Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003798-64.2015.4.03.6000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: ATEMIRO DE SOUZA FERREIRA

Advogado do(a) APELANTE: MARCELO DESIDERIO DE MORAES - MS13512-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003798-64.2015.4.03.6000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: ATEMIRO DE SOUZA FERREIRA

Advogado do(a) APELANTE: MARCELO DESIDERIO DE MORAES - MS13512-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES: 

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): 

Trata-se de apelação interposta por ATEMIRO DE SOUZA FERREIRA, contra r. sentença proferida em ação de rito ordinário, ajuizada em face da União, objetivando indenização por danos morais e estéticos decorrentes de acidente de trânsito. 

Na peça inicial, em ID 271820645/2716820649 e documentos anexos, o autor discorre que foi vítima de acidente de trânsito ocasionado pela conduta ilícita e imprudente do condutor de veículo de propriedade da União, diante do que postula ressarcimento por danos morais e estéticos que alega resultarem do aludido sinistro. Acerca da dinâmica dos fatos, relata que, na data de 3 de dezembro de 2012, às 10h39, o veículo Kombi VW, de placas HTO 2668, de propriedade do Comando da 9ª Região Militar do Exército Brasileiro, trafegava pela Rua Paresis, no sentido norte/sul, quando efetuou conversão à direita, adentrando a Rua Kalil Naban e vindo a colidir com a motocicleta V2 Shineray do autor, que trafegava no sentido oeste/leste desta via. Cita o relatório expedido pela CIPTRAN e o boletim de ocorrência, comprobatórios dos fatos narrados. Aduz que o evento danoso lhe causara trauma de tornozelo esquerdo com limitação de mobilidade aferida em 25% por laudo pericial juntado à inicial, em face do que pretende reparação a título de danos morais e estéticos, fundamentada na responsabilidade civil objetiva do Estado. Pugna o autor, assim, pelo provimento do pleito no intuito de que a ré seja condenada a ressarci-lo no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de danos morais e em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) enquanto danos estéticos. Pleiteia também os benefícios da justiça gratuita. Dá-se à causa o valor de R$ 50.000 (cinquenta mil reais). 

A União apresentou contestação (id Num. 271820674 - Pág. 6/10), argumentando: a) a ocorrência de culpa exclusiva da vítima, pois não era habilitada para condução de motocicleta na ocasião do acidente; b) inverdades contidas na inicial, pois a via era de mão dupla e o veículo da União adentrou na sua mão de direção. A motocicleta do autor é quem trafegava um pouco além de sua faixa, invadindo a mão contrária; c) os familiares do autor alteraram deliberadamente o local do acidente, retirando a motocicleta do local; d) a dinâmica do acidente e o local em que os veículos colidiram confirma a invasão de pista por parte do autor; e) o autor já estava em situação ilícita – sem porte de CNH – antes da colisão e f) não há nenhum problema ou dano estético ou moral a ser reparado no caso concreto.

Em ID 271820651, prolatou-se decisão saneadora em que deferida a produção de prova pericial judicial médica, dada a questão controvertida atinente a ter o autor suportado danos morais, corporais, estéticos e materiais supostamente decorrentes do acidente de trânsito noticiado. 

O pedido de justiça gratuita foi deferido (ID 271820674). 

O laudo de perícia judicial médica foi juntado aos autos em ID 271820685. O perito concluiu “que o periciado apresenta sequelas de trauma compatíveis de terem sido produzidas por ação contundente em acidente de trânsito, na data de 11/02/2008, não se observando sequelas referentes ao acidente ocorrido em 03/12/2012”. 

O autor insurgiu-se (ID 271820695) em face das conclusões esboçadas no laudo de perícia judicial médica (ID 271820685), pugnando que se utilizasse o laudo que referiu na peça inicial. 

A UNIÃO também manifestou-se (ID 271820703), acostando laudo de perito assistente com conclusões consonantes àquelas do laudo de perícia judicial médica. 

Devidamente instruído o feito, sobreveio sentença (ID 271820716) que julgou improcedente a demanda do autor, extinguindo o feito com julgamento de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Consignou o Juízo a quo que, do cotejo das peças trazidas aos autos, não se verificou a presença de todos os requisitos constitutivos do dever de indenizar, em específico, o ato ilícito, comissivo ou omissivo, por parte da requerida e o nexo de causalidade entre aquela conduta da requerida e o prejuízo enfrentado pelo autor. Destacou não haver prova suficiente de que o evento danoso tenha ocorrido como narrado na inicial. Diversamente, constatou que a dinâmica dos fatos apresentada pela parte ré encontra respaldo no croqui acostado aos autos (ID 271820649, fls. 37) e nos vestígios da colisão presentes na Kombi, no sentido de que o acidente decorreu de invasão da pista pelo autor, e não o contrário. Aduziu também que a retirada da motocicleta do local denota nítido intuito de alterar o local do acidente ou mesmo dificultar a constatação de ter sido o acidente ocasionado pelo próprio autor. No que diz respeito ao fato de o autor não possuir habilitação para conduzir motocicletas quando do fato, reforçou que o Superior Tribunal de Justiça há muito tem o entendimento de que tal circunstância, por si só, não caracteriza culpa exclusiva. Por derradeiro, assentou que a perícia judicial médica realizada no curso da instrução resultou negativa para a existência de nexo de causalidade entre o acidente descrito na inicial e a redução permanente de mobilidade alegada pelo autor. Asseverou que, nos termos dos documentos periciais, o acidente descrito na inicial causou ao autor lesão leve, cuja terapêutica ensejou somente a colocação de uma simples tala pelo período de 7 (sete) dias, sem indicação de qualquer outro procedimento, nem mesmo fisioterapia. Concluiu, assim, o Juízo sentenciante inexistir nexo de causalidade entre as sequelas físicas aventadas pelo autor e o acidente descrito na inicial. Julgou improcedente a pretensão do autor, condenando-o ao pagamento de honorários advocatícios em favor da ré arbitrados em 10% sobre o valor corrigido da causa, na forma do art. 85, § 4º, III, do CPC/2015. Concedidos os benefícios da justiça gratuita, a exigibilidade da cobrança resta, todavia, suspensa, nos termos do disposto no art. 98, § 3º, do CPC/2015.

O autor interpôs recurso de apelação (ID 271820717). Em suma, sustenta a culpa da parte ré pela ocorrência do acidente em exame e que é devida a indenização por danos morais e estéticos nos moldes já requeridos, repisando os argumentos deduzidos na inicial. Pugna, assim, pelo provimento do recurso. 

Contrarrazões apresentadas em ID 271820718.

Em 11/09/2023, os autos foram redistribuídos para minha relatoria em razão da criação desta unidade judiciária. 

É o relatório.

  

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003798-64.2015.4.03.6000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: ATEMIRO DE SOUZA FERREIRA

Advogado do(a) APELANTE: MARCELO DESIDERIO DE MORAES - MS13512-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES: 

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): 

Discute-se a responsabilidade civil da UNIÃO em indenizar o autor por danos morais e estéticos que alega ter experimentado em razão de colisão envolvendo sua motocicleta e veículo pertencente àquela.

O relatório de acidente de trânsito e o boletim de ocorrência de acidente de trânsito, trazidos aos autos em ID 271820649, informam a dinâmica do evento danoso. 

Relata-se nos documentos citados que, na data de 3/12/2012, às 10h39, em Campo Grande/MS, a viatura do Exército - Kombi VW - efetuou conversão à direita, adentrando a Rua Kalil Naban, vindo a colidir sua vértice anterior esquerda na motocicleta do apelante, modelo Shineray, que trafegava na Rua Parecis, via perpendicular à anterior. Noticiou-se a retirada da motocicleta do local do acidente por familiares da vítima. 

As partes controvertem no que se se refere à demonstração do nexo de causalidade entre os danos que o apelante alega ter experimentado em razão do acidente e a conduta da apelada e à demonstração da culpa exclusiva da vítima enquanto excludente de responsabilização civil estatal pelo evento danoso. 

 

Da Responsabilidade Civil Objetiva da Administração e os seus elementos estruturantes.

Desde a Constituição de 1946, adota-se no ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade civil objetiva do Estado, sob a modalidade do risco administrativo. 

Na Constituição de 1988, a teoria objetiva está consagrada no art. 37, § 6º, da Constituição, nos seguintes termos:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 

(...)

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." 

Extraem-se do referido dispositivo os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público. Nestes termos, prescinde-se da comprovação da culpa do agente ou da falta do serviço (pela inexistência, retardamento ou má prestação do serviço), sendo suficiente a demonstração do nexo de causalidade entre a atividade do agente - comissiva ou omissiva, lícita ou ilícita -, nesta condição, e o dano experimentado pela vítima. 

Ademais, à luz da teoria do risco administrativo, não se concebe, como regra, o Estado como segurador universal, de sorte que se admite o afastamento da responsabilidade estatal nas hipóteses de rompimento do nexo causal por caso fortuito ou força maior e culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

Portanto, haverá dever indenizatório quando suficientemente comprovados (i) o nexo de causalidade entre a conduta do agente público, nesta condição, e o dano experimentado pela vítima e (ii) a inexistência das hipóteses de caso fortuito e força maior ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. 

No mesmo sentido, o Código Civil estabelece que a responsabilidade civil do ente público se afigura objetiva. Confira-se:

“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.” 

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” 

Quanto aos casos de omissão da Administração, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 841.526/RS, sob a sistemática da Repercussão Geral, tema 362, assentou o entendimento segundo o qual a responsabilidade civil do Estado por omissão também se fundamenta no art. 37, § 6, da Constituição quando houver obrigação legal específica de evitar o resultado danoso. 

No caso em apreço, a legitimidade passiva da parte ré para figurar no polo passivo da obrigação indenizatória em exame é incontroversa.

Passo, pois, ao exame  do nexo de causalidade entre os danos cujo ressarcimento o apelante pretende e a conduta da apelada e à aferição da excludente de responsabilidade estatal referente à culpa exclusiva da vítima.

 

Do nexo de causalidade entre os danos apontados pelo apelante e a conduta da apelada.

É imprescindível à aferição da responsabilidade civil do Estado a demonstração da causalidade material entre o prejuízo aventado pela vítima e a conduta danosa do ente público. 

No caso em apreço, o apelante aponta comprometimento funcional em sua mobilidade decorrente de lesão em seu tornozelo esquerdo, cuja origem atribui ao acidente objeto destes autos, verificado na data de 3/12/2012.

Embasa sua pretensão nas conclusões exaradas no laudo de perícia judicial médica (ID 271820650) realizada nos autos 0819968-19.2013.8.12.0001, em ação que movera contra Seguradora Líder S/A, por ocasião dos mesmos fatos que neste feito se examina. 

Em contraposição, a perícia judicial médica empreendida nestes autos (ID 271820685), conforme deferimento do Juízo a quo, concluiu não haver causalidade entre as lesões apontadas pelo apelante e o evento danoso do dia 3/12/2012.

Cotejando ambas as perícias judiciais colacionadas, impende acolher as conclusões daquela emprestada a este feito. 

Extrai-se do laudo de perícia judicial médica dos autos 0819968-19.2013.8.12.0001 a seguinte conclusão (ID 271820650):

“(...)

2. Do acidente apresentou fratura do tornozelo esquerdo, conforme descrito no prontuário da SESAU, anexado na inicial.

3. Da fratura do tornozelo esquerdo (fissura no pilão tibial) houve tratamento conservador (não cirúrgico) com gesso. E como resultado atual:

a) Radiologicamente não existem sequelas, pois a fratura consolidou sem desvios ou deformidades.

b) Clinicamente, apresenta bloqueio parcial da mobilidade do tornozelo esquerdo.

4. As queixas do periciado são justificáveis.

5. Atualmente, baseado no exame físico e radiológico, em decorrência do acidente de 03/12/2012, o periciado apresenta limitação parcial da capacidade funcional do tornozelo esquerdo.

6. A limitação apresentada por analogia nos parâmetros da Lei 11.945/2009 é relacionada a: “perda parcial de 25% da mobilidade de um dos tornozelos.

7. Apesar do periciado ter sido vítima de outro acidente de trânsito no ano de 2008, este não ocasionou qualquer tipo de dano funcional no tornozelo esquerdo (fato que poderá ser comprovado na análise do laudo periciado realizado nos autos 001.08.022284-7 da 10ª Vara Cível, também realizado por este perito); ou seja, a perda funcional descrita nesta conclusão é de responsabilidade do trauma acidentário narrado na inicial.”  - grifei. 

Ressalte-se que o referido laudo de perícia mencionou que as lesões pré-existentes nos membros inferiores do periciado, examinadas nos autos 001.08.022284-7, referem-se à perda parcial da capacidade funcional do membro inferior direito, além da amputação de três dedos do pé esquerdo, não comprometendo, assim, o tornozelo esquerdo. 

Aludida perícia judicial, portanto, concluiu que o acidente verificado no dia 3/12/2012, objeto destes autos, foi a causa do comprometimento do tornozelo esquerdo do periciado e perda de mobilidade funcional da ordem de 25%.

Ao debruçar-se sobre o mesmo objeto, a prova pericial judicial médica empreendida nestes autos  (ID 271820685) revelou-se perfunctória, não fornecendo elementos aptos a conformarem juízo de segurança acerca da questão posta, pelo que suas conclusões restam afastadas.  

Deveras, em que pese ter informado a presença de lesões no periciado - que descreveu conforme o excerto adiante transcrito (ID 271820685) -, referida perícia concluiu que essas lesões consubstanciam sequelas de trauma compatíveis com acidente de trânsito ocorrido em data bastante anterior - 11/02/2008 -, sem tecer qualquer consideração sobre as razões que embasaram tal solução. Confira-se:

“5.0. EXAME FÍSICO (...) deformidade em pé esquerdo com amputação do 2º, 3º e 4º Pododáctilo esquerdo; Amplitude de movimentos limitada em grau acentuado do Halux, 5º Pododáctilo esquerdo e tornozelo esquerdo; Edema em tornozelo esquerdo; Múltiplas cicatrizes hipercrômicas em terço inferior, perna, tornozelo e pé esquerdos; Múltiplas cicatrizes em membro inferior direito, coxa e perna direita com sinais de enxertia de pele;

(...)

7.0. PARECER

Diante das declarações fornecidas pelo periciado, da análise da documentação complementar apresentada e do exame médico pericial realizado, conclui o perito que o mesmo apresenta sequelas de trauma compatíveis de terem sido produzidas por ação contundente em acidente de trânsito, na data de 11/02/2008, não se observando sequelas referentes ao acidente ocorrido em 03/12/2012.” 

Noutro sentido, há verossimilhança entre a dinâmica dos fatos em apreço e as conclusões exaradas no laudo de perícia judicial médica (ID 271820650) dos autos 001.08.022284-7, a qual atestou perda parcial de 25% da mobilidade do tornozelo esquerdo em função do acidente que ora se examina.

Reputo, assim, suficientemente comprovado pela documentação acostada o dano experimentado pela vítima e a causalidade material com o acidente ocorrido no dia 3/12/2012, na forma de perda parcial da mobilidade do tornozelo esquerdo.

 

Da aferição da excludente de responsabilidade estatal referente à culpa exclusiva da vítima. 

Cumpre examinar a dinâmica dos fatos para verificar a hipótese de afastamento ou minoração da responsabilidade civil estatal em face da culpa exclusiva da vítima pelo sinistro ocorrido. 

Em ID 271820649, fls. 37, no boletim de ocorrência de acidente de trânsito, consta croqui que descreve visualmente a dinâmica da colisão.

Outrossim, o relatório de acidente de trânsito exarado pela Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul - CIPTRAN, descreveu o acidente nos seguintes termos (ID 271820649, fls. 32):

“Pela Rua Paresis no sentido norte/sul, trafegava o V1 VW/kombi, que ao efetuar conversão à direita adentrando na Rua Kalil Naban ocorreu a colisão da sua vértice anterior esquerda no V2 Shineray, que trafegava na segunda via citada, no sentido Oeste/Leste. Do acidente resultou em danos no V1, no V2 não foi possível constatar por ter sido retirado do local por familiares e 01 vítima. A investigadora de Polícia Judiciária Marluce, informou que a perícia técnica não compareceria ao local.”

De seu turno, o condutor do veículo da parte ré prestou declaração, do que destaco o seguinte excerto (ID 271820649, fls. 38):

“Quando fui virar na rua Kalil Naban havia um caminhão boiadeiro parado próximo da esquina atrapalhando a visão, por este motivo, entrei na via vagarosamente, quando vinha um motociclista e colidiu comigo, moto (Shineray, 50cc).”

Resumem-se a estes os elementos de prova coligidos nestes autos. Forçoso concluir que as informações acostadas  não são de molde a permitir conclusão segura acerca da caracterização da culpa exclusiva de qualquer das partes. 

Destaco que o croqui trazido aos autos evidencia a presença de um caminhão boiadeiro estacionado próximo ao local em que ocorrido o acidente, circunstância que atrapalhou tanto a direção da vítima, que precisou se desviar do aludido caminhão, quanto da parte ré, que tinha a visão parcialmente obstruída da pista no momento de realizar a conversão.  

Isto posto, reputo suficiente repartir o ônus da responsabilidade, imputando culpa concorrente aos condutores pelo sinistro verificado. 

Do quantum indenizatório referente aos alegados danos morais e estéticos. 

Assentada, assim, a responsabilidade civil objetiva da Administração, visto que suficientemente comprovados os seus elementos, a dizer, o dano (lesão no tornozelo esquerdo e comprometimento da mobilidade), a conduta imputável ao ente público e o nexo de causalidade, cumpre examinar o quantum indenizatório devido.

O apelante/autor pretende indenização no valor de  R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de danos morais e em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) enquanto danos estéticos.

Os danos estéticos estão demonstrados pelo Laudo de Perícia Judicial Médica acostado aos autos em ID 271820662 e também pelo Laudo de Perícia Judicial Médica emprestado a este feito (ID 271820650), os quais atestam, respectivamente, que: 

 Laudo de Perícia Judicial Médica (ID 271820662)

“5.0. EXAME FÍSICO (...) deformidade em pé esquerdo com amputação do 2º, 3º e 4º Pododáctilo esquerdo; Amplitude de movimentos limitada em grau acentuado do Halux, 5º Pododáctilo esquerdo e tornozelo esquerdo; Edema em tornozelo esquerdo; Múltiplas cicatrizes hipercrômicas em terço inferior, perna, tornozelo e pé esquerdos” 

Laudo de Perícia Judicial Médica  (ID 271820650)

“5. Atualmente, baseado no exame físico e radiológico, em decorrência do acidente de 03/12/2012, o periciado apresenta limitação parcial da capacidade funcional do tornozelo esquerdo.

6. A limitação apresentada por analogia nos parâmetros da Lei 11.945/2009 é relacionada a: perda parcial de 25% da mobilidade de um dos tornozelos.

(...)

7.0. PARECER

Diante das declarações fornecidas pelo periciado, da análise da documentação complementar apresentada e do exame médico pericial realizado, conclui o perito que o mesmo apresenta sequelas de trauma compatíveis de terem sido produzidas por ação contundente em acidente de trânsito, na data de 11/02/2008, não se observando sequelas referente ao acidente ocorrido em 03/12/2012.” - grifei. 

O valor indenizatório de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) revela-se proporcional à sequela decorrente do acidente em exame, considerada a redução de mobilidade do tornozelo esquerdo da ordem de 25%.

No que concerne aos danos morais pleiteados, a jurisprudência é pacífica no sentido de se reconhecer  que, nos acidentes de trânsito com vítimas, a ofensa à integridade física gera dano moral in re ipsa

Confira-se:

E M E N T A PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. VEÍCULO DE PROPRIEDADE DE UNIVERSIDADE FEDERAL. COLISÃO TRASEIRA. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. 1. A questão posta nos autos diz respeito à responsabilidade civil do Estado. 2. A responsabilidade civil tem cláusula geral nos art. 186 e 927 do Código Civil, e apresenta como seus pressupostos o ato ilícito ou causador de dano anormal e específico, a culpa em sentido amplo, o nexo de causalidade, apurado segundo teoria do dano direto e imediato, e o dano certo e atual, material ou imaterial, do qual surge o dever de indenizar. Por sua vez, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, fundamenta-se no risco e prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando que se demonstre o nexo causal entre a conduta do administrador e o dano. Está consagrada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. 3. No caso dos autos, é certa a aplicação da responsabilidade civil em sua vertente objetiva, tendo em vista que as alegações da parte autora narram a ocorrência de conduta comissiva, consistente em acidente de trânsito por colisão traseira. 4. O Boletim de Ocorrência lavrado pela Polícia Rodoviária Federal (ID 220415396 - fls. 26/33) narra a dinâmica do acidente e confirma que o veículo de propriedade da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - FUFMS colidiu atrás da motocicleta em questão, a despeito das boas condições da pista de rolamento. No mesmo sentido, o laudo pericial nº 685/2011 elaborado pelo Núcleo Regional de Criminalística de Aquidauana/MS (ID 220415396 - fls. 41/52) atestou que este veículo trafegava em velocidade não inferior à 100km/h, a despeito da velocidade máxima permitida na via (100km/h) e da discrepância com a velocidade da motocicleta, estimada entre 50km/h e 70km/h. No mais, a alegação de falta de falta de iluminação traseira na motocicleta não encontra respaldo nas conclusões periciais, que verificou a incolumidade da fiação e o fluxo de corrente de energia elétrica nesta. (...) 6. A preponderância das provas aponta, com clareza e de modo convincente, que o acidente de trânsito pode ser atribuído ao condutor do veículo de propriedade da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - FUFMS, que não observou o dever de cuidado previsto nos art. 29, II, e art. 219 do Código de Trânsito Brasileiro, e não se desincumbiu do ônus de afastar a presunção de culpa do condutor que bate na traseira de veículo de outrem. 7. Estabelecido o nexo de causalidade, os danos estéticos estão demonstrados pelo laudo médico pericial (ID 220415400 - fls. 70/72; ID 220415401 - fls. 01/02), que atestou a dificuldade de deambulação (claudicação leve) e a existência de cicatrizes na pelve (de aproximadamente 20cm) e no antebraço esquerdo (de aproximadamente 15cm). Não se cogita de redução do montante indenizatório fixado (R$ 20.000,00) para reparação dos danos imateriais decorrentes da deformação física. 8. Quanto ao dano moral, é pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a violação à integridade física caracteriza ofensa a direito da personalidade e situação típica de dano moral in re ipsa, nos quais a mera comprovação fática do acontecimento gera uma violação presumida, capaz de ensejar indenização. A quantia estabelecida em primeira instância (R$ 30.000,00) satisfaz as funções reparatória e punitiva que recaem sobre a indenização por danos morais, inexistindo razões cabíveis à sua diminuição. 9. Apelação improvida. 

(ApCiv 0004152-94.2012.4.03.6000, Desembargadora Federal CONSULEO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, TRF3 - 3ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 02/12/2022)

E M E N T A   PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE EM RODOVIA FEDERAL. CONCESSÃO. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. LEGITIMIDADE DA UNIÃO FEDERAL. NEXO CAUSAL. DANO MORAL. CARÁTER PERSONALÍSSIMO. DANO MATERIAL. EXISTÊNCIA DE EFETIVA COMPROVAÇÃO. 1. (...). 5. O art. 37, §6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade do Estado de indenizar os danos causados por atos, omissivos ou comissivos, praticados pelos seus agentes a terceiros, independentemente de dolo ou culpa. 6. O dispositivo constitucional prevê expressamente a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadores de serviço público quando de danos causados a terceiros por seus agentes. Insta acrescentar que se trata, mesmo nesse caso, de responsabilidade objetiva, conforme já decidido pela Corte Suprema, por ocasião do julgamento do RE 591.874. 7. (...)9. o filho do autor se viu obrigado a sair da pista de rolamento em razão de manobra brusca praticada por condutor de caminhão que subitamente se dirigiu à mesma alça de acesso. Inexiste acostamento naquele trecho, conforme asseverou o policial rodoviário Valdo Miguel da Silva em seu testemunho (fls. 285) e demonstram as fotos colacionadas aos autos (fls. 27 a 78), sendo que o condutor do automóvel desafortunadamente adentrou a faixa de domínio no exato ponto em que se localizava a base de concreto (...). 11.(...)Os documentos de fls. 27/85 comprovam as avarias sofridas no veículo e os prejuízos patrimoniais sofridos pelo autor. (...). 12. Não fosse por isso, o pedido de indenização por dano moral formulado pela parte autora encontra dois óbices. Em primeiro lugar, o direito moral possui caráter personalíssimo e, desse modo, intransmissível, nos termos dos art. 11 e 12 do Código Civil, salvo o direito de exigir reparação por parte dos sucessores legais, a teor do art. 943 do mesmo Codex. Em segundo lugar, é pacífica a jurisprudência quanto à não caracterização de dano moral in re ipsa em hipótese de acidente de veículos sem ocorrência de vítimas, fazendo-se necessária a comprovação do alegado, nos termos do art. 333, I, do Código de Processo Civil de 1973, então vigente (...)17. Apelo da parte autora improvido

(ApCiv 0003760-93.2013.4.03.6106, Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, TRF3 - 4ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 13/01/2020) - grifei.
 

Para a devida quantificação, mister que sejam examinados a extensão do bem jurídico atingido, a situação socioeconômica dos envolvidos, a repercussão da lesão sofrida, o aspecto pedagógico-retributivo que indenizações dessa natureza exigem e o fato de que a reparação não deve ensejar enriquecimento ilícito. 

No caso em apreço, o acidente resultou em redução da mobilidade do tornozelo esquerdo do apelante atestada por perícia médica. No entanto, a recuperação se deu sem necessidade de cirurgia reparatória e não houve comprometimento de órgão ou função vital da vítima.

Há que se considerar, ademais, que a dinâmica do acidente se desenvolveu dentro da normalidade, não ostentando circunstância apta a acarretar sofrimento psíquico de relevo.

Reitera-se, a inexistência de perícia técnica nos veículos envolvidos comprometeu sobremaneira a aferição da responsabilidade pelo acidente, de sorte a não ser possível atribuir culpa exclusiva a qualquer das partes com base nos elementos de prova coligidos. 

Por tais considerações, reputo suficiente, além de proporcional e razoável aos fins  reparatório, pedagógico e retributivo do dano moral, fixar o quantum indenizatório em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).  

A demonstração da concorrência de culpas atrai a incidência do disposto no art. 945 do Código Civil, atenuando a obrigação indenizatória da UNIÃO.

Nesse sentido, o ônus indenizatório resta repartido entre as partes, na proporção de 50% sobre cada parcela indenizatória. 

A UNIÃO resta, pois, condenada ao pagamento de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais) a título de danos morais e de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por danos estéticos ao apelante, valores sobre os quais deve incidir correção segundo os termos constantes do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (ações condenatórias em geral).

Incumbe à parte ré, ainda, suportar o pagamento de custas e honorários  advocatícios devidos à parte autora, que fixo em 10% sobre o valor da condenação que então se determina, consoante o disposto no art. 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil.  

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação. 

É como voto.

 

 

 



E M E N T A

 

 

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. VEÍCULO DE PROPRIEDADE DO EXÉRCITO BRASILEIRO. COLISÃO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. CULPA CONCORRENTE. MEAÇÃO DO ÔNUS INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO DA VERBA POR DANOS IMATERIAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

- Ação objetivando a responsabilidade civil da UNIÃO por danos estéticos e morais supostamente decorrentes de acidente de trânsito envolvendo veículo do Exército Brasileiro e a motocicleta da vítima.

- É vigente a responsabilidade civil objetiva do Estado, na modalidade do risco administrativo, por danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros (art. 37, §6º, da Constituição). Prescinde-se da comprovação da culpa do agente ou da falta do serviço (pela inexistência, retardamento ou má prestação do serviço), sendo suficiente a demonstração do nexo de causalidade entre a atividade do agente - comissiva ou omissiva, lícita ou ilícita -, nesta condição, e o dano experimentado pela vítima. Admite-se o afastamento da responsabilidade estatal nas hipóteses de rompimento do nexo causal por caso fortuito ou força maior e culpa exclusiva da vítima ou de terceiros, conforme teoria do risco administrativo. 

- Dever indenizatório na hipótese de suficientemente comprovados (i) o nexo de causalidade entre a conduta do agente público, nesta condição, e o dano experimentado pela vítima e (ii) a inexistência das hipóteses de caso fortuito e força maior ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

- O relatório expedido pela CIPTRAN e o boletim de ocorrência demonstram a ocorrência do evento danoso. 

- A causalidade material entre o dano experimentado pelo autor - a dizer, comprometimento da mobilidade de seu tornozelo esquerdo - restou suficientemente evidenciada por perícia médica judicial. 

- Os elementos de prova coligidos não são suficientes para evidenciarem culpa exclusiva da vítima. Os documentos acostados aos autos permitem concluir pela presença de um caminhão boiadeiro estacionado próximo ao local do acidente que, por sua posição, atrapalhou a direção de ambos os condutores envolvidos. 

- A par da dinâmica do acidente evidenciada dos elementos de prova constantes dos autos, há que se reconhecer a concorrência de culpa de ambas as partes no evento danoso. 

- A jurisprudência é pacífica no sentido de se reconhecer que, nos acidentes de trânsito com vítimas, a ofensa à integridade física gera dano moral in re ipsa

- Para a devida quantificação do valor da indenização, mister que sejam examinados a extensão do bem jurídico atingido, a situação socioeconômica dos envolvidos, a repercussão da lesão sofrida, o aspecto pedagógico-retributivo que indenizações dessa natureza exigem e o fato de que a reparação não deve ensejar enriquecimento ilícito.

- O acidente resultou em redução da mobilidade do tornozelo esquerdo do apelante atestada por perícia médica. A recuperação se deu sem necessidade de cirurgia reparatória e não houve comprometimento de órgão ou função vital da vítima. A dinâmica do acidente se desenvolveu dentro da normalidade, não ostentando circunstância apta a acarretar sofrimento psíquico de relevo.

- Quantum indenizatório fixado em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).  Fixação de $ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais) a título de danos morais e de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por danos estéticos ao apelante. Os valores devem ser corrigidos conforme Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (ações condenatórias em geral). 

-  A demonstração da concorrência de culpas atrai a incidência do disposto no art. 945 do Código Civil, atenuando a obrigação indenizatória da UNIÃO. O ônus indenizatório deve ser repartido entre as partes, na proporção de 50% sobre cada parcela indenizatória. 

- Honorários advocatícios devidos pela ré à parte autora, ora apelante, fixados em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil)

- Recurso de apelação a que se dá parcial provimento. 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.