Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001073-80.2020.4.03.6181

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: DAIANE GOMES TRINDADE LIRA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

ASSISTENTE: JUDITH ALVES CAMILLO
 

ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: JUDITH ALVES CAMILLO - SP109989-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001073-80.2020.4.03.6181

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: DAIANE GOMES TRINDADE LIRA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

O Ministério Público Federal denunciou DAIANE GOMES TRINDADE LIRA, qualificada nos autos, nascida aos 25/06/1986, como incursa nas penas do art. 155, §§ 1º e 4º, I, c.c art. 14, II, ambos do Código Penal. Consta da denúncia (id 268391869):

Consta dos autos que, DAIANE GOMES TRINDADE LIRA LEITE, no dia 27/02/2020, foi presa em flagrante à 1 hora da manhã, tendo em vista que ela foi surpreendida logo após realizado diversos danos à agência da Caixa Econômica Federal, situada na Avenida Guapira, nº 2440, Jaçanã, que foram além dos necessários ao furto das câmeras de vigilância, que já se encontravam reunidas na frente ao terminal de autoatendimento.

Em sede policial, Thiago Brunetti Pereira, condutor, declarou que, por volta das 00:40, irradiou movimentação suspeita dentro da agência da Caixa Econômica Federal, situada na Avenida Guapira, nº 2440, Jacanã. Por conseguinte, encontraram a conduzida em cima do teto de gesso da referida agência no local destinado aos caixas eletrônicos. Alega que DAIANE já tinha realizado inúmeros danos, bem como juntado perto dos terminais de autoatendimento, várias câmeras de vigilância da CEF, aparentemente com o intuito de furtá-las. Então, ela desceu sem resistência do forro de gesso, mas resistiu para ingressar na viatura policial, sendo necessário o uso de algemas. Ela afirmou ser moradora de rua. Ela estava aparentemente drogada, uma vez que falava coisas sem sentido. Fato esse narrado de forma similar pelo Policial Militar Vinicius Rodrigues dos Santos (ID n° 28843994).

Conforme Laudo Pericial nº 1512/2018 (ID nº 31216269) revelou o cenário deixado pela ação criminosa, assim como a constatação de destruição de obstáculos para acesso ao local e danos às instalações, bem como a ausência das quatro câmeras de segurança possivelmente furtadas.

Diante disso, a materialidade e autoria delitiva restaram-se devidamente comprovadas mediante as informações prestadas nos Termos de Declaração (ID nº 28843994), Auto de Prisão em Flagrante (ID nº 28843994), Termo de Recebimento de Preso (ID nº 28843994), Interrogatório (ID nº 28843994), Laudo Pericial nº 1512/2018 (ID nº 31216269), Auto de Exibição e Apreensão (ID nº 28843994) que, inclusive, corroboram os fatos narrados nessa inicial acusatória.

Frisa-se, por sua vez, que a denunciada tinha a intenção de subtrair para si, coisa alheia móvel, valendo-se da destruição de obstáculo à subtração dos objetos existentes da agência da Caixa Econômica Federal em voga, delito esse praticado durante o repouso noturno. No entanto, não houve a consumação do delito em decorrência das circunstâncias alheias à sua vontade.

Outrossim, nota-se que, ao analisar atentamente os autos, tal conduta mostra-se reiterada e habitual por parte da denunciada, ao qual deve-se buscar coibir a reprodução de novas práticas delituosas.

Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia DAIANE GOMES TRINDADE pela prática do crime, na forma tentada, tipificado no artigo 155, §§ 1º e 4º, inciso I, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, requerendo que, recebida e autuada a presente denúncia, seja a denunciada citada e intimada para os demais atos processuais, até o final do julgamento.”

A denúncia foi recebida em 09/04/2021 (id 268391870).

Processado o feito, sobreveio sentença da lavra da MMa. Juíza Federal Substituta MARIA CAROLINA AKEL AYOUB, publicada em 11/10/2022 (ID 268392440), que julgou improcedente a pretensão punitiva estatal para absolver impropriamente DAIANE GOMES TRINDADE LIRA da imputada prática do crime previsto no art. 155, §§ 1º e 4º, inciso I, c.c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VI e parágrafo único, III, do Código de Processo Penal, e aplicou a medida de segurança de internação por prazo indeterminado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, na forma do art. 96, inciso I, e art. 97, caput, ambos do Código Penal, estabelecendo o prazo mínimo de 1 (um) ano para cumprimento da medida de segurança e limite máximo da pena cominada em abstrato ao delito.

A sentença transitou em julgado para o Ministério Público Federal, conforme certidão id 268392452.

Apela a ré DAIANE GOMES TRINDADE LIRA, representada pela Defensoria Pública da União (id 268392454 e 268392457), postulando

a) absolvição por ausência de provas de que a ré seja autora ou mesmo que um crime fora praticado, não podendo ser condenada com base em presunção.

b) absolvição, nos moldes do art. 386, VI, Código de Processo Penal, como circunstância supralegal e de ampla aceitação doutrinária que exclui o crime e o isenta da pena, considerada a situação vulnerabilidade social e econômica da acusada e periculosidade da conduta inexpressiva.

c) afastamento da majorante do repouso noturno, pois a agência em que supostamente ocorreu os fatos era vigiada a todo momento por câmeras de vigilância, e porque não se aplica causa de aumento prevista no § 1° do art. 155 do Código Penal ao furto qualificado pelo §4º;

d) afastamento da incidência do art. 97, §1º do CP, com a declaração incidental de não recepção, por violação do princípio da igualdade, da legalidade, da proporcionalidade e da culpabilidade,

e) proporcionalidade na aplicação do prazo mínimo da medida de segurança, observando-se as circunstâncias do caso concreto, com aplicação subsidiária do art. 68 do CP, com a incidência do art. 66, I do CP, art. 155, §2, do CP, por ser de pequeno valor a coisa furtada

f) detração do período cumprido em sede de privação de liberdade provisória (prisão ou internação), por analogia ao art. 387, §2º do CPP

g) conversão da internação em tratamento ambulatorial, nos termos do art. 4, §1, da lei 10.216/01, pois conforme laudo pericial a circunstância do surto não mais persiste;

h) caso se mantenha a medida de internação, requer que a sanção penal não seja direcionada ao HCTP, mas a leito de saúde mental em Hospital Geral ou outro equipamento de saúde referenciado pelo CAPS da RAPS, consignando a importância de elaboração do projeto terapêutico singular e a garantia dos direitos previstos no art. 2º da Lei nº 10.216/2001.

Contrarrazões do Ministério Público Federal (id 268392461), pelo desprovimento do recurso interposto.

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. STELLA FÁTIMA SCAMPINI, opinou pelo desprovimento do recurso (id 270280866).

É o relatório.

 

 


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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001073-80.2020.4.03.6181

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: DAIANE GOMES TRINDADE LIRA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

 

 

DAIANE GOMES TRINDADE LIRA foi denunciada como incursa nas penas do art. 155, §§ 1º e 4º, I, c.c art. 14, II, ambos do Código Penal, por ter tentado subtrair para si, no período noturno, mediante rompimento de obstáculo, câmeras de vigilância da agência da CEF, as quais encontravam-se reunidas na frente do terminal de atendimento.

O juízo sentenciante reconheceu a comprovação da autoria e materialidade, mas absolveu impropriamente a acusada, considerada sua inimputabilidade, constatada por meio do incidente de insanidade mental, aplicando a medida de segurança consistente em internação por prazo indeterminado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, na forma do art. 96, inciso I, e art. 97, caput, ambos do Código Penal, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano, perdurando enquanto não for averiguada, por perícia médica, a cessação da periculosidade.

A sentença é de ser mantida.

 

A materialidade delitiva restou comprovada nos autos, em especial pelo: a) Auto de Prisão em Flagrante (p. 2 do id 268391681); b) Termo de Apresentação e Apreensão de 3 câmeras de vídeo da Caixa Econômica Federal (p. 8 do id 268391681); c) Laudo Pericial n. 711/2020 (p. 3 do id 268391795) efetuado no local do crime que atesta que na agência da CEF localizado na Av. Guapira, 2440, Jaçanã, SP/SP, foi constatada a ocorrência de intrusão à agencia, seguida de dano o forro do teto do salão de atendimento, uma das câmeras de vigilância foi arrancada de sua posição de instalação; d) laudo pericial n. 989/2020 NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP efetuado nas 3 câmeras de vídeo da CEF, atestado que os itens apresentavam estado de conservação regular, porém uma delas apresentava danos no conjunto óptico que estava quebrado em duas partes e, quando energizado, apresentava imagens fora de foco (p. 3/5 do id 268392185); e) ofício n. 38/4054/2020 da agência da CEF localizada na Av. Guapira, 2440, que informa que foram furtadas 04 câmeras da marca Samsung (p. 10 do id 268392185).

 

A defesa postula a absolvição por ausência de provas da autoria delitiva, alegando que a ré não pode ser condenada com base em presunção; que a ré informou que estava apenas dormindo no local e não é responsável pelos danos na agência; que não possível identificar pelas imagens a feição da pessoa que tentara arrancar as câmeras de vigilância que se encontravam reunidas no terminal de atendimento da agência.

A autoria delitiva encontra suporte no conjunto probatório.

A Apelante DAIANE foi a única encontrada no local do crime, que ocorreu por volta da 01:00h da manhã, em um bairro considerado majoritariamente residencial, tendo sido a única localizada nas imediações da agência pelos policiais.

Acrescente-se que três viaturas se dirigiram prontamente à agencia da CEF, verificando que apenas DAIANE se encontrava nas imediações.

Conforme imagens juntadas nos ids 268392366, 268392369, 268392373, 268392375, e vídeo id 268392388, observa-se uma pessoa chegando ao local do fato por volta das 23h49 do dia 26/02/2020 portando roupas parecidas com a que a acusada vestia quando da audiência de custódia, que essa pessoa sobe no teto e começa a arrancar diversas câmeras de vigilância da CEF por volta das 23h50; e que as viaturas policiais chegam ao local às 00h12min do dia 27/02/2020.

Na audiência de custódia, a acusada confirmou ter quebrado uma câmera na agência da CEF, por volta da 01:00 da manhã (id 268391707).

E os testemunhos dos policias que realizaram a prisão são no sentido de que a Apelante foi encontrada no forro do teto da agência, de onde chegou a cair.

Como bem fundamentado na r. sentença apelada, restou comprovado que a ré no dia 27 de fevereiro de 2020, à 1 hora da manhã, na Agência da Caixa Econômica Federal, localizada na Avenida Guapira, nº 2440, Jaçanã, nesta capital, tentou subtrair para si, mediante rompimento de obstáculo, câmeras de vigilância da agência mencionada:

 

“A versão da ré de que estava dormindo local está isolada no conjunto probatório. As provas dos autos comprovam que a ré, ainda que sob efeito de substância entorpecente, praticou o crime de furto. Assim se extrai principalmente da retirada das câmeras. A ré retirou quatro câmeras da instalação original. Não houve retirada pontual para a ré adentrar em local específico do teto. O que houve foi ação direta e específica de subtração dos itens.

Tal situação fica mais evidente ainda pelas imagens e vídeo juntados no ID 264115749. Conforme vídeo, verifica-se uma pessoa chegando ao local portando roupas; a pessoa sobe no teto e começa a arrancar as câmeras. Toda a conduta é determinada para a subtração das câmeras.  De fato não é possível visualizar com nitidez o rosto da pessoa, porém, do início ao fim, apenas uma pessoa está no local; e a pessoa encontrada e presa foi exatamente a ré. Durante esse ínterim não houve qualquer saída ou entrada de terceiros.

Observa-se que provavelmente o Laudo Pericial juntado no ID 31216269 - fls. 5 não constatou a subtração diante da apreensão dos itens. Porém, constatou que houve intrusão na agência, seguida de dano ao forro do teto do salão de autoatendimento. Verificou ainda os itens de uso pessoal (roupas e roupa de cama) encontrados no salão de atendimento da agência.

Nota-se que na filmagem em nenhum momento a ré procura se acomodar para dormir com as roupas de cama que portava. Ao revés, colocou as roupas de cama de lado e começou a retirar uma por uma as câmeras. Logo, evidente a subtração.

Ainda, conforme ofício da CEF houve tentativa de subtração de quatro câmeras ( ID 58677816 - fls. 10).

Portanto, restou comprovado que a ré no dia 27 de fevereiro de 2020, à 1 hora da manhã, na Agência da Caixa Econômica Federal, localizada na Avenida Guapira, nº 2440, Jaçanã, nesta capital, tentou subtrair para si, mediante rompimento de obstáculo, câmeras de vigilância da agência mencionada.”

 

 

A defesa alega que a ré deveria ser absolvida, nos moldes do art. 386, VI, Código de Processo Penal, como circunstância supralegal e de ampla aceitação doutrinária que exclui o crime e o isenta da pena, considerada a situação vulnerabilidade social e econômica da acusada, moradora de rua que buscou abrigo no interior da agência bancária para passar a noite, que possui um filho menor de idade e dificuldade em promover seu próprio sustento.

Não há qualquer elemento probatório no sentido de que a acusada não possui outra possibilidade de sustentar a si mesmo e a sua família, a não ser praticar os delitos.

E mais, a acusada, em momento algum no curso da ação penal afirmou que aderiu à conduta delitiva por circunstâncias excepcionais, acarretadoras de inexigibilidade de conduta diversa.

A alegação defensiva de que a acusada vivia em situação de vulnerabilidade não é suficiente para a descriminalização de sua conduta ou isentar a pena, sendo certo que a acusada já ostenta passagem criminal por crime da mesma natureza (id 268391692).

Ademais, a invocada teoria da coculpabilidade não encontra arrimo na jurisprudência pátria, conforme se destaca:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. CONFISSÃO. NÃO RECONHECIMENTO. TEORIA DA CO-CULPABILIDADE DO ESTADO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE, IN CASU. RECURSO DESPROVIDO. (...)

4. Quanto à tese de concorrência de culpa, vale registrar que esta Corte Superior não tem admitido a aplicação da teoria da co-culpabilidade do Estado como justificativa para a prática de delitos. A propósito: HC 187.132/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 18/02/2013.

(...)

(STJ, AgRg no AREsp n. 1.318.170/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/2/2019, DJe de 1/3/2019.)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. ROUBO MAJORADO. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. AMEAÇA AOS FILHOS DAS VÍTIMAS. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. ELEMENTO QUE NÃO SE AFIGURA INERENTE AO TIPO PENAL. TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA PARA A INCIDÊNCIA DAS QUALIFICADORAS. INVERSÃO DO JULGADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...)

2. A teoria da coculpabilidade não pode ser erigida à condição de verdadeiro prêmio para agentes que não assumem a sua responsabilidade social e fazem da criminalidade um meio de vida.

(...)

(STJ, AgRg no REsp n. 1.770.619/PE, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 6/6/2019, DJe de 18/6/2019.)

                                            

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 289, §1º DO CP. GUARDAR CÉDULAS FALSAS. DOLO EVIDENCIADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. RECURSO DESPROVIDO. (...)

A alegação de vulnerabilidade social, por si só, não constitui fundamento hábil para justificar a prática de um ilícito e elidir a responsabilização criminal, já que ingressar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver problemas econômicos.

Mantida a condenação do réu pela prática do crime previsto no art. 289, §1º do CP.

Apelação desprovida.

(TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5002499-44.2019.4.03.6123, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 09/08/2021, Intimação via sistema DATA: 15/08/2021)

 

DIREITO PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ROUBO MAJORADO (ART. 157, § 2º, INCISOS II E V, DO CÓDIGO PENAL). MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS INCONTROVERSAS. TEORIA DA COCULPABILIDADE. NÃO RECONHECIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CONDUTA SOCIAL, PERSONALIDADE DO AGENTE E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME QUE DEVEM SER CONSIDERADAS NEUTRAS. SEGUNDA FASE. REINCIDÊNCIA BEM COMPENSADA COM A CONFISSÃO ESPONTÂNEA. TERCEIRA FASE. MAJORANTES. CONCURSO DE PESSOAS E RESTRIÇÃO DE LIBERDADE DA VÍTIMA BEM RECONHECIDAS. MINORANTE. TENTATIVA. NÃO RECONHECIMENTO. TEORIA DA AMOTIO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. (...)

- Teoria da Coculpabilidade. A tese da Coculpabilidade, que atribui ao Estado parcela da responsabilidade pelos delitos praticados por determinados agentes em razão de problemas e desigualdades sociais, não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio, sendo sistematicamente afastada pelos Tribunais Superiores. Precedentes.

(...)

 (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 79241 - 0010769-02.2018.4.03.6181, Rel. JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA, julgado em 28/11/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/12/2019)

 

DIREITO PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS INCONTROVERSAS. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE, POR INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA, OU, ALTERNATIVAMENTE, FUNDADA DÚVIDA DE SUA EXISTÊNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. TEORIA DA COCULPABILIDADE AFASTADA. DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE. PENA-BASE. PATAMAR MÍNIMO. SEGUNDA FASE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. OBSERVÂNCIA DA SÚMULA 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TERCEIRA FASE. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. TRANSNACIONALIDADE RECONHECIDA. VERBO NÚCLEO "EXPORTAR" QUE NÃO É INCOMPATÍVEL COM A MAJORANTE PREVISTA NO ART. 40, INCISO I, DA LEI EM ANÁLISE. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE. PENA DE MULTA. MANUTENÇÃO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. APELAÇÃO PROVIDA, EM PARTE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. (...)

- Das excludentes de ilicitude e culpabilidade. As alegações da defesa, no sentido de que o Apelante teria cometido o ilícito penal porque estava passando por sérias dificuldades financeiras em seu país de origem (Colômbia) e necessitava sustentar a sua família (excludente de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, ou, alternativamente, fundada dúvida de sua existência) não merecem acolhida. No caso em tela, o contexto fático demonstrado e a envergadura do bem tutelado pela norma penal não autorizam o afastamento da imputação criminal, haja vista que, a prova resume-se às asserções do Apelante, em seu interrogatório judicial, que não foram corroboradas por qualquer outro elemento de convicção. Inexiste qualquer outra prova que ampare suas declarações. Além disso, a prática de fato criminoso, sobretudo nas hipóteses de delitos assemelhados a hediondos, sob o argumento de passar por dificuldades financeiras, não pode implicar no reconhecimento da causa excludente de culpabilidade ou ilicitude, pois eventuais privações econômicas devem ser superadas através de meios lícitos, não pela opção criminosa. Não se pode corroborar a prática de crime unicamente por necessidades financeiras.

- Teoria da coculpabilidade. A despeito do escorço doutrinário indicado, a tese da coculpabilidade do Estado não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio, sendo sistematicamente afastada pelos Tribunais Superiores. Ademais, não se pode conferir ao estado de extrema pobreza, no qual vivem milhões de pessoas no país, a leniência de ser impeditivo à configuração da culpabilidade do agente, atribuindo-a ao Estado. Mesmo que o Estado deixe de prestar a devida assistência aos seus cidadãos (e, em especial, à determinada parcela da sociedade), isso, por si só, não justificativa ou autoriza a prática delitiva, na medida em tal carência é insuficiente para afastar a consciência da ilicitude e a capacidade de autodeterminação do indivíduo, cujo móvel pode ser questionado, mas não eliminado da equação da análise da culpabilidade.

(...)

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 72869 - 0003592-21.2017.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/05/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/05/2019)

                                       

                                           

APELAÇÃO PENAL. ROUBO MAJORADO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ART. 157, §2º, INCISOS I E II, DO CP (REDAÇÃO AO TEMPO DOS FATOS). TEORIA DA CO-CULPABILIDADE. INAPLICÁVEL. MATERIALIDADE E AUTORIA. DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. REDIMENSIONAMENTO. MANTIDA A INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DE CONFISSÃO. CAUSAS DE AUMENTO RELATIVAS AO CONCURSO DE PESSOAS E AO EMPREGO DE ARMA. MANTIDA A INCIDÊNCIA DA MAJORANTE PREVISTA NO INCISO I, §2º ART. 157 DO CP. TEMPUS DELICTI.  PRESCINDIBILIDADE DA APREENSÃO E PERÍCIA DA ARMA. APLICAÇÃO DO PATAMAR MÍNIMO DE 1/3 MANTIDO. REGIME INICIAL ALTERADO DE OFÍCIO. DETRAÇÃO QUE NÃO APROVEITA AO RÉU. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. (...)

2. Inaplicável ao caso dos autos a Teoria da Co-culpabilidade, a qual visa atribuir ao Estado parcela da responsabilidade pelas infrações penais praticadas por determinados agentes em razão de problemas e desigualdades sociais. A citada tese não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio, sendo sistematicamente afastada pelos Tribunais Superiores. Ademais, não se pode conferir ao estado de extrema pobreza, no qual vivem milhões de pessoas no país, a leniência de ser impeditivo à configuração da culpabilidade do agente, atribuindo-a ao Estado.

(...)

 (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 76740 - 0005680-32.2017.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 22/01/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/02/2019 )

                                       

                                        

Da causa de aumento do crime de furto no período noturno

Pede a defesa seja afastada a majorante do repouso noturno do §1ª do art. 155, do CP, pois a agência em que supostamente ocorreu os fatos era vigiada a todo momento por câmeras de vigilância e três viaturas policiais chegaram ao local “de pronto”, bem como porque, conforme entendimento do STJ, não se aplica a majorante do repouso noturno ao furto qualificado pelo §4º.

 

Assiste razão à defesa.

Recentemente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp n. 1.888.756/SP (Tema repetitivo 1087), na sistemática dos recursos repetitivos, firmou a tese no sentido de que “A causa de aumento prevista no § 1° do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) não incide no crime de furto na sua forma qualificada (§ 4°)":

 

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DIREITO PENAL. FURTO. PRECEDENTE JUDICIAL VINCULATÓRIO. REEXAME DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. NECESSIDADE. HERMENÊUTICA JURÍDICA. NÃO INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO REPOUSO NOTURNO NO FURTO QUALIFICADO. AUMENTO DE PENA EM RAZÃO DE FURTO COMETIDO DURANTE O REPOUSO NOTURNO. DESPROPORCIONALIDADE.

1. Na formulação de precedente judicial, sobretudo diante de sua carga vinculatória, as orientações jurisprudenciais, ainda que reiteradas, devem ser reexaminadas para que se mantenham ou se adéquem à possibilidade de evolução de entendimento.

2. A interpretação sistemática pelo viés topográfico revela que a causa de aumento de pena relativa ao cometimento do crime de furto durante o repouso noturno, prevista no art. 155, § 1º, do CP, não incide nas hipóteses de furto qualificado, previstas no art. 155, § 4º, do CP.

3. A pena decorrente da incidência da causa de aumento relativa ao furto noturno nas hipóteses de furto qualificado resulta em quantitativo qu e não guarda correlação com a gravidade do crime cometido e, por conseguinte, com o princípio da proporcionalidade.

4. Tese jurídica: A causa de aumento prevista no § 1° do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) não incide no crime de furto na sua forma qualificada (§ 4°).

5. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp n. 1.888.756/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Seção, julgado em 25/5/2022, DJe de 27/6/2022.)

 

Assim, é de se afastar a incidência do §1º do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno), permanecendo apenas a imputação quanto ao tipo previsto no art. 155, §1º, inciso I, do Código Penal, por ter sido comprovado que a acusada tentou subtrair para si, mediante rompimento de obstáculo, câmeras de vigilância da agência da CEF.

 

 

Da medida de segurança

 

A inimputabilidade da acusada foi reconhecida no incidente de insanidade mental nº 5003282-85.2021.4.03.6181, considerado que o laudo pericial atestou que “Não caracterizada situação de insanidade mental atual, sob a ótica psiquiátrica. À época dos fatos a ré tinha compreensão parcial do caráter criminoso dos fatos e não tinha condições de se autodeterminar pela dependência química e pela psicose.”

Assim, o juiz sentenciante reconheceu que a acusada era inimputável ao tempo dos fatos, nos termos do art. 26 do Código Penal, absolveu réu com fundamento no art. 386, VI, do CPP, e determinou a aplicação de medida de segurança de internação por prazo indeterminado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, na forma do art. 96, inciso I, e art. 97, caput, ambos do Código Penal, pelo prazo mínimo de 01 (um) ano, perdurando enquanto não for averiguada, por perícia médica, a cessação da periculosidade, observado o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, conforme o verbete da Súmula 527 do C. Superior Tribunal de Justiça.

 

No tocante à medida de segurança aplicada, a defesa pede:

a) o afastamento da incidência do art. 97, §1º do CP, com a declaração incidental de não recepção, por violação do princípio da igualdade, da legalidade, da proporcionalidade e da culpabilidade;

b) a conversão da internação em tratamento ambulatorial, nos termos do art. 4, §1, da lei 10.216/01, pois conforme laudo pericial a circunstância do surto não mais persiste;

c) a fixação do prazo mínimo da medida de segurança, observando-se a proporcionalidade e as circunstâncias do caso concreto, com aplicação subsidiária do art. 68 do CP, com a incidência do art. 66, I do CP, art. 155, §2, do CP, por ser de pequeno valor a coisa furtada, e a detração do período cumprido em sede de privação de liberdade provisória (prisão ou internação), por analogia ao art. 387, §2º do CPP;

d) caso se mantenha a medida de internação, requer que a sanção penal não seja direcionada ao HCTP, mas a leito de saúde mental em Hospital Geral ou outro equipamento de saúde referenciado pelo CAPS da RAPS, consignando a importância de elaboração do projeto terapêutico singular e a garantia dos direitos previstos no art. 2º da Lei nº 10.216/2001.

 

Não procede o apelo da defesa.

 

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, à luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, em se tratando de delito punível com reclusão, é facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável, nos termos do art. 97 do Código Penal, não devendo ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente (EREsp n. 998.128/MG, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 18/12/2019).

No caso, a medida de segurança de internação da apelante se revela a mais adequada, considerada a periculosidade do agente.

Destarte, conforme laudo pericial (id 268392238), a ré é portadora de transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de cocaína e derivados, síndrome de dependência, transtorno psicótico por ocasião dos fatos, F 14.2, F 14.5, e, à época dos fatos a ré tinha compreensão parcial do caráter criminoso dos fatos e não tinha condições de se autodeterminar pela dependência química e pela psicose, estava parcialmente incapaz de entender o caráter ilícito pela ação do crack e por psicose descrita pelos policiais que atenderam ao chamado.

O laudo também atesta que, no momento do exame pericial, a acusada apenas estava com exame do estado mental normal, porque não estava tendo acesso a substâncias psicoativas desde que foi presa, mas se for solta provavelmente recairá no uso de crack.

Os peritos ainda concluíram que há possibilidade de recuperação e tratamento em regime de internação fechada em clínica especializada por período de pelo menos doze meses para quebrar o ciclo da dependência.

Acrescente-se que foi oportunizado à acusada, por duas vezes, a submissão a tratamento ambulatorial (ID 268391701 e 268391806, 268391825), porém a apelante não compareceu (ID 268391765 e 268391826).

Dessa forma, bem como que os peritos atestaram a necessidade de internação em regime fechado pelo periodo mínimo de 12 meses par quebrar o ciclo da dependência,

Dessa forma, considerada a prática de crime punível com pena de reclusão, que o laudo pericial sugeriu a medida de internação em regime fechado pelo período mínimo de 12 meses par quebrar o ciclo da dependência, bem como que a acusada não compareceu ao tratamento ambulatorial fornecido, é inviável deixar o apelante apenas sob tratamento ambulatorial.

Nesse sentido, registro precedentes do STJ:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO QUALIFICADO. INIMPUTABILIDADE DO AGENTE. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. RECONHECIMENTO DA MULTIRREINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. MEDIDA DE SEGURANÇA. NECESSIDADE DE INTERNAÇÃO. REVISÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS DOS AUTOS. ENTENDIMENTO DO STJ. DECISÃO MANTIDA.

1. Ainda que inadequada a impetração de habeas corpus em substituição à revisão criminal ou ao recurso constitucional próprio, diante do disposto no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, o Superior Tribunal de Justiça considera passível de correção de ofício o flagrante constrangimento ilegal.

2. "À luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, na fixação da espécie de medida de segurança a ser aplicada não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável" (EREsp n. 998.128/MG).

3. Está de acordo com a jurisprudência do STJ o entendimento das instâncias ordinárias de aplicação de medida de segurança de internação quando há multirreincidência específica (periculosidade do agente) e o crime é punido com reclusão.

4. A alteração da conclusão das instâncias ordinárias de que a internação é a medida mais adequada ao caso concreto demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento inviável na via do writ.

5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC n. 694.986/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 10/6/2022.)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO TENTADO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. INIMPUTABILIDADE RECONHECIDA. IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO POR TRATAMENTO AMBULATORIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 97 DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA E ACÓRDÃO IMPUGNADO QUE ANALISARAM AS PARTICULARIDADES DO CASO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBLIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Na hipótese, mostra-se inviável a substituição da medida de internação pelo tratamento ambulatorial. Primeiramente, porque ao Agravante foi imputada a prática de crime cuja pena é de reclusão, o que impõe, em regra, a aplicação da internação quando reconhecida a inimputabilidade do réu, nos termos do art. 97 do Código Penal. Ademais, as instâncias ordinárias fundamentaram de forma suficiente ser inadequada a aplicação da medida de segurança de acompanhamento ambulatorial em razão das particularidades do caso e da periculosidade do Réu.

2. Conforme enfatizado pelo Magistrado singular, o Agravante já respondeu por diversos crimes da mesma espécie, tendo em um dos feitos, inclusive, sido aplicada a medida de segurança de internação. O Tribunal de origem consignou, ainda, que o laudo pericial realizado no âmbito da ação penal sugeriu a internação hospitalar, com os cuidados de equipe multidisciplinar, "sendo certo que as anotações constantes pelo perito realçam a necessidade de maior cautela".

3. Rever o posicionamento adotado pelas instâncias ordinárias, que concluíram ser a internação a medida mais adequada ao caso em análise, demandaria, de forma inequívoca, o reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável na via estreita do habeas corpus.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC n. 688.282/MS, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 21/9/2021, DJe de 6/10/2021.)

 

 

Dispõe o art. 97, §1º do CP que a medida de segurança de internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade, sendo que o prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

Por outro lado, com relação ao prazo máximo, a Súmula 527 do STJ estabelece que “o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado".

Como se observa, consoante previsão legal, o tempo mínimo de aplicação da medida de segurança relaciona-se com a periculosidade do agente e a recuperação do inimputável, e não com a dosimetria da pena nos moldes do art. 68 do Código Penal.

No caso, a permanência da apelante pelo tempo mínimo de um ano de internação possibilitará o tratamento de seu vício em local especializado e sua reinserção social.

 

Quanto ao pedido de detração do tempo cumprido em sede de privação de liberdade provisória, por analogia ao art. 387, §2º do CPP, registro que, conforme dispõe o art. 66, inciso III, alínea "c" da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), compete ao Juiz da execução decidir sobre a detração da pena.

O §2º do art. 387 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 12.736/12, estabelece que o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade, o que não se afigura no caso em tela.

 

Por fim, descabido o pedido de internação em leito de saúde mental em Hospital Geral ou outro equipamento de saúde referenciado pelo CAPS da RAPS, nesta sede, uma vez que o art. 96, I, do CP prevê expressamente que a internação será em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e, somente em caso de falta, em outro estabelecimento adequado.

 

 

Dispositivo

 

Pelo exposto, dou parcial provimento ao apelo da defesa para afastar a incidência do §1º do art. 155 do Código Penal, mantida no mais a r. sentença apelada.

É o voto.



E M E N T A

 

 

 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. ART. 155, §§ 1º E 4º, INCISO I, C.C. ART. 14, INCISO II, DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. TEORIA DA COCULPABILIDADE. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. INIMPUTABILIDADE RECONHECIDA. IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO POR TRATAMENTO AMBULATORIAL. NÃO CABIMENTO. RECURSO PROVIDO EM PARTE.

1. Apelação interposta pela Defesa contra sentença que que julgou improcedente a pretensão punitiva estatal para absolver impropriamente a ré da imputada prática do crime previsto no art. 155, §§ 1º e 4º, inciso I, c.c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VI e parágrafo único, III, do Código de Processo Penal, e aplicou a medida de segurança de internação por prazo indeterminado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, na forma do art. 96, inciso I, e art. 97, caput, ambos do Código Penal, estabelecendo o prazo mínimo de 1 (um) ano para cumprimento da medida de segurança e limite máximo da pena cominada em abstrato ao delito.

2. Materialidade e autoria delitivas encontram suporte no conjunto probatório.

3. Teoria da coculpabilidade. Não há qualquer elemento probatória no sentido de que a acusada não possui outra possibilidade de sustentar a si mesmo e a sua família, a não ser praticar os delitos.

4. A invocada teoria da coculpabilidade não encontra arrimo na jurisprudência pátria. Precedentes.

5. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp n. 1.888.756/SP (Tema repetitivo 1087), na sistemática dos recursos repetitivos, firmou a tese no sentido de que “A causa de aumento prevista no § 1° do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) não incide no crime de furto na sua forma qualificada (§ 4°)".

6. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, à luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, em se tratando de delito punível com reclusão, é facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável, nos termos do art. 97 do Código Penal, não devendo ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente (EREsp n. 998.128/MG, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 18/12/2019).

7. No caso, a medida de segurança de internação da apelante se revela a mais adequada, considerada a periculosidade do agente. Considerada a prática de crime punível com pena de reclusão, que o laudo pericial sugeriu a medida de internação em regime fechado pelo período mínimo de 12 meses par quebrar o ciclo da dependência, bem como que a acusada não compareceu ao tratamento ambulatorial fornecido, é inviável deixar o apelante apenas sob tratamento ambulatorial.

8. O tempo mínimo de aplicação da medida de segurança relaciona-se com a periculosidade do agente e a recuperação do inimputável, e não com a dosimetria da pena nos moldes do art. 68 do Código Penal.

9. Apelação provida em parte.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao apelo da defesa para afastar a incidência do §1º do art. 155 do Código Penal, mantida no mais a r. sentença apelada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.