APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005293-65.2005.4.03.6107
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, ASSOCIACAO JESSE DE ARACATUBA
Advogados do(a) APELADO: EDER VOLPE ESGALHA - SP119607-A, LEILA REGINA STELUTI ESGALHA - SP119619-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005293-65.2005.4.03.6107 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, ASSOCIACAO JESSE DE ARACATUBA Advogado do(a) APELADO: EDER VOLPE ESGALHA - SP119607-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação e reexame necessário, em Ação Civil Pública, proposta pelo MINISTERIO PUBLICO FEDERAL em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA) e da ASSOCIAÇÃO JESSE DE ARAÇATUBA, na qual foi julgada improcedente a pretensão para cessar as atividades de construção de imóvel supostamente edificada em área de preservação permanente formada ao redor de nascentes localizadas no interior da cava da antiga Pedreira Baguaçu, no Município de Araçatuba/SP. Alega o autor que, em 20 de maio de 2002, o IBAMA lavrou o Auto de Infração nº 120.168-D e o Termo de Embargo de Obra nº 49.211-C, em razão de edificação iniciada pela corré ASSOCIAÇÃO JESSE na Rua Antônio Lino, nº 201, bairro Jardim Sumaré, Araçatuba/SP. Narra que a autuação se baseou no art. 2º, "c" e "e", do Código Florestal então vigente (Lei nº 4.771/65), pela obra situar-se a menos de 50 metros de nascentes ("olhos d'água") e invadir/afetar encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive. Posteriormente, o referido auto de infração foi cancelado. De acordo com o MPF, o IBAMA “considerou as nascentes do local como artificiais (assim como os lagos que formaram), e, por isso, não protegidas pelo Código Florestal ou pelas Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)” (ID Num. 94725464 - Pág. 9). Destaca que o IBAMA reconhece que não há relatos da existência de engenho humano que traga a água das nascentes à superfície, de modo que, neste caso, a água seria subterrânea, nos termos do art. 2º, II, da Resolução CONAMA nº 303/2002. Assevera que, a despeito desta constatação, o IBAMA insiste em sua tese, argumentando que as referidas águas “surgiram em virtude das escavações de ‘pedreira’, portanto, de obra humana, não natural” (ID Num. 94725464 - Pág. 9). Para o autor, a conclusão está equivocada, uma vez que a “causa de surgimento do local das nascentes não se confunde com a causa de surgimento das águas das nascentes”. Aponta que, mesmo que o CONAMA não tivesse protegido as nascentes artificiais na Resolução nº 303/2002, por não abrangê-las no conceito de nascente, não seria lícito presumir que ele as abandonou. Afirma que o processo administrativo nº 02027.002676/2002-35 que culminou com o cancelamento do auto de infração lavrado em face da obra da corré ASSOCIAÇÃO JESSE deve ser considerado nulo a partir do momento em que se permitiu a indevida intervenção em APP. Ao final, formulou os seguintes pedidos (ID Num. 94725464 - Pág. 36): a) a condenação dos réus, solidariamente, em obrigação de fazer, consistente em demolir ou desfazer por completo as obras e construções no local b) a condenação dos réus, solidariamente, na obrigação de reparar o dano ambiental, inclusive no local da obra - isto é, na Rua Antonio Lino, n.° 201, em Araçatuba -, uma vez desfeita; c) declarem-se nulos todos os atos procedimento administrativo n.° 02027.002676/2002-35, do réu, a partir de sua fls. 169 (juntada de oficio da E. 2ª Vara Federal de Araçatuba). Após a apresentação das contestações do IBAMA (ID Num. 94725464 - Págs. 51-102) da ASSOCIAÇÃO JESSE (ID Num. 94725464 - Pág. 167 - ID Num. 94725465 - Pág. 12), bem como de réplica pelo MPF (ID Num. 94725465 - Pág. 19-37), sobreveio a decisão que indeferiu o pedido de denunciação da lide ao Município de Araçatuba (ID Num. 92553102 - Pág. 3). Desta decisão, a ASSOCIAÇÃO JESSE interpôs o agravo retido ID Num. 92553102 - Pág. 62. Em decisão ID Num. 92553102 - Pág. 156 foi deferida a produção da prova pericial. Laudo pericial juntado no ID Num. 97451838 - Pág. 4 – ID Num. 97451839 - Pág. 6. Na sentença, o r. Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos, nos termos do art. 269, I, do CPC/1973. Na mesma ocasião, concedeu a medida liminar para que a ASSOCIAÇÃO JESSE possa dar seguimento às obras. Não houve condenação da parte sucumbente ao pagamento de honorários advocatícios. A sentença foi submetida ao reexame necessário. Inconformado, apela o Ministério Público Federal alegando, em preliminar: a) nulidade da r. sentença por não apreciar pontos essenciais à causa; b) extrapolação da causa de pedir; c) violação do princípio da demanda, já que concedeu a liminar de ofício; d) suspeição do magistrado. No mérito, alega que: a) é incontroverso que há nascentes no entorno da obra da ré (afora a encosta); b) o laudo produzido não contém assinatura, rubrica, ou qualquer forma que lhe assegure autenticidade, estando desprovido também de assunção de responsabilidade técnica; c) a sentença induz que todos os fluxos d'água do local têm de desaguar no "Córrego Ribeirão Baguaçu", o que o perito não disse; d) a sentença omite que o perito negou a existência de escoamento de fluxo contínuo com o córrego "apenas próximo à lagoa"; e) a falta de clareza fez também o perito não responder qual força faz as águas aflorarem à superfície; f) as águas afloram naturalmente à superfície nos lugares surgidos pela atividade da pedreira, já que não há nenhum engenho (artificial) de sucção que, vencendo a força da gravidade, as faça subir; g) a legislação ambiental não distingue quanto à naturalidade ou artificialidade das nascentes; h) a eventualidade de as nascentes serem todas intermitentes é irrelevante porque, afora fato incomprovado nos autos, o auto de infração foi lavrado (em 2002) antes da modificação legal (em 2012) que abandonou a proteção daquelas nascentes, e, portanto, constitui ato jurídico perfeito que a lei posterior não pode afetar. Regulamente intimados, apenas o IBAMA apresentou contrarrazões. Processado o feito, subiram os autos a esta E. Corte. Em parecer, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República, manifestou-se pelo provimento do recurso do MPF (ID Num. 97451844 - Págs. 13-29). Em petição ID Num. 167797061, a ASSOCIAÇÃO JESSE narra que recebeu ofício do IBAMA referente ao Auto de Infração nº 3391162/D para que apresentasse plano de recuperação de Área degradada (PRAD) no prazo de 60 (sessenta dias). Assim requer a concessão de “tutela de urgência para que o IBAMA se abstenha de exigir do requerente qualquer reparação ou recuperação de área, uma vez que o processo foi julgado improcedente em primeira instância, sendo inclusive autorizado pelo juízo a realização e prosseguimentos das obras, com base nos artigos 300 e seguintes do CPC”. Intimados, o MPF (ID Num. 271565038) e o IBAMA (ID Num. 271925245) foram contrários ao pedido de tutela de urgência. É o relatório.
Advogado do(a) APELADO: EDNA MARIA BARBOSA SANTOS - SP240436-A
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005293-65.2005.4.03.6107 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, ASSOCIACAO JESSE DE ARACATUBA Advogado do(a) APELADO: EDER VOLPE ESGALHA - SP119607-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Do agravo retido Embora o agravo retido não tenha sido previsto no CPC/2015, a sua admissibilidade deve ser analisada segundo o princípio tempus regit actum, em estrita observância ao princípio da segurança jurídica. Contudo, o agravo retido ID Num. 92553102 - Págs. 62-64 não deve ser conhecido, uma vez a ASSOCIAÇÃO JESSE não apresentou apelação ou contrarrazões, conforme previa o art. 523, § 1º, do CPC/1973. Da alegação de suspeição Há tempo, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça assentou que “simples decisões contrárias às pretensões deduzidas pelo excipiente não são suficientes para comprovar suspeição, porquanto ausentes nos autos quaisquer elementos que demonstrem eventual parcialidade do excepto" (AgInt na ExSusp 108/PA, Corte Especial, DJ 28.5.2012). Ao argumentar a suspeição do Magistrado a quo, alega o MPF que (ID Num. 97451843 - Págs. 18-20): Pois bem, dadas as circunstâncias acima narradas, pode o Ilustre Juiz PEDRO LUIS PIEDADE NOVAES, prolator da sentença guerreada, considerar-se sem interesse moral no julgamento da causa em favor da ré? Afinal, autorizando, de ofício, sem pedido, a continuidade e a finalização das obras da ré, ainda que o MPF logre êxito na apelação (ou seja provido o reexame necessário), provavelmente deparar-se-á com a obra acabada, seguindo-se a previsível alegação de que se trata de situação consolidada (ou fato consumado). Então, nova querela, agora sobre a alterabilidade de situação já consolidada no tempo? (...) Não bastasse, referido juiz antecipou manifestação (fls. 917) sobre o crime e a improbidade decorrentes dos indícios de falsidade do relato de que as nascentes seriam intermitentes, objeto de inquérito policial próprio (fls. 835/838 e 845/851). E o pré-julgamento foi contraditório, pois, se não há surgências de água na cava, não passando os fluxos existentes de enxurradas (como parece concluir a sentença), também não há falar em nascentes de qualquer espécie, ainda que intermitentes: logo, o relato do IBAMA é falso por este motivo, assim como a autuação que deu base à presente. Por outro lado, o magistrado viu alegação do órgão ministerial sobre eventual causa de nulidade do processo administrativo n.° 02027.001122/2006-44 - que não existe na petição de fls. 835/838, tampouco na inicial (que se refere a outro processo, v. fls. 12). Sem contar que, outra vez, estas questões extrapolam o objeto desta ação - agora, inclusive, o seu pedido, além da causa de pedir. Portanto, é manifesto que o juiz não deseja que nada mais aconteça à ré, ou aos agentes do réu IBAMA, por qualquer motivo relacionado à questão ambiental envolvendo a extinta pedreira. Logo, a violação do princípio da adstrição e do princípio dispositivo induz, no caso, além da nulidade da sentença, a própria suspeição do juiz, pelo interesse no julgamento do litígio em desfavor do MPF - nos termos do art. 135, V, do CPC (no novo, art. 145. IV). Ora, da simples leitura das alegações ministerial, percebe-se que a sua irresignação versa tão somente sobre aspectos decisórios contidos na r. sentença. No entanto, ainda que o posicionamento externado pelo r. Juízo Singular, incluindo a concessão de medida liminar ex officio tenha se mostrado equivocada, tal como defende o Parquet, isto, por si só, não importa em automática suspeição do julgador. Não por outro motivo que a Procuradoria Regional da República da 3ª Região, em seu parecer, ao comentar acerca da alegação de suspeição, assim ponderou (ID Num. 97451844 - Pág. 23): Contudo, data maxima venia do entendimento do nobre colega, o deferimento oficioso de medida não postulada não é suficiente para, per se, convergir à conclusão da presença de qualquer sorte de vício de parcialidade do juízo que leve à suspeição. Outro argumento que corrobora a manifesta improcedência desta suspeição é a ausência de elementos concretos para subsidiar a imputação ministerial. Com efeito, ao suscitar a suspeição, o Parquet fundamenta o seu pedido no art. 135, V, do CPC/73, o qual possuía a seguinte redação: Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: (...) V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes. Ocorre que, em sua alegação, o MPF não especifica qual seria o interesse do magistrado no julgamento favorável à ASSOCIAÇÃO JESSE, mas apenas faz breves conjecturas acerca dos efeitos práticos da decisão liminar concedida de ofício e de posicionamentos adotados pelo Julgador. O E. Superior Tribunal de Justiça, contudo, já decidiu ser um dos pressupostos da exceção de suspeição a demonstração concreta da fatos imputados ao magistrado: AGRAVO INTERNO NA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO ESPECÍFICA DA HIPÓTESE LEGAL DE CABIMENTO DA EXCEÇÃO. PRESSUPOSTOS DO ART. 145 DO CPC/15. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA. AUSÊNCIA. MERO INCONFORMISMO COM O RESULTADO DO JULGAMENTO. 1. A excipiente não apontou, de modo objetivo e articulado, em sua inicial, qual das situações elencadas no art. 145 do CPC/15 evidenciaria a suspeição alegada. 2. A ausência de demonstração inequívoca da irregularidade no exercício das funções jurisdicionais enseja a rejeição da exceção de suspeição. Precedentes. 3. A via processual eleita não pode ser utilizada para manifestação de mero inconformismo com o resultado do julgamento. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (AgInt na ExSusp n. 218/DF, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 30/3/2021, DJe de 7/4/2021.) Ressalte-se, por fim, que o eventual término da obra da ASSOCIAÇÃO JESSE não representa qualquer óbice à sua posterior demolição, uma vez que não é possível se falar em direito adquirido à degradação ambiental diante do decurso do tempo. Neste sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 613: Súmula 613/STJ: Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental. Rejeito, portanto, a alegação de suspeição do Magistrado a quo. Da nulidade do processo administrativo nº 02027.002676/2002-35 O Auto de Infração nº 120.168/D, de 20/05/2002, foi lavrado pelo IBAMA em razão da ASSOCIAÇÃO JESSE “destruir formas de vegetação em área de preservação permanente e impedir a sua regeneração em 953 metros quadrados” (ID Num. 94974525 - Pág. 66). Instaurado o processo administrativo nº 02027.002676/2002-35, ao final, houve por bem a autarquia em cancelar o referido auto de infração. Em contestação, o IBAMA sustenta que o cancelamento teve origem em manifestação de um analista ambiental, o qual considerou que a área onde está localizado o imóvel não seria APP (ID Num. 94725464 - Pág. 63, grifei): 4.2. O Auto de Infração de n° 120168/D, de 20/05/2002, tem o seguinte enquadramento: Lei n° 4.771/65, art. 2°, alíneas c e e, Lei n° 9.605/98, artigo 38 e Decreto no 3.179/99, art. 2°, incisos IX e XI. (...) Considerando-se a regulamentação dada à Lei n° 4.771/65 pela Resolução CONAMA de nº 302/02, em especial ao seu inciso II do art. 3°, e aplicando-se a definição constante no inciso II do art. 2º da mesma resolução, o enquadramento constante do auto de infração é inadequado. O enquadramento na alínea e do art. 2° da Lei 4.771/65 diz respeito à "encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive." O terreno em questão é plano, de modo que o enquadramento é inadequado. Os lagos existentes na região são oriundos da atividade de mineração que ocorreu no passado. Foram escavados artificialmente. (...) Ora, os lagos em questão têm menos do que 5 hectares de área, são resultantes de escovações e não de barramento de cursos d'água, e não foram “construídos" em APP pré-existente. Também não são utilizados para o abastecimento público. Portanto, desde a edição da CONAMA 302/2002, não se pode considerar que exista APP na área em questão. Ainda em contestação, o IBAMA narra que o processo administrativo foi encaminhado ao Escritório Regional de Araçatuba para elaboração de laudo geológico, oportunidade em que a técnica responsável assim concluiu (ID Num. 94725464 - Pág. 65, grifei): Os afloramentos de basaltos da Formação Serra Geral ocorrem em toda a extensão da cova, conforme pode ser observado nas fotos apresentadas em anexo. Constatou-se, portanto, que a ocorrência de água no local está diretamente relacionada à abertura de cava nas rochas, em função de atividade de mineração, evidenciando inclusive, a natureza artificial dessas águas. Por fim, o processo administrativo foi encaminhado à Procuradoria Geral do IBAMA, a qual enviou à Coordenação Geral de Gestão de Recursos Florestais, que se pronunciou pelo cancelamento do auto de infração, concluindo que o local não é área de preservação permanente (ID Num. 94725464 - Pág. 68): Informo que considerando-se os laudos técnicos elaborados por técnicos do Ibama/SP, bem como pela legislação vigente, somos favoráveis ao cancelamento do auto de infração em questão, estando os motivos apresentados nas folhas 237 e 238, deste processo. Ora, dada a manifestação dos diversos órgãos técnicos de que o Auto de Infração nº 120.168/D foi lavrado incorretamente, não resta outra opção ao IBAMA senão anulá-lo com base em seu poder de autotutela. O fato de a tese encampada pela autarquia ser contrária àquela defendida pelo MPF não significa a nulidade do processo administrativo. Além disso, questões atinentes à renumeração de folhas (ID Num. 94725464 - Pág. 17), ao desentranhamento ou reentranhamento de documentos (ID Num. 94725464 - Pág. 18), a existência ou não de cópias de sentença (ID Num. 94725464 - Pág. 19), entre outros, por certo, também não ostentam gravidade suficiente para macular o processo administrativo. Assim, rejeito a alegação de nulidade do processo administrativo nº 02027.002676/2002-35. Da legislação aplicável Conforme anteriormente destacado, o Auto de Infração nº 120.168/D, de 20/05/2002, foi lavrado pelo IBAMA em razão da ASSOCIAÇÃO JESSE “destruir formas de vegetação em área de preservação permanente e impedir a sua regeneração em 953 metros quadrados” (ID Num. 94974525 - Pág. 66). Nesta demanda, busca o MPF “desfazer obra da apelada ‘Associação Jesse’ situada a menos de 50 metros de nascentes ou olhos d'água, e invasiva de encosta com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive (fls. 3, 33) - portanto, situada em Área de Preservação Permanente (APP) por ambos estes motivos” (ID Num. 97451843 - Pág. 5). A legislação aplicável ao caso deve ser a da época dos fatos - tempus regit actum - eis que o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), em alguns aspectos, diminuiu a proteção ambiental e, por conseguinte, não pode retroagir para atingir fatos ocorridos sob a égide de lei anterior mais protetiva ao meio ambiente, não afetando direito ambiental adquirido. Nesse sentido é o entendimento firmado pelo E. Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE EDIFICAÇÕES. ZONA DE VIDA SILVESTRE. AÇÃO CONSUMADA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965. APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA LEI MAIS RESTRITIVA. I - Na origem, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Púbico do Estado de São Paulo objetivando a demolição de edificações em APP e a reparação dos danos ambientais com a restauração da vegetação, além de indenização por danos patrimoniais ambientais. Na sentença, julgaram-se procedentes os pedidos. No Tribunal a quo, a sentença foi parcialmente reformada apenas para conceder o prazo de 12 meses para os réus iniciarem a demolição respectiva, salvo se obtiverem licença ambiental. Nesta Corte, conheceu-se do agravo para dar provimento ao recurso especial a fim de restabelecer a sentença. II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, em se tratando de matéria ambiental, deve-se analisar a questão sob o ângulo mais restritivo, em respeito ao meio ambiente, por ser de interesse público e de toda a coletividade, e observando, in casu, o princípio tempus regit actum. (...) (AgInt no AREsp 1145207/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 09/08/2021, DJe 13/08/2021) AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÔMPUTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO CÁLCULO DA RESERVA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO CÓDIGO FLORESTAL. VEDAÇÃO AO RETROCESSO (PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM). PRECEDENTES DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMA DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (...) 5. Entretanto, ambas as Turmas da Primeira Seção deste Tribunal Superior firmaram entendimento segundo o qual a regra geral será a incidência da legislação florestal, de direito material, vigente à época dos fatos, na qual se determina a aplicação da Lei 4.771/1965 para as degradações ambientais ocorridas em sua vigência (PET no REsp. 1.240.122/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012 e REsp. 1.646.193/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. GURGEL DE FARIA, DJe 4.6.2020). 6. Agravo Interno dos Particulares a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1668484/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 03/09/2020) Acerca das nascentes, dos olhos d'água e das encostas, o antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965) estabelecia as seguintes faixas protetivas: Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (...) c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; (...) e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; Apesar da impossibilidade do novo Código Florestal retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, é certo que, a meu ver, a extensão da área de preservação permanente para as nascentes, dos olhos d'água e das encostas permaneceu a mesma, conforme se verifica da redação do art. 4º, IV e V, da Lei nº 12.651/12: Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: (...) IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive; Isto porque, embora o inciso IV, do art. 4º, do novo Código Florestal, apenas mencione a proteção para as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água que sejam perenes - quando o antigo Diploma não fazia esta restrição -, o E. Supremo Tribunal Federal, nos autos das ADC 42/DF, ADI 4901/DF, ADI 4902/DF, ADI 4903/DF e ADI 4937/DF, deu interpretação conforme a Constituição para reconhecer que os entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes também configuram área de preservação permanente: (b) Art. 3º, XVII, e art. 4º, IV (Exclusão das nascentes e dos olhos dágua intermitentes das áreas de preservação permanente): Interpretações diversas surgem da análise sistemática dos incisos I e IV do artigo 4º da Lei n. 12.651/2017. Embora o artigo 4º, inciso IV, apenas tenha protegido o entorno de nascentes e olhos dágua perenes , o art. 4º, inciso I, protege, como áreas de preservação permanente, as faixas marginais de qualquer curso dágua natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros (grifo nosso). In casu, a polissemia abrange duas interpretações: a primeira inclui as nascentes e os olhos dágua intermitentes como APPs; a segunda os exclui. Assim, cabe ao STF selecionar a interpretação que melhor maximize a eficácia das normas constitucionais. Considerando que o art. 225, §1º, da Constituição Federal, determina que incumbe ao Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, a interpretação mais protetiva deve ser selecionada. O Projeto de Lei n. 350/2015 (Autoria do Dep. Fed. Sarney Filho), em trâmite perante a Câmara Federal, prevê alteração nesse sentido no novo Código Florestal. A proteção das nascentes e olhos dágua é essencial para a existência dos cursos dágua que deles se originam, especialmente quanto aos rios intermitentes, muito presentes em áreas de seca e de estiagem; Conclusão: interpretação conforme ao artigo 4º, inciso IV, da Lei n. 12.651/2017, com vistas a reconhecer que os entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes configuram área de preservação permanente (APP); Assim, diante do posicionamento do E. Supremo Tribunal Federal de que também devem ser consideradas áreas de preservação permanente o entorno das nascentes e dos olhos d’água intermitentes, concluo que, em termos práticos, não houve modificação do âmbito da proteção ambiental então prevista pelo Antigo Código Florestal. Do imóvel discutido Analisando os documentos constantes dos autos, precipuamente do Processo Administrativo nº 02027.002676/02-18, infere-se que, ao anular o Auto de Infração nº 120.168-D, o IBAMA se utilizou dos seguintes argumentos: a) o recurso hídrico existente no local seria oriundo de nascente artificial, de forma que não incide a proteção descrita na Resolução CONAMA nº 303/2002; b) nas vistorias realizadas no interior da cava, os afloramentos encontrados seriam intermitentes e, diante da superveniência da Lei nº 12.651/12, não seriam mais considerados APP; c) o lote em questão não apresenta declividade superior a 45º, sendo praticamente plano. As conclusões acima podem ser constatadas das seguintes manifestações: Informação Técnica DITEC/IBAMA SP 06/03 (ID Num. 97542490 - Pág. 23) – 15/09/03 Pelo que se pode perceber nos autos o lote em questão não apresenta declividade superior a 45º, pois é praticamente plano. A encosta formada na antiga pedreira tem certamente declividade maior que 45º, mas está fora do lote objeto da atuação. O enquadramento na alínea "e" não procede portanto. Este ponto, entretanto, não foi levantado nos recursos interpostos pelo autuado. Informação ID Num. 97542490 - Pág. 26 – 2/10/03 Os lagos existentes na região são oriundos da atividade de mineração que ocorreu no passado. Foram escavados artificialmente. A Resolução CONAMA nº 302/02 regulamenta a Lei nº 4771/65 no que diz respeito às Áreas de Preservação Permanentes referentes a reservatórios artificiais, estabelecendo a largura ao redor desses lagos. O inciso I do art. 2º da referida resolução define como reservatório artificial "a acumulação não natural de água destinada a quaisquer de seus múltiplos usos". O art. 3º da resolução estabelece a largura da APP ao redor de reservatórios artificiais. O § 6° desse artigo afirma que "Não se aplicam às disposições desse artigo as acumulações artificiais de água, inferiores a 5 hectares de superfície, desde que não resultantes do barramento ou represamento de cursos d'água e não localizados em Área de Preservação Permanente, à exceção daquelas destinadas ao abastecimento público." Ora, os lagos em questão têm menos do que 5 hectares de área, são resultantes de escavações e não de barramento de cursos d'água, e não foram "construídos" em APP pré-existente. Também não são utilizados para o abastecimento público. Portanto, desde a edição da Resolução CONAMA 302/02, não se pode considerar que exista APP na área em questão. PARECER GEOLÓGICO ID Num. 97542490 - Pág. 33 – 5/01/04 A área em questão, fundos do endereço sito à Rua Antônio Lino 201, objeto do Processo 02027.002676/02-18, é conhecida como antiga pedreira da RFFSA. Trata-se de uma cava de pedreira da qual, no passado, foi lavrado basalto para brita e, onde pode ser observado um desnivel topográfico de aproximadamente 15m até o piso da mesma. (...) Os aforamentos de basaltos da Formação Serra Geral ocorrem em toda extensão da cava, conforme pode ser observado nas fotos apresentadas em anexo. Constatou-se portanto, que a ocorrência de água no local está diretamente relacionada à abertura da cava nas rochas, em função da atividade de mineração, evidenciando inclusive, a natureza artificial dessas águas. Parecer ID Num. 97542490 - Pág. 46 No nosso entender, baseado exclusivamente nos documentos presentes nos autos, as minas de água e os lagos são devidos a atividades antrópicas (artificiais), conforme parecer geológico (fls. 229/33) que passo a transcrever: (...) Sendo assim, como a resolução CONAMA 303/02 se refere exclusivamente a nascentes e lagoas naturais, vale a Resolução CONAMA 302/02, que estabelece parâmetros, definições e limites para APP de reservatórios artificiais de água, em seu artigo 3°define a largura das APPs em tomo dos reservatórios. O parágrafo 6° do mesmo artigo afirma: "Não se aplicam as disposições desse artigo às acumulações artificiais de água, inferiores a 5 ha de superfície, desde que não resultantes de barramento ou represamento de curso dágua, e não construídos em APPP pré-existentes. Também não são utilizados para o público". Como os lagos em questão têm menos de 5 ha de superfície, não são resultado de represamento de córregos e nem utilizados para abastecimento público, não se pode considerar a área em questão como Área de Preservação Permanente. DESPACHO 002445/2014 DITEC/SP/IBAMA – 21/03/14 (ID Num. 97451840 - Pág. 9) Observo que já há nos autos do processo uma manifestação do IBAMA (fls 98 a 99) esclarecendo o nosso posicionamento de que as nascentes em questão são consideradas intermitentes e, portanto, não se enquadram na definição do art. 3° do Novo Código Florestal (Lei n° 12.651/2012) e, conseqüentemente, não há APP em seu entorno. Na sentença, o Magistrado Singular reconheceu a incidência do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), e, ao concordar com o IBAMA quanto ao fato de que as águas teriam origens artificiais, julgou improcedentes os pedidos, assim fundamentando (ID Num. 97451842 - Págs. 32- 37, grifei): No caso em apreço, o Ministério Público Federal destaca, como causa de pedir, a existência de dano ambiental em área de preservação permanente, causado por edificação de responsabilidade da ré Associação Jessé. Consoante asseverado, a construção situa-se a menos de 50 m de nascentes (“olhos d'água”), além de invadir ou afetar encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive (Lei Federal n. 4.771/1965. art. 2°, "c" e "e"). No seu entender, o IBAMA passou a contribuir para a perpetuação do dano a partir do instante em que, reconsiderando seu entendimento, cancelou antiga autuação lavrada em desfavor da corré justamente pelos motivos acima apontados, quando então passou a defender que a construção não está situada em APP. (...) De acordo com vigente Lei Federal nº 12.651/2012, a qual, dispondo sobre a proteção da vegetação nativa, revogou a Lei nº 4.771/65, considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, entre outras: - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d'água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros (art. 4º, inciso IV); - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive (art. 4º, inciso V). Pois bem. O Laudo Técnico juntado às fls. 731/783, da lavra do perito judicial Mário Corbucci Neto (CREA/SP 5063541442), é prova inconteste de que no local da construção (ou próximo dela) não aflora naturalmente água subterrânea e que tampouco há surgência (ou vazão) de água de forma perene. O expert concluiu que a lagoa formada no local é decorrência de antiga atividade minerária e do acúmulo intermitente de águas pluviais. Frisou não existir qualquer escoamento de fluxo contínuo em direção ao Córrego Ribeirão Baguaçu, exceto em períodos com altos índices de pluviosidade (resposta ao quesito 2 do MPF - fl. 734). Destacou que na antiga Pedreira Baguaçu o lençol freático não aflora de forma natural devido ao processo de exploração ocorrido na área, o qual modificou a camada de solo existente que desempenharia a função vital de recarga do lençol freático (resposta ao quesito 25 do MPF - fl. 750). O referido Laudo também é explicito no sentido de que no local das atividades da extinta Pedreira percebe-se a formação de encosta com alta declividade, podendo chegar próximo de 45º ou 100% na linha de maior declive (resposta ao quesito 36 do MPF - fl. 758). Além de o declive ser em ângulo inferior àquele previsto no inciso V do art. 4º do Código Florestal vigente, a encosta encontrada no local da antiga mineradora não se enquadra no conceito de Área de Preservação Permanente, pois é do tipo artificial, ou seja, formada por ação antrópica (resposta ao quesito 38 do MPF - fl. 759). A Resolução CONAMA nº 303/02 define nascente ou olho d'água nos seguintes termos: Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições: (...) II - nascente ou olho d'água: local onde aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea; Portanto, em termos infralegais, a nascente ou olho d'água somente podem ser assim qualificados quando houver afloramento natural da água subterrânea. Já o conceito de nascente artificial está previsto na Resolução CONAMA nº 302/02: Art. 2º Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: I - Reservatório artificial: acumulação não natural de água destinada a quaisquer de seus múltiplos usos; No laudo pericial, ao responder os quesitos do MPF, o Sr. Expert conceitua nascentes naturais nos seguintes termos (ID Num. 97451838 - Pág. 19, grifei): Segundo o Caderno de Matas Ciliar da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, as nascentes naturais ou nascentes se enquadram no conceito do aforamento do lençol freático em que se origina uma fonte de água de acúmulo (represa), ou cursos d'água (regatos, ribeirões e rios). Em virtude da sua importância dentro da propriedade, deve ser tratada com um cuidado especial. A nascente ideal é aquela que fornece água de boa qualidade, abundante e contínua., localizada próxima do local de uso e de cota topográfica alta oferecendo distribuição de água por gravidade sem alto custo de energia. (...) Para o Código Florestal (Lei 4.771/1965), as nascentes são definidas como "local onde aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea"; já a Lei 12.651/2012 que altera o Código Florestal pressupõe que, a nascente segue como "aforamento do lençol freático que apresenta perenidade e dá início ao curso d'água". Já a nascente artificial, segundo o Sr. Expert, seria “toda acumulação de água não natural destinada a qualquer um dos seus usos múltiplos”, conforme previsto no art. 2º da Resolução CONAMA nº 302/02. O Sr. Perito esclarece que a legislação ambiental diferencia, para efeito de proteção, as nascentes naturais das nascentes artificiais (ID Num. 97451838 - Pág. 20): 21- A legislação ambiental diferencia, para efeito de proteção, nascentes naturais ou artificiais? Justifique. R: Sim, a legislação ambiental diferencia quanto à efeito de proteção e conceito, para nascentes artificiais ou naturais. A Resolução CONAMA 302/2002 trata de forma mais detalhada em relação à reservatórios ou nascentes artificiais, definindo as margens de proteção que devem ser seguidas de acordo com cada situação e região. Já para as nascentes naturais, segue o Código Florestal (Lei 4.771/1965) em que foi recentemente modificado alguns conceitos relativos à efeito de proteção, conceituação com a Lei 12.651/2012. Prosseguindo na análise das nascentes natural e artificial, o Sr. Perito esclarece que (ID Num. 97451838 - Pág. 22): 23- Há diferença entre "nascentes artificiais" e nascentes (onde água aflora à superfície naturalmente) surgidas de processos não naturais ou antrópicos? Qual? R: No conceito técnico não há a expressão "nascentes artificiais", e sim uma aceleração do processo de aforamento do lençol freático em decorrência da ação humana em áreas susceptíveis a este processo devido ao relevo do terreno e à determinados condicionantes ambientais favoráveis (como a declividade do terreno). Outro tipo de formação pode ocorrer quando a superfície do lençol freático ou de um aquífero intercepta a superfície do terreno originando um escoamento do tipo espraiado. Assim, há a caracterização do surgimento difuso com um alto número de nascentes ao redor criando as determinadas veredas. Em uma classificação técnica, pode-se dizer que as nascentes estão relacionadas ao fluxo: perenes (fluxo contínuo), temporárias (somente em período chuvoso) e efêmeras (surgem nas chuvas e duram poucos dias ou horas), ressaltando que, esta interpretação deve se ajustar de acordo com a interpretação às legislações ambientais vigentes. 24- Qual a diferença entre nascentes surgidas por forças de processos ou atividades não naturais, ou antrópicos, em curso, daquelas surgidas por forças de processos ou atividades não naturais encerrados ou abandonados há tempos? R: A diferença entre nascentes surgidas por processos naturais ou por processos antrópicos está no fato de que, por processos antrópicos há um aceleramento e descontrole do processo de recarga do aquífero através de águas subterrâneas trazendo graves consequências ao meio ambiente, dentre eles o desequilíbrio da fauna e flora. Conforme demonstrado na figura, o processo natural surge com o processo de absorção e infiltração águas pluviais pelo solo levando até as rochas profundas e, de acordo, com a declividade natural do terreno e o perfil do rio há uma alimentação que é feita constantemente para as águas superficiais a partir do aforamento natural do lençol subterrâneo. O volume de água da nascente deve ser suficientemente à população ao longo do ano. A bacia deve absorver a maioria da água pelo solo, armazená-la em seu lençol freático e cedê-la, continuamente mantendo a vazão durante os períodos da seca. Na perícia, o Sr. Expert concluiu que as águas encontradas no local seriam oriundas de nascentes artificiais (ID Num. 97451838 - Pág. 23, grifei): Na antiga Pedreira Baguaçú, o aforamento do lençol freático não aflora de forma naturalmente à superfície devido ao processo de exploração ocorrido na área em que modificou a camada de solo existente na qual desempenharia a função vitais para a recarga do lençol freático. Em outra resposta, o Sr. Perito reforça que as águas encontradas seriam de nascentes artificiais (ID Num. 97451838 - Pág. 2, grifei): 28- É contraditório afirmar que, em um local ou solo gerado ou modificado pela ação humana (escavação, e.g.), a água subterrânea aflora naturalmente à superfície? R: É contraditório, em razão dos processos naturais que o envolvem e da manutenção natural que ocorre a partir de um processo natural. O Parquet defende que a Lei nº 4.771/65 não fez distinção entre nascentes artificiais ou naturais, de modo que deve ser estendida sua proteção a ambas espécies. Ainda como fundamentação, destaca o art. 89 do Código de Águas (Decreto n°24.643/34): Art. 89. Consideram-se “nascentes” para os efeitos deste Código, as águas que surgem naturalmente ou por indústria humana, e correm dentro de um só prédio particular, e ainda que o transponham, quando elas não tenham sido abandonadas pelo proprietário do mesmo. A meu ver, ao contrário do que sustenta o MPF, o antigo Código Florestal é claro ao dispor no caput, do art. 2º, que a proteção nele consignado alcança apenas as formas de vegetação natural: Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: Esta tentativa de buscar proteger, de forma idêntica, tanto as formas naturais como as artificiais, é criticada por Paulo de Bessa Antunes, ao ensinar que: O Novo Código Florestal não fez modificações profundas na proteção das chamadas matas ciliares, que são aquelas que ficam às margens dos cursos d’agua naturais. Aliás, a modificação mais relevante e necessária foi aquela que determinou a proteção das aguas naturais, o que certamente era a mens legis do Código revogado, mas que, no entanto, foi ultrapassada por inúmeras ações e medidas judiciais, inclusive de natureza criminal, as quais buscavam dar interpretação ao texto legal então vigente, de forma que a proteção fosse estendida para margens de cursos artificiais, tais como canais de irrigacao, canais de drenagem e outros assemelhados, em verdadeiro absurdo que a nova lei, esperase, veio a impedir prossiga sendo praticado. (in Comentários ao Novo Código Florestal: Atualizado de Acordo com a Lei nº 12.727/12 - Código Florestal, 2ª edição, Grupo GEN, 2014, E-book, pg. 122). Cumpre frisar que, quando o Antigo Código Florestal buscou defender formas de vegetação artificiais, adotou redação expressa, tal como se verifica na alínea "b", do art. 2º: b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais; Como não existe esta especificação no que tange às nascentes ou aos olhos d’água, tendo a lei considerado como APP as “nascentes, mesmo nos chamados ‘olhos d'água’, seja qual for a sua situação topográfica”, concluo pelo acerto da r. sentença neste ponto. Destaque-se, no entanto, que para além da análise da origem das águas encontradas no local, o MPF, amparado do Auto de Infração nº 120.168-D, também sustenta que a obra da ASSOCIAÇÃO JESSE invade/afeta encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive. Sob este ponto, o Sr. Perito trouxe as seguintes informações (ID Num. 97451838 - Pág. 32, grifei): 36- As atividades da extinta Pedreira geraram encostas com declividade superior a 45º, equivalente a 100% na linha de maior declive? Se geraram, há vegetação nestas encostas? Se não há, o solo a permitiria? R: Após a constatação no local, percebe-se a evidência da formação de encostas com alta declividade podendo chegar próximo de 45° ou 100%, isto poderia ser afirmado com maior precisão após levantamento topográfico da área. Nas encostas, há sim a formação de vegetação, provavelmente devido ao ambiente favorável da região à determinado tipo de vegetação e de diversos fatores que a favoreceram diretamente e indiretamente para que esse processo ocorra. (...) 38- São caracterizadas como área de preservação permanente as encostas da cava da extinta Pedreira? Por quê? R: Não são caracterizadas como Áreas de Preservação Permanente (A.P.P.) as encostas da extinta Pedreira, por ser encostas do tipo artificial, ou seja, formadas por ação antrópica. 39- As obras da Associação Jessé afetam ou invadem encostas ou parte destas com declividade superior a 45º, equivalente a 100% na linha de maior declive? R: As obras da Associação Jessé invadem ou afetam as encostas com declividade de 45º ou 100%. 40- As obras da Associação Jessé comprometeram o cumprimento das funções ambientais da área de preservação permanente, localizadas no entorno de nascentes ou encostas? Em caso positivo, especificar esse comprometimento, indicando os principais impactos causados no local. R: As obras da Associação Jessé comprometem a função ambiental da Área de Preservação Permanente (A.P.P.), a partir do momento em que, ultrapassam a área de "buffer" permitida pela proximidade da nascente ou olho d’água conforme a Lei 4.771/1965, cabendo às autoridades e órgãos ambientais vigentes estabelecer a Lei atual em que caberá a definição entre nascente e olho d'água que irá refletir nas consequências da obra da Associação Jessé, conforme a atualização da nova Lei (12.651/2012) em relação ao antigo Código Florestal (Lei 4.771/1965). É certo que, no rigor da lei, a alínea “e”, do art. 2º, do Antigo Código Florestal, considerava como área de preservação permanente “nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive”. No laudo pericial, em um primeiro momento, o Sr. Perito menciona que as encostas apresentam alta declividade “podendo chegar próximo de 45° ou 100%” (resposta ao item 36). Por outro lado, na resposta ao item 39, assevera que as obras da corré ASSOCIAÇÃO JESSÉ “invadem ou afetam as encostas com declividade de 45º ou 100%”. Ao fim, no item 40, o Sr. Perito aponta que as obras invadem a área de "buffer" permitida pela proximidade da nascente ou olho d’água nos termos do Antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65). Em princípio, interpretando sistematicamente o laudo pericial, existe, de fato, inconsistências entre as citadas transcrições, não se sabendo, ao certo, qual é a efetiva declividade das encostas ou partes destas. Contudo, tal inconsistência não se afigura relevante para o deslinde do feito, uma vez que, no quesito 38, o Sr. Expert aponta que as encostas da cava da extinta Pedreira não podem ser caracterizadas como áreas de preservação permanente por serem “encostas do tipo artificial, ou seja, formadas por ação antrópica”. E como a redação da alínea “e”, do art. 2º, do Antigo Código Florestal, não fez qualquer alusão às encostas artificiais, aplica-se então a regra geral do caput, ou seja, somente podem ser consideradas áreas de preservação permanente as encostas de origem natural. Em suma, a conclusão firmada na r. sentença de que a obra da corré ASSOCIAÇÃO JESSÉ não está situada em área de preservação permanente deve ser mantida, contudo com fulcro no art. 2º, "c" e “e”, da Lei nº 4.771/65, e não na Lei nº 12.651/12. Da violação do princípio da demanda Em seu apelo, o MPF sustenta a violação do princípio da demanda, uma vez que a r. sentença concedeu, de ofício, medida liminar para que a ASSOCIAÇÃO JESSÉ continue e finalize as obras. Em suas palavras: Ora, como visto, o Juízo não só extrapolou a causa de pedir, como, também, ao conceder liminar não pedida, ensejou à sentença mais uma causa de nulidade, agora pela violação do princípio da demanda, consagrado nos arts. 2°, 262 e - justamente - 128, do CPC. (...) Por outro lado, a justificativa apresentada para conceder a liminar (preservar a saúde pública - fls 916v /917, é claramente inconsistente: é que a remoção do lixo. entulho, carcaças de animais mortos e restos de poda de árvores, ditos existentes na cava, permitiria a recuperação do solo e da água, como afirma a sentença: logo, bastava autorizar a remoção (que nunca foi impedida), e não a finalização da obra. (...) Na sentença, o trecho ora impugnado foi assim redigido (ID Num. 97451842 - Págs. 35-36, grifei): A par da inexistência do dano ambiental aventado pelo autor, o laudo pericial também comprova que o local da edificação carece de imediata intervenção, pois, se mantido como está, a situação da área tende a causar prejuízos à saúde pública. Conforme resposta apresentada ao quesito suplementar n. 14 (fl. 768), existe risco à saúde pública e ao meio ambiente, notadamente nas imediações do local, tendo em vista a disposição inadequada de entulhos, animais mortos e restos de podas na cava de mineração. Ademais, o perito assinalou que não estão sendo tomadas as precauções necessárias para evitar danos, decorrentes da área potencialmente contaminada (cava de mineração), à saúde humana, ao ambiente e à propriedade, o que contraria a lógica do desenvolvimento econômico e sustentável do Município em detrimento das presentes e futuras gerações (resposta ao quesito suplementar n. 15 - fl. 768). Por fim, afirmou que a remoção do lixo doméstico, entulhos, carcaças de animais e restos de podas de árvores eventualmente existentes na cava de mineração permitiria a recuperação do solo e da água (resposta ao quesito suplementar n. 4 - fl. 770). (...) Em razão de evidente dano social para a saúde pública e ao meio ambiente diagnosticado pelo laudo pericial (resposta apresentada ao quesito suplementar n. 14 - fl. 768), pela presença de entulhos, animais mortos e restos de podas na cava de mineração, concedo medida liminar para que a Ré, caso tenha ainda interesse, continue, limpe o local e finalize a construção, objeto da presente. Logo, fica sem efeito a sentença proferida nos autos da Ação Cautelar Preparatória da presente, de n. 2005.61 .07.002208-1 (cópia de fls. 483/487). Acerca da relação entre o princípio da demanda e os limites da decisão judicial, ensina Elpídio Donizetti que: (...) o juiz deve se ater aos limites da demanda traçados pelas partes, na petição inicial e na resposta, sem falar da manifestação de alguns intervenientes. Tal princípio recebe diversos nomes, mas a essência é a mesma: princípio da inércia, princípio da demanda, princípio da congruência e princípio da correlação ou da adstrição. São muitas palavras para designar a mesma coisa: o juiz, a não ser nos casos previstos em lei (como ocorre com as matérias de ordem pública), não pode fugir às questões (nem para ir além, nem para ficar aquém) deduzidas pelos litigantes, sob pena de viciar a sua decisão. (in Curso de direito processual civil, 25ª edição, Barueri/SP. Atlas, 2022, pg. 311) Analisando os limites do poder geral de cautela e o princípio da demanda (ou da adstrição), assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA PETIÇÃO. MEDIDA CAUTELAR. DEFERIMENTO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. LIMITES DO PEDIDO. OBSERVÂNCIA. DESNECESSIDADE. CARÁTER PROVISÓRIO. EFICÁCIA DA TUTELA JURISDICIONAL. PREVALÊNCIA. EXORBITÂNCIA. AJUSTE. CABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O poder geral de cautela, positivado no art. 297 do CPC/2015, autoriza que o juiz defira medidas 'ex officio', no escopo de preservar a utilidade de provimento jurisdicional futuro. 1.1. Não contraria o princípio da adstrição o deferimento de medida cautelar que diverge ou ultrapassa os limites do pedido formulado pela parte, se entender o magistrado que essa providência milita em favor da eficácia da tutela jurisdicional. 2. No caso concreto, embora o TJ local tenha afirmado a ausência dos requisitos para o deferimento da tutela de urgência pleiteada - entendida essa como a abstenção total do uso das invenções objeto do litígio - deferiu medida cautelar de natureza alternativa e provisória para evitar o enriquecimento indevido da agravada, que teria deixado de remunerar sua contraparte pelo uso das patentes. (...) (AgInt na Pet n. 15.420/RJ, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 13/12/2022) A análise da questão deve ser desmembrada em dois aspectos: o primeiro, consistente na concessão da liminar para retirar o lixo, entulhos e outras formas poluidoras encontradas do local vistoriado; e o segundo, consistente na concessão da liminar para prosseguir e concluir as obras. Sob o primeiro ponto, tendo sido constatado pelo Sr. Perito que no local existem lixos domésticos, entulhos, carcaças de animais, restos de podas de árvores, entre outros itens poluidores, a concessão da medida liminar de ofício para que a ASSOCIAÇÃO JESSÉ limpe a região não apenas está em consonância com os princípios do desenvolvimento sustentável e da função socioambiental da propriedade, como também no poder geral de cautela, então positivado no art. 798 do CPC/73 (atual art. 297 do CPC/2015). Já o segundo ponto, referente à concessão da liminar para prosseguir e concluir as obras, cuida-se, em verdade, de decisão desprovida de efetividade jurídica. Isto porque, com a anulação do Auto de Infração nº 120.168/D, não existe este óbice administrativo que impeça a ASSOCIAÇÃO JESSE de, por conta própria, prosseguir na edificação de seu imóvel. Em outros termos, a permissão para que a corré conclua as obras não decorre diretamente da medida liminar concedida ex officio, mas da anulação do Auto de Infração nº 120.168/D. Do pedido de tutela antecipada incidental Em petição ID Num. 167797061, a ASSOCIAÇÃO JESSE acosta o Ofício nº 128/2021/UT-SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP/SUPES-SP, expedido pelo IBAMA, em que o órgão ambiental a notifica “para que, no prazo de 60 dias, seja apresentado um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) ao lbama, que deve ser elaborado de acordo com todas diretrizes e determinações contidas na instrução Normativa lbama nº 4, de 13 de abril de 2011 (cópia anexa)”. Analisando este Oficio, contudo, verifica-se que a imposição da supracitada obrigação decorre do Auto de Infração nº 339.162/D, e não do Auto de Infração nº 120.168/D, discutido neste feito. Logo, não tendo relação com os eventos aqui analisados, não há como se conceder a medida pleiteada. Neste aspecto, cumpre frisar que, a despeito deste Relator entender que não houve irregularidade processual na concessão ex officio da medida liminar para a ASSOCIAÇÃO JESSE prosseguir nas obras, tal conclusão está limitada aos termos desta demanda. Ou seja, a continuidade das obras é permitida em razão da anulação do Auto de Infração nº 120.168/D, não se podendo estender tal permissão para suplantar qualquer outro auto de infração lavrado em face da ASSOCIAÇÃO JESSE. Assim, se o Auto de Infração nº 339.162/D determina que a corré apresente o PRAD, a decisão aqui proferida não tem o condão de obstar o cumprimento desta obrigação. Do dispositivo Ante o exposto, rejeito liminarmente a alegação de suspeição, não conheço do agravo retido, nego provimento à apelação e dou parcial provimento ao reexame necessário, apenas para que a análise da área de preservação permanente esteja fundamentada no art. 2º, "c" e “e”, da Lei nº 4.771/65. É como voto.
Advogado do(a) APELADO: EDNA MARIA BARBOSA SANTOS - SP240436-A
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005293-65.2005.4.03.6107
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, ASSOCIACAO JESSE DE ARACATUBA
Advogado do(a) APELADO: EDER VOLPE ESGALHA - SP119607-A
Advogado do(a) APELADO: EDNA MARIA BARBOSA SANTOS - SP240436-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O - V I S T A
A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA:
Pedi vista para analisar melhor a questão vertida, por ter divergido em outros feitos que tratavam da tutela ambiental em área de preservação permanente, apresentados pelo e. Relator.
Na hipótese dos autos, o e. Relator rejeitou a pretensão recursal do MPF que busca reformar a r. sentença que manteve a decisão administrativa que anulou o auto de infração, reconhecendo que os imóveis, edificados nas proximidades das nascentes localizadas da cava de mineração da antiga Pedreira Baguaçu, não estão em área de preservação permanente - APP.
In casu, não há dúvida de que o lençol freático, atingido durante atividade de mineração por cargas explosivas, ensejou o brotamento de suas águas, comprometendo, inclusive, a continuidade das atividades no local. Portanto, as edificações, na proximidade de nascente artificial, não podem ser consideradas como intervenção em APP, seja pela Antiga legislação, seja pelo Novo Código Florestal, cuja aplicação restou assegurada pelo C. STF no julgamento das ADI's 4.937, 4.902 e 4.903 e ADC 42. Vejamos:
“ Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
(...)
XVII - nascente: afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água;
XVIII - olho d’água: afloramento natural do lençol freático, mesmo que intermitente;
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
(...)
III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
(...)
§ 1º Não será exigida Área de Preservação Permanente no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais.
§ 4º Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa, salvo autorização do órgão ambiental competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama.” (destaquei)
Ora, para ser considerada APP, o afloramento do lençol freático deve ser natural(!), ou seja, não pode derivar de intervenção humana, como descreve a legislação ambiental protetiva, o que não é o caso dos autos, sendo irrelevante eventual continuidade do fluxo à superfície como propõe o MPF.
Seja na lei revogada, analisada pelo e. Relator, seja no Novo Código Florestal, sem razão o MPF, pois correta a decisão administrativa do IBAMA que anulou o auto de infração.
Ante o exposto, pelos fundamentos alinhavados, acompanho o e. Relator quanto à remessa oficial, ressalvado o entendimento quanto à aplicação da legislação anterior, bem como em relação ao desprovimento da apelação.
É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AGRAVO RETIDO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO RETIDO NÃO REITERADO. NÃO CONHECIMENTO. SUSPEIÇÃO DO MAGISTRADO SINGULAR. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. REJEIÇÃO LIMINAR. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. IRRETROATIVIDADE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965. TEMPUS REGIT ACTUM. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OLHOS D'ÁGUA E ENCOSTAS OU PARTES DESTAS, COM DECLIVIDADE SUPERIOR A 45°, EQUIVALENTE A 100% NA LINHA DE MAIOR DECLIVE. FORMAÇÃO ARTIFICIAL. INEXISTÊNCIA DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Embora o agravo retido não tenha sido previsto no CPC/2015, o recurso deve ser analisado segundo o princípio tempus regit actum, em estrita observância ao princípio da segurança jurídica. Contudo, o agravo retido não deve ser conhecido, uma vez a ASSOCIAÇÃO JESSE não apresentou apelação ou contrarrazões, conforme previa o art. 523, § 1º, do CPC/1973.
2. Há tempo, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça assentou que “simples decisões contrárias às pretensões deduzidas pelo excipiente não são suficientes para comprovar suspeição, porquanto ausentes nos autos quaisquer elementos que demonstrem eventual parcialidade do excepto" (AgInt na ExSusp 108/PA, Corte Especial, DJ 28.5.2012).
3. Da simples leitura das alegações ministerial, percebe-se que a sua irresignação versa tão somente sobre aspectos decisórios contidos na r. sentença, precipuamente ao deferimento da medida liminar ex officio, conduta esta que será posteriormente analisada neste voto. No entanto, ainda que a medida liminar ex officio tenha se mostrado processualmente equivocada, tal como defende o Parquet, isto, por si só, não importa em automática suspeição do julgador.
4. Ademais, o MPF não especifica qual seria o interesse do magistrado no julgamento favorável à ASSOCIAÇÃO JESSE, mas apenas faz breves conjecturas acerca dos efeitos práticos da decisão liminar concedida de ofício.
5. O Auto de Infração nº 120.168/D, de 20/05/2002, foi lavrado pelo IBAMA em razão da ASSOCIAÇÃO JESSE “destruir formas de vegetação em área de preservação permanente e impedir a sua regeneração em 953 metros quadrados”. Instaurado o processo administrativo nº 02027.002676/2002-35, ao final, houve por bem a autarquia em cancelar o referido auto de infração.
6. A legislação aplicável ao caso deve ser a da época dos fatos - tempus regit actum - eis que o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), em alguns aspectos, diminuiu a proteção ambiental e, por conseguinte, não pode retroagir para atingir fatos ocorridos sob a égide de lei anterior mais protetiva ao meio ambiente, não afetando direito ambiental adquirido.
7. Segundo a imputação ministerial, a obra da corré ASSOCIAÇÃO JESSE DE ARAÇATUBA está edificada a menos de 50 metros de nascentes ("olhos d'água"), além de invadir/afetar encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive.
8. Apesar da impossibilidade do novo Código Florestal retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, é certo que, a extensão da área de preservação permanente para as nascentes, dos olhos d'água e das encostas permaneceu a mesma, conforme se verifica da redação do art. 4º, I, “e”, da Lei nº 12.651/12.
9. Embora o inciso IV, do art. 4º, do novo Código Florestal, apenas mencione a proteção para as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água que sejam perenes - quando o antigo Diploma não fazia esta restrição -, o E. Supremo Tribunal Federal, nos autos das ADC 42/DF, ADI 4901/DF, ADI 4902/DF, ADI 4903/DF e ADI 4937/DF, deu interpretação conforme a Constituição para reconhecer que os entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes também configuram área de preservação permanente.
10. Na perícia, o Sr. Expert concluiu que as águas encontradas no local seriam oriundas de nascentes artificiais.
11. O antigo Código Florestal é claro ao dispor no caput, do art. 2º, que a proteção nele consignado alcança apenas as formas de vegetação natural. Cumpre frisar que, quando o Antigo Código Florestal buscou defender formas de vegetação artificiais, adotou redação expressa, tal como se verifica na alínea "b", do art. 2º.
12. Interpretando sistematicamente o laudo pericial, existe, de fato, inconsistências entre as respostas, não se sabendo, ao certo, qual é a efetiva declividade das encostas ou partes destas. Contudo, tal inconsistência não se afigura relevante para o deslinde do feito, uma vez que, no quesito 38, o Sr. Expert aponta que as encostas da cava da extinta Pedreira não podem ser caracterizadas como áreas de preservação permanente por serem “encostas do tipo artificial, ou seja, formadas por ação antrópica”.
13. A análise da concessão de medida liminar de oficio deve ser desmembrada em dois aspectos: o primeiro, consistente na concessão da liminar para retirar o lixo, entulhos e outras formas poluidoras encontradas do local vistoriado; e o segundo, consistente na concessão da liminar para prosseguir e concluir as obras.
14. Sob o primeiro ponto, tendo sido constatado pelo Sr. Perito que no local existem lixos domésticos, entulhos, carcaças de animais, restos de podas de árvores, entre outros itens poluidores, a concessão da medida liminar de ofício para que a ASSOCIAÇÃO JESSÉ limpe a região não apenas está em consonância com os princípios do desenvolvimento sustentável e da função socioambiental da propriedade, como também no poder geral de cautela, então positivado no art. 798 do CPC/73 (atual art. 297 do CPC/2015).
15. Já o segundo ponto, referente à concessão da liminar para prosseguir e concluir as obras, cuida-se, em verdade, de decisão desprovida de efetividade jurídica. Isto porque, com a anulação do Auto de Infração nº 120.168/D, não existe este óbice administrativo que impeça a ASSOCIAÇÃO JESSE de, por conta própria, prosseguir na edificação de seu imóvel.
16. Apelação não provida. Reexame oficial parcialmente provido. Alegação de suspeição rejeitada liminarmente. Agravo retido não conhecido.