APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002197-87.2020.4.03.6120
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: VIMUSA AGROPECUARIA LTDA, CARLOS DOLOR MINATEL, MARIA NEIDE MINATEL
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS TADEU DE SOUZA - SP89710-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002197-87.2020.4.03.6120 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: VIMUSA AGROPECUARIA LTDA, CARLOS DOLOR MINATEL, MARIA NEIDE MINATEL Advogado do(a) APELANTE: MARCOS TADEU DE SOUZA - SP89710-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por Vimusa Agropecuária Ltda e outros em face de sentença que rejeitou os embargos oferecidos em sede de execução de título extrajudicial proposta por Caixa Econômica Federal, com fundamento em Cédula de Crédito Rural, reconhecendo o direito ao crédito pretendido pela parte exequente. Em suas razões, a parte apelante alega, inicialmente, que a execução é nula, haja vista a necessidade de depósito, em juízo, da via física negociável do título. Sustenta ainda a adoção de práticas consideradas abusivas por parte da exequente, com destaque para a incidência indevida de juros, capitalizados diariamente. Por fim, defende que tem direito subjetivo à renegociação da dívida, com acesso às linhas de crédito disponibilizadas pelo PRONAMPE. Com as contrarrazões (id 257314279), vieram os autos a esta Corte. É o breve relatório. Passo a decidir.
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002197-87.2020.4.03.6120 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: VIMUSA AGROPECUARIA LTDA, CARLOS DOLOR MINATEL, MARIA NEIDE MINATEL Advogado do(a) APELANTE: MARCOS TADEU DE SOUZA - SP89710-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, no que concerne à necessidade de depósito judicial da via física da cédula de crédito rural que lastreia a execução subjacente, razão não assiste ao polo apelante. De fato, a execução subjacente foi devidamente instruída com cópias do título exequendo, os quais permitem a clara identificação dos devedores, da parte credora, bem como dos encargos pactuados. Ademais, por se tratar de processo digitalizado, o feito foi instruído com cópias digitalizadas do aludido documento. Nesse sentido, já se manifestou esta Corte: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. TAXA DE JUROS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. A Lei 10.931/2004 previu a possibilidade de considerar-se líquida, certa e exigível a cédula de crédito bancário, desde que preenchidos os requisitos legais. No presente caso, a exequente trouxe com a inicial a cópia da cédula de crédito bancário devidamente assinada pelas partes, bem como os demonstrativos da evolução contratual, cumprindo as exigências previstas no artigo 28, da referida lei. Uma vez que se trata de processo eletrônico, natural que a documentação acostadas aos autos esteja na forma digitalizada. Observa-se que a cédula de crédito bancário que fundamenta a execução está devidamente assinada pelas partes e avalistas, inexistindo dúvida quanto à existência do título e do débito, bem como inexistindo notícia de que tenha circulado. Houvesse razão, poderia então o magistrado determinar o depósito da cártula original em cartório ou secretaria, nos termos do art. 425, § 2º do CPC. Mas não é o caso, inexistindo razão para supor má-fé do credor promovendo cobrança de título que tivesse entrado em raro processo de circulação e que já não estivesse em seu poder. Precedente da Turma. Não há cerceamento de defesa pela ausência de perícia se os pontos suscitados referem-se às questões atinentes à taxa de juros e caracterização do anatocismo, as quais constituem matéria de direito. O artigo 330 do Código de Processo Civil permite ao magistrado julgar antecipadamente a causa e dispensar a produção de provas quando a questão for unicamente de direito e os documentos acostados aos autos forem suficientes ao exame do pedido. Não há impedimento para que a taxa de juros seja cobrada em percentual superior a 12% ao ano, tratando-se de operações realizadas por instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional. A jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que, cuidando-se de operações realizadas por instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional, não incide a limitação prevista na lei de Usura (Decreto nº 22.626, 07.04.33). Plenamente possível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos bancários, cfr. prevê a Medida Provisória nº 1963-17 de 31.03.00, reeditada atualmente sob o nº 2.170-36, desde que pactuada. Na hipótese dos autos, o instrumento contratual celebrado entre as partes foi firmado em data posterior à edição da referida Medida Provisória, motivo pelo qual é possível a sua aplicação. A constitucionalidade da referida Medida Provisória, outrossim, é plenamente aceita pela jurisprudência, consoante se observa dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes. Recurso não provido. (ApCiv 5001026-02.2018.4.03.6109, Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, TRF3 - 2ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 29/09/2021.) (g.n.) Passando ao mérito da ação, lembro que o contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando com isso obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida. Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade contratual, dado que, uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade das avenças e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer igualmente de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado. Sobre a regência normativa, encontra-se sedimentado na jurisprudência o entendimento segundo o qual contratos bancários e de financiamento em geral se submetem à disciplina do Código de Defesa do Consumidor. Não bastasse a previsão contida no artigo 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/1990, segundo a qual “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”, a questão restou pacificada com a edição da Súmula 297 do E.STJ, nos seguintes termos: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”. Análise detida dos termos dos contratos celebrados entre as partes permite concluir pela inexistência de ofensa aos dispositivos previstos na legislação consumerista, notadamente às garantias da transparência, da boa-fé e do equilíbrio contratuais. Isso porque a redação das cláusulas pactuadas, além de respeitar as disposições legais que regem a matéria, propiciou ao devedor (quando da obtenção dos empréstimos junto à instituição financeira) o entendimento exato do alcance das obrigações assumidas, não se vislumbrando regras abusivas ou lesivas que levassem a um desequilíbrio das relações jurídicas estabelecidas entre as partes. Sobre o tema, note-se o que restou decidido pelo E. STF: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO. 7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA. 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade. (ADI 2591, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 07/06/2006, DJ 29-09-2006 PP-00031 EMENT VOL-02249-02 PP-00142 RTJ VOL-00199-02 PP-00481) No mesmo sentido, trago à colação os seguintes julgados deste E. TRF da 3ª Região: DIREITO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. I - Suficiente para o processo e julgamento da ação de cobrança que se demonstre a relação jurídica entre as partes e a existência do crédito. Precedente. II - Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor que não tem o alcance de autorizar a decretação de nulidade de cláusulas contratuais com base em meros questionamentos do devedor com alegações vagas e genéricas de abusividade. III - Recurso desprovido. (ApCiv 0006483-79.2008.4.03.6100, Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR, TRF3 - 2ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/03/2020.) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. APLICAÇÃO DO CDC - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. INCIDÊNCIA DA TABELA PRICE. FÓRMULA DE CÁLCULO DAS PRESTAÇÕES. JUROS OU ENCARGOS EXCESSIVOS OU ABUSIVOS. INOCORRÊNCIA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. COBRANÇA INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Aplicável o Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, nos termos da Súmula 297 do STJ. Essa proteção, porém, não é absoluta e deve ser invocada de forma concreta, comprovando o mutuário efetivamente a existência de abusividade das cláusulas contratuais ou de excessiva onerosidade da obrigação pactuada. 2. Ainda que se entenda que o cálculo dos juros pela utilização da Tabela Price implica em capitalização, tratando-se de contratos bancários firmados posteriormente à vigência da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30/03/2000 (em vigor a partir da publicação no DOU de 31/03/2000), por diversas vezes reeditada, a última sob nº 2.170-36, de 23/08/2001, ainda em vigor por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001, é lícita da capitalização dos juros, nos termos do artigo 5º. Precedente. 3. O sistema de amortização do saldo devedor pela utilização da Tabela Price não é vedado por lei. Além disso, é apenas uma fórmula de cálculo das prestações, em que não há capitalização de juros e, portanto, não há motivo para declarar a nulidade da cláusula questionada. Precedentes. 4. As instituições financeiras não estão sujeitas à limitação da taxa de juros, conforme entendimento de há muito firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 596. 5. No sentido de que a mera estipulação de juros contratuais acima de 12% não configura abusividade, que somente pode ser admitida em situações excepcionais, firmou-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça. 6. Destarte, observa-se não haver qualquer irregularidade ou ilegalidade no contrato firmado entre as partes, uma vez que quando a parte embargante contratou, sabia das taxas aplicadas e das consequências do inadimplemento. Uma vez inadimplente, não pode agora ser beneficiada com taxas diferentes das contratadas, devendo ser respeitado o princípio do pacta sunt servanda. 7. As Súmulas n. 30, 294 e 296 do Superior Tribunal de Justiça já reconheciam a legitimidade da aplicação da comissão de permanência, uma vez caracterizada a inadimplência do devedor, contanto que não haja cumulação com índice de atualização monetária ou taxa de juros. 8. A comissão de permanência, prevista na Resolução nº 1.129/1986 do BACEN, já traz embutida em seu cálculo a correção monetária, os juros remuneratórios e os encargos oriundos da mora. Desse modo, nenhum encargo decorrente da mora (como, v.g. juros moratórios) pode ser cumulado com a comissão de permanência, por configurar verdadeiro bis in idem. Precedente. 9. In casu, o exame dos discriminativos de débito revela a inexistência de cobrança de comissão de permanência, como se vê também no laudo elaborado pela Contadoria Judicial. Daí, inexiste cobrança cumulativa de comissão de permanência com outros encargos. 10. Apelação improvida.”. (ApCiv 5000054-63.2018.4.03.6131, Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, TRF3 - 1ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/04/2020.) Ademais, nos termos do art. 51, IV, do CDC, ou do art. 423 e art. 424, ambos do Código Civil, as cláusulas abusivas estabelecem obrigações consideradas iníquas ou excessivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, vale dizer, notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. Assim, valendo-se da vulnerabilidade do contratante consumidor, tais cláusulas gerariam desequilíbrio contratual, com vantagem exclusiva ao agente econômico mais forte (fornecedor). Não basta que um contrato seja de adesão para que suas cláusulas sejam consideradas abusivas, sendo necessário que tragam em si a desvantagem ao consumidor, como um desequilíbrio contratual injustificado. Esse o entendimento adotado por este E.TRF da 3ª Região, conforme se observa no julgado transcrito a seguir: PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. EXEQUIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PERÍCIA CONTÁBIL. PRELIMINAR AFASTADA. CDC. CLÁUSULAS ABUSIVAS. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. BENEFÍCIO INDEFERIDO. RECURSO DESPROVIDO. I - No caso dos autos, há de se constatar que os valores, índices e taxas que incidiram sobre o valor do débito estão bem especificados, e que a questão relativa ao abuso na cobrança dos encargos contratuais é matéria exclusivamente de direito, bastando, porquanto, a mera interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes para se apurar eventuais ilegalidades. Logo, totalmente desnecessária a realização de prova pericial. II - Não obstante tratar-se de contratos de adesão, inexiste qualquer dificuldade na interpretação das cláusulas contratuais, de modo que descabe alegar desconhecimento do conteúdo dos contratos à época em que foram celebrados. III - Afiguram-se presentes os pressupostos de certeza, exigibilidade e liquidez, não havendo se falar em vício que macula o título executivo utilizado para a propositura da ação IV - Não logrou êxito a parte pessoa jurídica em comprovar hipossuficiência relativa as custas deste processo V - Recurso desprovido. (ApCiv 5008236-53.2017.4.03.6105, Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, TRF3 - 2ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/04/2020.) Pelas características relatadas nos contratos combatidos, bem como à luz da legislação de regência, não há que se falar em cláusulas contratuais celebradas com conteúdo doloso ou excessiva onerosidade, mesmo porque o contratante tinha capacidade suficiente de entender os contratos que celebrava com a instituição financeira. Em relação às taxas de juros praticadas pela instituição financeira, destaco que houve inicial restrição no art. 192, VIII, § 3º, da Constituição, com previsão de limitação a 12% ao ano, mas antes de esse preceito constitucional ser regulamentado pela necessária lei nele prevista, o mesmo foi revogado pela Emenda nº 40/2003. Essa é a conclusão da Súmula Vinculante 07, do E.STF, segundo a qual “A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar.”. Inexistindo parâmetro constitucional limitando os juros, a matéria está submetida à regência infraconstitucional, que, em temas de direito privado, são interpretadas à luz do princípio da autonomia da vontade, segundo o qual deve prevalecer o que for livremente pactuado entre as partes (salvo se constatada violação à lei ou aos limites da razoabilidade). Pela documentação dos autos, os juros aplicados foram livremente pactuados entre partes capazes, de modo que desde o momento da contratação houve ciência do conteúdo e do modo avençado. Houvesse dúvida sobre qual e como seriam os juros, existira algum fundamento nos argumentos da parte-autora, mas não é o que se verifica neste caso, consoante os contratos sob litígio. Ainda quanto aos juros, é preciso destacar que a “cláusula de encargos financeiros” (id 257314250; fl. 10) estabeleceu que “Declaro (amos) ciente (s) de que sobre os valores lançados na conta vinculada ao presente financiamento, bem como o saldo devedor daí decorrente, incidirão juros à taxa de 5,5% a.a (cinco inteiros e cinco décimos por cento ao ano), reajustáveis de acordo com os critérios definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para a remuneração das operações lastreadas com recursos controlados do crédito rural (...)”. Dessa forma, como bem observou o juízo de origem (id 257314264) “As taxas de juros do crédito rural e demais regras para essa modalidade de financiamento são veiculadas nos Planos Safra, com validade de julho a junho do ano seguinte. O contrato foi celebrado em junho de 2014, de modo que se orientou inicialmente pela taxa de juros do Plano Safra de 2013-14. Porém, em julho a taxa foi reajustada para 6,5%, conforme o Plano Safra de 2014-15, e assim sucessivamente, sempre no mês de julho dos anos subsequentes, até o vencimento antecipado do contrato em 2019, quando a taxa aplicada era de 6% ao ano, conforme previsto no Plano Safra de 2019-20”. No que concerne à alegada irregularidade na capitalização de juros, observo que a Súmula 121, do E.STF, que vedava a capitalização de juros (ainda que expressamente convencionada), há tempos é inaplicável em casos nos quais lei especial adota critério específico para a contagem de juros (como se nota de antigo precedente do E.STF, Rel. Min. Djaci Falcão no RE 96.875, TRJ 108/282), entendimento que ficou expresso na Súmula 596, do mesmo Pretório Excelso, ao prever que “As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integrem o Sistema Financeiro Nacional.” A questão voltou a ganhar destaque a partir da edição da MP nº. 1.963-17/2000, reeditada sob nº. 2.170-36/2001 (cujos efeitos se prolongam por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001), que em seu artigo 5º, admite a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Apesar de o art. 5º da MP nº 2.170/2001 ter sido objeto da ADI 2316 (ainda pendente de julgamento no E.STF), merece destaque a pacificação do entendimento por parte do E.STJ na Súmula 539, segundo a qual “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.”. A esse propósito, anoto ainda o seguinte julgado do mesmo E.STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. ANÁLISE DA INÉPCIA DA INICIAL, DA ILIQUIDEZ DO TÍTULO, DO CERCEAMENTO DE DEFESA, DA INCIDÊNCIA DA TR E DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. EXAME DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7/STJ. 1. Constata-se que não se configura a alegada ofensa aos artigos 489 e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou, de maneira amplamente fundamentada, a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado. 2. No enfrentamento da matéria, o Tribunal de origem lançou os seguintes fundamentos: "A preliminar de inépcia suscitada no agravo retido não subsiste. Com efeito, conforme se verifica às fls. 282-439 dos autos dos presentes embargos à execução, consta detalhado demonstrativo de débito e de sua evolução produzido pelo BNDES. Ademais, apesar de apontarem suposta iliquidez do título, os embargantes não trouxeram aos autos memória de cálculo do valor que entendem excessivo, nem promoveram a prova pericial requerida, não atendendo, portanto, ao disposto no parágrafo 5° do artigo 739-A do CPC, segundo o qual 'quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento.'(...) Nesse sentido, não há que se acolher a alegação de cerceamento de defesa suscitada, vez que os embargantes se mantiveram inertes por mais de um ano desde a decisão que concedeu dilação de prazo para o depósito de honorários periciais, não tendo havido depósito de quaisquer valores no período. Assim, conforme informado na sentença, ficou evidenciado o desinteresse no objeto da perícia, não sendo razoável, ainda, a perpetuação da lide em decorrência da inércia injustificada dos embargantes. Quanto à utilização da TR como índice de correção do referido contrato, também não se cogita da reforma da sentença. Sobre o tema, dispõe a Súmula 295 STJ que 'a Taxa Referencial (TR) é indexador válido para contratos posteriores à Lei n. 8.177/91, desde que pactuada.' No caso, há expressa previsão da incidência da TR nas cláusulas quarta e oitiva do contrato, sendo possível, portanto, a aplicação desse índice. No que tange aos pleitos de limitação de juros em 12% ao ano e de afastamento de sua capitalização, também não prosperam as alegações dos recorrentes. É pacífico o entendimento de que em contratos de financiamento, tal como se verifica na espécie, as limitações defendidas pelos embargantes não subsistem, sendo inaplicável a lei 22626/33". 3. Sob esse aspecto, a análise da pretensão veiculada no Recurso Especial demanda exame de cláusulas contratuais e do contexto fático-probatório dos autos, inalcançáveis pelo STJ, ante o óbice erigido pelas Súmulas 5 e 7 do STJ. 4. Com efeito, no que se refere aos juros remuneratórios, destaca-se que, nos termos da Súmula 596 do STF "as disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional". Esse é o posicionamento que prevalece desde a revogação da Lei de Usura em relação às instituições financeiras, pela Lei 4.595/1964, conforme orientação consolidada no REsp 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos. 5. Agravo Interno não provido.” (AgInt no AREsp 1540158/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 19/12/2019) No mesmo sentido tem decido este E.TRF da 3ª Região, a exemplo do julgado transcrito a seguir: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO BANCÁRIO. CONCESSÃO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA CONTÁBIL. DOCUMENTOS HÁBEIS À PROPOSITURA DA AÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. JUROS OU ENCARGOS EXCESSIVOS OU ABUSIVOS. INOCORRÊNCIA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE COBRANÇA. HONORÁRIOS RECURSAIS. POSSIBILIDADE. 1. Cumprido o requisito legal, pois a parte afirmou não ter condições de arcar com o custo do processo, e inexistindo prova capaz de infirmar a presunção legal de hipossuficiência, merece provimento, nesse ponto, o recurso de apelação. Portanto, de rigor o deferimento dos benefícios da justiça gratuita ao apelante. 2. Poderá o juiz dispensar a produção probatória, quando os elementos coligidos forem suficientes para fornecer subsídios elucidativos do litígio, casos em que o julgamento da lide poderá ser antecipado e proferido até mesmo sem audiência, se configuradas as hipóteses do artigo 355 do CPC. 3. Deste modo, in casu, a decisão prolatada pelo Juízo a quo, valendo-se dos instrumentos legais supramencionados, bem como do seu livre convencimento motivado, acertadamente entendeu pela suficiência dos elementos probatórios, assim como pela dispensabilidade da produção das provas requeridas pelo apelante. Precedentes. 4. A controvérsia versada na lide cinge-se aos critérios legais utilizados para a apuração da dívida, os quais se encontram minuciosamente discriminados nos respectivos anexos que acompanham o Contrato de Relacionamento – Abertura e Movimentação de Conta, Contratação de Produtos e Serviços – Pessoa Jurídica. Trata-se, portanto, de matéria meramente de direito, passível de julgamento antecipado. Precedentes. 5. Assim sendo, não merece guarida a alegação de imprescindibilidade da análise técnica requerida pelo apelante, não havendo demonstração de prejuízo à parte ou violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa. 6. Há prova escrita - contrato assinado pelo devedor, planilhas de demonstrativo de débito e evolução da dívida - sem eficácia de título executivo, prevendo pagamento de soma em dinheiro, de forma que estão satisfeitos os requisitos do artigo 700 do CPC - Código de Processo Civil/2015, sendo cabível a ação monitória. Súmula 247 do STJ. 7. Nessa senda, há documentos hábeis à propositura da presente monitória (contrato, demonstrativos de débito e planilhas de evolução da dívida), bem como, aponta o quantum debeatur. 8. Ainda que se entenda que o cálculo dos juros pela utilização da Tabela Price implica em capitalização, tratando-se de contratos bancários firmados posteriormente à vigência da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30/03/2000 (em vigor a partir da publicação no DOU de 31/03/2000), por diversas vezes reeditada, a última sob nº 2.170-36, de 23/08/2001, ainda em vigor por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001, é lícita da capitalização dos juros, nos termos do artigo 5º. Precedente. 9. As instituições financeiras não estão sujeitas à limitação da taxa de juros, conforme entendimento de há muito firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 596. 10. No sentido de que a mera estipulação de juros contratuais acima de 12% não configura abusividade, que somente pode ser admitida em situações excepcionais, firmou-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça. 11. Destarte, observa-se não haver qualquer irregularidade ou ilegalidade no contrato firmado entre as partes, uma vez que quando a parte embargante contratou, sabia das taxas aplicadas e das consequências do inadimplemento. Uma vez inadimplente, não pode agora ser beneficiada com taxas diferentes das contratadas, devendo ser respeitado o princípio do pacta sunt servanda. 12. As Súmulas nº 30, nº 294 e nº 296 do Superior Tribunal de Justiça são claras ao reconhecer a legitimidade da aplicação da comissão de permanência, uma vez caracterizada a inadimplência do devedor, contanto que não haja cumulação com índice de atualização monetária ou taxa de juros. 13. No caso dos autos, o exame dos discriminativos de débito revela que a atualização da dívida deu-se pela incidência de juros remuneratórios, juros de mora e multa por atraso, sem a cobrança de comissão de permanência. 14. Em que pese a incidência da comissão permanência conforme previsão contratual, inexiste cobrança da comissão de permanência no caso dos autos, assim, não há de se falar em cumulação da comissão de permanência com outros encargos. 15. Honorários advocatícios majorados para 10,5% sobre o valor atribuído à causa, com fulcro no art. 85, § 2º, c.c. §11 do CPC/2015, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do § 3º do artigo 98 do CPC. 16. Apelação não provida.” (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007951-05.2018.4.03.6112, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 03/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 13/04/2020) Por fim, destaco que no julgamento do Recurso Especial nº. 973.827, sob o rito dos recursos repetitivos, a 2ª Seção do E. STJ firmou as seguintes teses para os efeitos do art. 543-C do CPC, então em vigor: "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada."; "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada". Transcrevo, por oportuno, a ementa do julgado: CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros. 2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de "taxa de juros simples" e "taxa de juros compostos", métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933. 3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." - "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada". 4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios. 5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido. (RESP - RECURSO ESPECIAL - 973827 2007.01.79072-3, LUIS FELIPE SALOMÃO, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/09/2012 RSSTJ VOL.:00045 PG:00083 RSTJ VOL.:00228 PG:00277 ..DTPB:.) Há que se atentar, para o que interessa ao caso dos autos, que a “cláusula de encargos financeiros” estabelece sobre os juros que: “Os referidos encargos serão: a) calculados por dias corridos, com base na taxa equivalente diária (ano de 365 ou 366 dias); b) debitados mensalmente, inclusive durante o período de carência no dia primeiro de cada mês, nas remições de capital proporcionalmente aos valores remidos (pagos), no vencimento e/ou na liquidação da dívida; e c) exigidos juntamente com as amortizações ou remições (pagamento) de capital, proporcionalmente aos seus valores nominais, no vencimento e na liquidação da dívida.” Destarte, não há que se falar em irregularidade na metodologia de cálculo de juros adotada pela credora. No que se refere ao acesso ao PRONAMPE, é preciso salientar que, com o objetivo de promover o desenvolvimento e o fortalecimento dos pequenos negócios, o governo federal, por meio da Lei nº. 13.999/2020, criou o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (PRONAMPE), que oferece uma linha de crédito correspondente a até 30% da receita bruta anual das empresas destinatárias, a ser utilizada para financiamento das atividades econômicas do empresário, da empresa ou do profissional liberal nas suas diversas dimensões, podendo ser direcionada a investimentos e capital de giro, vedada a sua destinação para distribuição de lucros e dividendos entre os sócios. Trata-se de uma das medida adotadas pelo governo federal para fazer frente à situação de emergência estabelecida com o avanço da pandemia causada pelo novo coronavírus (que gera a COVID-19), com foco na preservação da atividade econômica e na manutenção dos empregos, razão pela qual, exigiu o legislador, em contrapartida, que as empresas beneficiadas com essa modalidade de crédito preservassem o quantitativo de empregados em número igual ou superior ao verificado na data da publicação da lei, no período compreendido entre a data da contratação e o 60º dia após o recebimento da última parcela da linha de crédito, sob pena de vencimento antecipado da dívida (art. 2º, §§ 3º e 4º). As linhas de crédito previstas no PRONAMPE poderão serão operadas pelas instituições financeiras públicas ou privadas autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil que aderirem ao programa, contando com a garantia do Fundo Garantidor de Operações (FGO), de que trata a Lei nº 12.087, de 11 de novembro de 2009 (art. 2º, §2º), em caso de inadimplência. De toda sorte, em caso de inadimplemento, as instituições financeiras aderentes ao PRONAMPE farão a cobrança da dívida em nome próprio, em conformidade com as suas políticas de crédito, e recolherão os valores recuperados ao FGO, relativos a cada operação, na proporção do saldo devedor honrado pelo Fundo (art. 5º, caput), tendo a lei, nesse ponto, estabelecido criterioso rol de condutas a serem observadas por parte do agente operador, com o intuito de recompor os recursos dispendidos pelo FGO. Além de assegurar empréstimos com taxa de juros anual máxima igual à taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acrescida de 1,25% sobre o valor concedido (ou 6% para as operações concedidas a partir de 1º de janeiro de 2021, conforme art. 3º, I, “b”, da Lei nº. 13.999/2020, incluído pela Lei nº 14.161/2021), com prazo de 36 meses para o pagamento, o programa simplifica a obtenção do crédito, autorizando que as instituições financeiras participantes dispensem a apresentação de determinados documentos, a exemplo de certidões de quitação trabalhista (o art. 362, §1º, da CLT), prova de quitação eleitoral (art. 7º, §1º, IV, da Lei nº 4.737/1965), Certificado de Regularidade do FGTS (art. 27, alíneas “b” e “c”, da Lei nº 8.036/1990), Certidão Negativa de Débito-CND (art. 47, I, “a”, da Lei nº 8.212/1991), e consulta prévia ao CADIN (art. 6º, da Lei nº 10.522/2002). Sobre a possibilidade de recusa na concessão do crédito pela instituição financeira sob o fundamento de existirem anotações em órgãos de proteção ao crédito, é certo que o texto do projeto de lei (que resultou na Lei nº. 13.999/2020) originalmente aprovado pelo Congresso Nacional, tratou da hipótese em seu art. 2º, § 9º, nos seguintes termos: “Art. 2º (...) § 9º As instituições financeiras participantes do Pronampe não poderão utilizar como fundamento para a não realização da contratação da linha de crédito no âmbito do Programa a existência de anotações em quaisquer bancos de dados, públicos ou privados, que impliquem restrição ao crédito por parte do proponente, inclusive protesto.” Esse dispositivo, contudo, foi objeto de veto presidencial, posteriormente mantido pelo Congresso Nacional, constando da Mensagem de Veto nº. 272/2020, encaminhada à Presidência do Senado Federal, as seguintes razões: “§ 9º do art. 2º Razões do veto A propositura legislativa, contraria o interesse público, bem como os princípios da seletividade, da liquidez e da diversificação de riscos, ao possibilitar que empresas que se encontrem em situação irregular perante os órgãos do Estado, bem como de insolvência iminente, tome empréstimo, em potencial prejuízo aos cofres públicos. Ademais, o dispositivo proposto, combinado com a inexistência de qualquer outra limitação à destinação dos recursos pelos beneficiários, exceto o pagamento de lucros e dividendos, possibilitará às instituições financeiras direcionar parte das operações de crédito concedidas sob garantia do Pronampe para a liquidação dos créditos em atraso ou baixados em prejuízo de suas próprias carteiras, uma vez que não estarão obrigadas a observar as restrições de crédito dos clientes em seus próprios cadastros.” A motivação do veto está assentada, portanto, na elevada probabilidade de prejuízo aos cofres públicos que a liberação de recursos sem análise de risco, ou seja, de forma praticamente aleatória, implicaria, em especial pelo amplo espectro de destinação dos recursos pelos beneficiários do programa, consoante redação ado art. 2º, §10, da lei nº. 13.999/2020. Não se sustenta, portanto, o argumento de que as instituições financeiras estariam impedidas de se valer da análise de risco autorizada pela Resolução BACEN nº. 2682, de 21 de dezembro de 1999, para a recusa de crédito nos moldes da Lei nº. 13.999/2020. Conforme bem observou o magistrado de piso (id 257314272) “A embargante apresentou telegrama endereçado à agência de Matão da Caixa Econômica Federal no qual pleiteia a concessão de sua inclusão no Pronampe para obtenção de crédito de R$ 377.439,00. Todavia, como ocorre com qualquer linha de crédito, o Pronampe possui meios e requisitos para seu acesso, sendo que a simples expedição de telegrama endereçado à Caixa não atende às formalidades próprias para esse mútuo. Além disso, o Pronampe até pode ser uma linha facilitada de crédito, mas não é concedida com dispensa de análise de risco pelos bancos operadores”. Sobre o tema, note-se o que já restou decidido por esta Corte no julgado a seguir colacionado: APELAÇÃO CÍVEL. PRONAME. FACILIDADES PARA CONCESSÃO DE CRÉDITO. ANÁLISE DE RISCO NÃO DISPENSADA. RECURSO NÃO PROVIDO. A lei nº 13.999/2020 instituiu o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Proname), para o desenvolvimento e o fortalecimento dos pequenos negócios. Nesta linha, a referida lei estabelece facilidades para a concessão de crédito, no âmbito do Ponampe, como a dispensa de determinados documentos para a concretização do negócio (art. 4º). Referida lei, contudo, não estabelece a extinção da análise de risco feita regularmente pelos bancos no momento da concessão do crédito, que é justamente o que se deu no caso concreto e que resultou na recusa do agente financeiro. Recurso não provido, com majoração da verba honorária. (ApCiv 5003012-29.2020.4.03.6106. RELATOR: Desembargador Federal Luiz Paulo Cotrim Guimarães. TRF3 - 2ª Turma, DJEN DATA: 03/08/2021) Dessa forma, o simples envio de telegrama à agência da Caixa Econômica Federal (id 257314249) não confere, por si só, o direito subjetivo de acessar a referida linha de crédito. Ademais, não há que se cogitar que a criação e oferta de novas linhas de financiamento, ainda que facilitadas, com a dispensa de requisitos usualmente exigidos nessas operações, gere para os interessados o direito adquirido ao crédito. Note-se que o art. 5º, da Lei que regula o programa, exige das instituições financeiras participantes o emprego “dos melhores esforços” e adoção dos “procedimentos necessários para a recuperação dos créditos no âmbito do Programa”, obviamente com a finalidade de recomposição do fundo garantidor, impondo-lhes, inclusive, o ônus de arcar com as despesas necessárias para a recuperação dos créditos inadimplidos”. É de se esperar, portanto, que algum critério de seletividade seja admitido no momento da liberação dos recursos. Reconheço, por fim, ser emergente e preocupante a situação enfrentada no Brasil em razão da pandemia, com inegáveis prejuízos nas esferas de particulares (pessoas físicas, pessoas jurídicas, universalidades e entes despersonalizados) e de entes estatais, sobretudo com danos humanitários expressivos. Sociedade e Estado têm interesses e deveres jurídicos convergentes nesse contexto de emergência, uma vez que a solidariedade emerge como primado do sistema jurídico brasileiro (art. 3º, I, da Constituição da República), realçada nesse período extraordinário, com repercussões em diversas áreas do ordenamento positivado. No entanto, não há respaldo, em nosso ordenamento jurídico, para que se acolha a pretensão da apelante, com a imposição da concessão de crédito diante das circunstâncias retratadas. Lembro que cabe à discricionariedade política do legislador ordinário, em regra, providências normativas que firmem parâmetros para equilibrar os direitos e deveres em obrigações livremente pactuadas, ao passo que ao Poder Judiciário cumpre o controle de constitucionalidade e de legalidade desses atos normativos, bem como a aferição do cumprimento concreto desses comandos em face de situações específicas judicializadas, sempre que houver manifesta ou inequívoca violação dos limites da discricionariedade política ou dos parâmetros normativos. Em arremate, no que se refere ao pleito de prorrogação da dívida com base na Resolução n° 4.802 do Banco Central do Brasil, vigente à época do ajuizamento dos presentes embargos, melhor razão não assiste aos apelantes. De fato, a Circular BACEN nº 1.536/1989, ao dispor sobre a temática em comento assim dispõe: “9 – Independentemente de consulta ao Banco Central, é devida a prorrogação da dívida, aos mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito, desde que se comprove incapacidade de pagamento do mutuário, em consequência de: a) dificuldade de comercialização dos produtos; b) frustração de safras, por fatores adversos; c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.” Ocorre que, na esteira do observado pelo juízo de primeiro grau, a requerente não comprovou as circunstâncias exigidas pela citada norma, limitando-se a alegar, de forma lacônica, alterações supervenientes das condições originariamente contratadas no ano de 2014, consistentes em secas sucessivas somadas à pandemia da COVID 19. Nesse diapasão, a manutenção da sentença é medida que se impõe. Em suma, não há cláusulas contratuais que imponham excessiva onerosidade a qualquer das partes, restando demonstrado que o montante exigido pela CEF, obtido segundo critérios previamente estabelecidos e em consonância com a legislação de regência, decorre exclusivamente do inadimplemento imotivado das obrigações livremente assumidas por seu cliente, de modo a caracterizar sua mora. Diante do exposto, nego provimento ao recurso. Considerando o insucesso do recurso interposto, com a manutenção da decisão recorrida, aplica-se a regra da sucumbência recursal estabelecida no art. 85, § 11, do CPC, pelo que majoro em 10% os honorários advocatícios fixados na sentença. É como voto.
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
E M E N T A
APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. DEPÓSITO JUDICIAL DA VIA FÍSICA. DESNECESSIDADE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULAS E ENCARGOS ABUSIVOS. PROGRAMA NACIONAL DE APOIO ÀS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE – PRONAMPE. CONCESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO. PRORROGAÇÃO DA DÍVIDA. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS.
- Inicialmente, no que concerne à necessidade de depósito judicial da via física da cédula de crédito rural que lastreia a execução subjacente, razão não assiste ao polo apelante. De fato, a execução subjacente foi devidamente instruída com cópias do título exequendo, os quais permitem a clara identificação dos devedores, da parte credora, bem como dos encargos pactuados. Ademais, por se tratar de processo digitalizado, o feito foi instruído com cópias digitalizadas do aludido documento.
- Contratos bancários e de financiamento em geral se submetem à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula 297 do E.STJ e posicionamento do E.STF na ADI 2591/DF. Não basta que um contrato seja de adesão para que suas cláusulas sejam consideradas abusivas, sendo necessário que tragam em si desvantagem ao consumidor, como um desequilíbrio contratual injustificado.
- Inexiste restrição constitucional limitando taxas de juros (Súmula Vinculante 07, do E.STF), ficando a matéria submetida à regência infraconstitucional, que, em temas de direito privado, são interpretadas à luz da autonomia da vontade, segundo a qual deve prevalecer o que for livremente pactuado entre as partes, salvo se constatada violação à lei ou desproporção imotivada
- O Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – PRONAMPE, criado pela Lei nº. 13.999/2020, permite a oferta de crédito em condições facilitadas, dispensando a comprovação de determinados requisitos usualmente exigidos pelas instituições financeiras, e permitindo a utilização dos recursos de forma ampla nas atividades econômicas do empresário, da empresa ou do profissional liberal, além de contar com a garantia do Fundo Garantidor de Operações (FGO), de que trata a Lei nº 12.087, de 11 de novembro de 2009.
- Em sua redação originária, o art. 9º, da Lei nº. 13.999/2020, vedava a recusa na contratação da linha de crédito sob o fundamento de existirem anotações em quaisquer bancos de dados, públicos ou privados, que impliquem restrição ao crédito por parte do proponente, inclusive protesto. Esse dispositivo, contudo, foi objeto de veto presidencial, posteriormente mantido pelo Congresso Nacional, constando da Mensagem de Veto nº. 272/2020, encaminhada à Presidência do Senado Federal, que o impedimento à análise de risco contraria o interesse público, por elevar as chances de prejuízo aos cofres públicos.
- Na esteira do observado pelo juízo de primeiro grau, a requerente não comprovou as circunstâncias exigidas pela Circular BACEN nº 1.536/1989, limitando-se a alegar, de forma lacônica, alterações supervenientes das condições originariamente contratadas no ano de 2014, consistentes em secas sucessivas somadas à pandemia da COVID 19.
- A execução embargada funda-se em Cédula de Crédito Rural, tendo sido instruída com demonstrativo de débito e planilha de evolução da dívida, em consonância com o que dispõe o art. 798, I, “b”, do CPC, não se constatando violação à legislação consumerista, decorrendo, portanto, o reconhecimento do valor exigido pela parte exequente.
- Apelação não provida.