Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000740-06.2019.4.03.6136

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ALVES - EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogados do(a) APELANTE: LUIS GUSTAVO OCON DE OLIVEIRA - SP171579-A, PAULO EDUARDO ROCHA PINEZI - SP249388-A
Advogados do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO COSTA FERNANDES - SP224703-A, JOSE CARLOS BENEDITO MARQUES - SP58874-A

APELADO: J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, ALVES - EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogados do(a) APELADO: LUIS GUSTAVO OCON DE OLIVEIRA - SP171579-A, PAULO EDUARDO ROCHA PINEZI - SP249388-A
Advogados do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO COSTA FERNANDES - SP224703-A, JOSE CARLOS BENEDITO MARQUES - SP58874-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000740-06.2019.4.03.6136

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ALVES - EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogados do(a) APELANTE: LUIS GUSTAVO OCON DE OLIVEIRA - SP171579-A, PAULO EDUARDO ROCHA PINEZI - SP249388-A
Advogados do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO COSTA FERNANDES - SP224703-A, JOSE CARLOS BENEDITO MARQUES - SP58874-A

APELADO: J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, ALVES - EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogados do(a) APELADO: LUIS GUSTAVO OCON DE OLIVEIRA - SP171579-A, PAULO EDUARDO ROCHA PINEZI - SP249388-A
Advogados do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO COSTA FERNANDES - SP224703-A, JOSE CARLOS BENEDITO MARQUES - SP58874-A

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R E L A T Ó R I O

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS (ID 278876938), por ALVES EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (ID 278876933) e por J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (ID 278876941) em face da r. sentença (IDs 278876878 e 278876879) que julgou procedente o pedido para condenar as empresas, de forma solidária, ao pagamento ao ente previdenciário dos valores vencidos e vincendos decorrentes de benefícios pagos em prol do segurado Maicon Rodrigues Damin, impondo, igualmente, o ressarcimento de futuros pagamentos realizados a mesmo título, asseverando que os valores efetivamente pagos até a data da liquidação deverão ser atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora na forma do Manual para Orientação e Cálculos da Justiça Federal vigente na data da liquidação, sendo que as eventuais parcelas vincendas até a cessação do benefício deverão ser reembolsadas no prazo de 10 dias do pagamento mediante utilização de guia específica indicada pela autarquia. Houve a condenação da parte-ré ao pagamento de custas e de honorários advocatícios fixados no percentual mínimo do § 3º do art. 85 do Diploma Processual de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação/proveito econômico obtido pela parte-autora.

Em síntese, a autarquia federal pugna pela reforma do r. provimento judicial monocrático no que tange aos critérios fixados a título de juros e de correção monetária, almejando a incidência da Taxa Selic desde a ocorrência do evento danoso (nos moldes do entendimento plasmado na Súm. 54/STJ).

Por sua vez, a empresa ALVES EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. suscita preliminares: (i) de incompetência absoluta da Justiça Federal para julgar a presente demanda (que deveria ser apreciada pela Justiça do Trabalho) e (ii) de ilegitimidade de parte (à luz da celebração de contrato de prestação de serviço a ser executado pela outra corré). No mérito, sustenta: (iii) a impossibilidade do ressarcimento vindicado à luz de que já contribuiria para o custeio de infortúnios por meio do “SAT” (de modo que nova cobrança teria o condão de configurar “bis in idem”) e (iv) a necessidade de afastamento de sua responsabilidade, uma vez que não teria sido demonstrada sua culpa (pondera que a situação concreta avocaria o reconhecimento da figura da culpa exclusiva do acidentado, que acabou por adentrar à vala sem o devido cuidado de escorá-la).

Já a empresa J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. pugna pela reforma da r. sentença com supedâneo nas seguintes teses: (i) reconhecimento de nulidade dos autos de infração (por terem sido lavrados extemporaneamente, a teor do art. 629, da Consolidação das Leis Trabalhistas); (ii) afastamento da culpa reconhecida em seu prejuízo (com o consequente assentamento de que a vítima teria agido nessa condição); (iii) o pagamento de “SAT/RAT” afastaria a possibilidade da pretensão deduzida nesta senda; (iv) o laudo pericial elaborado seria imprestável como elemento de prova; (v) o infortúnio teria ocorrido por culpa da empresa ALVES EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. em razão de falha no projeto; e (vi) o caso concreto indicaria a necessidade de reconhecimento de caso fortuito/força maior diante das características da obra e do terreno.

Com contrarrazões (Ids 278876945 e 278876946), subiram os autos a este E. Tribunal.

É o breve relatório.

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000740-06.2019.4.03.6136

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ALVES - EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogados do(a) APELANTE: LUIS GUSTAVO OCON DE OLIVEIRA - SP171579-A, PAULO EDUARDO ROCHA PINEZI - SP249388-A
Advogados do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO COSTA FERNANDES - SP224703-A, JOSE CARLOS BENEDITO MARQUES - SP58874-A

APELADO: J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, ALVES - EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

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V O T O

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Iniciando a apreciação dos temas devolvidos ao conhecimento deste colegiado pela preliminar de incompetência suscitada pela empresa ALVES EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., pertinente asseverar ser assente na jurisprudência entendimento segundo o qual demandas ajuizadas tendo como supedâneo o art. 120 da Lei nº 8.213/1991 (ações regressivas acidentárias propostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS) são objeto de deliberação e de julgamento no âmbito da Justiça Federal (sob o pálio do art. 109, I, da Constituição Federal), não tendo cabimento a invocação de qualquer uma das situações elencadas no art. 114 de mencionado Diploma (que delimita a competência da Justiça do Trabalho). Nessa toada, rejeita-se a preliminar em tela.

No que se refere à preliminar de ilegitimidade passiva também arguida pela empresa ALVES EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (fundada em alegação no sentido de que teria celebrado contrato de prestação de serviço a ser executado pela corré, de molde a não ter qualquer relação com o infortúnio), verifica-se que o teor dos argumentos expendidos acaba por se confundir com o próprio mérito desta relação processual (especificamente sobre a possibilidade – ou não – de reconhecimento de responsabilidade civil pelo evento) e, nessa medida, será objeto de apreciação oportuna.

Indo adiante, nos moldes do art. 201, § 10, da Constituição, cabe à lei disciplinar a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado. Nesse contexto, emergem legislações cuidando do regime geral de previdência social mantido pelo INSS, com benefícios previstos na Lei nº 8.213/1991, custeados por diversas contribuições (nos termos da Lei nº 8.212/1991).

Como regra geral, cabe ao INSS conceder o benefício apropriado em decorrência de acidente de trabalho, mas o art. 7º, XXII e XXVIII, da Constituição, dá amparo à redação originária do art. 120 da Lei nº 8.213/1991, pelo qual essa autarquia tem direito de regresso em casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e de higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, agora ampliada também para o caso de violência doméstica e familiar contra a mulher (com inclusões feitas pela Lei nº 13.846/2019):

 

Art. 120.  A Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis nos casos de: (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

I - negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva; (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

II - violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006(Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

 

As responsabilidades do empregador ou do contratante do trabalhador decorrem de primados do sistema jurídico, mas o art. 19 dessa mesma Lei nº 8.213/1991 reforçou essas exigências ao definir acidente de trabalho:

 

Art. 19.  Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. (Redação dada pela Lei Complementar nº 150, de 2015)

§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.

§ 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.

§ 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.

§ 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.

 

O fato de o empregador ou contratante do trabalhador acidentado ter recolhido regularmente contribuições previdenciárias e seus adicionais (SAT ou FAP/RAT) não é motivo suficiente para eximir sua responsabilidade, porque o art. 7º, XXVII, da Constituição, é expresso ao impor o custeio de seguro contra acidentes de trabalho, sem excluir a indenização a que este está obrigado (quando incorrer em dolo ou em culpa), dando reforço ao ressarcimento previsto no art. 120 da Lei nº 8.213/1991. Essa é a orientação do E. STJ:

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DO ART. 120 DA LEI 8.213/1991. LEGITIMIDADE ATIVA DO INSS. INDENIZAÇÃO. COMPENSAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SAT. IMPOSSIBILIDADE. CULPABILIDADE E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. 1. O INSS tem legitimidade para pleitear o ressarcimento previsto no art. 120 da Lei 8.213/1991. 2. É assente nesta Corte Superior que a contribuição ao SAT não exime o empregador da sua responsabilização por culpa em acidente de trabalho, conforme art. 120 da Lei 8.213/1991. Nesse sentido: REsp 506.881/SC, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca; Quinta Turma, DJ 17.11.2003; e EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 973.379/RS, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 14.06.2013. 3. O acórdão recorrido entendeu haver negligência do ora agravante, pois contribuiu para o acidente de trabalho, de forma que tal fato para ser infirmado exige o revolvimento fático-probatório vedado pela Súmula 7/STJ. 4. A revisão da verba honorária implica, como regra, reexame da matéria fático-probatória, vedado em Recurso Especial (Súmula 7/STJ). Excepciona-se apenas a hipótese de valor irrisório ou exorbitante, não se configurando neste caso. 5. Agravo Regimental não provido (AGARESP 201300322334, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:22/04/2014).

 

PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ART. 120 DA LEI N. 8.213/1991. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. NEGLIGÊNCIA DA EMPREGADORA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. RECURSO ESPECIAL DO INSS. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA N. 54/STJ. I - Na origem, cuida-se de ação regressiva ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em desfavor da empresa Masisa do Brasil Ltda. objetivando o ressarcimento das despesas causadas à Previdência Social com o pagamento de benefícios acidentários. (...) III - A jurisprudência do STJ é no sentido de que a contribuição ao SAT não exime o empregador da sua responsabilização por culpa em acidente de trabalho, conforme art. 120 da Lei n. 8.213/1991. Precedentes: AgInt no REsp n. 1.677.388/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 7/6/2018, DJe 20/6/2018; e REsp n. 1.666.241/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 30/6/2017. IV - Havendo o Tribunal de origem, em vasta decisão e com fundamento nos fatos e provas dos autos, concluído que o acidente que vitimou os segurados decorreu de negligência da empresa quanto ao cumprimento das normas de segurança do trabalho em relação a risco específico da atividade industrial, de explosão e incêndio, a inversão do julgado demandaria o reexame de fatos e provas dos autos, o que é vedado na instância especial ante o óbice do enunciado n. 7 da Súmula do STJ. V - De acordo com a jurisprudência do STJ, entende-se que, por se tratar de responsabilidade extracontratual por ato ilícito, nas ações regressivas ajuizadas pelo INSS, os juros de mora deverão fluir a partir do evento danoso, nos termos do enunciado n. 54 da Súmula do STJ: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual". Precedentes: REsp n. 1.673.513/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 28/11/2017, DJe 1º/12/2017; AgInt no REsp n.1.373.984/DF, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 9.8.2017; e AgInt no AREsp n. 410.097/PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 10.2.2017. VI - Recurso especial da empresa parcialmente conhecido e improvido; Recurso especial do INSS provido para fixar o evento danoso como termo inicial dos juros de mora (REsp 1745544/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 18/12/2018).

 

As exigências feitas pelo art. 120 da Lei nº 8.213/1991 são as exequíveis, dentro de parâmetros aceitáveis no respectivo segmento econômico e no momento no qual o acidente de trabalho ocorre, tanto que o preceito legal se refere a violação de “normas padrão” de segurança e de higiene no trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva. Assim, o empregador tem o dever de atender as normas padrão relativas à segurança, higiene e saúde do trabalhador, previstas em todo o ordenamento jurídico, em especial na Constituição Federal, em tratados internacionais aplicáveis o Brasil, na CLT, bem como em regulamentos, além daquelas contidas em acordos e em convenções Coletivas. 

O empregador deve fornecer equipamentos de proteção individual e coletivo contra agentes insalubres, bem como oferecer treinamento aos funcionários para operar equipamentos e para manusear produtos, com o fim de se evitar a ocorrência de acidentes de trabalho. A ausência de adoção de medidas protetivas e preventivas devidas por força de normas padrão e que ensejem a ocorrência de acidentes obrigará o empregador ao reembolso ao INSS das despesas efetuadas com o pagamento de benefícios daí decorrentes, também como forma de incutir na empresa (ainda que a longo prazo) mudanças comportamentais no sentido de efetivamente adotar tais medidas. 

Em suma, o INSS terá direito ao ressarcimento se comprovar os seguintes requisitos cumulativos: a) que o empregador ou contratante deixou de observar as normas gerais de segurança e de higiene do trabalho; b) que o acidente tenha decorrido diretamente desta inobservância. Se o acidente ocorreria mesmo se empregador ou contratante tivesse tomado medidas consentâneas às normas gerais exigíveis, não terá o dever de ressarcir o INSS.

Com fundamento no art. 373 do CPC, o ônus da prova incumbe ao INSS quanto à existência de responsabilidade do empregador no acidente; ao empregador e ao tomador do serviço cabem demonstrar a culpa exclusiva da vítima ou a configuração de caso fortuito, de força maior ou de qualquer outra excludente de sua responsabilidade, ou ainda culpa concorrente com o empregado.

Embora a responsabilidade extracontratual reclamada neste feito tenha contornos distintos daquelas tratadas no âmbito do direito privado, a racionalidade que orienta art. 945 do Código Civil é a mesma que norteia o art. 120 da Lei nº 8.213/1991, de tal modo que, havendo culpa concorrente entre o empregador e o empregado pelo evento danoso, a indenização devida ao INSS deve ser fixada tendo-se em vista a gravidade ou a importância da ação ou da omissão de cada um dos envolvidos nas causas e nas consequências do acidente (vítima, empregador, tomador do serviço ou eventual terceiro). Essa mensuração depende das circunstâncias concretas do acidente, mas, configurada a culpa concorrente, a orientação jurisprudencial tem se pautado pela atribuição de responsabilidade ao empregador equivalente à metade dos valores pagos e a pagar pelo INSS a título de benefício previdenciário: 

 

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. CULPA CONCORRENTE. OMISSÃO DA EMPRESA. AÇÃO DO EMPREGADO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE INTEGRAL DO EMPREGADOR AFASTADA NA ORIGEM. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 54/STJ. 1. Hipótese em que o Tribunal a quo concluiu que foi demonstrada a negligência da parte recorrida quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, condenando-a a arcar com a metade dos valores pagos pelo INSS a título de pensão por morte, com juros de mora desde a citação. (...) 4. A Corte local reconheceu a existência de culpa concorrente, motivo pelo qual fez incidir a atenuante de responsabilidade civil prevista no art. 945 do Código Civil, condenando a recorrida a indenizar metade da quantia já paga pelo recorrente, bem como aquela que irá ser despendida a título de benefício previdenciário. Não há como rever esse entendimento, sob pena de esbarrar-se no óbice da Súmula 7/STJ. 5. Cuida-se in casu, em essência, de responsabilidade civil extracontratual do empregador, que foi condenado a indenizar o ora recorrente por ato ilícito, diante da existência de culpa, na modalidade de negligência. Afasta-se, por consequência, a Súmula 204/STJ, que trata dos juros de mora em ações relativas a benefícios previdenciários. Aplica-se, por analogia, a Súmula 54/STJ, devendo os juros moratórios fluir a partir da data do desembolso da indenização. Precedentes. 6. Recurso Especial parcialmente provido (REsp 1393428/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 06/12/2013).

 

AÇÃO REGRESSIVA. ARTIGOS 120 e 121 DA LEI Nº 8.213/91. CABIMENTO. ACIDENTE DE TRABALHO. CULPA CONCORRENTE. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. I - O artigo 120 da Lei nº 8.213/91 determina que o INSS proponha ação em face dos responsáveis pelo acidente do trabalho, e não necessariamente em face apenas do empregador. Sendo assim, tem-se que o empregador pode ser responsabilizado em conjunto com o tomador de serviços, como ocorre no presente caso. II - O Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela possibilidade de cabimento de Ação Regressiva pelo INSS contra Empresa em que ocorreu acidente de trabalho quando comprovada a existência de negligência do empregador. III - Como se sabe, o legislador pátrio, no que tange à responsabilização do tomador dos serviços em relação aos danos havidos na relação de trabalho, adotou uma forma híbrida de ressarcimento, caracterizada pela combinação da teoria do seguro social - as prestações por acidente de trabalho são cobertas pela Previdência Social - e responsabilidade subjetiva do empregador com base na teoria da culpa contratual. Nessa linha, cabe ao empregador indenizar os danos causados ao trabalhador quando agir dolosa ou culposamente. IV - Restando comprovada a culpa concorrente da empresa ré e da empregada no acidente de trabalho, é de rigor a parcial procedência da ação. (...) (TRF 3ª Região, 2ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000718-09.2014.4.03.6136, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 23/10/2019, Intimação via sistema DATA: 29/10/2019).

 

CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. RESSARCIMENTO PELA METADE DO VALOR DISPENDIDO. LIMITAÇÃO TEMPORAL DO DEVER DE RESSARCIR.  IDADE. NÃO APLICÁVEL. JUROS. SELIC. HONORÁRIOS. SÚMULA N. 111 STJ. APELO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO E DA RÉ DESPROVIDO. (...) 3. Deve responder a empresa, em sede de ação regressiva, pelos valores pagos pela Autarquia Previdenciária nos casos em que o benefício decorra de acidente laboral ocorrido por culpa da empresa, em pleno descumprimento das normas de higiene de segurança do trabalho (art. 19, § 1º c/c art. 120, da Lei nº 8.213/91). (...) 6. Da análise das provas coligidas, restou suficientemente  demonstrada a negligência por parte da empresa quanto à fiscalização das normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados na manutenção do referido equipamento, bem como que houve desídia por parte da vítima que, no exercício de função que lhe era habitual, não cumpriu o procedimento de manutenção predeterminado que exigia que o mesmo fosse realizado apenas por uma pessoa. Perfeitamente comprovada, à luz de fatos e normas, a culpa concorrente da vítima, o ressarcimento de metade dos valores dos benefícios ao INSS é medida que se impõe. 6. A exigibilidade de contribuição previdenciária do Seguro de Acidente do Trabalho presta-se, exclusivamente, para arcar com os benefícios relacionados com os riscos ordinários do trabalho, uma vez que a concessão de benefício previdenciário depende necessariamente de uma prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º da CF/88). 7. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a Lei 8.213/1991 não contemplou a conversão de aposentadoria por invalidez em aposentadoria por idade. Enquanto persistir o pagamento de benefício previdenciário em razão do acidente de trabalho haverá obrigação de ressarcir, ou seja, até a superveniência de fato extintivo ou modificativo, de acordo com a legislação de regência. Sentença reformada neste ponto, afastando-se a limitação temporal do dever ressarcitório ao tempo que a vítima completar 65 anos. (...) 10. Apelo do INSS provido em parte para afastar a limitação temporal do dever de ressarcir ao tempo que a vítima completar 65 anos e da autora, desprovido (TRF 3ª Região, 1ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5023199-47.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 22/08/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/08/2020).

 

No caso dos autos, a questão controvertida cinge-se à aferição de responsabilidade das empresas ALVES EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. e J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. em relação ao infortúnio sofrido por Maicon Rodrigues Damin nos idos de 03/09/2018, quando referida pessoa veio a ficar soterrada parcialmente (o que lhe causou fratura de coluna) quando da abertura de uma vala. Com efeito, segundo versão apresentada pela autarquia previdenciária em sua petição inicial (ID 278876519):

 

“(...) No dia 03/09/2018, por volta das 12h58min, ocorreu um grave acidente de trabalho durante a realização de obras de infraestrutura no loteamento Jardim Silvestre, no Município de Ibitinga/SP, pertencente à empresa Alves Empreendimentos Imobiliários Ltda. Maicon Rodrigues Damin, empregado da ré J. K. Novo Horizonte Empreendimentos Imobiliários Ltda. desde 12/05/2014, contratado para as funções de mestre na construção civil, no dia dos fatos, realizava a escavação para instalação da galeria pluvial numa vala aberta de, aproximadamente 3,5 m de profundidade, quando houve o desabamento do solo, soterrando-o parcialmente. O empregado sofreu fraturas na coluna e está em gozo de auxílio doença em decorrência das lesões (...)”.

 

Superada a descrição supra, pertinente adentrar a análise à presença dos requisitos que permitem (ou não) o assentamento de responsabilidade, à cargo das empresas rés, pelo acidente ocorrido em 03/09/2018 (que vitimou Maicon Rodrigues Damin). E, nessa toada, mostra-se relevante pontuar que, do arcabouço fático-probatório constante dos autos, depreende-se que Maicon (ocupante do cargo de mestre na construção civil) estava laborando na escavação de uma vala para instalação de uma galeria pluvial (vala esta com aproximadamente 3,5 metros de profundidade) quando ocorreu um desabamento do solo, o que culminou em um soterramento parcial.

Pertinente mencionar, conforme é possível ser aferido de documento intitulado “Relatório de Análise de Acidente de Trabalho”, elaborado pela “Subsecretaria de Inspeção do Trabalho – Secretaria do Trabalho – Secretaria Especial de Previdência e Trabalho – Ministério da Economia”, colacionado junto ao ID 278876521 – págs. 04/07, que o acidente anteriormente descrito ocorreu em razão de que as paredes da vala que estava sendo aberta não estavam estabilizadas, sem prejuízo da constatação de que a terra removida foi depositada próxima à borda do talude (a indicar a existência de sobrepeso na região a culminar no desmoronamento). A propósito:

 

“(...) O acidente ocorreu em obra de escavação realizada na Avenida João Silvestre Custódio, 444, Jardim Bela Vista, Ibitinga-SP. De acordo com o Laudo Pericial 357.225/2018 do IC – CP – Araraquara: ‘A vala aberta, possuindo aproximadamente 10 metros de extensão, 2,5 metros de largura e 3,5 metros de profundidade, continha tubulação de concreto destinada ao escoamento de águas pluviais. Nela também foi encontrado um par de luva de borracha e botina, que seriam da vítima, cuja função era a de cimentar a borda do duto, na junção com outro deste elemento. A terra removida da vala estava depositada ao longo do pavimento, próxima à cavidade. Foi verificada ausência deste material numa das paredes da vala, entre a escavadeira e o encanamento, indicando o desprendimento da terra pela falta de coesão de suas partículas, ocasionada pelo surgimento de fendas, acarretando o desmoronamento deste trecho’. (...) Descrição do acidente/doença: A empresa ‘Alves- Empreendimentos Imobiliários Ltda’ contratou a empresa ‘J.K. Novo Horizonte Empreendimentos Imobiliários Ltda’ para executar obras de infra-estrutura (sic) urbana na área externa do loteamento Jardim Silvestre, no Município de Ibitinga-SP. Durante a abertura da vala para instalação de galeria de águas pluviais, os trabalhadores da empresa prestadora localizaram uma rede de esgoto feita de manilha de barro. A empresa contratante e a prestadora de serviços declararam que não tiveram conhecimento prévio da existência da manilha. Os trabalhos foram interrompidos por um final de semana até a realização de estudos e adequação do projeto, sendo definido que a tubulação de concreto passaria por baixo da manilha. No dia 03/09/2018, por volta das 12:58, o trabalhador Maicon Rodrigues Damim (sic), encarregado, adentrou a vala em ponto próximo à manilha existente no local, para realizar o assentamento de tubo de concreto, quando ocorreu um desprendimento de solo vindo a soterrar parcialmente o trabalhador. (...) O trabalhador acidentado foi socorrido pela equipe do Corpo de Bombeiros e encaminhado à UPA. O trabalhador sofreu fraturas na coluna e foi afastado do serviço, inicialmente, por um ano. (...) Fatores Causais: (...) ausência de escoramento (...) A vala aberta possuía aproximadamente 3,5 metros de profundidade sem garantia da estabilidade dos taludes (...) A terra removida da vala foi depositada próxima à borda do talude, não respeitando uma distância superior à metade da profundidade (...)” – destaques em negrito nosso.

 

Em razão das constatações supra, para além de outros autos de infração, chama a atenção aqueles constantes dos IDs 278876521 – págs. 10/11, lavrado em razão de se ter depositado os materiais retirados da escavação a uma distância inferior à metade da profundidade da vala medida a partir da borda do talude, e 278876521 – págs. 12/13 (replicado no ID 278876849), lavrado em razão de não ter havido a estabilização de talude com altura superior a 1,75 metros, tudo a referendar o cenário indicado no “Relatório de Análise de Acidente de Trabalho” (cuja transcrição parcial foi levada a efeito anteriormente).

Sem prejuízo, ainda que fosse possível argumentar-se no sentido de que a prova mencionada teria sido produzida de maneira unilateral e, nessa toada, não refletiria o cenário relacionado ao acidente laboral, de rigor trazer à baila as conclusões a que chegou perito da Polícia Civil do Estado de São Paulo quando instado a analisar o local dos fatos logo após o infortúnio (ID 278876846 – laudo elaborado pelo “Núcleo de Perícias Criminalísticas de Araraquara – Instituto de Criminalística – Superintendência da Polícia Técnico-Científica – Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo”):

 

“(...) Refere-se ao leito carroçável da avenida João Silvestre Custódio, defronte ao imóvel de nº 444, pavimentado com camada asfáltica, no qual estaca sendo realizada uma escavação, no sentido longitudinal, com a utilização de pá carregadeira, da marca Komatsu, do modelo P-160. A vala aberta, possuindo aproximadamente 10 metros de extensão, 2,5 metros de largura e 3,5 metros de profundidade, continha tubulação de concreto destinada ao escoamento das águas pluviais. Nela também foi encontrado um par de luva de borracha e botina, que seriam da vítima, cuja função era a de cimentar a borda do duto, na junção com outro deste elemento. A terra removida da vala estava depositada ao longo do pavimento, próxima à cavidade. Foi verificada ausência deste material numa das paredes da vala, entre a escavadeira e o encanamento, indicando o desprendimento da terra pela falta de coesão de suas partículas, ocasionada pelo surgimento de fendas, acarretando o desmoronamento deste trecho. CONCLUSÃO: Nos exames realizados constatou-se que: 1) A terra retirada da vala não estaca depositada a pelo menos 1,75 metros (metade da sua profundidade) da borda do talude escavado a 90 graus. 2) No interior da vala não havia qualquer estrutura que garantisse a estabilidade das paredes, com a proteção por cortinas adequadamente escoradas (...) [fotografia] Vista geral do local, sendo observado depósito de terra retirada da vala, junto às bordas da escavação. [fotografia] Fotografia de aspecto geral do local, com a posição encontrada pela escavadeira e a irregularidade da superfície desmoronada e a ausência de escoramento nas paredes da vala. [fotografia] Fotografia de aspecto geral do local, com a posição encontrada pela escavadeira e a irregularidade da superfície desmoronada e a ausência de escoramento nas paredes da vala. (...) [fotografia] Mostra cavidade na parede desmoronada na vala (...)” – destaques em negrito nossos.

 

Desta feita, verifica-se que a empresa J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. atuou com negligência apta a ensejar o reconhecimento de responsabilidade civil vindicada pela autarquia previdenciária no evento que culminou no infortúnio que vitimou Maicon Rodrigues Damin à luz de que a escavação de uma vala de tamanha profundidade (algo aproximado a 3,5 metros) demandava, de acordo com perito da Polícia Civil do Estado de São Paulo (sem prejuízo de constatação idêntica por parte de fiscal do trabalho), a utilização de escoramento justamente com o desiderato de que as paredes não viessem a desmoronar. Ademais, não pode ser esquecida a presença de maquinário de grande porte ao lado da escavação (escavadeira), tudo a contribuir para que a terra, em razão do peso suportado, viesse a ceder.

Agregue-se, por oportuno, não defluir dos autos qualquer elemento sequer indiciário a respeito da existência de material de contenção à disposição para ser utilizado na construção da tal vala, não encontrando eco na prova dos autos: (i) ilação no sentido de que escadas teriam sido retiradas da vala para o resgate do acidentado – isso porque o que permite o reconhecimento de responsabilidade civil em detrimento das empresas guarda relação com a ausência de escoramento das paredes da vala, passando, portanto, ao largo da existência – ou não – de escada no local; (ii) ilação no sentido de que a terra em torno da vala teria sido colocada em razão de necessidade do momento (não sendo aquela decorrente da escavação) – firma-se tal convicção à luz de que é possível ser inferido da prova pericial levada a efeito que a existência de terra na beirada da vala era decorrente exatamente da escavação (e não da remoção do que desmoronou sobre o obreiro) a denotar, também por tal perspectiva, o desrespeito a normas básicas de segurança do trabalho; (iii) ilação no sentido de que havia estrutura para garantir a estabilidade das paredes e que ela foi retirada justamente para prestação de auxílio ao acidentado – não se verifica de qualquer elemento de prova a menção à existência de escoras ao longo da vala com o fito de dar sustentação às paredes, ressoando minimamente curiosa a alegação de que as escoras foram retiradas para o salvamento, uma vez que tal atitude, a par de se mostrar inverossímil, aumentaria/agravaria o risco de que mais paredes viessem abaixo; (iv) ilação no sentido de que o funcionário era insubordinado pois teria decidido fazer um trabalho que sequer era de sua atribuição de maneira solitária – não há nos autos indício de que tal alegação seja verdadeira e, ainda que o fosse (o que se admite apenas a título de argumentação), não eximiria a empresa do devido respeito às normas mínimas de segurança do trabalho.

Na mesma linha, as alegações tecidas com o escopo de diminuir a força probante do laudo pericial elaborado pela Polícia Científica do Estado de São Paulo não merecem guarida – nesse diapasão, ilações no sentido de que tal prova (i) não apontaria a data e o horário em que realizada, (ii) não teria descrito a cena verificada após o fato, (iii) não teria demonstrado o tamanho da vala (apenas feito menção), (iv) não teria apontado onde estaria acondicionada a terra retirada do buraco e (v) não teria apontado a existência de estrutura para calçar as paredes da vala simplesmente não se sustentam, uma vez que a leitura do documento ID 278876846 permite a aferição de que a perícia ocorreu exatamente no mesmo dia do infortúnio, descreveu efetivamente a cena encontrada, citou o tamanho da vala (dado que foi obtido, por evidente, de sua respectiva medição), pontuou onde estava alocada a terra retirada daquele buraco (ao longo da escavação) e categoricamente asseverou a inexistência de qualquer elemento de contenção das paredes então cavadas.

Defeso assentar-se, igualmente, qualquer hipótese de culpa exclusiva da vítima justamente porque não ressoa dos autos essa evidência, senão que a empresa J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. estava executando uma escavação ao arrepio de normas basilares de segurança que prescreviam a necessidade de escoramento das paredes e a impossibilidade do uso de equipamento e do depósito de terra nas bordas da própria escavação. Impossível acolher, outrossim, alegação de caso fortuito ou de força maior (fundada nas características da obra e do terreno) à luz de que o infortúnio poderia ter sido evitado acaso simples escoramento tivesse sido levado a efeito – na mesma linha, eventual falha de projeto acaba por indicar e por reforçar a existência de elementos de responsabilidade civil em detrimento da empresa.

De mais a mais, o arcabouço fático-probatório analisado detidamente acima não se desconstitui na eventualidade de potencial ofensa ao disposto no art. 629, da Consolidação das Leis Trabalhistas (“O auto de infração será lavrado em duplicata, nos têrmos dos modelos e instruções expedidos, sendo uma via entregue ao infrator, contra recibo, ou ao mesmo enviada, dentro de 10 (dez) dias da lavratura, sob pena de responsabilidade, em registro postal, com franquia e recibo de volta”), pois as conclusões ora firmadas, para além de levar em conta atos expendidos por fiscais do trabalho, baseiam-se em laudo pericial elaborado na data dos fatos pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Estado de São Paulo (alusão ao documento ID 278876846), de molde que eventual descumprimento do artigo de lei transcrito não tem o condão de afastar a responsabilidade civil ora reconhecida.

Por sua vez, no tocante à participação da empresa ALVES EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. no infortúnio, pertinente pontuar o fato de que ela contratou o serviço da empresa J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. para a realização da obra de escavação de vala para instalação de uma galeria pluvial na localidade, não havendo elementos nos autos a indicar que a tomadora do serviço teria deixado de adotar as normas mínimas de segurança que a situação concreta demandava. Na realidade, justamente pelo fato de ter optado pela contratação de serviço de terceiro, nota-se que a consecução da obra estava fora do alcance de seus conhecimentos e, nessa medida, levou-se em consideração a expertise que a empresa contratada detinha para a realização da obra como um todo, de modo que somente se mostra crível assentar responsabilidade civil regressiva, pelo evento descrito nos autos, à prestadora do serviço.

Portanto, levando-se em conta tudo o que foi narrado, devidamente demonstrados nos autos o dano, o nexo causal e a culpa a permitir o reconhecimento de responsabilidade civil em detrimento, tão somente, da empresa J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (motivada por não ter instalado item elementar de segurança – escoramento de parede – que teria evitado o infortúnio).

Em vista disso, o INSS tem direito ao ressarcimento dos valores, vencidos e vincendos, relativos ao benefício previdenciário em tela. Os montantes já pagos pela autarquia deverão ser apurados em fase de cumprimento de sentença, com os acréscimos previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal na parte correspondente à responsabilidade extracontratual por ato ilícito, de tal modo que os juros de mora deverão fluir a partir do evento danoso (nos termos da Súmula 54 do E. STJ), assim considerado cada creditamento da prestação previdenciária em favor do beneficiário. Já os valores vincendos deverão ser mensalmente recolhidos pelo responsável ao INSS, na forma apontada em cumprimento de sentença, enquanto perdurar o pagamento do benefício previdenciário (tratado nestes autos) pela autarquia.

Tratando-se de consectários decorrentes de ação regressiva ajuizada pelo INSS para reaver valores já dispendidos a título de benefício previdenciário em decorrência de acidente de trabalho (art. 120 da Lei nº 8.213/1991), aplica-se a SELIC (que engloba juros e correção monetária) desde cada evento danoso (Súmula 54 do E. STJ, para esse fim, o dia de cada dispêndio mensal da autarquia a título da benesse paga), por força do art. 406 do Código Civil, do art. 30 da Lei 10.522/2002 e de demais aplicáveis, inclusive pelo contido no Manual de Cálculos da Justiça Federal (item 4.2, em vista da caracterização da responsabilidade extracontratual).

No que diz com a taxa de juros, de se observar o disposto no art. 406 do Código Civil, que assim dispõe: “Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. A taxa de juros a que se refere o art. 406 é aquela prevista no art. 37-A da Lei nº 10.522/2002, que constitui o índice previsto para os créditos em atraso devidos às autarquias previdenciárias:

 

“Art. 37-A.  Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais. § 1º. Os créditos inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios, calculado nos termos e na forma da legislação aplicável à Dívida Ativa da União. § 2º. O disposto neste artigo não se aplica aos créditos do Banco Central do Brasil”.

 

Confira-se, acerca do tema, os precedentes que seguem:

 

“CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA. ACIDENTE DE TRABALHO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA AOS MOLDES ART. 406 DO CC E ART. 37-A DA LEI Nº 10.522/02. APLICAÇÃO. TERMO INICIAL. DATA DO EVENTO DANOSO. ART. 398 DO CC E SÚMULA 54 DO STJ. I. Segundo dispõe o art. 406 do Código Civil, ‘Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional’. (Emb. Div. em REsp 727842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/09/2008, DJe 20/11/2008) II. ‘Assim, atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02)’. III. Por fim, tendo em vista que o dano causado ao INSS com o pagamento do benefício da pensão por morte, proveniente de ato ilícito praticado pelo empregado, como alegado pela autarquia em seu recurso, é de se aplicar o art. 398 do Código Civil e a Súmula 54 do STJ, considerado o termo inicial dos juros moratórios a data do evento danoso. IV. Em relação aos honorários advocatícios, entendo que foram fixados em obediência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, razão porque devem ser mantidos no montante estabelecido na r. sentença. V. Apelação conhecida; e a que se dá parcial provimento para fixar os juros de mora e correção monetária nos termos do art. 406 do Código Civil do art. 37-A da Lei nº 10.522/02, com termo inicial a contar da data do evento danoso, conforme art. 398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ” (TRF1, AC 0034808-24.2014.4.01.3800, Rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques, SEXTA TURMA, e-DJF1 10/02/2017).

 

“CIVIL. APELAÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. INSS. AÇÃO REGRESSIVA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. SELIC. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Os juros de mora são devidos desde o evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ, e pela aplicação da Taxa SELIC, com observância nos arts. 37-A da lei n. 10.522/02 e art. 406 do Código Civil, que engloba a atualização monetária e os juros moratórios. 2. Apelo do INSS provido” (TRF3, ApCiv 5008728-89.2019.4.03.6100, 1ª Turma, Rel. Des. Fed. Helio Nogueira, DJEN 29/09/2021).

 

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELO INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. AJG. NORMAS DE SEGURANÇA. RESSARCIMENTO DE VALORES PAGOS PELO INSS COMO BENEFÍCIO. CONTRIBUIÇÃO DE SAT/RAT - NÃO EXCLUI OBRIGAÇÃO DA EMPRESA EM RESSARCIR O INSS. NEGLIGÊNCIA DA EMPREGADORA/TOMADOR DE SERVIÇOS. CONFIGURADA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. TAXA SELIC. (...) - Os eventos danosos, no caso, correspondem aos pagamentos dos valores dos benefícios ao segurado ou dependente. Sobre cada parcela paga pela autarquia, assim, devem incidir, na restituição, juros, desde a data dos respectivos pagamentos, nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça. - Ainda, no caso dos autos, tratando-se de litígio submetido integralmente ao Código Civil vigente, a taxa SELIC deve incidir desde a data dos pagamentos ocorridos, afastada a apuração em separado de qualquer diferença a título de correção monetária (TRF4, 5021500-74.2013.4.04.7100, QUARTA TURMA, Rel. Des. Fed. RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 05/11/2019).

 

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS (para fazer incidir na espécie, a título de consectários, a Taxa SELIC na forma disposta na Súm. 54/STJ), DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por ALVES EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (para afastar sua responsabilidade pelo infortúnio) e NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA..

Com fundamento no art. 85, § 11, do CPC, majoro em 10% o percentual da verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição (a ser arcada pela empresa J. K. NOVO HORIZONTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.), respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E. STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). Por sua vez, nos termos do art. 85 do CPC, condeno a parte-autora ao pagamento de verba honorária em benefício da empresa ALVES EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.

É o voto.



E M E N T A

 

APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. RESSARCIMENTO. ART. 120 DA LEI Nº 8.212/1991. NORMAS PADRÃO DE SEGURANÇA E DE HIGIENE. DOLO OU CULPA. REQUISITOS CUMULATIVOS. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. CONSECTÁRIOS. TERMO INICIAL. SELIC.

- O art. 7º, XXII e XXVIII, e o art. 210, § 10, ambos da Constituição, dão amparo à redação originária do art. 120 da Lei nº 8.213/1991, agora ampliada pela Lei nº 13.846/2019. As responsabilidades do empregador ou do contratante do trabalhador decorrem de primados do sistema jurídico, mas o art. 19 dessa mesma Lei nº 8.213/1991 reforçou essas exigências ao definir acidente de trabalho.

- O fato de o empregador ou contratante do trabalhador acidentado ter recolhido regularmente contribuições previdenciárias e seus adicionais (SAT ou FAP/RAT) não é motivo suficiente para eximir sua responsabilidade, porque o art. 7º, XXVII, da Constituição, é expresso ao impor o custeio de seguro contra acidentes de trabalho, sem excluir a indenização a que este está obrigado (quando incorrer em dolo ou culpa), dando reforço ao ressarcimento previsto no art. 120 da Lei nº 8.213/1991. Precedentes.

- As exigências feitas pelo art. 120 da Lei nº 8.213/1991 são as exequíveis, dentro de parâmetros aceitáveis no respectivo segmento econômico e no momento no qual o acidente de trabalho ocorre, tanto que o preceito legal se refere a violação de “normas padrão” de segurança e de higiene no trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva.

- O INSS terá direito ao ressarcimento se comprovar os seguintes requisitos cumulativos: a) que o empregador ou contratante deixou de observar as normas gerais de segurança e higiene do trabalho; b) que o acidente tenha decorrido diretamente desta inobservância. Se o acidente ocorreria mesmo se empregador ou contratante tivesse tomado medidas consentâneas às normas gerais exigíveis, não terá o dever de ressarcir o INSS.

- Com fundamento no art. 373 do CPC, o ônus da prova incumbe ao INSS quanto à existência de responsabilidade do empregador no acidente; ao empregador e ao tomador do serviço cabem demonstrar a culpa exclusiva da vítima, ou a configuração de caso fortuito, de força maior ou de qualquer outra excludente de sua responsabilidade, ou ainda culpa concorrente com o empregado.

- No caso dos autos, a questão controvertida cinge-se à aferição de responsabilidade das empresas em relação ao infortúnio sofrido por trabalhador nos idos de 03/09/2018, quando referida pessoa veio a ficar soterrada parcialmente (o que lhe causou fratura de coluna) quando da abertura de uma vala. Compulsando o presente feito, nota-se a existência de elementos aptos a ensejar o reconhecimento de responsabilidade civil vindicada pela autarquia previdenciária tão somente em detrimento da empresa prestadora do serviço à luz de que a escavação de uma vala de aproximadamente 3,5 metros de profundidade demandava o emprego de escoramento justamente com o desiderato de que as paredes não viessem a desmoronar.

- Tratando-se de consectários decorrentes de ação regressiva ajuizada pelo INSS para reaver valores já dispendidos a título de benefício previdenciário em decorrência de acidente de trabalho (art. 120 da Lei nº 8.213/1991), aplica-se a SELIC (que engloba juros e correção monetária) desde cada evento danoso (Súmula 54 do E. STJ, para esse fim, o dia de cada dispêndio mensal da autarquia a título da benesse paga), por força do art. 406 do Código Civil, do art. 30 da Lei 10.522/2002 e de demais aplicáveis, inclusive pelo contido no Manual de Cálculos da Justiça Federal (item 4.2, em vista da caracterização da responsabilidade extracontratual).

- Apelação autárquica provida. Apelação da tomadora do serviço provido. Apelação da prestadora do serviço desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação autárquica, dar provimento à apelação da empresa tomadora do serviço e negar provimento à apelação da empresa prestadora do serviço, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.