Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001511-30.2012.4.03.6002

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: MUNICIPIO DE CAARAPO
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ADRIANA CRISTINA AVEIRO MANFRE - MS13313-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001511-30.2012.4.03.6002

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: MUNICIPIO DE CAARAPO
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ADRIANA CRISTINA AVEIRO MANFRE - MS13313-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator):

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo UNIÃO FEDERAL contra sentença (ID 157138895 – pg. 21/30) que, nos autos de ação civil pública, julgou parcialmente procedente o pedido para que a apelante e o Município de Caarapó disponibilizem um local de ensino intercultural e bilíngue que atenda à Comunidade Guyraroká, no prazo máximo de 120 dias, sob pena de pagamento de multa diária. Condenou a União Federal e o Município de Caarapó ao pagamento de honorários de sucumbência fixados em 10% sobre o valor da causa, nos termos dos arts. 85, §2º, 86, parágrafo único e 87, §1º todos do CPC. Sem condenação em custas.

 

Razões de apelação da União (ID 157138895 – pg. 75/83): a) a concessão de efeito suspensivo; b) sua ilegitimidade para figurar no polo passivo, porque compete ao Município a prestação de ensino fundamental e infantil, nos termos do art. 211, §2º da CF; c) a decisão administrativa em comento se acha no campo da discricionariedade do Poder Executivo Municipal, não cabendo ao Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo, sob pena da violação à separação de Poderes; d) intromissão do Poder Judiciário na questão orçamentária em face do disposto no art. 165, §8º da CF.

 

Contrarrazões do MPF (ID 157138910).

 

A Procuradoria Regional da República da 3ª Região manifestou pelo não provimento da apelação (ID 159883765).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001511-30.2012.4.03.6002

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: MUNICIPIO DE CAARAPO
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ADRIANA CRISTINA AVEIRO MANFRE - MS13313-A

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator):

Recebo o recurso de apelação apenas em seu efeito devolutivo, nos termos do disposto no art. 1.012, §1º, V do CPC, porque a sentença apelada concedeu tutela de urgência.

 

De início, saliento que não se trata de reexame necessário, porque não se admite seu cabimento, tal como prevista no art. 19 da Lei nº 4.717/65, nas ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos, como ocorre no presente caso em que a ACP foi ajuizada pelo MP objetivando a tutela de direitos individuais homogêneos. (Precedente: STJ. 3ª Turma. REsp 1.374.232-ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017)

 

Cuida-se, na origem, de ação civil pública manejada pelo MPF objetivando a condenação da União Federal e do Município de Caarapó/MS a efetivar a construção de uma escola indígena que atenda às necessidades da Comunidade Guyraroká, no prazo de 120 dias.

 

A Lei de diretrizes e bases da educação nacional (Lei n. 9.394/1996), em seus artigos 78 e 79, disciplina o seguinte:

 

“Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilingüe e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.

 

Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.

§ 1º Os programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas.

§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos:

I - fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de cada comunidade indígena;

II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;

III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;

IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado.

§ 3º No que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras ações, o atendimento aos povos indígenas efetivar-se-á, nas universidades públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e de assistência estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas especiais”.

 

Outrossim, o art. 23, V da CF/88 dispõe que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação”. (grifei)

 

Ademais, segundo dispõe o art. 231 caput da CF/88: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

 

Isto posto, descabe a alegação de que a competência seria apenas do Município e que a União não seria parte legítima para figurar no polo passivo. Além disso, nos termos do art. 211, §2º da CF, a atuação do Município é prioritária na no ensino fundamental e na educação infantil, não excluindo a competência da União, não sendo possível fazer uma interpretação restritiva nesse sentido.

 

Passo a analisar o mérito.

 

O direito fundamental à educação está insculpido no art. 205 CF/88, nos seguintes termos: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

 

O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido para que a apelante e o Município de Caarapó disponibilizassem um local de ensino intercultural e bilíngue que atendesse à Comunidade Guyraroká.

 

Em sua decisão o juízo destacou que a construção nova não seria necessária, mas poderia ser feita uma reforma ou aproveitamento de um espaço já existente em local habitado pela Comunidade Indígena.

 

No presente caso, verifica-se que a construção da escola para atendimento dos indígenas vem se arrastando desde 2005, quando o cacique da Comunidade Indígena informou ao MPF a situação.

 

Diante disso, foi aberto o Procedimento Administrativo nº 1.21.001.000180/2005-57, o qual foi posteriormente convertido em Inquérito Civil Público, conforme Portaria n. 201 de 20 de julho de 2011, objetivando apurar omissão do Poder Público em relação à construção da escola indígena na Comunidade Guyraroká.  

 

Em 2007 o órgão ministerial recomendou à Prefeitura de Caarapó a celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta para dar cumprimento ao direito constitucional dos indígenas à educação diferenciada (Recomendação nº 03/2007).  

 

Ainda, segundo relatou o MPF, “em dezembro de 2009, foi expedida a Recomendação n. 23/2009, para o fim de recomendar a imediata instalação da escola indígena nas instalações existentes, mas, novamente, o Município respondeu que o orçamento para tal construção não constava no projeto de lei orçamentária de 2012, porquanto não havia decisão jurídica transitada em julgada acerca da tradicional posse indígena na referida área.”

 

Além disso, segundo constam nos autos, foram várias as audiências realizadas para que fosse firmado o compromisso de construção da referida escola entre o MPF, o Município de Caarapó e a União Federal, mas todas restaram infrutíferas.

 

Diante disso, constata-se a omissão do Poder Executivo Municipal e Federal no cumprimento do dever constitucional de fornecer educação diferenciada às comunidades Indígenas, consonante dispõe os arts. 205 e 210, §2º, ambos da CF/88.

 

Não fere a separação de poderes determinação do Poder Judiciário para que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais. Nesse sentido os seguintes precedentes:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO. REALIZAÇÃO DE OBRAS EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO. POLÍTICAS PÚBLICAS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DESPROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos poderes, inserto no artigo 2º da Constituição Federal. 2. Para se chegar a conclusão diversa daquela a que chegou o Tribunal de origem, quanto à necessidade de se promover melhorias na instituição de ensino, seria necessário o reexame do conjunto fáticoprobatório dos autos. Incidência da Súmula 279 do STF. 3. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Sem honorários, por se tratar de ação civil pública (art. 18 da Lei 7.347/1985). (AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Nº 1.251.593, RELATOR: MIN. EDSON FACHIN, SEGUNDA TURMA, DATA DE PUBLICAÇÃO 08/09/2021)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLÍTICAS PÚBLICAS. PREVISÃO EM PORTARIA MINISTERIAL. DESCUMPRIMENTO. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO E DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PERTINENTE. SÚMULA 279/STF E OFENSA REFLEXA. IMPLEMENTAÇÃO POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO, com APLICAÇÃO DE MULTA. I – É inadmissível o recurso extraordinário quando sua análise implica rever a interpretação de normas infraconstitucionais que fundamentam a decisão a quo, bem como reexaminar o conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF ou porque a afronta à Constituição, se ocorrente, seria apenas indireta. II- É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. III – Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º do CPC. (ARE 964542 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 02/12/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-266 DIVULG 14-12-2016 PUBLIC 15-12-2016)

 

Ademais, a Segunda Turma do STJ já decidiu que não configura ingerência indevida do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas, notadamente quando se cuida de reconhecer a omissão estatal na adoção de providências específicas (arts. 26 e 27 da Lei n. 6.001/1973) para a concretização de direitos constitucionais dos indígenas (art. 231 da CF/88):

 

PROCESSUAL E ADMINISTATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AQUISIÇÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE AS ETNIAS KARIRI-XOCÓ E FULKAXÓ. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. CONSTITUIÇÃO DE RESERVA INDÍGENA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONCLUSÃO. DEMORA EXCESSIVA. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES. PRAZO. TEMPO SUFICIENTE.

1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).

2. Não há violação do art. 535 do CPC/1973 quando o Tribunal a quo, no acórdão impugnado, aprecia fundamentadamente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, ainda que em sentido contrário à pretensão recursal.

3. Quanto à alegação de ilegitimidade passiva da União, verifica-se que a controvérsia foi dirimida pelo Tribunal de origem sob enfoque eminentemente constitucional (art. 231 da CF/88), competindo ao Supremo Tribunal Federal a revisão da matéria, sob pena de usurpação de competência prevista no art. 102 da Carta Magna.

4. Hipótese em que a União e a Fundação Nacional do Índio - FUNAI foram condenadas, na ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, a concluir o Processo Administrativo instaurado pelo Grupo Indígena Fulkaxó, no prazo de 4 (quatro) meses, a contar da intimação da sentença, bem como a destinar área à posse e ocupação dessa tribo, no prazo de 1 (um) ano, a partir do trânsito em julgado, na forma do art. 26 da Lei n. 6.001/1973, ante a impossibilidade de convivência pacífica com os índios da etnia Kariri-Xocó (de quem os primeiros se originam), nas terras originariamente demarcadas pela administração pública.

5. Os conflitos entre as etnias decorrem da insuficiência de terras e da discriminação sofrida pelas famílias que se identificam como Fulkaxó por parte da Tribo Kariri-Xocó e de lideranças políticas, notadamente quanto à distribuição de lotes destinados à comunidade e à partilha de recursos ou benefícios adquiridos para toda a aldeia e a outras desavenças relacionadas às decisões políticas, costumes e tradições desses povos indígenas.

6. O Tribunal de origem, soberano na análise da circunstâncias fáticas da causa, concluiu pela necessidade de disponibilização ou aquisição imediata de terras para os Fulkaxó, ante a existência de conflito irreversível com o grupo ou com núcleos familiares da etnia Kariri-Xocó, que habitam o mesmo território indígena, notadamente para que aqueles se livrem da discriminação e de alegadas ameaças de mortes, bem como para que se viabilize sua sobrevivência física e cultural de acordo com seus usos, costumes e tradições.

7. Infirmar o entendimento alcançado pela Corte de origem, a fim de acolher as teses suscitadas pelos recorrentes, especificamente a de que os conflitos existentes entre as referidas tribos não as impedem de ocupar o mesmo território, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável na via de recurso especial, em face da Súmula 7 do STJ.

8. Os presentes autos não tratam das terras indígenas tradicionais, vale dizer, aquelas cuja posse os índios exercem de forma imemorial, com base nas regras do art. 231 da Constituição Federal - tema submetido à repercussão geral no STF (RE 1.017.366/DF: Tese 1031) -, tampouco sobre o processo administrativo de demarcação e ampliação das terras indígenas Kariri-Xokó, matéria objeto de outra ação ordinária, que se encontra suspensa por determinação da Corte a quo.

9. Segundo a legislação de regência, as reservas indígenas poderão ser instituídas em propriedade da União, bem como ser adquiridas mediante compra, doação de terceiros ou desapropriação, na eventualidade de não se verificar a tradicionalidade da ocupação indígena ou se constatar a insuficiência de terra demarcada, sendo possível, ainda, a intervenção do ente federal em terra indígena para a resolução de casos excepcionais, como os de conflito interno irreversível entre grupos tribais, conforme disciplina o art. 20, § 1º, "a", da Lei n. 6.001/1973.

10. Não há como afastar, na via estreita do recurso especial, a conclusão das instâncias ordinárias quanto à necessidade de adoção de providência urgente para a solução dos problemas mencionados, nem afirmar que a ampliação da Terra Indígena dos Kariri-Xocó, cujo processo se encontra sobrestado por decisão judicial, resolverá os conflitos existentes entre as etnias, que perduram desde o ano de 2006 e não se restringem à disputa de terras, mas envolvem também questões políticas e culturais.

11. Não procede o argumento de ingerência indevida do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas, notadamente quando se cuida de reconhecer a omissão estatal na adoção de providências específicas (arts. 26 e 27 da Lei n. 6.001/1973) para a concretização de direitos constitucionais dos indígenas (art. 231 da CF/88).

12. Embora se reconheça a complexidade do procedimento de criação de reservas indígenas, o prazo estabelecido para a União e a Funai - até 12 (doze) meses após o trânsito em julgado da sentença condenatória - justifica-se pela urgência da solução dos conflitos, sendo o tempo suficiente para que a administração pública faça o planejamento financeiro e orçamentário dos gastos com a regularização fundiária.

13. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa extensão, desprovidos.

(REsp n. 1.623.873/SE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 28/4/2022.)

 

Cumpre ressaltar que a litigiosidade da área em processo de demarcação não pode ser suscitada como empecilho para a construção da escola, pois este não é um requisito para que o direito à educação indígena seja efetivado.  Conforme ressaltou o magistrado a quo, a escola poderia ser construída em outro local, pois a Resolução CEB nº 3 de 1999 dispõe apenas que as terras sejam habitadas pelas comunidades indígenas.

 

Por fim, não deve ser conhecida a alegação de intromissão do Poder Judiciário na questão orçamentária, pois tal questão não foi suscitada na primeira instância pela União Federal, em sede de contestação, de modo que a apelante inova em sede recursal, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, sob pena de incorrer em supressão de instância.

 

No que tange à condenação em honorários sucumbenciais, destaco o entendimento do STJ no sentido de não cabimento em ACP quando ajuizada pelo MP ou pela União, observado o princípio da simetria:

 

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DISSENSO CONFIGURADO ENTRE O ARESTO EMBARGADO E ARESTO PARADIGMA ORIUNDO DA QUARTA TURMA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTENTADA PELA UNIÃO. CONDENAÇÃO DA PARTE REQUERIDA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DESCABIMENTO. ART. 18 DA LEI N. 7.347/1985. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

Trata-se de recurso interposto em ação civil pública, de que é autora a União, no qual pleiteia a condenação da parte requerida em honorários advocatícios, sob o fundamento de que a regra do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 apenas beneficia o autor, salvo quando comprovada má-fé.

O acórdão embargado aplicou o princípio da simetria, para reconhecer que o benefício do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 se aplica, igualmente, à parte requerida, visto que não ocorreu má-fé. Assim, o dissenso para conhecimento dos embargos de divergência ocorre pelo confronto entre o aresto embargado e um julgado recente da eg. Quarta Turma, proferido nos EDcl no REsp 748.242/RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 25/4/2016.

Com efeito, o entendimento exposto pelas Turmas, que compõem a Primeira Seção desta Corte, é no sentido de que, “em favor da simetria, a previsão do art. 18 da Lei 7.347/1985 deve ser interpretada também em favor do requerido em ação civil pública. Assim, a impossibilidade de condenação do Ministério Público ou da União em honorários advocatícios – salvo comprovada má-fé – impede serem beneficiados quando vencedores na ação civil pública” (STJ, AgInt no AREsp 996.192/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30/8/2017). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.531.504/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 21/9/2016; AgInt no REsp 1.127.319/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 18/8/2017; AgInt no REsp 1.435.350/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 31/8/2016; REsp 1.374.541/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 16/8/2017.

De igual forma, mesmo no âmbito da Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, ainda que o tema não tenha sido analisado sob a óptica de a parte autora ser ente de direito público – até porque falece, em tese, competência àqueles órgãos fracionários quando num dos polos da demanda esteja alguma pessoa jurídica de direito público -, o princípio da simetria foi aplicado em diversas oportunidades: AgInt no REsp 1.600.165/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 20/6/2017, DJe 30/6/2017; REsp 1.438.815/RN, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/11/2016, DJe 1º/12/2016; REsp 1.362.084/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/5/2017, DJe 1º/8/2017.

Dessa forma, deve-se privilegiar, no âmbito desta Corte Especial, o entendimento dos órgãos fracionários deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei n. 7.347/1985.

Embargos de divergência a que se nega provimento. (EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/08/2018, DJe 21/08/2018).

 

Isto posto, deixo de aplicar a majoração prevista no art. 85, §11 do CPC.

 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação.

 

É como voto.



E M E N T A

 

APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS COLETIVOS. POLÍTICAS PÚBLICAS. EDUCAÇÃO. IMPLEMENTAÇÃO POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSTRUÇÃO DE ESCOLA INDÍGENA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO EM CURSO. IRRELEVÂNCIA PARA CONSTRUÇÃO DA ESCOLA. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Cuida-se, na origem, de ação civil pública manejada pelo MPF objetivando a condenação da União Federal e do Município de Caarapó/MS a efetivar a construção de uma escola indígena que atenda às necessidades da Comunidade Guyraroká, no prazo de 120 dias.

2. O art. 23, V da CF/88 dispõe que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação”.

3. A União é parte legítima para figurar no polo passivo. Nos termos do art. 211, §2º da CF, a atuação do Município é prioritária na no ensino fundamental e na educação infantil, não excluindo a competência da União, não sendo possível fazer uma interpretação restritiva nesse sentido.

4. No presente caso, verifica-se que a construção da escola para atendimento dos indígenas vem se arrastando desde 2005. Segundo relatado pelo MPF, “em dezembro de 2009, foi expedida a Recomendação n. 23/2009, para o fim de recomendar a imediata instalação da escola indígena nas instalações existentes, mas, novamente, o Município respondeu que o orçamento para tal construção não constava no projeto de lei orçamentária de 2012, porquanto não havia decisão jurídica transitada em julgada acerca da tradicional posse indígena na referida área”.

5. Além disso, segundo constam nos autos, foram várias as audiências realizadas para que fosse firmado o compromisso de construção da referida escola entre o MPF, o Município de Caarapó e a União Federal, mas todas restaram infrutíferas.

6. Constata-se a omissão do Poder Executivo Municipal e Federal no cumprimento do dever constitucional de fornecer educação diferenciada às comunidades Indígenas, consonante dispõe os arts. 205 e 210, §2º, ambos da CF/88.

7. Não fere a separação de poderes determinação do Poder Judiciário para que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais. Precedentes.

8. Não configura ingerência indevida do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas, notadamente quando se cuida de reconhecer a omissão estatal na adoção de providências específicas (arts. 26 e 27 da Lei n. 6.001/1973) para a concretização de direitos constitucionais dos indígenas (art. 231 da CF/88). Precedentes.

9. Cumpre ressaltar que a litigiosidade da área em processo de demarcação não pode ser suscitada como empecilho para a construção da escola, pois este não é um requisito para que o direito à educação indígena seja efetivado.  Conforme ressaltou o magistrado a quo, a escola poderia ser construída em outro local, pois a Resolução CEB nº 3 de 1999 dispõe apenas que as terras sejam habitadas pelas comunidades indígenas.

10. Recurso não provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.