HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5028523-09.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
PACIENTE: MARIO AUGUSTO PEREIRA PINTO
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 2ª VARA FEDERAL
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HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5028523-09.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 2ª VARA FEDERAL R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de MARIO AUGUSTO PEREIRA PINTO, contra ato do MM. Juízo da Vara de plantão Federal de Guarulhos que, nos autos nº 5009709-22.2023.4.03.6119, indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva. Aponta a inicial (ID 281120713) que o paciente é primário, apresentando certidões judiciais criminais negativas do Tribunal Regional Federal da 3ª e 4ª Regiões, bem como busca na base de dados do SINESP por procedimentos policiais em trâmite. Afirma que o paciente exerce profissão informal, como representante comercial. A impetrante apresentou um indicativo de CNPJ aberto, sob nome empresarial M A Pereira Pinto, nome fantasia "Pro Cel Celular", nº 78392750000143. Narra que a autoridade impetrada manteve a prisão em flagrante, convertendo-a em preventiva, por não vislumbrar residência fixa no país, e diante da ausência de certidões negativas de distribuição criminal no Paraná. Sustenta que a ausência de comprovação de endereço ou de exercício de ocupação lícita são insuficientes para decretar a prisão preventiva, ante a desproporcionalidade e inadequação da medida ao caso concreto. Neste sentido, assevera que a divergência de endereços alegada pelo juízo foi esclarecida em audiência, quando o paciente explicou que permaneceu dois meses e meio fora do Brasil, retornou, e então passou a residir com os pais. Foram apresentados comprovante de residência, bem como declaração do genitor do paciente, afirmando residirem juntos. Questiona as conjecturas feitas pela autoridade impetrada acerca de o paciente desenvolver "possível contato com grupo criminoso", e ter "indícios de envolvimento com organização criminosa", e impugna a presunção de que a viagem anterior do paciente para a Angola tenha sido realizada para levar entorpecentes ou que indique envolvimento com organização criminosa voltada para o tráfico de drogas. Assevera que não estão presentes os requisitos da prisão preventiva, uma vez que o paciente foi contratado como “mula” para levar o entorpecente, inexistindo qualquer vínculo com organização criminosa. Alega que a prisão preventiva constitui medida excepcional, não se justificando no caso em tela. Argumenta estarem presentes o fumus boni iuris, bem como o periculum libertatis, pelo que requer, liminarmente, a concessão da liberdade provisória em favor do paciente, com imposição de medidas cautelares, eventualmente estabelecendo-se compromisso de apresentar maior comprovação do desenvolvimento de ocupação lícita. No mérito, pugna pela confirmação da liminar, com a concessão definitiva da ordem de habeas corpus. Pleiteia, por fim, a intimação pessoal da Defensoria Pública da União de todos os atos processuais e a contagem dos prazos processuais em dobro, nos termos do art. 44, I, da Lei Complementar n.º 80/19. O pedido liminar foi deferido (ID 281161622). A autoridade impetrada prestou informações (ID 281306944). Em parecer (ID 281439207), a Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem. É o relatório. Em mesa.
PACIENTE: MARIO AUGUSTO PEREIRA PINTO
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5028523-09.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 2ª VARA FEDERAL V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Inicialmente, no que tange o pedido de intimação pessoal da Defensoria Pública da União, observo que, tratando-se de habeas corpus, o Regimento Interno deste Tribunal Regional Federal dispõe que o feito será colocado em mesa para julgamento: Do “Habeas Corpus” […] Art. 180 - Instruído o processo e ouvido o Ministério Público Federal em 2 (dois) dias, o Relator o colocará em mesa para julgamento na primeira sessão da Turma. Logo, a colocação em mesa dos autos dispensa a intimação prévia do defensor. Aliás, mesmo nas hipóteses em que se exige o pedido de dia para julgamento, a Resolução PRES nº 88, de 24 de janeiro de 2017, preceitua que a intimação da inclusão do feito em pauta de julgamento acontecerá pelo sistema PJE: Art. 9º Nos processos judiciais em curso perante o Sistema PJe, as citações e intimações das partes serão feitas nos seguintes termos: [...] Parágrafo único. No Tribunal, as intimações decorrentes da inclusão de feitos em pauta de julgamento serão realizadas via sistema PJe. Frise-se, portanto, que inclusive a intimação da Defensoria Pública da União, nos casos em que se mostra obrigatória, ocorrerá por meio do sistema PJE, em estrita observância às diretrizes adotadas por este C. Tribunal Regional Federal. Passo à análise da impetração. Segundo consta dos autos, em 13/10/2023, o paciente foi preso em flagrante pela suposta prática do delito previsto nos art. 33 c/c art. 40, I, da Lei 11.343 /06, porquanto pretendia viajar ao exterior transportando 1.053g de massa líquida de cocaína, acondicionada em quatro invólucros, camuflados em seu corpo. O paciente iria viajar no voo Latam 8146, com destino a Lisboa. A prisão em flagrante foi convertida em prisão cautelar em audiência de custódia, sob os seguintes fundamentos (ID 281120682): "Verifico que a prisão encontra-se formalmente em ordem. Com efeito, a prisão do indiciado deu-se em 13/10/2023 junto ao Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, quando, segundo relatos do condutor e testemunhas, foi ele surpreendido ao tentar embarcar em voo internacional levando consigo material que, submetido ao teste preliminar de constatação, resultou positivo para cocaína (laudo DOC. 01, fls. 27/29 – ID 303907075). O indiciado foi qualificado e interrogado pela autoridade policial, oportunidade em que foi cientificado de seus direitos e garantias constitucionais. As demais formalidades essenciais ao ato foram todas elas obedecidas: lavratura de Laudo Preliminar de Constatação, expedição de Nota de Culpa e comunicações da prisão ao Ministério Público Federal e à Defensoria Pública Federal. Portanto, o flagrante encontra-se formalmente em ordem, não havendo motivos para o relaxamento da prisão em flagrante. Em análise do pedido da defesa, é caso de indeferimento de liberdade provisória, diante da presença dos requisitos da prisão preventiva, e não há cautelar menor razoável e suficiente a resguardar a ordem pública e a aplicação da lei penal no caso concreto. De fato, o indiciado foi preso em flagrante delito pela prática, em tese, do delito consubstanciado pelo artigo 33, c.c. o artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, vale dizer, por tráfico internacional de entorpecentes, com prova da materialidade delitiva, ainda que precária, conforme se vê do Laudo Preliminar, que revela que o investigado transportava e trazia consigo 1 kg e 53 g de cocaína junto ao corpo. Essa prova da materialidade é suficiente para a audiência de Custódia. O outro requisito a analisar são os indícios de autoria e, no caso, decorre da própria situação em que foi feita a prisão; ou seja, trazendo o entorpecente atado junto às pernas, o que demonstra a possível autoria. Destarte, a prisão se impõe por conveniência da instrução criminal, para permitir, ao seu final, a aplicação da lei penal, já que, não constam nos autos os documentos apresentados pela defesa para comprovação de residência fixa e ocupação lícita, não há vínculo comprovado do indiciado com o distrito da culpa, uma vez que ele foi flagrado prestes a deixar o país com farta quantidade de entorpecente, portanto com possível contato com grupo criminoso no exterior que poderia acolhê-lo em face do risco de imposição de elevada pena, sendo evidente o perigo de evasão caso prematuramente colocado em liberdade. Também, para garantia da ordem pública, em razão dos indícios de envolvimento do indiciado em organização criminosa, sendo concreto o risco de que torne a delinquir. No caso em tela, apesar das alegações da i. defesa, a documentação encartada aos autos não permite afirmar, com algum grau de segurança mínimo, que o custodiado se dedica regularmente ao desenvolvimento de atividades lícitas. Com efeito, não obstante o CNIS juntado apontar atividades profissionais no período anterior a 1991 e no ano de 2006, nada se demostra sobre atividade posterior a 2006. Arguiu-se o exercício de atividades informais atualmente, mas nada com suporte documental, o que autoriza dúvidas sobre eventuais ligações do custodiado com organização dedicada ao tráfico, sobretudo porque há registro recente de outra viagem à África, entre 26/05/23 e 16/08/23, para alegado desenvolvimento de atividades comerciais, com um parente, junto ao governo de Angola. Soma-se a isso a dúvida sobre a residência do preso, atualmente com 61 anos de idade, que declara residir com os pais idosos, e que apresenta cadastros públicos com diferentes endereços. Por fim, nada se demonstrou até o momento sobre antecedentes criminais do investigado, que reside no Estado do Paraná. Do mesmo modo, não é o caso de aplicação de nenhuma das medidas cautelares diversas da prisão a que se refere a nova redação do art. 282 do CPP, inadequadas em razão da gravidade do crime investigado, circunstância que o legislador previu fosse aferida para concessão da medida (inciso II), bem como do grave risco a aplicação da lei penal e a ordem pública acima expostos. Diante do exposto, com os elementos constantes no autos neste momento, HOMOLOGO A PRISÃO EM FLAGRANTE DO INDICIADO, e presentes que estão os requisitos do artigo 312 do CPP, CONVERTO-A EM PRISÃO PREVENTIVA." A Defensoria Pública da União então interpôs pedido de revogação da prisão preventiva, com imposição de medidas cautelares, no ID 281116781. A decisão impugnada indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva nos seguintes termos (ID 281116779): “Mantenho a decisão id 303914730 por seus próprios fundamentos e outros a seguir consignados. Na audiência de custódia, o preso informou que vendeu todos os seus bens e partiu para viver em Angola, retornando para o Brasil alguns meses depois. Não obstante os novos documentos comprovando o endereço do preso, no caso concreto deve-se preponderar a falta de comprovação de atividade lícita custodiado, que foi capaz de arguir a existência de CNPJ ativo exercendo atividade de representação comercial de maneira informal, mas não demonstrou nenhuma prova dessa atividade, restando reafirmada a decisão já proferida anteriormente." Vislumbro a plausibilidade jurídica das alegações, impondo-se a concessão da ordem. Irrefutável a presença dos pressupostos da prisão preventiva, consistentes na prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, obtidos através dos elementos colhidos no respectivo inquérito policial. No caso, extrai-se da impetração que há prova da autoria e materialidade delitivas, haja vista que o paciente foi surpreendido nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, SP, aos 13/10/2013, prestes a embarcar no voo LATAM 8146, com destino a Lisboa, trazendo consigo, com vontade livre e consciente, em unidade de desígnios, para fins de comércio ou de entrega de qualquer forma a consumo de terceiros no exterior, a massa líquida total de 1.053g (um mil e cinquenta e três gramas) de cocaína, sem autorização legal ou regulamentar, apresentada em 4 (quatro) invólucros, ocultos junto ao seu corpo. No que se refere ao periculum libertatis, a decisão proferida em audiência de custódia fundamentou a necessidade de manutenção da prisão preventiva diante do risco à ordem pública, à instrução criminal e à aplicação da lei penal, pela possibilidade de envolvimento do paciente com organização criminosa, e a ausência de ocupação lícita e de vínculo com o distrito da culpa. Posteriormente, quando a defesa apresentou comprovante de residência fixa, a decisão ora impugnada manteve a prisão preventiva em razão da falta de comprovação do exercício de atividade lícita. De outra monta, foi juntado comprovante de endereço em nome do genitor do paciente, bem como declaração do titular da conta no sentido de que o paciente reside com ele (ID 281116781, pp. 13, 15 e 19). O mero fato de o paciente não possuir vínculo com distrito de culpa, desprovido de outros elementos concretos que apontem a possibilidade de fuga, não é fundamento idôneo para decretação da prisão preventiva com o fim de assegurar a aplicação da lei penal. Não há nos autos, também, dados que sinalizem o risco de reiteração delitiva. O paciente é primário e portador de bons antecedentes, conforme atestam as certidões judiciais criminais expedidas pela Justiça Federal da 4ª Região e pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (ID 281116781, pp. 08/11, e ID 281120713, p. 02), bem como a consulta negativa ao SINESP (ID 281116781, p. 16). O paciente apresentou justificativa para a viagem realizada em 26/05/2023, com retorno em 16/08/2023 (intervalo de quase três meses) (ID 281120683, p. 18), não havendo quaisquer outros registros de viagens, tampouco elementos que pudessem sugerir reiteração delitiva. Tal viagem não se enquadra no perfil típico para viagens praticadas no contexto de tráfico internacional de drogas, que costumam ter duração muito mais reduzida. Tampouco há notícia de envolvimento do paciente em outras infrações penais ou que estaria, de alguma forma, ligado à organização criminosa. Em que pese a autoridade impetrada tenha entendido que o CNIS do paciente é insuficiente para comprovar o desenvolvimento de atividade ilícita, em razão de não haver registros posteriores a 2006, observo que o paciente alegou atuar de maneira autônoma, como representante comercial, sem fazer recolhimento junto à Previdência Social. Tal fato, por si só, não é capaz de justificar a manutenção do decreto da prisão preventiva, sendo a situação de muitos brasileiros. Necessário considerar, ainda, que a ausência de registro formal de ocupação lícita não sugere, no caso concreto, o desenvolvimento de atividades ilícitas pelo paciente, sobretudo considerando-se que as certidões juntadas aos autos apontam não haver qualquer procedimento criminal em desfavor do mesmo. Assim, reputo que, como primeira providência, as medidas cautelares alternativas revelam-se adequadas e suficientes para neutralizar o periculum libertatis e garantir a aplicação da lei penal, a instrução criminal e a ordem pública, mormente diante das condições pessoais do paciente. Importante ressaltar que a prisão preventiva só deverá ser decretada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, em observância aos postulados do princípio da proporcionalidade, a partir da análise de seus subprincípios: adequação e necessidade. Diante de tal cenário, revela-se mais adequada a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, as quais, consoante aludido, se mostram suficientes para garantir a aplicação da lei penal, a instrução criminal e a ordem pública e, ainda, adequadas à gravidade do delito e às características pessoais do paciente. Não é demais registrar que as medidas cautelares diversas da prisão também repercutirão, embora de maneira menos severa, no direito de liberdade do paciente. Caso tais medidas sejam insuficientes, ou, na hipótese de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o Juízo poderá novamente decretar a prisão, de acordo com o artigo 282, § 4º, do Código de Processo Penal. Pelo exposto, confirmo a liminar concedida, para conceder a ordem, e revogar a prisão preventiva de MARIO AUGUSTO PEREIRA PINTO, substituindo a mesma por medidas cautelares diversas da prisão, mediante a assinatura de termo de compromisso: a) de comparecimento a todos os atos do processo; b) de comparecimento bimestral ao Juízo, para comprovar a residência e para informar e justificar as atividades; c) de proibição de se ausentar do município de seu domicílio, sem prévia e expressa autorização do Juízo, assim como de alterá-lo sem prévia comunicação ao Juízo; d) de proibição de se ausentar do país, com a entrega do passaporte ao Juízo, caso esse documento não tenha sido apreendido nos autos. É como voto.
PACIENTE: MARIO AUGUSTO PEREIRA PINTO
E M E N T A
HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. ART. 33, CAPUT, C.C. O ART. 40, I, AMBOS DA LEI 11.343/2006. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDAS CAUTELARES. ART. 319 DO CPP. CABIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O paciente foi preso em flagrante pela suposta prática do crime previsto no art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/06, porquanto pretendia viajar ao exterior transportando 1.053g de massa líquida de cocaína, acondicionada em quatro invólucros, camuflados em seu corpo. A impetração se insurge contra decisão que converteu a prisão em flagrante em prisão cautelar.
2. Irrefutável a presença dos pressupostos da prisão preventiva, consistentes na prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, obtidos através dos elementos colhidos no respectivo inquérito policial.
3. Entretanto, as medidas cautelares alternativas revelam-se adequadas e suficientes para neutralizar o periculum libertatis e garantir a aplicação da lei penal, a instrução criminal e a ordem pública, mormente diante das condições pessoais do paciente. Caso tais medidas não se mostrem suficientes, ou, no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, a prisão preventiva poderá ser novamente decretada, de acordo com o artigo 282, § 4º, do Código de Processo Penal.
4. Ordem concedida.