1.051.306/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 10/09/2010. 3. "Tratando-se de poluição sonora, e não de simples incômodo restrito aos lindeiros de parede, a atuação do Ministério Público não se dirige à tutela de direitos individuais de vizinhança, na acepção civilística tradicional, e, sim, à defesa do meio ambiente, da saúde e da tranqüilidade pública, bens de natureza difusa" (REsp 1.051.306/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 10/09/2010.). 4. "O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. (...) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos". Nesse sentido: REsp 1.410.698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015; REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010. 5. A Corte local, ao fixar o valor indenizatório em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), o fez com base na análise aprofundada da prova constante dos autos. A pretensão da ora agravante não se limita à revaloração da prova apreciada do aresto estadual, mas, sim, ao seu revolvimento por este Tribunal Superior, o que é inviável. Incidência da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: AgRg no AREsp 430.850/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 07/03/2014. Agravo regimental improvido. ..

(AGARESP 201501613818; Rel. Min. HUMBERTO MARTINS; 2ª Turma; DJE DATA:14/09/2015)

 

Ressalte-se, ademais, que aquela corte entende que não há óbice à cumulação da obrigação de reparar a área e de indenizar:

 

"ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL . AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL . DANO S CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA ( INDENIZAÇÃO ). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL . 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por dano s ambientais causados pela supressão de vegetação nativa e edificação irregular em Área de Preservação Permanente. O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual. 2. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros). 3. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que fixe, in casu, o quantum debeatur reparatório do dano já reconhecido no acórdão recorrido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1328753, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 03/02/2015)

 

Em relação à quantificação do dano ambiental , é pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973). Nesse sentido, colacionam-se os julgados a seguir do C. Superior Tribunal de Justiça:

 

"RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS E PATRIMONIAIS - INCÊNDIO INICIADO NA ÁREA DE PROPRIEDADE DO RÉU QUE ATINGIU O IMÓVEL RURAL DO AUTOR - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - CORTE LOCAL QUE, AO RECONHECER A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO RÉU (ART. 3º, INC. IV E ART. 14, § 1º, DA LEI 6.938/81), CONDENA-O AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS, A SEREM QUANTIFICADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE RÉ. DANOS AMBIENTAIS INDIVIDUAIS OU REFLEXOS (POR RICOCHETE) - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 14, § 1º, DA LEI Nº 9.938/81, E, OUTROSSIM, EM VIRTUDE DA VIOLAÇÃO A DIREITOS DE VIZINHANÇA - RECONHECIMENTO DO DEVER DE INDENIZAR IMPUTÁVEL AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL.

(omissis)

5. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1381211, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, v.u., DJe 19/09/2014);

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO COMERCIAL AJUIZADA POR SUBLOCATÁRIA DE "POSTO DE GASOLINA". PROCEDÊNCIA. EXCLUSÃO DA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS DA RELAÇÃO LOCATÍCIA. MANUTENÇÃO DOS EQUIPAMENTOS NO IMÓVEL. NOVA AÇÃO, AJUIZADA PELOS PROPRIETÁRIOS CONTRA A ANTIGA LOCATÁRIA, OBJETIVANDO A RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS, A REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL NO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E A RECONSTRUÇÃO DO PISO. LIMINAR DEFERIDA PARA DETERMINAR A REMOÇÃO DOS EQUIPAMENTOS EM CINCO DIAS E A REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA, COM EFETIVA LIMPEZA DO IMÓVEL, EM TRINTA DIAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, CONCLUSIVA NO SENTIDO DE QUE NÃO TERIA SIDO CUMPRIDA A LIMINAR QUANTO À LIMPEZA DO LOCAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO RECONHECIDO, MAS APENAS EM RELAÇÃO AOS DANOS MATERIAIS, EM VALOR A SER APURADO EM PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA NO JULGAMENTO DAS APELAÇÕES. RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, DETERMINADA PELA QUINTA TURMA DO STJ NO RESP Nº 1.041.697/RS. DECLARATÓRIOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS PARA SANAR OMISSÃO. NOVA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC QUE NÃO FICOU CONFIGURADA. PROVA PERICIAL PRODUZIDA NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. DOCUMENTO QUE, CONQUANTO MENCIONADO, NÃO FOI UTILIZADO COMO RAZÃO DE DECIDIR PELO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS. RESPONSABILIDADE PELA RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. MATÉRIA CUJA ANÁLISE DEMANDA O REEXAME DE FATOS E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ÓBICE DAS SÚMULAS NOS 5 E 7 DO STJ. ALEGADA VIOLAÇÃO DE NORMA CONTIDA EM RESOLUÇÃO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. PEDIDO DE QUE O VALOR SEJA DEFINIDO EM LIQUIDAÇÃO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO TERIA FICADO COMPROVADO O PREJUÍZO MENCIONADO PELOS AUTORES. REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA DE FATO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. IMPEDIMENTO À EXPLORAÇÃO DO IMÓVEL QUE SOMENTE FICOU CONFIGURADO A PARTIR DA DEVOLUÇÃO DAS CHAVES AOS PROPRIETÁRIOS. ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DA INDENIZAÇÃO . PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE LIMPEZA DO LOCAL NO PRAZO DEFINIDO NA LIMINAR. PRAZO SUJEITO ÀS DETERMINAÇÕES DO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE. PONTO QUE NÃO FOI OBJETO DE DEBATE E DECISÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DEVIDO À PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISCUSSÃO SOBRE O CUMPRIMENTO DA LIMINAR NO CONCERNENTE À RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. ENTENDIMENTO DA SENTENÇA REFORMADO PELO TRIBUNAL NO NOVO JULGAMENTO DOS EMBARGOS. RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS PELOS AUTORES NA RETIRADA DOS TANQUES REMANESCENTES. REFORMATIO IN PEJUS CONFIGURADA. MULTA DIÁRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO DO VALOR, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SERIA EXCESSIVO. MATÉRIA CUJA DISCUSSÃO DEVERÁ AGUARDAR A DEFINIÇÃO, NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO, A RESPEITO DO MOMENTO EM QUE FOI CUMPRIDA A ORDEM DE LIMPEZA DO TERRENO.

(omissis)

12. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1372596, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, v.u., DJe 02/05/2013).

 

É essa a interpretação a ser dada ao pleito formulado, pois o autor não restringiu a realização da perícia à fase de conhecimento, até mesmo porque plenamente cabível sua realização na fase de liquidação, como visto, nomeado expert pelo próprio Juízo onde será cumprido o decisum condenatório. O pedido deve ser interpretado de forma a alcançar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Consoante o entendimento assente do C. STJ: "O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 15.03.2010). Conforme se ressaltou no julgamento do REsp 1.107.219/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 23.09.2010, 'os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide'. Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que 'não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda'. Os precedentes acima denotam a posição consolidada do STJ quanto à necessidade de se conferir ao pedido uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita" (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).

Ante o exposto, acompanho o Relator, relativamente ao apelo dos corréus, porém dou parcial provimento ao recurso do MPF e da União, assim como ao reexame necessário, a fim de condenar ao pagamento de indenização correspondente aos danos ambientais, a ser calculada por arbitramento.

É como voto.

André Nabarrete

Desembargador Federal

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E M E N T A

APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL TIDA POR SUBMETIDA. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. IRRETROATIVIDADE. DIREITO ADQUIRIDO À PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965. TEMPUS REGIT ACTUM. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CONSTRUÇÃO IRREGULAR ÀS MARGENS DO RIO PARANÁ. MUNICÍPIO DE ROSANA. PROVAS SUFICIENTES. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE. CONDENAÇÃO OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER. REMOÇÃO DE EDIFICAÇÕES. RECOMPOSIÇÃO DA COBERTURA VEGETAL. POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. RECONVENÇÃO. NÃO CABIMENTO. RECURSOS IMPROVIDOS.

1. Está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).

2. O direito de construir não ostenta natureza absoluta, estando condicionado ao respeito ao “direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos” (CC, art. 1.299).

3. No caso em tela, não há provas de que o imóvel foi construído em consonância com a licença administrativa emitida pelo Poder Público competente. Aliás, sequer consta o título de domínio em nome dos corréus. Daí porque se mostra indevida a incidência da norma prevista pelo antigo Código Florestal, em sua redação original, porquanto o Direito não se presta a salvaguardar situações flagrantemente contrárias aos seus ditames.

4. A definição de área de preservação permanente é legal, de modo que, havendo intervenção antrópica de forma irregular, a norma estabelece a responsabilidade objetiva.

5. A legislação aplicável ao caso deve ser a da época dos fatos - tempus regit actum - eis que o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), em alguns aspectos, diminuiu a proteção ambiental e, por conseguinte, não pode retroagir para atingir fatos ocorridos sob a égide de lei anterior mais protetiva ao meio ambiente, não afetando direito ambiental adquirido.

6. Analisando os autos, verifica-se que os corréus possuem ciência de que o seu imóvel teria sido edificado em área de preservação permanente desde 12/02/2008, quando foi lavrado o Boletim de Ocorrência Ambiental ID Num. 210483562 - Pág. 51. Por tratar, em tese, do primeiro momento em que a Administração Pública teve conhecimento da irregularidade da construção, a referida data deve ser considerada para apurar a legislação ambiental vigente, porquanto foi a partir deste momento que formalmente se verificou o interesse de agir público consistente em adotar medidas práticas para salvaguardar o meio ambiente.

7. Apesar da impossibilidade do novo Código Florestal retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, é certo que, no caso dos autos, a extensão da área de preservação permanente para o Rio Paraná permaneceu a mesma, conforme se verifica da redação do art. 4º, I, “e”, da Lei nº 12.651/12.

8. Destarte, não se verifica qualquer controvérsia de que o imóvel se encontra a menos de 500 metros do leito do rio Paraná, em área de preservação permanente, na faixa marginal do curso d'água, violando a previsão do art. 2º da Lei nº 4.771/65.

9. A responsabilidade pelos danos ambientais possui natureza objetiva, sendo prescindível a caracterização de culpa, nos termos do § 1º, do art. 14, da Lei nº 6.938/81.

10. As obrigações ambientais possuem caráter propter rem, transferindo a responsabilidade por eventuais danos ao atual proprietário ou possuidor, ainda que eles não tenham sido os responsáveis pela degradação ambiental. É a inteligência da Súmula nº 623/STJ.

11. Sobre a Lei Complementar Municipal nº 45/2015, que instituiu o Plano Diretor Participativo, a sua promulgação em nada interfere na conclusão de que o imóvel em questão foi construído em área de preservação permanente, violando a legislação ambiental de regência.

12. As provas contidas nos autos demonstram que a região possui risco de inundação, de modo que não seria possível a regularização fundiária prevista nos arts. 61-A, 64 e 65 da Lei 12651/2012.

13. A presente ação foi proposta pelo Ministério Público que, como substituto processual, não demanda em nome próprio, mas em nome de toda a coletividade, na defesa do meio ambiente (interesse difuso). Para se admitir a reconvenção em caso de substituição processual, o § 5º, do art. 343, do CPC, prevê que “o reconvinte deverá afirmar ser titular de direito em face do substituído”. Em outros termos, para se admitir o instituto processual em análise, os apelantes (reconvintes) devem ser titulares de direitos em face da coletividade (substituído), o que, por certo, não é o que se apresenta.

14. Recursos de apelação e remessa oficial, tida por submetida, não providos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Des. Fed. MARLI FERREIRA, foi proferido o seguinte resultado: a Quarta Turma, por maioria, decidiu negar provimento ao apelo dos corréus, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE, o Des. Fed. SOUZA RIBEIRO e o Des. Fed. PAULO DOMINGUES, Vencida a Des. Fed. MARLI FERREIRA, que dava parcial provimento à apelação dos réus. E, por maioria, decidiu negar provimento às apelações do MPF e da União e à remessa oficial, tida por submetida, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram o Des. Fed. SOUZA RIBEIRO e o Des. Fed. PAULO DOMINGUES, Vencido o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE, que dava provimento ao recurso do MPF e da União, assim como ao reexame necessário, a fim de condenar ao pagamento de indenização correspondente aos danos ambientais, a ser calculada por arbitramento, bem como vencida a Des. Fed. MARLI FERREIRA, que julgava prejudicadas as apelações do MPF e da União, e a remessa oficial, impondo-se a recuperação ambiental nos limites estabelecidos, seguindo-se as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor. Fará declaração de voto o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. O Des. Fed. SOUZA RIBEIRO e o Des. Fed. PAULO DOMINGUES ( ambos da 6ª Turma) votaram nos termos dos artigos 53 e 260, §1º do RITRF3 , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.