Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001733-42.2019.4.03.6106

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. ADRIANA PILEGGI

APELANTE: ESPÓLIO DE CLÓVIS DA SILVA MELLO - CPF 076.495.898-46
REPRESENTANTE: MARIA ILZE PITON DA SILVA MELLO

Advogados do(a) APELANTE: MARCIO ALEXANDRE DONADON - SP194238-A,

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001733-42.2019.4.03.6106

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. ADRIANA PILEGGI

APELANTE: ESPÓLIO DE CLÓVIS DA SILVA MELLO - CPF 076.495.898-46
REPRESENTANTE: MARIA ILZE PITON DA SILVA MELLO

Advogados do(a) APELANTE: MARCIO ALEXANDRE DONADON - SP194238-A,

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta pelo ESPÓLIO DE CLÓVIS DA SILVA MELLO, objetivando a reforma da r. sentença que, em sede de ação civil pública, extinguiu o processo com resolução do mérito, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil — CPC, julgando parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL — MPF na petição inicial.

Na origem, conforme a narrativa do Autor, o Réu teria praticado e/ou teria concorrido para a prática de danos ambientais em Área de Preservação Permanente — APP, localizada às margens do Rio Grande, situado no Município de Orindiúva/SP. A pretensão deduzida em Juízo pelo Órgão Ministerial, tendo como assistente litisconsorcial a UNIÃO, objetivou o seguinte: (1) a condenação do Réu à obrigação de promover o reflorestamento da APP, prejudicada em razão de suposto dano por ele provocado; (2) a condenação do Réu à obrigação de coibir atividades causadoras de lesão à APP; (3) a condenação do Réu ao pagamento de indenização correspondente aos danos ambientais absolutamente irrecuperáveis; e (4) a intimação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA.      

A sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau reconheceu que a propriedade do Réu se encontraria totalmente inserida em APP, como também reconheceu a alegada existência de dano ambiental nessa área. Consequentemente, o magistrado sentenciante condenou o Réu ao seguinte: (1) proceder na sua propriedade à demarcação da APP; (2) demolir eventuais obras e remover entulhos de todas as construções existentes dentro da APP; (3) proibir qualquer utilização ou atividade antrópica; (4) implantar o projeto de reflorestamento aprovado pelo IBAMA na área da APP; e (5) acompanhar e fiscalizar o desenvolvimento na área recomposta, na qualidade de proprietária.

Irresignado com a sentença proferida, o ESPÓLIO DE CLÓVIS DA SILVA MELLO interpôs o presente recurso. Em suas razões recursais, o Apelante alegou inicialmente a nulidade da prova pericial realizada, por suposto cerceamento de defesa, eis que não teriam sido oportunizados novos esclarecimentos sobre a natureza da margem onde se situa a propriedade do Réu. Em seguida, defendeu tanto a necessidade de aplicação, ao caso, do art. 61-A e do art. 62 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal — STF, por entender que a atividade de pesca desenvolvida na APP é turística; quanto defendeu ter a sentença incorrido em afronta ao ato jurídico perfeito, afirmando que a regra aplicável ao caso é aquela prevista pelo art. 2º, “a”, da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, lei vigente ao tempo da construção do imóvel na APP. Nesses termos, o Apelante requereu a anulação da sentença por afronta à ampla defesa e ao contraditório, a procedência do recurso para afastamento da ordem de demolição da casa construída na APP, a reforma da sentença para impedir a derrubada das demais construções realizadas na mesma área e o afastamento de sua condenação em restaurar o processo ecológico do local.

A UNIÃO apresentou contrarrazões ao recurso de apelação. Nelas, segundo sustentou o Ente Federal, as edificações existentes no local estariam inteiramente inseridas em APP e degradariam o meio ambiente, e a entrada em vigor do Código Florestal não teria aptidão para regularizar a ocupação dessa área. A Apelada também alegou que o Apelante não teria produzido qualquer prova do desenvolvimento de atividades turísticas no local dos fatos, afastando-se a aplicação do art. 61-A da Lei nº 12.651/2012. Afastado esse dispositivo legal, a Apelada também entendeu que dimensionar a APP à luz da Lei nº 4.771/1965 caracterizaria o retrocesso à proteção do meio ambiente, vulnerando o art. 225 da Constituição da República.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL também apresentou contrarrazões ao recurso de apelação. Nelas, inicialmente, o Apelado defendeu a inexistência de vícios na prova pericial realizada, pois o laudo estabeleceu a exata localização do imóvel de propriedade do espólio, localizado inteiramente dentro de APP. Ademais, ele argumentou que o art. 61-A e o art. 62 da Lei nº 12.651/2012 não seriam aplicáveis ao exame do caso concreto, porquanto a área em discussão seria utilizada como rancho de pesca e lazer privativo e não guardaria relação alguma com a definição de turismo rural. Ainda segundo as razões do Apelado, não haveria direito adquirido ou ato jurídico perfeito à perpetuação de dano ambiental, na medida em que a função social da propriedade exigiria a mudança do regime de utilização dos bens em prol do interesse comum, se a legislação posterior aumentar o seu nível de proteção ambiental. Após, o Apelado defendeu que a Constituição de 1988 teria previsto a reparação do dano ambiental tanto pelas pessoas jurídicas quanto pelas pessoas físicas.  Enfim, requereu que a apelação seja conhecida e julgada totalmente improcedente. 

Os autos subiram a este e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região — TRF3 e foram digitalizados.

Em segundo grau de jurisdição, o Órgão Ministerial opinou pelo desprovimento do recurso interposto pelo Réu. Quanto às alegações de nulidade do laudo pericial, o parecer não vislumbrou qualquer vício na prova produzida, pois o perito teria confirmado a localização da propriedade nos dois momentos em que se manifestou. Outrossim, o parecer entendeu que a moldura fática exposta nos autos não se enquadraria nas hipóteses previstas pelo art. 61-A e pelo art. 62 do Código Florestal em vigor. Isso porque, respectivamente, a propriedade em questão não desenvolveria atividades agrossilvipastoris ou turísticas e não estaria situado próximo a reservatório artificial de água destinado à geração de energia ou abastecimento público. Além disso, o Órgão Ministerial entendeu que a aludida ocupação realizada pelo Réu não teria sido regularizada com a entrada em vigor do novo Código Florestal, e que a Lei nº 4.771/1965 não seria aplicável ao caso dos autos, porquanto, nos termos da Constituição da República, o exercício da propriedade é limitado pela sua função social. Então, opinou pela possibilidade de restauração dos supostos danos ambientais causados e pela respectiva responsabilização por pessoas físicas. Concluindo, o Órgão Ministerial se manifestou pelo desprovimento do apelo.      

É o relatório.

 

 


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3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001733-42.2019.4.03.6106

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. ADRIANA PILEGGI

APELANTE: ESPÓLIO DE CLÓVIS DA SILVA MELLO - CPF 076.495.898-46
REPRESENTANTE: MARIA ILZE PITON DA SILVA MELLO

Advogados do(a) APELANTE: MARCIO ALEXANDRE DONADON - SP194238-A,

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V O T O

A apelação interposta objetiva a reforma da r. sentença que deu parcial provimento aos pedidos formulados na petição inicial desta ação civil pública, e a controvérsia recursal versa sobre matérias tanto processuais quanto meritórias. Em relação ao primeiro caso, as partes divergem quanto à regularidade da perícia produzida na fase de instrução probatória. No mérito, no que diz respeito à continuidade das atividades desenvolvidas no local, discute-se a aplicação ou não, neste particular, do art. 61-A e do art. 62 do Código Florestal em vigor; e, especificamente em relação ao dimensionamento da faixa de APP, as partes controvertem sobre a aplicação ou não, ao caso concreto, das medidas previstas pelo antigo Código Florestal de 1965, hoje revogado. Além disso, também se discute nos autos acerca da possibilidade de responsabilização ou não de pessoa natural pelo cometimento de dano ambiental.

Inicialmente, julgo que duas considerações prévias de ordem processual devem ser pontuadas. Pela primeira delas, a presente apelação há de ser conhecida, pois preenche os pressupostos de admissibilidade previstos pelo Código de Processo Civil. Em segundo lugar, convém ressaltar que a r. sentença também deverá ser submetida ao reexame necessário, por força da aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, à legislação de regência da ação civil pública. Nesse sentido, consigno o seguinte  precedente da e. Sexta Turma desta Corte: Apelação Cível 0002624-38.2002.4.03.6109, Rel. Desembargadora Federal Diva Malerbi, julgado em 08/03/2018 e publicado em 16/03/2018. Ademais, segundo o meu sentir, tal aplicação analógica também se opera nos casos em que a sentença proferida em ação civil pública for de procedência apenas parcial. Nesse sentido, consigno o seguinte precedente desta e. Terceira Turma: Apelação Cível 5003331-47.2018.4.03.6112, Rel. Desembargadora Federal Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, julgado em 05/08/2023 e publicado em 09/08/2023).

Adentro, pois, ao exame da questão preliminar suscitada no presente recurso e, acerca da questão envolvendo a suposta existência de vícios na instrução probatória, tenho que o Apelante não possui razão em suas alegações.

Nos principais pontos que envolvem o objeto da perícia, os laudos elaborados são coerentes. O laudo pericial originário (fls. eletrôn. 117-126 do id. 89970651) e o laudo pericial complementar (fls. eletrôn. 167-178 do id. 89970651) foram apresentados a tempo e a modo, apresentando a metodologia aplicada e respondendo aos quesitos que foram formulados pelas partes. Ambos os laudos foram uníssonos em afirmar que a área de propriedade do Réu está integralmente inserida em APP, tomando como base as medidas estipuladas pelo art. 4º, I, “d”, do Código Florestal em vigor. Eles também não se contradizem quando indicam que a referida propriedade se encontra em faixa de águas correntes, e não em faixa relativa a reservatório artificial de águas. Além do mais, a perícia e seus respectivos esclarecimentos estão em harmonia quanto à comprovação de dano ambiental reversível e quanto à presença prejudicial ao meio ambiente de seres humanos na área.

No que diz respeito aos pontos pelos quais o laudo complementar altera as conclusões apresentadas no laudo originário, compreendo que as respectivas modificações não são suficientes para macular a perícia em si. De acordo com as próprias palavras do senhor perito, as novas conclusões foram apresentadas porque “a análise anterior levou em consideração apenas na área de APP e não foram consideradas as legislações específicas” (fl. eletrôn. 174 do id. 89970651). Ocorre que, com base nessa perspectiva, as novas conclusões apresentadas pelo perito foram de ordem técnica não afastadas pela sentença, ou, naquilo em que o laudo não foi adotado pelo juízo de primeiro grau, referiam-se a um exercício de subsunção de fatos constatados à dispositivos legais do Código Florestal. Então, como não está adstrito às conclusões periciais no todo ou em parte, à luz do previsto no art. 371 e do art. 479 do Código de Processo Civil — CPC, o magistrado sentenciante acertadamente refutou a equiparação do rancho de pesca à atividade de turismo rural. Essa conclusão específica do perito destoa completamente do acervo probatório construído nos autos, como bem assinalado pelo Juízo a quo. De maneira bem fundamentada, o magistrado registrou que a atividade principal desse imóvel consta no Cadastro Ambiental Rural como “Lazer familiar/Veraneio” (fl. eletrôn. 268 do id. 89970650), que o imóvel é ocupado por apenas um inquilino (fl. eletrôn. 122 do id. 89970651) e que não há qualquer elemento nos autos capaz de comprovar a alegada atividade econômica exercida na propriedade.

O princípio da persuasão racional, que está positivado na legislação processual civil desde o Código Buzaid, e também já há muito consagrado na jurisprudência pátria, obviamente é aplicável aos processos envolvendo matéria meritória ambiental. Sobre isso, transcrevo a seguinte ementa extraída de precedente deste e. Terceira Turma:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO. OCUPAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DE ACESSO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESTINGA E MANGUEZAL. FLORESTA OMBRÓFILA DENSA.

1. Não se conhece do agravo retido interposto ao indeferimento de complementação do laudo pericial produzido, vez que não houve a reiteração exigida pelo artigo 523, §1º, CPC/1973, tampouco foi devolvida a questão nas contrarrazões de apelação (artigo 1.009, § 1º, CPC/2015).

2. Quanto à ilegitimidade passiva de Marcia Regina Lisboa Kugelmas Guarita e José Luiz Costa Guarita, por ter sido o imóvel adquirido, enfim, exclusivamente por Armindo Barreto de Andrade, é inequívoco que tais corréus foram promitentes compradores de tal lote. Embora aleguem não se oporem à respectiva exclusão da lide, é certo que tais réus manifestaram interesse na causa, tanto que exerceram ativamente defesa sem invocar, em momento algum, a própria ilegitimidade passiva. Ademais, cabe registrar que qualquer eventual intervenção antrópica em área de preservação permanente implica dano ambiental presumido, in re ipsa, conforme jurisprudência consolidada, sendo propter rem a obrigação de reparar o dano, recaindo a responsabilidade sobre o atual proprietário ou possuidor do imóvel, que têm o ônus de suportar os efeitos de eventual condenação judicial. Aliás, para ampliar a garantia protetiva, a jurisprudência reconhece, inclusive, ser solidária a responsabilidade dos degradadores, podendo ser acionados individualmente ou em conjunto para assumirem deveres e obrigações segundo a legislação. Neste cenário, afigura-se adequada e pertinente a manutenção de Marcia Regina Lisboa Kugelmas Guarita e José Luiz Costa Guarita no polo passivo da demanda, inclusive para garantir maior abrangência à eficácia da solução a ser dada à presente lide, pelo que se rejeita a preliminar arguida.

3. Igualmente, rejeitadas as demais preliminares: de ofensa à dialeticidade, arguida em contrarrazões, vez que a apelação apresentou fundamentos de fato e de direito suficientes a respaldar o pleito de reforma da sentença; de ausência de interesse processual da autora e da União, tendo em vista tratar-se de terreno de marinha e acrescidos, sujeito à degradação ambiental; e de perda de objeto da ação em razão do segundo Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, firmado em 2017 em continuidade ao de 1997, que, tal qual o primeiro, sequer menciona o lote 1 da quadra 70, não abrangendo, pois, o imóvel ora controvertido.

4. No mérito, cuida-se de ação civil pública foi ajuizada pela Sociedade Amigos de Iporanga - SASIP objetivando obstar a implantação da rua 37 e praça 34, bem como a ocupação do lote 1 da quadra 70 do Loteamento Iporanga, no Município de Guarujá/SP. Discute-se se o imóvel objeto da presente ação encontra-se em área de preservação permanente, e se haveria alguma hipótese de exceção a viabilizar a supressão da vegetação e intervenções antrópicas no local.

5. Conforme comprovado nos autos, inclusive por perícia judicial e pronunciamentos da CETESB e IBAMA, o lote 01 da quadra 70 do Loteamento Iporanga é coberto por floresta ombrófila densa com declividade superior a 25º e as áreas da praça 34 e rua 37, que lhe dão acesso, encontram-se em área de preservação permanente, com vegetação de restinga e manguezal, não se cogitando de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental a intervenção de supressão da vegetação para fins de acesso a um único lote residencial.

6. O laudo judicial foi elaborado por perito nomeado pelo Juízo e sua equipe, todos da área de Engenharia Civil e Agrônoma, Arquitetura e Topografia. Logo, dentro da respectiva expertise, afiguram-se relevantes à lide as constatações fáticas e técnicas exaradas pelo perito judicial, cabendo ao órgão julgador extrair interpretação e conclusão à luz de todo o conjunto probatório, em consonância com o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional.

7. Diante de pareceres conclusivos e taxativos da CETESB e IBAMA, no sentido da inviabilidade de supressão da vegetação em área de preservação permanente e de floresta ombrófila densa para fins de ocupação do lote e implantação do respectivo acesso, não há, na espécie, qualquer violação ao princípio da separação dos poderes nem a direito que ampare, legalmente, a pretensão dos apelantes, não procedendo, pois, a pretensão de reforma da sentença, proferida com amparo e em conformidade com a comprovação técnica da sujeição da área às restrições da legislação ambiental, conforme pleiteado na ação civil pública ajuizada. 

8. Agravo retido não conhecido e apelações desprovidas.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0007381-41.2012.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 15/09/2022, Intimação via sistema DATA: 19/09/2022) (grifei).                                        

Enfim, igualmente entendo pela desnecessidade de novos esclarecimentos periciais sobre a localização do imóvel discutida nos autos. Os dois laudos confeccionados foram claros na indicação de que o rancho está situado em margem de águas correntes, e o Réu não trouxe aos autos nenhum outro elemento de prova útil a informar as conclusões periciais. Aliás, mesmo a prova emprestada trazida pelo Réu informa que o “município de Orindiúva – SP é banhado pelo Rio Grande, na divisa do Estado de São Paulo com Minas Gerais, e está localizado a 25 km abaixo da Barragem da Usina Hidrelétrica de Marimbondo no Município de Fronteira – MG e cerca de 35 km das águas represadas da usina Hidrelétrica de Água Vermelha (Tabela 2), somando aproximadamente 60 km de rios de águas correntes” (fl. eletrôn. 42 do id. 89970651) (grifei). 

Logo, pelos fundamentos ora expostos, concluo que não houve cerceamento de defesa durante a instrução probatória, e que a prova pericial realizada não contém vícios.  

Prosseguindo, retomando as conclusões do laudo quanto às atividades desenvolvidas na propriedade do Ré, compreendo pela não aplicação, ao caso concreto, das hipóteses previstas no art. 61-A e no art. 62 do Código Florestal. Isso porque, a despeito da constitucionalidade desses dispositivos legais, os fatos apurados nos autos não se enquadram nas previsões gerais e abstratas formuladas pela Lei nº 12.651/2012 relativamente a esses artigos.

O rancho em questão se destina a uso privativo, e nenhum elemento dos autos autoriza a interpretação que o local se destina à atividade agrossilvipastoril, ao ecoturismo ou ao turismo rural. Tanto que o imóvel se encontra alugado a apenas uma pessoa natural, e a atividade principal desse imóvel consta no Cadastro Ambiental Rural como “Lazer familiar/Veraneio”. Outrossim, note-se bem que não há provas de que a área contemple o modelo de Sistema Agrossilvipastoril, pois não há indicativo algum que a área integre, concomitantemente, lavoura, pecuária e floresta (https://www.embrapa.br/contando-ciencia/embrapa-agrossilvipastoril). Além disso, não há informações que a área do rancho “utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista por meio de interpretação do ambiente, promovendo o bem estar das populações” (BRASIL, Ministério do Turismo. Ecoturismo: orientações básicas. 2. ed. Brasília: Ministério do Turismo, 2010, p. 17. Disponível em: https://www.gov.br/turismo/pt-br/centrais-de-conteudo-/publicacoes/segmentacao-do-turismo/ecoturismo-orientacoes-basicas.pdf. Acesso em 6/10/2023). Por fim, uma vez mais por ausência de provas, o Apelado tampouco demonstrou ser a sua propriedade a sede de um “conjunto de atividades turísticas desenvolvidas no meio rural, comprometido com a produção agropecuária, agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural e natural da comunidade” (BRASIL, Ministério do Turismo. Turismo Rural: orientações básicas. 2. ed. Brasília: Ministério do Turismo, 2010, p. 18. Disponível em: https://www.gov.br/turismo/pt-br/centrais-de-conteudo-/publicacoes/segmentacao-do-turismo/turismo-rural-orientacoes-basicas.pdf. Acesso em 6/10/2023).

A propósito das atividades autorizadas pelo Código Florestal em APP, o entendimento relativo sobre a impossibilidade de equiparação de rancho de lazer privativo às atividades previstas pelo art. 61-A do diploma legal é amplamente majoritário na jurisprudência. No que se refere à jurisprudência desenvolvida no âmbito desta Corte, hei por bem transcrever as ementas dos seguintes julgados:                                                                  

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LEI 12.651/2012. DEMOLIÇÃO DAS EDIFICAÇÕES. RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA PROVIDAS.

1. Submete-se ao duplo grau de jurisdição obrigatório a sentença que reconhecer a carência da ação ou julgar improcedente, no todo ou em parte, o pedido deduzido em sede de ação civil pública, por força da aplicação analógica da regra contida no artigo 19 da Lei n. 4.717/65.

2. O E. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, nos casos de reparação de danos ambientais causados em área de preservação permanente, a obrigação é propter rem, aderindo ao título de domínio ou posse, independente da efetiva autoria da degradação ambiental.

3. Sendo assim, são responsáveis pelo dano ambiental aqueles que eram proprietários à época da autuação, bem como os posteriores adquirentes do imóvel, os quais respondem solidariamente pela remoção de todas as edificações da área de preservação permanente e pela completa recuperação da vegetação.

4. O imóvel em questão, construído no ano de 1974, localiza-se a 10 metros de distância do rio Pardo, no Município de Viradouro.

5. Com efeito, a legislação aplicável ao caso sub judice deveria ser o antigo Código Florestal (Lei n. 4.771/65), o qual vigorava à época da construção do rancho, no entanto, o autor não recorreu desse ponto da sentença, de modo que a APP será definida de acordo com o disposto na Lei n. 12.651/2012.

6. A vistoria técnica realizada no local foi bastante clara ao informar que, na localidade, a largura do rio Pardo é de 140 metros, situação que se enquadra no artigo 4º, I, "c", da Lei n. 12.651/2012, e define a APP em 100 metros, contados da borda da calha do leito regular. O autor, não obstante essa informação, pugnou pelo reconhecimento da APP em 50 metros, com fundamento no artigo 4º, I, letra "b", da supracitada lei.

7. Tratando das áreas de preservação permanente, o artigo 61-A do novo Código Florestal, incluído pela Medida Provisória nº 571/2012, convertida na Lei nº 12.727/2012, autoriza "exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008". Não é protegida, portanto, toda e qualquer intervenção consolidada até referida data, mas apenas a continuidade de certas atividades consolidadas até então.

8. No caso específico dos autos, chega a ser despropositada a afirmação de que se poderia equiparar a utilização do rancho às atividades de "ecoturismo" ou de "turismo rural", pois nenhuma dessas acepções amolda-se à manutenção de rancho particular, com finalidade de lazer próprio.

9. De acordo com as vistorias realizadas no imóvel, o esgoto é lançado diretamente no rio Pardo, sem qualquer tratamento, devido à ausência de fossa séptica.

10. Assim, uma vez evidenciado o dano ambiental causado pela construção e consequente permanência em área de preservação permanente, deve ser o proprietário ou possuidor condenado a reparar o meio ambiente, em cumprimento ao mandamento constitucional previsto no art. 225, § 2º, da Constituição Federal.

11. A apresentação do PRAD - Projeto de Recuperação de Área Degrada é necessária para que o órgão competente possa fiscalizar a recuperação da área de preservação permanente nos termos estabelecidos pela legislação ambiental. O simples reflorestamento da área, sem acompanhamento técnico, pode acarretar prejuízos maiores ao meio ambiente.

12. De rigor, portanto, sejam demolidas todas as edificações existentes na faixa de 50 metros do terreno, em projeção horizontal, contados a partir da borda da calha do leito regular do rio Pardo, bem como sejam os réus condenados à apresentação do PRAD ao órgão ambiental competente. As demais determinações constantes da sentença devem ser mantidas, exceto em relação à construção de fossa séptica, que resta prejudicada diante da retirada do imóvel.

13. Precedentes.

14. Apelação e remessa necessária providas.

(TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2233491 - 0003151-88.2014.4.03.6102, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 19/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/07/2017) (grifei).                                      

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DANO AMBIENTAL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) DO RIO PARANÁ: ação civil pública objetivando a reparação de degradação na APP da faixa marginal do Rio Paraná, onde os corréus possuem um terreno com aproximadamente 2.581 metros quadrados, sendo 674 metros quadrados de área construída/impermeabilizada, na Estrada do Pontalzinho, bairro Entre Rios, em Rosana/SP. OBRIGAÇÃO PROPTER REM: sendo os corréus os possuidores dos lotes 35 B/C/D e responsáveis diretos pela intervenção antrópica ali existente, estão legitimados a figurarem no polo passivo porque os deveres associados à APP têm natureza propter rem, aderindo ao título de domínio ou posse (STJ - REsp 1680699/SP, julgado em 28/11/2017, DJe 19/12/2017; AgInt no AREsp 1060669/SP, julgado em 19/09/2017, DJe 09/10/2017; REsp 1276114/MG, julgado em 04/10/2016, DJe 11/10/2016; REsp 1381191/SP, julgado em 16/06/2016, DJe 30/06/2016).REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NÃO COMPROVADA: inexiste no processo qualquer documentação certificadora de que o bairro Entre Rios em Rosana/SP constitui área urbana consolidada passível de regularização fundiária, nos termos do artigo 65 da Lei nº 12.651/2012, atualmente modificado pela Lei nº 13.465/2017. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 61-A DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL: o imóvel dos corréus não desenvolve atividade agrossilvipastoril, genericamente entendida como a reunião sustentável de agricultura, pecuária e floresta (www.embrapa.br/agrossilvipastoril). Também não fomenta o ecoturismo, que se baseia na relação sustentável com a natureza, comprometida com a conservação e a educação ambiental; ou o turismo rural, focado nas práticas agrícolas e na promoção do patrimônio cultural e natural das comunidades rurícolas (www.turismo.gov.br). Os ranchos dos corréus destinam-se ao lazer familiar (veraneio), o que não se confunde com os conceitos de ecoturismo e turismo rural (STJ - AgInt no REsp 1355428/MS, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017). APP DE 500 METROS: o imóvel está inserido na APP do Rio Paraná, que segundo o artigo 4º, I, e, da Lei nº 12.651/2012 é de 500 metros, e em local com risco de inundação, de modo que as intervenções antrópicas constatadas provocam dano ambiental, especialmente no que diz respeito à regeneração da Mata Atlântica, que é o bioma natural das APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, e à manutenção do ecossistema equilibrado. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL AFASTADA: a aprovação do Plano Diretor do Município de Rosana/SP (Lei Complementar Municipal nº 45/2015) é insuficiente para regularizar o imóvel ocupado pelos corréus, uma vez que não altera a situação fática dos autos, motivo pelo qual fica afastada a preliminar de nulidade da sentença/perda de objeto (TRF 3ª Região AC 1927087, julgado em 1/2/2018, e-DJF3 9/2/2018). CONDENAÇÃO MANTIDA: mantida a condenação dos corréus, dentre outras obrigações, à demolição das edificações existentes na faixa marginal de 500 metros do Rio Paraná, à remoção do entulho e à promoção da recomposição da cobertura florestal, esclarecendo apenas a responsabilização pela demolição/remoção do entulho sobre cada edificação. DANOS AMBIENTAIS PASSÍVEIS DE RECUPERAÇÃO: o STJ entende que a indenização pelos danos ambientais só se justifica na impossibilidade de recuperação da área degradada, o que não corresponde ao caso dos autos (STJ - AgInt no REsp 1633715/SC, DJe 11/05/2017; AgRg no Ag 1365693/MG, julgado em 22/09/2016, DJe 10/10/2016; AgRg no REsp 1154986/MG, julgado em 04/02/2016, DJe 12/02/2016); AgRg no AREsp 628.911/SC, julgado em 23/06/2015, DJe 01/07/2015; REsp 1382999/SC, Rel. julgado em 19/08/2014, DJe 18/09/2014).

(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2262984 - 0003472-30.2013.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 07/06/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/06/2018) (grifei).                                        

Do mesmo modo, o art. 62 do Código Florestal é inaplicável a este caso particular. Como apontam a prova pericial realizada nos autos e o julgamento de casos análogos envolvendo outras áreas de preservação permanentes da mesma região, a margem do Rio Grande situada no Município de Orindiúva/SP é toda composta por águas naturais. Outrossim, de sua parte, o Réu não apresentou em juízo qualquer tipo de prova para ilidir essa constatação sobre a modalidade da margem aqui discutida, detendo-se apenas em elucubrações. Não há dúvidas, portanto, a respeito do local ser ou não reservatório artificial destinado a geração de energia elétrica por força do controle das águas, como quer fazer crer o Apelante, pois se trata de área que margeia águas correntes.

Acerca dos mencionados casos análogos, transcrevo a seguinte ementa de precedente extraído desta e. Terceira Turma:  

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU OMISSÃO. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL "IN RE IPSA". PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

1. Nota-se que não há qualquer vício no julgado a justificar os presentes embargos de declaração.

2. No caso em tela, o Ministério Público Federal sustenta que os réus promoveram a edificação de construções, impermeabilização do solo e introdução de plantas exógenas, a menos de 200 (duzentos) metros da margem esquerda do Rio Grande, no Município de Orindiúva/SP.

3. A r. sentença constatou que o local mencionado na inicial está classificado como área de preservação permanente, uma vez que está situado às margens de rio, consoante coordenadas geográficas informadas pelos técnicos do Ibama (longitude 49 18 08,7 e latitude 20 08 38,4).

4. Por sua vez, de acordo com o Laudo Técnico Ambiental juntado aos autos, a engenheira ambiental atestou que o Município de Orindiúva/SP está localizado a 25 (vinte e cinco) kms abaixo da Barragem da UHE de Marimbondo, no Município de Fronteira/MG, e cerca de 35 (trinta e cinco) kms das águas represadas da UHE de Água Vermelha, somando aproximadamente 60 (sessenta) kms de rio de águas correntes.

5. Segundo o Laudo Técnico Ambiental, a construção das edificações bem próximas às margens do rio pode provocar danos ambientais, em razão da retirada de vegetação e das intervenções antrópicas próprias de um canteiro de obras, que gera lixo civil e entulhos de obras, perturba a fauna e flora locais, bem como polui o rio.

6. Ressalta-se que a parte embargante afirmou que a "prova técnica produzida em processo semelhante e com o mesmo DNA, visto que se trata do mesmo local ( 0010785-36.2008.403.6106) (doc.anexo), soterrou dúvidas em relação à casa dos réus" (ID 4525212).

7. No tocante às áreas de preservação permanente indevidamente ocupadas no Município de Orindiúva, esta E. Corte já se posicionou nos seguintes precedentes: AC 1878967 0008862-09.2007.4.03.6106, Des. Fed. ANDRE NABARRETE, TRF3 4ª TURMA, e-DJF3 Judicial 1 25/07/2018; AC 1844736 00107801420084036106. TRF3 3ª Turma. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS. e-DJF3 Judicial 1 15/08/2016 e AC 1838681 0014076-44.2008.4.03.6106, Des. Fed. MARCELO SARAIVA, TRF3 4ª TURMA, e-DJF3 Judicial 1 14/03/2019.

8. Embora a parte embargante argumente que tem de ser aplicado o artigo 62 da Lei n. 12.651/12, pois o local é reservatório artificial destinado à geração de energia elétrica, verifica-se que o caso em tela não trata de aplicação das regras protetivas relacionadas às margens de reservatório artificial, mas sim da norma relativa às margens de curso d´água natural.

9. Chega-se à conclusão de que as condenações determinadas pelo MM. Juiz “a quo” estão em consonância com a jurisprudência desta E. Corte, bem como com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sendo a fixação da multa diária plenamente cabível, cuja função é compelir os réus ao cumprimento das obrigações que lhe foram impostas.

10. Inexiste qualquer afronta à prestação jurisdicional, tendo em vista que é prescindível o exame aprofundado e pormenorizado de cada alegação ou prova trazida pelas partes, pois, caso contrário, estaria inviabilizada a própria prestação da tutela jurisdicional, de forma que não há violação ao artigo 93, IX, da Lei Maior quando o julgador declina fundamentos, acolhendo ou rejeitando determinada questão deduzida em juízo, desde que suficientes, ainda que sucintamente, para lastrear sua decisão.

11. O julgador não está obrigado a discorrer acerca de todas as teses sustentadas pela defesa, se a fundamentação no acórdão é clara e suficiente para respaldar a conclusão alcançada, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

12. Por fim, cumpre mencionar que o artigo 1.025 do novo Código de Processo Civil esclarece que os elementos suscitados pela parte embargante serão considerados incluídos no acórdão "para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade."

13. Embargos de declaração rejeitados.

(TRF-3 - ApCiv: 50014660720184036106 SP, Relator: Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, Data de Julgamento: 11/11/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 16/11/2021) (grifei).

Outra questão envolvendo a controvérsia posta no apelo incide sobre o direito intertemporal ambiental, e acerca disso novamente a razão não assiste ao Apelante, que pretende, in casu, o dimensionamento da APP em tela com base no Código Florestal anterior. Durante o julgamento da ação declaratória de constitucionalidade nº 42 e das ações diretas de inconstitucionalidade nº 4.901, nº 4.902, nº 4.903 e nº 4.937, ao examinar a constitucionalidade de diversos dispositivos do Código Florestal em vigor, o Supremo Tribunal Federal — STF estabeleceu limites tanto à aplicação retroativa desse diploma legal quanto ao princípio da proibição do retrocesso ambiental. A esse respeito, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a Corte Suprema reconheceu a eficácia retroativa da Lei nº 12.651/2012, cujas disposições afastam a aplicabilidade do princípio tempus regit actum pretendida pelo Apelante.

Inclusive, o Supremo Tribunal Federal corroborou seu entendimento quanto à eficácia retroativa do Código Florestal em vigor em sede de Reclamação, conforme se verifica do seguinte precedente, cuja ementa transcrevo abaixo:

PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. ALEGADA OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NOS JULGAMENTOS DAS ADC 42, ADI 4.901, ADI 4.902, ADI 4.903 e ADI 4.937. ATO IMPUGNADO QUE AFASTOU A EFICÁCIA DO ARTIGO 4º, I, E DO ARTIGO 61-A DA LEI 12.651/2012 AO FUNDAMENTO DE QUE EM MATÉRIA AMBIENTAL DEVE PREVALECER O PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. INEXISTÊNCIA DE QUESTÃO LEGAL OU INFRACONSTITUCIONAL DE CONFLITO DE LEIS NO TEMPO. RECUSA FORMAL DE APLICAÇÃO DE NORMA RECONHECIDAMENTE CONSTITUCIONAL PELA SUPREMA CORTE. AFRONTA CONFIGURADA. AGRAVO QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O ato impugnado desrespeitou o decidido no controle concentrado de constitucionalidade pela CORTE, ao afastar a incidência da Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal), sob o fundamento de que em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental (doc. 23). 2. Esta eficácia retroativa da Lei 12.651/2012, que permitiu, por força geral dos arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67, o reconhecimento de situações consolidadas e a regularização ambiental de imóveis rurais a partir de suas novas disposições, e não a partir da legislação vigente na data dos ilícitos ambientais, é justamente um dos pontos declarados constitucionais no julgamentos das ADIs e da ADC indicadas como paradigma contrariado. 3. A fixação pela lei de um fato passado como objeto da norma com eficácia futura, como no caso dos arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 do Código Florestal, apesar da especialidade e importância da temática ambiental, foi reconhecida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, razão pela qual não se justifica seu afastamento, ainda que sob as vestes de questão de direito intertemporal de natureza infraconstitucional. 4. Recurso de Agravo a que se nega provimento.

(Rcl 42889 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 29/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066  DIVULG 08-04-2021  PUBLIC 09-04-2021).

Logo, quando dimensionou a APP discutida nos autos com base no art. 4º do Código Florestal em vigor, também nesse ponto a r. sentença não está sujeito a reparo.

Finalmente, resta o exame da controvérsia acerca da alegação de responsabilidade unicamente do Poder Público pela restauração dos processos ecológicos degradados, e nisso também o apelo não merece prosperar. Conforme se depreende do art. 225, §3°, da CRFB, o texto constitucional possui clareza cristalina ao afirmar que todos os infratores, sejam eles pessoas naturais ou jurídicas, estão sujeitos à responsabilização reparatória dos danos causados ao meio ambiente. A essa previsão constitucional, deve ser conjugado o conceito de poluidor previsto pelo art. 3º, IV, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, pelo qual tanto pessoas naturais quanto jurídicas são responsáveis pela atividade causadora da degradação ambiental, ainda que indiretamente. Não se pode olvidar igualmente que o dano ambiental foi devidamente demonstrado nos autos, e que esse dano decorreu da ato ilícito levado a efeito pelo Apelante, porquanto o rancho de sua propriedade não foi regularizado mediante a entrada em vigor do Código Florestal de 2012. Uma vez que a exploração indevida de APP é fato gerador de dano ecológico in re ipsa, a responsabilização do Apelante também encontra respaldo no art. 186, II, da Constituição da República, pois o rancho em questão não está a cumprir a sua função social de utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de preservar o meio ambiente. De mais a mais, nos termos do art. 4º, VII e do art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade civil poluidor se dá em sua modalidade objetiva, inclusive sob a perspectiva do risco integral.

Sobre o tema, entendo oportuno registrar o seguinte precedente desta Terceira Turma, cuja ementa é a seguinte:

DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL "IN RE IPSA". CUMULAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE INDENIZAR E REPARAR. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. 

1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, visando à condenação do réu pela propriedade irregular dentro de área de preservação permanente, sem licença ou aprovação dos órgãos competentes, que interfere e impede a regeneração natural da flora e fauna.

2. Em síntese, o Ibama relata que o réu possui propriedade à margem esquerda do Rio Pardo, no Município de Viradouro/SP, com área construída de 56 m² (cinquenta e seis metros quadrados), com distância de apenas 5 (cinco) metros do rio, causando devastação das matas ciliares e outras vegetações.

3. Salienta, ainda, a parte autora que foi lavrado o Auto de Infração n. 009872, porém o réu não quitou o débito nem apresentou um Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD.

4. Segundo o Laudo de Constatação do Ibama, observa-se que o dano ambiental registrado pela autuação não foi reparado, pelo contrário, foi significativamente agravado com o acréscimo de área construída, e as atividades desenvolvidas no imóvel continuam a impedir a regeneração da vegetação nativa do local.

5. Cabe mencionar que a ação civil pública foi ajuizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, autarquia federal, nos termos do art. 2º da Lei n. 7.735/89, atraindo a competência da Justiça Federal para processar e julgar a demanda, de acordo com o art. 109, I, da Carta Maior.

6. O artigo 225 da Carta Maior atesta que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

7. Nesse contexto, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar da população, foram estabelecidas as áreas de preservação permanente entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público.

8. A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei n. 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar.

9. Ressalta-se que há nos autos o Auto de Infração n. 009872 , lavrado pelo Ibama em face do apelante, descrevendo a infração de utilizar área de preservação permanente, com rancho de 56 m² (cinquenta e seis metros quadrados), na margem esquerda do Rio Pardo, Município de Viradouro/SP.

10. Nota-se que o imóvel em comento está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação "propter rem", de maneira que a alegação de preexistência de construções a posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir.

11. As obrigações de fazer ou não fazer destinadas à recomposição "in natura" do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos do artigo 225, §3°, da Constituição Federal e artigo 4° da Lei n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).

12. Justifica-se, por conseguinte, a condenação do apelante ao pagamento de indenização pelos danos causados e pela intervenção antrópica na área de preservação permanente, correspondente à extensão da degradação ambiental e ao período temporal em que a coletividade esteve privada desse bem comum.

13. O arbitramento da indenização deve ser feito com moderação e em obediência aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, levando-se em conta ainda a capacidade econômico-financeira dos ofensores. Isto é, a fixação de indenização deve ser feita de acordo com o prudente discernimento do julgador, evitando o excesso e o incompossível material.

14. Constata-se, no caso em tela, que as condenações determinadas pelo MM. Juiz “a quo” estão em consonância com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como com a jurisprudência desta E. Corte, sendo a fixação da multa diária plenamente cabível, cuja função é compelir o apelante ao cumprimento das obrigações que lhe foram impostas.

15. Preliminares rejeitadas. Recurso de apelação desprovido. 

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0003178-71.2014.4.03.6102, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 11/12/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/12/2020) (grifei).                                      

Diante de todo o exposto, CONHEÇO da remessa necessária, tida por cabível, e da apelação interposta pelo Réu, para NEGAR PROVIMENTO a ambos.

É como voto.    



E M E N T A

 

DIREITO CONSTITUCIONAL, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE — APP. REGULARIDADE DA PROVA PERICIAL PRODUZIDA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. RANCHO DE VERANEIO E DE LAZER PRIVATIVO LOCALIZADO EM MARGEM DE ÁGUAS CORRENTES. INAPLICABILIDADE DO ART. 61-A E DO ART. 62 DO CÓDIGO FLORESTAL. EFICÁCIA RETROATIVA DA LEI Nº 12.651/2012. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS JULGAMENTOS DA ADC 42, DA ADI 4.901, DA ADI 4.903, DA ADI 4.903 E DA ADI 4.937. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO POLUIDOR PESSOA NATURAL FUNDADA NA TEORIA DO RISCO INTEGRAL.

1.         A controvérsia recursal versa sobre a regularidade da perícia produzida na fase de instrução probatória, o enquadramento das atividades desenvolvidas no rancho ao art. 61-A e ao art. 62 do Código Florestal, o dimensionamento da faixa de APP com base na Lei nº 4.771/1965 e a responsabilização da pessoa natural pelo cometimento de dano ambiental.

2.         A sentença que julga procedente em parte a ação civil pública se submete ao reexame necessário, por força da aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 à legislação de regência da ação civil pública. Precedentes desta Corte.

3.         O princípio da persuasão racional, que está positivado na legislação processual civil desde o Código Buzaid, e também já há muito consagrado na jurisprudência pátria, obviamente é aplicável aos processos envolvendo matéria meritória ambiental.

4.         No caso concreto, como não está adstrito às conclusões periciais no todo ou em parte, à luz do previsto no art. 371 e do art. 479 do Código de Processo Civil — CPC, o magistrado sentenciante acertadamente refutou a equiparação do rancho de pesca à atividade de turismo rural prevista pelo art. 61-A do Código Florestal. Essa conclusão específica do perito destoou completamente do acervo probatório construído nos autos.

5.         Além disso, novos esclarecimentos periciais sobre a localização do rancho se revelaram desnecessários. Os dois laudos confeccionados foram claros na indicação de que o rancho está situado em margem de águas naturais, e o Réu não trouxe aos autos nenhum outro elemento de prova útil a informar as conclusões periciais. Aliás, mesmo a prova emprestada trazida pelo Réu informa que o “município de Orindiúva – SP é banhado pelo Rio Grande, na divisa do Estado de São Paulo com Minas Gerais, e está localizado a 25 km abaixo da Barragem da Usina Hidrelétrica de Marimbondo no Município de Fronteira – MG e cerca de 35 km das águas represadas da usina Hidrelétrica de Água Vermelha (Tabela 2), somando aproximadamente 60 km de rios de águas correntes”.

6.         O dimensionamento da AAP com base na Lei nº 4.771/1965 está vedado pelo ordenamento jurídico. Durante o julgamento da ação declaratória de constitucionalidade nº 42 e das ações diretas de inconstitucionalidade nº 4.901, nº 4.902, nº 4.903 e nº 4.937, ao examinar a constitucionalidade de diversos dispositivos do Código Florestal em vigor, o Supremo Tribunal Federal — STF estabeleceu limites tanto à aplicação retroativa desse diploma legal quanto ao princípio da proibição do retrocesso ambiental. A esse respeito, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a Corte Suprema reconheceu a eficácia retroativa da Lei nº 12.651/2012, cujas disposições afastam a aplicabilidade do princípio tempus regit actum pretendida pelo Apelante.

7.         Conforme se depreende do art. 225, §3°, da CRFB, o texto constitucional possui clareza cristalina ao afirmar que todos os infratores, sejam eles pessoas naturais ou jurídicas, estão sujeitos à responsabilização reparatória dos danos causados ao meio ambiente. A essa previsão constitucional, deve ser conjugado o conceito de poluidor previsto pelo art. 3º, IV, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, pelo qual tanto pessoas naturais quanto jurídicas são responsáveis pela atividade causadora da degradação ambiental, ainda que indiretamente. Não se pode olvidar igualmente que o dano ambiental foi devidamente demonstrado nos autos, e que esse dano decorreu da ato ilícito levado a efeito pelo Apelante, porquanto o rancho de sua propriedade não foi regularizado mediante a entrada em vigor do Código Florestal de 2012. Uma vez que a exploração indevida de APP é fato gerador de dano ecológico in re ipsa, a responsabilização do Apelante também encontra respaldo no art. 186, II, da Constituição da República, pois o rancho em questão não está a cumprir a sua função social de utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de preservar o meio ambiente. De mais a mais, nos termos do art. 4º, VII e do art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade civil poluidor se dá em sua modalidade objetiva, inclusive sob a perspectiva do risco integral.

8.         Remessa necessária e apelação improvidos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à remessa necessária, tida por cabível, e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.