Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013705-85.2023.4.03.6100

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: KARINA NASCIMENTO DIAS

Advogado do(a) APELANTE: KARINA NASCIMENTO DIAS - SP404470-A

APELADO: BANCO DO BRASIL SA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO

Advogado do(a) APELADO: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - SP128341-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013705-85.2023.4.03.6100

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: KARINA NASCIMENTO DIAS

Advogado do(a) APELANTE: KARINA NASCIMENTO DIAS - SP404470-A

APELADO: BANCO DO BRASIL SA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO

Advogado do(a) APELADO: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - SP128341-A

OUTROS PARTICIPANTES:

   

 

R E L A T Ó R I O

 

A Exma. Sra. Desembargadora Federal RENATA LOTUFO (Relatora): Trata-se de recurso de apelação interposto por KARINA NASCIMENTO DIAS em face da r. sentença que julgou improcedente o pedido de aplicação dos dispositivos da Lei n° 14.375/2022 ao seu contrato de financiamento estudantil, nos termos do art. 487, inciso I do CPC (ID 278664140). 

A apelante alega em suas razões recursais que o magistrado de primeira instância não aplicou a Lei n° 14.375/2022 ao caso em tela. Ressalta que, atuando dessa forma, o Estado estaria favorecendo os estudantes inadimplentes com o FIES. Aduz que a legislação supra nada fez para facilitar ou renegociar o financiamento daqueles que estavam adimplentes com seus pagamentos. Acrescenta que todos tiveram prejuízos financeiros em razão da pandemia. Informa ser profissional autônoma e ter enfrentado grandes dificuldades para quitar as parcelas do financiamento. Afirma que o Estado feriu o princípio da isonomia ao privilegiar um grupo determinado. Pugna, assim, pela reforma da sentença (ID 278664142).

Em contrarrazões, o FNDE afirma que a Resolução CG/ FIES n° 51 de 21/07/2022 regulamentou a Lei 14.735/2022. Alega que os descontos oferecidos pela norma se baseiam em critérios técnicos, tais como: grau de recuperabilidade da dívida, insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança, proximidade da prescrição da dívida. Aduz que a lei emerge como instrumento para enfrentar a pandemia, mitigando os impactos financeiros sobre a renda das famílias (ID 278664145)

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013705-85.2023.4.03.6100

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: KARINA NASCIMENTO DIAS

Advogado do(a) APELANTE: KARINA NASCIMENTO DIAS - SP404470-A

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V O T O

 

 

 A Exma. Sra. Desembargadora Federal Renata Lotufo (relatora): A controvérsia dos autos versa sobre a possibilidade de aplicação da Lei n° 14.375/2022, que estabelece requisitos e condições para celebração de transações resolutivas de litígio, a estudante adimplente com as parcelas do FIES.

Compulsando os autos verifica-se que KARINA NASCIMENTO DIAS celebrou o contrato de financiamento estudantil n°153.008.373, no 2º semestre de 2013 para custear a faculdade de direito.

Narra a parte autora que desde a conclusão do curso universitário em 2017 está quitando com dificuldades as parcelas do financiamento.

Pois bem, observa-se que a Lei n° 14.375/2022 estabeleceu hipóteses de renegociação de dívida com desconto aos contratos do FIES. Nesse sentido, veja-se o descrito na norma em comento:

Art. 2 - São modalidades de transação aquelas realizadas por adesão, na cobrança de créditos contratados com o Fies até o segundo semestre de 2017 e cujos débitos estejam:

I - vencidos, não pagos há mais de 360 (trezentos e sessenta) dias, e completamente provisionados; ou

II - vencidos, não pagos há mais de 90 (noventa) dias, e parcialmente provisionados.

Parágrafo único. A transação por adesão implicará a aceitação pelo devedor do Fies das condições estabelecidas em ato do Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies)

(...)

Art. 5º A transação na cobrança de créditos do Fies, celebrada somente por adesão, poderá contemplar os seguintes benefícios:

I - a concessão de descontos no principal, nos juros contratuais, nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, observado o impacto líquido positivo na receita, nos termos do inciso III do caput do art. 6º desta Lei;

II - a concessão de descontos nos juros contratuais, nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados classificados como inadimplentes, observado o impacto líquido positivo na receita, nos termos do inciso III do caput do art. 6º desta Lei;

III - o oferecimento de prazos e de formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória; e

IV - o oferecimento ou a substituição de garantias.

§ 1º É permitida a utilização de uma ou mais das alternativas previstas nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo para o equacionamento dos créditos.

§ 2º É vedada a transação que:

I - implique redução superior a 77% (setenta e sete por cento) do valor total dos créditos a serem transacionados; ou

II - conceda prazo de parcelamento dos créditos superior a 150 (cento e cinquenta) meses, exceto se houver cobrança por meio de consignação à renda do devedor do Fies.

§ 3º Na hipótese de transação que envolva pessoa inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) ou que tenha sido beneficiária do Auxílio Emergencial 2021, a redução máxima de que trata o inciso I do § 2º deste artigo será de 99% (noventa e nove por cento).

§ 4º Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo, os créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação incluem aqueles completamente provisionados pela União em seus demonstrativos contábeis.

§ 5º Na liquidação de contratos inadimplentes por meio de pagamento à vista, além dos benefícios estabelecidos no inciso II do caput deste artigo, é permitida a concessão de até 12% (doze por cento) de desconto no principal da dívida.

§ 6º A proposta de transação aceita não implicará novação dos créditos aos quais se refere.

Art. 6º Ato do CG-Fies disciplinará:

(...)

II - a possibilidade de condicionamento da transação:

a) ao pagamento de entrada;

b) à apresentação de garantia; e

c) à manutenção das garantias existentes;

III - os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas;

IV - os parâmetros para concessão de descontos, tais como o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança; e

V - a vinculação dos benefícios a critérios objetivos, preferencialmente, que abranjam:

a) a idade da dívida;

b) a capacidade contributiva do devedor do Fies; e

c) os custos da cobrança judicial. 

Por sua vez, a Lei n° 10.260/01, alterada pela Lei n° 14.375/2022 dispõe que:

Art. 5o-A.  Serão mantidas as condições de amortização fixadas para os contratos de financiamento celebrados no âmbito do Fies até o segundo semestre de 2017

(...)

§ 1º É o agente financeiro autorizado a pactuar condições especiais de amortização ou de alongamento excepcional de prazos para os estudantes inadimplentes com o Fies, por meio de adesão à transação das dívidas do Fies de que trata a legislação referente à matéria, com estímulos à liquidação, ao reparcelamento e ao reescalonamento das dívidas do Fies.   (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022)

§ 4º Sem prejuízo do disposto no § 1º deste artigo, o estudante beneficiário que tenha débitos vencidos e não pagos em 30 de dezembro de 2021 poderá liquidá-los por meio da adesão à transação com fundamento nesta Lei, nos seguintes termos:         (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022)

(...)

V - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 90 (noventa) dias em 30 de dezembro de 2021:       (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022)

a) com desconto da totalidade dos encargos e de até 12% (doze por cento) do valor principal, para pagamento à vista; ou       (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022)

b) mediante parcelamento em até 150 (cento e cinquenta) parcelas mensais e sucessivas, com redução de 100% (cem por cento) de juros e multas;      (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022)

VI - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 360 (trezentos e sessenta) dias em 30 de dezembro de 2021 que estejam inscritos no CadÚnico ou que tenham sido beneficiários do Auxílio Emergencial 2021, com desconto de até 99% (noventa e nove por cento) do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor; e      (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022)

VII - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 360 (trezentos e sessenta) dias em 30 de dezembro de 2021 que não se enquadrem na hipótese prevista no inciso VI deste parágrafo, com desconto de até 77% (setenta e sete por cento) do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor.   

Da análise da legislação supra depreende-se que apenas os contratos inadimplentes com o FIES celebrados até o segundo semestre de 2017 poderão ser renegociados com desconto, desde que o estudante se enquadre em umas das hipóteses descritas na Lei n° 14.375/2022 e tenha formulado solicitação administrativa ao agente financeiro no período de 01/09/2022 à 31/12/2022, nos termos do artigo 1º Resolução CG-FIES n° 51 de 21/07/2022.

Dessa forma, nota-se que os descontos previstos na lei não se aplicarão a todo e qualquer devedor inadimplente. Apenas aqueles que observem os requisitos da norma. Por isso, não é possível fazer uma interpretação extensiva e aplicar a legislação em comento a todo estudante que pretenda obter a renegociação da dívida do FIES ou desconto no financiamento estudantil.

  Outrossim, convém frisar que o legislador estabeleceu critérios objetivos para aplicação das benesses, tais como: idade da dívida, capacidade contributiva do devedor do FIES e custos da cobrança judicial.

Destarte, não merece reparo a sentença do Juízo de primeira instância, que ponderou o seguinte (ID 278664140):

“Tal transação não foi prevista para os contratos adimplentes, nem abrange todos os contratos inadimplentes.

Assim, não é possível obrigar as rés a permitirem a adesão a um programa de transação sem expressa autorização legal, só porque as regras são favoráveis ao contratante.

 Ora, não cabe ao julgador interpretar a lei de forma a alterar o disposto na própria lei para conceder um benefício nas hipóteses em que a Administração Pública entende não estarem presentes os requisitos para tanto, sob pena de agir como legislador positivo e violar o Princípio da Separação dos Poderes.

 Não assiste, pois, razão à autora.”

A corroborar a tese, cito precedente deste E. TRF-3ª Região:

REMESSA NECESSÁRIA. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL - FIES. TRANSAÇÃO. LEI Nº 14.375. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO PAGAMENTO DA VERBA HONORÁRIA. INVIABILIDADE.

- Diante da insuficiência de vagas ofertadas pelas instituições públicas de ensino superior, surgem mecanismos de estímulo ao acesso às instituições privadas, a exemplo do Fundo de Financiamento Estudantil - FIES, criado em 1999, efetivado sob o controle do Ministério da Educação e destinado a financiar a graduação no ensino superior de estudantes que necessitarem, para o que devem estar regularmente matriculados em instituições não gratuitas e terem alcançado avaliação positiva em processos conduzidos por órgãos estatais. O FIES está disciplinado na Lei nº 10.260/2001 (resultante da conversão da MP nº 2.094-27, de 17/05/2001) e em diversos atos normativos da administração pública federal (especialmente do MEC e pelo Conselho Monetário Nacional), com destaque para a Resolução CMN nº 2647/1999.

- Da normatização exposta conclui-se que o pagamento dos honorários advocatícios não se constitui em pressuposto para a adesão à transação referida. Ademais, a leitura da norma supratranscrita evidencia a eleição, pelo legislador, de critérios objetivos, bem como a capacidade contributiva do devedor do FIES, não se exigindo, dessa forma, o prévio pagamento de honorários advocatícios como requisito para a aludida adesão.

- No caso dos autos, a parte autora comprovou a contratação do mútuo estudantil, com data de pagamento da última parcela em 15/08/2014. Demonstrou, ainda, o ajuizamento da ação monitória nº 0008549-46.2010.4.03.6105, bem como sua condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, cuja execução fora suspensa pela concessão da justiça gratuita.

- Remessa necessária desprovida.

(TRF- 3ª Região, 2ª Turma, RemNecCiv –Remessa Necessária Cível n° 5001581-35.2022.4.03.6123, Rel. Desembargador Federal José Carlos Francisco, Data do Julgamento: 10/08/2023.

De outro lado, imperioso salientar que a Resolução CG FIES n° 51 de 21/07/202 no seu artigo 1°, inciso V, dispôs acerca da renegociação nos seguintes termos:

Art. 1º O estudante beneficiário, cujo contrato de financiamento se encontrava em fase de amortização na data de 30 de dezembro de 2021, poderá liquidá-los por meio da adesão à renegociação, que dar-se-á por meio de solicitação do financiado junto ao agente financeiro do contrato de FIES, no período de 01 de setembro a 31 de dezembro de 2022, nos seguintes termos:

(...)

V - Para os estudantes com "0" (Zero) dia de atraso com o FIES desconto de doze por cento do valor consolidado da dívida, inclusive principal, para pagamento à vista.

Pois bem, da análise da norma em tela, depreende-se que os estudantes adimplentes poderão obter desconto de 12% (doze por cento) do valor total da dívida contraída com o financiamento estudantil, apenas se ocorrer o pagamento do saldo devedor do FIES à vista.

 Entretanto, observo que a parte autora, ora apelante, não formulou pedido nesse sentido e tampouco pode ser concedido o desconto nos moldes que pretende a recorrente, com renegociação dos valores contratados em pelo menos 77%.

Finalmente, levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, nos termos do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, majoro a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição em 1% (um por cento), sem se olvidar tratar-se de parte beneficiária da justiça gratuita, sendo-lhe a aplicada as disposições do artigo 98, § 3º, do CPC.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO A APELAÇÃO.

É como voto.



E M E N T A

APELAÇÃO CÍVEL. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. LEI N° 14.375/2022. IMPOSSIBILIDADE. ESTUDANTE ADIMPLENTE COM FIES.  RESOLUÇÃO CG – FIES N° 51. DESCONTO DE 12% DA DÍVIDA PAGAMENTO À VISTA.RESCURSO DESPROVIDO.

- Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora, na qual requer a reforma de sentença que julgou improcedente pedido para aplicação dos dispositivos da Lei n° 14.375/2022 ao seu contrato de financiamento estudantil.

- Da análise da legislação em comento observa-se que a Lei n° 14.375/2022 tem por objetivo viabilizar a renegociação de dívidas sobretudo de estudante inadimplente do FIES, desde que se enquadrem nos requisitos estabelecidos pela norma.

-  Da análise do artigo 1º, inciso V da Resolução CG- FIES n° 51 de 21/07/2022,depreende-se que dispôs sobre a possibilidade de desconto de 12% da dívida do estudante adimplente com o FIES para o pagamento do saldo devedor à vista. Verifico que essa hipótese não se aplica ao caso dos autos, diante da ausência de pedido da recorrente nesse sentido.

- Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.