APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000630-86.2019.4.03.6142
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: ANTONIO JONATHAS HONORATO AMORIM
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO LEMOS URIAS - MG89001-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000630-86.2019.4.03.6142 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: ANTONIO JONATHAS HONORATO AMORIM Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO LEMOS URIAS - MG89001-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator): O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra ANTONIO JONATHAS HONORATO AMORIM como incurso nas penas do art. 334 do Código Penal. Consta da denúncia (Id 258900630): "Em data incerta, mas anterior a 24.04.2017, ANTONIO (condutor) e MARCUS (passageiro), deslocaram-se (por mais de 1.000 km) de Boa Esperança-MG, onde residem, até Foz do Iguaçu-PR, a bordo do veículo Fiat Linea Essence preto 2011/2012 de placas ERE-5316, registrado em nome de Ozeas de Oliveira. Em Foz do Iguaçu ANTONIO e MARCUS receberam, em proveito próprio e alheio, no exercício de atividade comercial irregular, e sem documentação fiscal, grande quantidade de mercadorias de procedência paraguaia que haviam sido importadas, dentre as quais se destacam 3 videogames, 190 antenas para internet via rádio, 108 roteadores, 10 alto falantes, 11 CDs Players automotivo, 17 receptores de sinal de satélite, 4 telefones celulares, 8 perfumes, 20 cabos de fibra ótica, 100 conectores de fibra ótica e 95 jaquetas. Essas mercadorias foram avaliadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil em R$ 57.151,27 e sua importação irregular teve por consequência a omissão no recolhimento de impostos (Imposto de Importação – II e Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI) no valor total de R$ 18.178,47. Em seguida, ANTONIO e MARCUS guardaram as mercadorias no porta malas e banco traseiro do veículo Fiat Linea e iniciaram a viagem de volta a Boa Esperança onde parte dessas mercadorias seriam entregues às pessoas que as haviam encomendado e a restante seria destina à revenda. Aproximadamente às 15h00min do dia 26.04.2017, a equipe do Tático Ostensivo Rodoviário (TOR) da Polícia Militar Rodoviária (PMRv) do Estado de São Paulo integrada pelos Cabos (Cb.) Fernando Siena Garcia, Fagner Duque e Juliano Soares Silva durante patrulhamento “ao acessar a [rodovia] SP 333 visualizou o veículo Fiat/Linea de cor preta, emplacamento ‘ERE 5316’ de Pouso Alegre/MG, aparentando estar carregado e sujo, ao retornar para proceder a abordagem o veículo empreendeu maior velocidade transitando de maneira inconveniente”. Por tal motivo, a equipe de PMRv manteve o “acompanhamento por aproximadamente 11 quilômetros”, sendo abordado apenas no km 259, zona rural, próximo à “Ponte [do] Rio Dourado” “devido ao fluxo de veículos que seguiam em menor velocidade”. Ademais, “devido ao tempo chuvoso o veículo foi escoltado até o km 273, e sob a cobertura do Posto ‘Dois Trevos’ foi realizada a vistoria veicular, onde constatou-se no porta malas e banco traseiro grande quantidade de mercadorias (eletrônicos, roupas e perfumes) oriundos do Paraguai, desprovidos de documentação fiscal”. As mercadorias foram apreendidas e ANTONIO e MARCUS presos em flagrante. Em síntese: no dia 26.04.2017 ANTONIO e MARCUS, em concurso entre si, (adquiriram e) receberam, em proveito próprio e alheio, no exercício de atividade comercial (ainda que irregular), mercadorias de procedência estrangeira desacompanhadas de nota fiscal, o que fizeram mediante a utilização, como instrumento, veículo Fiat Linea Essence preto 2011/2012 de placas ERE-5316. Assim agindo praticaram, em concurso de pessoas (Código Penal - CP, art. 29, caput), crime de receptação de produto de descaminho (CP, art. 334, § 1º, inc. IV). Por essa razão o MPF contra eles oferece a presente denúncia, pedindo sejam, ao final do devido processo legal, condenados, com a imposição, como consequência da condenação, e por haverem se utilizado de veículo para a prática de crime doloso, do efeito específico da inabilitação para dirigir (CP, art. 92, inc. III).” A denúncia foi recebida em 31/10/2019 (Id 258900982). Após a instrução, sobreveio sentença (Id 258901200), da lavra da MM. Juíza Federal CAROLLINE SCOFIELD AMARAL e publicada em 04/02/2022, que julgou procedente a denúncia para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 334, “caput”, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano, 01 (um) mês e 23 (vinte e três) dias de reclusão em regime inicial aberto. O réu também foi condenado à inabilitação para dirigir veículo automotor pelo mesmo período da pena corporal. A sentença transitou em julgado para a acusação em 21/02/2022 (Id 258901218 - Pág. 1). O réu interpôs recurso de apelação (Id 258901211 e 258901222), postulando: a) a aplicação do princípio da insignificância, b) a revogação do efeito específico da inabilitação para dirigir veículo automotor, c) a substituição da pena corporal por penas restritivas de direito. Com contrarrazões (Id 258901224), subiram os autos. O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso (Id 259258913). É o relatório.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000630-86.2019.4.03.6142 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: ANTONIO JONATHAS HONORATO AMORIM Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO LEMOS URIAS - MG89001-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O ANTONIO JONATHAS HONORATO AMORIM foi condenado pela prática da conduta descrita no art. 334 do Código Penal, à pena de 1 (um) ano, 01 (um) mês e 23 (vinte e três) dias de reclusão em regime inicial aberto, por ter sido flagrado conduzindo veículo carregado com mercadorias de procedência estrangeira desacompanhadas da documentação legal, que sabia ser produto de importação clandestina no território nacional. A defesa apelou da sentença, postulando absolvição do réu mediante a aplicação do princípio da insignificância e, se não for o caso, o afastamento do efeito da condenação de inabilitação para conduzir veículo automotor e a substituição da pena corporal por penas restritivas de direito. Não houve inconformismo por parte da defesa no que tange à materialidade e autoria do crime, que sobejaram comprovadas nos autos. Do princípio da insignificância Com efeito, os documentos que instruem a inicial comprovam que o valor das mercadorias apreendidas em poder do réu soma R$ R$ 57.151,27, sendo o valor dos tributos sonegados o montante de R$ 18.178,47. O valor dos tributos sonegados é inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), que constitui o limite mínimo fixado para o ajuizamento das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União, nos termos da Portaria n° 75 de 22 de março de 2012. Compulsados os autos, verifica-se que o réu possui inúmeros procedimentos instaurados contra si, a saber: (1) a instauração de um inquérito policial na Delegacia da Policia Federal de Bauru, em 26.04.2017, como incurso no art. 334, parágrafo 1º, inciso IV, do Código Penal; (2) prisão em flagrante em 31/05/2017, autuado pela Delegacia de Polícia de Mococa, como incurso no art. 334 do Código Penal, ocasião em que foi denunciado e processado na 1.ª Vara Federal em São João da Boa Vista, processo de n.º 0000968-64.2017.4.03.6127; (3) a existência de representação fiscal para fins penais, com número de origem nº 17833.720626/2019-54 (processo do autuado) e processo de representação nº 17833.000007/2019-40, autuado em 23/05/2019 e então tramitante na 3ª Vara Federal em Foz do Iguaçu, em processo tombado sob nº 5008349-34.2019.4.04.7002, fruto de contrabando ou descaminho e arquivado por força de promoção ministerial de arquivamento pela perspectiva da aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho; (4) a existência de cinco processos no Ministério da Fazenda, sendo que dois deles já foram referenciados anteriormente: (4.1) Processo 10444.720242/2017-12, (4.2) Processo 10444.720243/2017-59, (4.3) Processo nº 10660.725170/2018-18, (4.4) Processo 10865.000095/2018-82, (4.5) Processo nº 17833.720626/2019-54, (4.6) Processo 17833-722722/2019-37, todos tendo como assunto auto de infração com perdimento de mercadorias, demonstrando que o réu é delinquente habitual e faz do crime uma profissão, infringindo a lei várias vezes do mesmo modo. Assim, considerando a prática reiterada do mesmo delito, fica afastada a aplicação do princípio da insignificância. Os Tribunais Superiores e esta E. Corte têm decidido que a prática reiterada da conduta criminosa afasta a aplicação do princípio da insignificância: STF - HC 118686 - Relator(a) LUIZ FUX - 1ª Turma, 19.11.2013 - Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ART. 334, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PACIENTE CONTUMAZ NA PRÁTICA DELITIVA. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. 3. O princípio da insignificância no crime de descaminho é afastado quando comprova-se a contumácia na prática delitiva. Precedentes: HC 115.514, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 10.04.13; HC 115.869, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffolli, DJ de 07.05.13; HC 114.548, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJ de 27.11.12; HC 110.841, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 14.12.12; HC 112.597, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 10.12.12; HC 100.367, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJ de 08.09.11. 4. A existência de outras ações penais em curso contra a paciente, embora não configure reincidência, é suficiente para caracterizar a contumácia na prática delitiva, afastando, por conseguinte, a aplicação do princípio da insignificância . 5. In casu, a paciente foi denunciada como incursa nas sanções do artigo 334, caput, do Código Penal, por ingressar no território nacional com mercadorias de procedência estrangeira - CDs, DVDs, cigarros, artigos de pesca, pilhas, rádios toca fitas, máquina de cortar cabelo, acessórios para videogames, baterias de telefones, calculadoras, aparelhos de telefones, maquiagens, isqueiros, brinquedos - desacompanhadas da documentação fiscal comprobatória do recolhimento dos respectivos tributos, no valor total de R$ 1.652,51 (um mil seiscentos e cinquenta e dois reais e cinquenta e um centavos). 6. Destarte, em que pese o valor do tributo sonegado ser inferior ao limite estabelecido no artigo 20 da Lei 10.522/02, na redação conferida pela Lei 11.033/04, não é possível aplicar-se o princípio da insignificância , porquanto trata-se de paciente contumaz na prática delitiva. 7. Ordem denegada. STJ - RECURSO ESPECIAL - 1241940 - Relator(a) GILSON DIPP - QUINTA TURMA - DJE DATA: 31/08/2011 - EMEN: PENAL. DESCAMINHO. DÉBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR A R$ 10.000,00. REITERAÇÃO DE CONDUTAS CRIMINOSAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO PROVIDO. I. Valor do imposto elidido que não supera o parâmetro de R$ 10.000, 00 (dez mil reais), fixado no art. 22 da Lei n.º 10.522/02, permitindo a aplicação do princípio da bagatela, conforme orientação já pacificada nesta Corte (Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia n.º 1.112.748/TO). II. Hipótese em que não se aplica insignificância penal, tendo em vista a reiteração de condutas criminosas por parte do acusado, que ostenta outros registros criminais pela prática do delito de descaminho. III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. TRF3 - HC 00262811720134030000 - Relator(a) JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES - PRIMEIRA TURMA - DATA: 21/02/2014 - Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. LIMITAÇÃO. REITERAÇÃO DELITUOSA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. (...) 3. O princípio da insignificância, no entanto, não tem lugar à vista de reiteração de comportamentos antinormativos por parte do agente, à medida que não se pode ter por irrelevantes ataques repetidos à ordem jurídica posta. Nesse sentido: HC 115707, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 25/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-156 DIVULG 09-08-2013 PUBLIC 12-08-2013. 4. Embora seja cabível a aplicação do princípio da insignificância em relação ao paciente ALEXANDRE CARLOS DE FREITAS SURGEK, que não ostenta informações negativas sobre o cometimento de outros crimes, quanto ao paciente IVANIR OLIVEIRA DE FRANÇA não se pode dizer o mesmo, haja vista as informações que constam na sua folha de antecedentes acostada aos autos, que noticia três ocorrências por descaminho, além do que é objeto da denúncia ofertada na origem. Não se pode pretender que a tutela judiciária volte-se a legitimar comportamentos lesivos à ordem pública, ao Estado institucional e à sociedade como um todo, por reiterados, agasalhando em proteção aquele que se dispôs a abandonar a lei. 5. Considerando que não há nos autos informações sobre os demais corréus, cuja liminar foi estendida por força do art. 580 do CPP, deve a ação penal prosseguir em relação a estes, sem prejuízo de que requeiram perante o juízo de origem o trancamento do feito, demonstrando a insignificância da conduta e ausência de comportamentos antinormativos, servindo esta decisão de parâmetro às decisões eventualmente proferidas por aquele juízo. 6. Ordem parcialmente concedida. Da dosimetria da pena Passo ao exame da dosimetria da pena. Na primeira fase da dosimetria, a Magistrada a quo reconheceu a existência de três circunstâncias negativa: (1) a culpabilidade, “uma vez que o réu tinha plena ciência da conduta, já tinha sido abordado anteriormente, sofrendo a perda de mercadorias e persistiu na mesma prática”, (2) Conduta social: “entendo que as informações de ID 36590000 demonstram que esta circunstância judicial deve ser valorada negativamente nos termos do HC 76939/MG, Rel. Min. Maurício Correa, DJ 14/08/1998”, (3) Consequências do crime: “devem ser valoradas negativamente em razão da relevante quantidade de mercadoria apreendida e tributos iludidos, conforme Demonstrativo Presumido de Tributos ID 36589999”. Deste entendimento, aplicou o aumento de 3/8 sobre a pena mínima, resultando na pena-base de 1 ano, 4 meses e 15 dias. Na segunda fase da dosimetria, foi reconhecida na sentença a aplicação da atenuante do art. 65, III, “d”, do Código Penal (confissão). Verifica-se que o réu confessou a prática do crime durante seu interrogatório na fase judicial, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação. Nesse diapasão, a Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça: "Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal." Portanto, a pena-base deve ser reduzida em 1/6, resultando na pena de 01 (um) ano, 01 (um) mês e 23 (vinte e três) dias de reclusão. Na terceira fase da dosimetria, ausentes causas de aumento e de diminuição de pena. Assim, a pena restou definitiva em 01 (um) ano, 01 (um) mês e 23 (vinte e três) dias de reclusão. O regime inicial de cumprimento da pena deve ser mantido no aberto. Por fim, não merece o réu a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ante a expressa vedação ao benefício prevista no inc. III do art. 44 do Código Penal. Da inabilitação para dirigir veículos A defesa postula o afastamento da pena de inabilitação para conduzir veículos, pois a medida tirará a principal fonte de renda do réu, uma vez que “trabalha informalmente junto a um supermercado na cidade de Boa Esperança/MG e faz entregas à domicílio, necessitando, portanto, da CNH para exercer tal função” (Id 258901222 - Pág. 5) Quanto à pena acessória prevista no art. 92, inc. III, do Código Penal, dispõe a norma: “Art. 92 - São também efeitos da condenação: (...) III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso” A inabilitação para conduzir veículo prevista no inciso III do referido artigo é efeito secundário da condenação, devendo ser aplicada nos casos em que o automóvel tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como comprovado nos autos. Não deve ser acolhida a tese da defesa que a inabilitação para dirigir veículos é medida desproporcional nos casos em que o réu exerce a profissão de entregador de encomendas em domicílio. Tomo como razões de decidir a fundamentação constante no excerto do voto proferido pelo Exmo. Desembargador Federal Fausto de Sanctis, nos autos de n.º 0000210-92.2019.4.03.6005, julgado em 19/02/2023, por esta E. Turma, em votação unânime: “Consigne-se, por oportuno, que o efeito ora decretado de inabilitação para dirigir veículo automotor não tem o condão de ofender o direito social ao trabalho previsto na Constituição Federal de 1988 na justa medida em que o acusado optou, de forma livre, consciente e voluntária, em fazer uso de seu labor para fins criminosos, de molde que neste momento não tem o menor cabimento alegar que seu ganha pão está justamente no transporte profissional - em outras palavras, deveria o acusado ter pensado nesta situação que poderia lhe afligir antes da perpetração delitiva com o escopo até mesmo de não adentrar à criminalidade, não sendo lícita arguição de que o trabalho que potencialmente poderia executar estaria sendo comprometido com a medida em tela. Acrescente-se, ademais, que o acusado poderá se dedicar a outro labor com o desiderato de manter-se, juntamente com sua família, provendo, assim, seus sustentos.” Neste sentido, são os julgados desta C. Décima Primeira Turma: APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334-A, § 1º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL, C.C. ARTS 2º E 3º DO DECRETO-LEI Nº 399/68. CONTRABANDO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AGRAVANTE DE PROMESSA DE PAGA. COMPENSAÇÃO. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO MANTIDA. APELO DEFENSIVO DESPROVIDO. 1. Cuida-se de apelação criminal interposta pela defesa de PLÍNIO ALVES SILVA MACHADO, em face de sentença que condenou o réu pela prática do crime definido no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, c.c. arts. 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68, à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos. 2. Não houve impugnação quanto à materialidade e autoria delitivas, pelo que restam incontroversas. Ademais, não se verifica a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este Tribunal. Portanto, mantenho a condenação do réu como incurso no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, combinado com os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/1968, e passo à dosimetria. 3. Na primeira fase da dosimetria, perfilho do entendimento de que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos em poder do réu - 516.000 (quinhentos e dezesseis mil) maços - constitui fator apto a elevar a pena-base, inclusive em patamar superior ao estabelecido na sentença. Entretanto, ante a ausência de recurso ministerial neste sentido, mantenho a majoração no patamar estabelecido na sentença, qual seja, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão. 4. Na segunda etapa da dosimetria, a defesa requer o afastamento da agravante prevista no artigo 62, inc. IV, do Código Penal. O réu faz jus à atenuação da pena nos moldes do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, pois confessou a prática do crime em comento em juízo, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação, o que, por si só, permite a aplicação da aludida atenuante. Por outro lado, no que diz respeito ao reconhecimento da agravante do artigo 62, inciso IV, do Código Penal, com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça quanto à incidência da agravante acima referida, no sentido de que não constitui elementar do tipo previsto nos artigos 334 e 334-A do Código Penal. O réu admitiu, em seu interrogatório judicial, que praticava a conduta delitiva mediante promessa de recompensa, no valor de R$ 3.000 (três mil reais). Assim, mantenho a compensação entre a circunstância agravante e a atenuante. 5. Na terceira etapa da dosimetria, preservo o entendimento do magistrado de primeiro grau, no sentido de que não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena. Dessa forma, mantenho a fixação definitiva da reprimenda em em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão. 6. Tendo em vista o quantum da pena, mantenho o regime inicial aberto para o seu cumprimento, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal. 7. Preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser estabelecida pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária, no valor de 3 (três) salários mínimos, mantida a destinação fixada pelo juízo a quo. 8. Para a aplicação do efeito secundário da condenação consistente na inabilitação para dirigir veículo, exige-se apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, apresentando-se como reprimenda legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena. O réu, na condição de motorista, utilizou a licença para conduzir veículo concedida pelo Estado para perpetrar o crime de contrabando. 9. Cabe ressaltar que diversas outras profissões poderão ser adotadas pelo réu sem que isso, por si, lhes retire meios de prover a própria subsistência e a de eventuais dependentes. O mero fato de ser motorista profissional não permite que possa cometer crimes concretamente graves utilizando-se exatamente de veículos como instrumentos, e em seguida se furtar às sanções legais com a alegação de que precisa da habilitação para desenvolver a atividade profissional que escolhera. 10. Apelo defensivo desprovido. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5003795-14.2021.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 18/04/2023, Intimação via sistema DATA: 20/04/2023) (grifos nossos) PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL CONTRABANDO. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. CONCURSO MATERIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA. TRANSPORTADOR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS MANTIDA. 1. Materialidade, autoria e dolo comprovados em relação aos dois delitos. 2. A denúncia imputou ao acusado o delito previsto no art. 70 da Lei nº 4.117/62 e o juízo o condenou às penas desse artigo. No entanto, a conduta imputada é superveniente à Lei nº 9.472, de 16.07.1997 e, por isso, amolda-se à descrição típica do art. 183 desse diploma legal, e não à do referido art. 70, eis que a conduta do acusado foi, em tese, exercer atividade clandestina de comunicação. Correção, de ofício, da classificação jurídica do fato. Tendo em vista que o art. 183 da Lei 9.472/97 prevê sanções mais graves que as cominadas pelo art. 70 da Lei nº 4.117/62, mantém-se a aplicação das penas previstas neste diploma legal, a fim de que seja estritamente observado o princípio da non reformatio in pejus, uma vez que o recurso é exclusivo da defesa. 3. Responde pelo crime de contrabando não apenas aquele faz pessoalmente a importação, no exercício de atividade comercial ou industrial, mas também quem colabora para isso, acolhendo conscientemente mercadoria estrangeira proibida. No caso dos autos, o apelante transportou os cigarros introduzidos irregularmente no Brasil, participando de modo efetivo e relevante na cadeia delitiva, sendo irrelevante o fato de ele não ser o dono das mercadorias, pois o tipo penal não exige tal condição. 4. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a importação irregular de cigarros configura o crime de contrabando, ao qual não se aplica o princípio da insignificância, o qual também não se aplica ao crime de atividade clandestina de telecomunicação. 5. A inabilitação para dirigir veículo (CP, art. 92, III) decorre diretamente do preceito legal e o fato de o apelante necessitar de carteira de habilitação válida para trabalhar não é motivo suficiente para que se afaste a aplicação desse efeito da condenação. Precedente do Supremo Tribunal Federal. 6. Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0002581-02.2014.4.03.6006, Rel. Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO, julgado em 28/04/2023, Intimação via sistema DATA: 03/05/2023) O artigo 92 do Código Penal não estabelece prazo de duração para o efeito extrapenal ora em comento, porém, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a jurisprudência que se formou nesta E. Corte é no sentido de que a inabilitação para dirigir veículo deverá perdurar por prazo igual ao das penas corporais aplicadas, como se insere do julgado abaixo colacionado: PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334, CAPUT, E §1º, II, DO CÓDIGO PENAL. DESCAMINHO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCABÍVEL. CONTUMÁCIA DELITIVA. DOSIMETRIA DA PENA. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. LIMITAÇÃO DO PERCENTUAL DE AUMENTO EM 1/6. MANTIDO REGIME INICIAL SEMIABERTO. SEM SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS PARA UMA DAS CORRÉS. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO MANTIDA. LIMITADA AO PERÍODO DA PENA CORPORAL APLICADA. - Princípio da insignificância. Surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal nos delitos de violação mínima e assegurar que a intervenção penal somente ocorra nos casos de lesão de certa gravidade. O quantum fixado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais vem sendo o parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância, ante o argumento de que se a conduta é considerada irrelevante na seara administrativa, deve de igual modo, ser tida na seara penal. Com o advento da edição das Portarias nºs 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça revisou a tese fixada no paradigma mencionado (REsp nº 1.112.748/TO), a fim de adequá-la ao entendimento externado pela Suprema Corte, no sentido de considerar o parâmetro estabelecido nestes atos infralegais, que estabeleceram o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), como limite da aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho. - Contumácia delitiva. Na hipótese de conduta praticada em contexto de habitualidade delitiva, visualiza-se obstinação deliberada de oposição à convivência de acordo com as normas jurídicas. A contumácia criminosa, a escolha do meio de vida criminoso, não pode importar em inexpressividade da lesão jurídica, nem em mínima ofensividade da conduta, ou mesmo ausência de periculosidade social e tampouco reduzido grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a aplicação do princípio em tela, o qual se restringe a condutas despidas de ofensividade mínima. - No caso concreto, de acordo com informações juntadas pela Secretaria da Receita Federal, nos autos da Representação Fiscal para Fins Penais, o montante das mercadorias apreendidas com as rés somaria R$ 50.090,98 (cinquenta mil, noventa reais e noventa e oito centavos), sendo iludido o valor de R$ 8.401,64, referente ao Imposto de Importação (II), e R$ 9.232,77, quanto ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Contudo, as rés já contavam, na data dos fatos (29.09.2016), com diversas apreensões de mercadorias introduzidas irregularmente no território nacional, inclusive, de acordo com folhas de antecedentes criminais, com ajuizamento de processos criminais pelo mesmo delito. Somente a existência de feitos administrativos fiscais é suficiente à caracterização da habitualidade delitiva e, via de consequência, tem o condão de afastar a incidência do princípio da insignificância, por força do desvalor da própria ação de quem faz do crime meio de vida, atentando contra a ordem jurídica. - Dosimetria da pena. FERNANDA MARQUES BRAGA (ou FERNANDA MARQUES PAIVA). A despeito da ausência de insurgência da parte, há que se alterar a pena definitiva, de ofício, eis que o percentual de aumento em decorrência da agravante da reincidência foi superior a 1/6. Precedentes. Em decorrência da reincidência específica, mostra-se inviável a pretensão defensiva de fixação de regime inicial de cumprimento mais brando, tendo em vista o disposto no artigo 33, § 2º, alínea “c”, e § 3º, do Código Penal, bem como o teor da Súmula n.º 269 do STJ. Outrossim, a existência da reincidência específica também impede a concessão desse benefício, sobretudo em razão do disposto no artigo 44, inciso II, e §3º, do Código Penal. Mantido o regime SEMIABERTO para início de cumprimento da pena, sem possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. - Do efeito da condenação consistente na inabilitação para dirigir veículo automotor. Constata-se que as rés se utilizaram de veículo automotor com o fito de transportar as mercadorias estrangeiras introduzidas irregularmente em território nacional, perpetrando, desta feita, o delito do artigo 334, caput, e §1º, II, do Código Penal, razão pela qual se mostra imperiosa, com o intuito de se atingir os objetivos de repressão e de prevenção, a manutenção da decretação, como efeito secundário da sua condenação, da inabilitação das acusadas para dirigirem veículos automotores que deve ser limitada, contudo, ao mesmo período das penas corporais aplicadas para o crime de descaminho. De certo, o artigo 92 do Código Penal não estabelece prazo de duração para o efeito extrapenal ora em comento, porém, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a jurisprudência que se formou nesta E. Corte é no sentido de que a inabilitação para dirigir veículo deverá perdurar por prazo igual ao das penas corporais aplicadas. - Apelação das rés a que se dá parcial provimento para limitar a aplicação dos efeitos da condenação estabelecido pelo artigo 92, inciso III, do Código Penal, ao mesmo período das penas corporais aplicadas ao crime de descaminho e, de ofício, reduzir a pena definitiva imposta a FERNANDA MARQUES BRAGA (ou FERNANDA MARQUES PAIVA) para 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, na forma da fundamentação. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0003514-43.2017.4.03.6111, Rel. Desembargador Federal MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO, julgado em 28/04/2023, DJEN DATA: 05/05/2023) Assim, deve ser mantida a sentença que declarou a inabilitação do réu para dirigir veículo pelo tempo da pena privativa de liberdade imposta pela prática do delito, nos moldes do artigo 92, III do CP. Ante o exposto, nego provimento ao recurso. É o voto.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000630-86.2019.4.03.6142
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: ANTONIO JONATHAS HONORATO AMORIM
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO LEMOS URIAS - MG89001-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Peço vênia para divergir do e. Relator especificamente no tocante à dosimetria da reprimenda, a fim de afastar, na primeira etapa do cálculo da pena, as valorações negativas da culpabilidade, conduta social e consequências do crime; e, por conseguinte, para substituir a pena privativa de liberdade imposta ao recorrente por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade.
Diante do exposto, passo à dosimetria da pena do réu.
DOSIMETRIA DA PENA
Primeira Fase
Nesta etapa a magistrada sentenciante valorou negativamente as seguintes circunstâncias judiciais: culpabilidade, conduta social e consequências do crime.
O e. Relator preservou a valoração negativa de tais circunstâncias judiciais e, em decorrência disso, indeferiu o pleito formulado pela defesa, vale dizer, de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos:
“Por fim, não merece o réu a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ante a expressa vedação ao benefício prevista no inc. III do art. 44 do Código Penal”
Peço vênia ao e. Relator para dele divergir nos moldes descritos a seguir.
Entendo que, no tocante à culpabilidade, os argumentos de que se valeu a magistrada de primeiro grau, no sentido de que esta circunstância judicial merece julgamento desfavorável ‘uma vez que o réu tinha plena ciência da conduta, já tinha sido abordado anteriormente, sofrendo a perda de mercadorias e persistiu na mesma prática’, na verdade desvelam que o que se considerou para a valoração negativa foi o histórico criminal do recorrente.
Inicialmente, destaco que a mencionada “plena ciência da conduta” demonstra apenas que o réu era, ao tempo dos fatos, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de suas ações (conceito de imputabilidade penal), podendo, por conseguinte, ser penalmente responsabilizado por seus atos.
Ora, uma vez que para a imposição de um decreto condenatório é indispensável que o réu seja imputável, não é possível valorar a imputabilidade como circunstância judicial negativa.
A culpabilidade, enquanto circunstância judicial, não pode ser confundida com a culpabilidade enquanto pressuposto para aplicação da pena. Na primeira fase da dosimetria, a culpabilidade deve ser apreciada no sentido de avaliar a intensidade da reprovação da conduta, ou seja, a censurabilidade que se deve empregar diante da situação de fato em que se deu a prática criminosa.
A seu turno, o histórico criminal só pode ser valorado em desfavor do réu na primeira etapa da dosimetria quando se encaixar na definição de maus antecedentes, sendo indispensável para tanto a condenação, com trânsito em julgado, pela prática de crime anterior ao apurado nos autos.
Destaco que, nos moldes do enunciado da Súmula 444, STJ, “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.
Pois bem, se nem mesmo inquéritos policiais e ações penais em curso podem agravar a pena-base, não há como considerar em desfavor do recorrente o fato de já haver sido “abordado anteriormente, sofrendo a perda de mercadorias”.
Destarte, entendo que na hipótese não há elementos que permitam considerar a culpabilidade do réu exacerbada, não restando motivos para o incremento da pena-base em razão dessa circunstância normal à espécie.
No tocante à circunstância judicial da conduta social, a magistrada a quo assim fundamentou sua valoração negativa:
"entendo que as informações de ID 36590000 demonstram que esta circunstância judicial deve ser valorada negativamente nos termos do HC 76939/MG, Rel. Min. Maurício Correa, DJ 14/08/1998"
Mesmo compulsando minuciosamente os autos não obtive êxito em encontrar o documento de ID 36590000 mencionado na r. sentença.
Outrossim, analisando todas as provas colacionadas ao feito, não vislumbro motivos que justifiquem a valoração negativa da conduta social do réu.
Sublinho que a conduta social também não pode ser valorada negativamente com fundamento no histórico criminal do acusado.
A conduta social diz respeito ao estilo de vida do agente, bem como ao seu comportamento perante a sociedade, no ambiente familiar e de trabalho, e na vizinhança (HC - HABEAS CORPUS - 409775 2017.01.84068-6, RIBEIRO DANTAS, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 24/08/2018) e não se confunde com os seus antecedentes criminais, de forma que tal não pode ser utilizado para valorar negativamente a sua conduta social.
Ademais, "a pena-base não pode ser estabelecida acima do mínimo legal com fundamento em referências vagas, genéricas e em dados não explicitados, sem a motivação devida": (HC 201102916533, ROGERIO SCHIETTI CRUZ, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:24/02/2014 ..DTPB).
Diante disso, também afasto a valoração negativa da conduta social do réu.
Tampouco merece manutenção o julgamento desfavorável das consequências do crime, as quais foram valoradas negativamente “em razão da relevante quantidade de mercadoria apreendida e tributos iludidos, conforme Demonstrativo Presumido de Tributos ID 36589999’.”
Nos moldes bem destacados no voto do e. Relator, no caso dos autos, o montante de tributos iludidos “é inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), que constitui o limite mínimo fixado para o ajuizamento das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União, nos termos da Portaria n° 75 de 22 de março de 2012.”
Ora, o valor dos tributos sonegados permitiria em tese até mesmo a aplicação do Princípio da Insignificância, aplicação esta que foi afastada, corretamente pelo e. Relator que neste particular adotou posicionamento ao qual me filio integralmente, apenas em decorrência da prática reiterada da conduta criminosa.
Destarte, afasto também a valoração negativa das consequências do crime.
Em decorrência, fixo a pena- base no mínimo legal de 01 (um) ano de reclusão.
Segunda fase
Acompanho o entendimento do e. Relator nesta etapa da dosimetria, no sentido de que deve ser reconhecida a incidência da atenuante de confissão e preservo a pena no mínimo legal em observância ao enunciado da Súmula 231, STJ:
“A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.”
Terceira fase
Na terceira fase, também acompanho o e. Relator por entender ausentes causas de aumento ou diminuição da pena e fixo a reprimenda definitiva do recorrente em 01 (um) ano de reclusão.
Regime de cumprimento de pena
Também acompanho o e. Relator no sentido de que deve ser mantido o regime inicial aberto para o cumprimento da reprimenda.
Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos
Em contrapartida, em decorrência do afastamento das valorações negativas das circunstâncias judiciais nos moldes anteriormente descritos neste voto, divirjo do e. Relator também para substituir a pena privativa de liberdade por entender preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal.
Assim, substituo a reprimenda privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade.
No mais, acompanho integralmente o voto do e. Relator, inclusive no tocante à pena de inabilitação para dirigir veículo, tendo em vista que na hipótese a reiteração delitiva justifica o decreto de inabilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo da pena imposta.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso da defesa para afastar as valorações negativas da culpabilidade, conduta social e consequências do crime; e, por conseguinte, para substituir a reprimenda privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade.
É como voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334 DO CP. DESCAMINHO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTADA A APLICAÇÃO. CONDUTA REITERADA DO MESMO DELITO. JURISPRUDÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. DOSIMETRIA DA PENA. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Não houve inconformismo por parte da defesa no que tange à materialidade e autoria do crime, que sobejaram comprovadas nos autos.
2. O valor dos tributos sonegados é inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), que constitui o limite mínimo fixado para o ajuizamento das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União, nos termos da Portaria n° 75 de 22 de março de 2012. Compulsados os autos, verifica-se que o réu possui várias ações judiciais e inúmeros procedimentos administrativos instaurados por prática de descaminho perante a Receita Federal demonstrando que o réu é delinquente habitual e faz do crime uma profissão, infringindo a lei várias vezes do mesmo modo.
3. A prática reiterada do mesmo delito afasta a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância. Nesse sentido a jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta e. Corte.
4. Na primeira fase da dosimetria, a Magistrada a quo reconheceu a existência de três circunstâncias negativa: a culpabilidade, a conduta social e as consequências do crime. Deste entendimento, aplicou o aumento de 3/8 sobre a pena mínima, resultando na pena-base de 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
5. Na segunda fase da dosimetria, foi reconhecida na sentença a aplicação da atenuante do art. 65, III, “d”, do Código Penal (confissão). Verifica-se que o réu confessou a prática do crime durante seu interrogatório na fase judicial, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação. Portanto, a pena-base deve ser reduzida em 1/6, resultando na pena de 01 (um) ano, 01 (um) mês e 23 (vinte e três) dias de reclusão.
6. Na terceira fase da dosimetria, ausentes causas de aumento e de diminuição de pena.
7. A pena restou definitiva em 01 (um) ano, 01 (um) mês e 23 (vinte e três) dias de reclusão. Foi fixado o regime aberto de cumprimento da pena, nos termos do art. 33 do CP. Não merece o réu a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ante a expressa vedação ao benefício prevista no inc. III do art. 44 do Código Penal.
8. A inabilitação para conduzir veículo prevista no art. 92, inciso III do CP é efeito secundário da condenação, devendo ser aplicada nos casos em que o automóvel tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como comprovado nos autos.
9. Não deve ser acolhida a tese da defesa que a inabilitação para dirigir veículos é medida desproporcional nos casos em que o réu necessita de sua CNH para trabalhar. Outras profissões poderão ser adotadas pelo réu sem retirar meios de prover a própria subsistência. O fato de se apresentar como entregador de encomendas em domicílio não permite que se possa cometer crimes utilizando-se de veículos como instrumento, e não sofrer a sanção legal com a alegação de que precisa da habilitação para desenvolver a atividade profissional que escolheu. Precedentes.
10. O artigo 92 do Código Penal não estabelece prazo de duração para o efeito extrapenal ora em comento, porém, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a jurisprudência que se formou nesta E. Corte é no sentido de que a inabilitação para dirigir veículo deverá perdurar por prazo igual ao das penas corporais aplicadas.
11. Recurso desprovido.