AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012763-20.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO
AGRAVANTE: WESTROCK, CELULOSE, PAPEL E EMBALAGENS LTDA
Advogados do(a) AGRAVANTE: FERNANDA BALIEIRO FIGUEIREDO - SP330249-A, FILIPE CARRA RICHTER - SP234393-A, LEONARDO AUGUSTO BELLORIO BATTILANA - SP258954-A
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012763-20.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO AGRAVANTE: WESTROCK, CELULOSE, PAPEL E EMBALAGENS LTDA Advogados do(a) AGRAVANTE: FERNANDA BALIEIRO FIGUEIREDO - SP330249-A, FILIPE CARRA RICHTER - SP234393-A, LEONARDO AUGUSTO BELLORIO BATTILANA - SP258954-A AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da pretensão recursal, interposto por WESTROCK, CELULOSE, PAPEL E EMBALAGENS LTDA., contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Araçatuba/SP que, em ação anulatória de débito fiscal ajuizada em face da UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL), indeferiu o pedido de tutela provisória que tinha como finalidade suspender a exigibilidade dos débitos em discussão. Alega a agravante, em síntese, o desacerto da decisão impugnada, tendo em vista que a tutela de urgência vindicada prescinde da existência de jurisprudência pacífica sobre o tema, sendo suficiente que “a parte demonstre que existem fatos e argumentos sólidos que poderão culminar na procedência do pedido”. Afirma que a Apólice de Seguro Garantia no valor integral do débito e a apresentação das declarações firmadas pelos adquirentes das mercadorias, demonstrando o cumprimento das exigências legais para o não pagamento do IPI, configuram sólidos elementos para o deferimento da suspensão da exigibilidade do débito, tal como requerida. No mais, sustenta que o dever de fiscalização quanto ao enquadramento dos adquirentes nas hipóteses legais é atribuição do Poder Público, não podendo ser transferido para a pessoa jurídica de direito privado e que, em última análise, “APENAS O ADQUIRENTE descumpriu os requisitos que condicionaram a suspensão”, sem qualquer “participação da Agravante ou de quaisquer de seus representantes na prática de atos que permitam a responsabilização”, de forma que a ele, adquirente, caberia o recolhimento do imposto devido. Pede, ao final, a antecipação da pretensão recursal, “para determinar a suspensão da exigibilidade dos débitos decorrentes do Processo Administrativo nº 15746.727012/2022-52, nos termos do artigo 151, inciso V, do Código Tributário Nacional” e, subsidiariamente, que seja “aceita a Apólice de Seguro Garantia nº 02- 0775-0870324, apresentada no valor integral em discussão para afastar (i) qualquer óbice à expedição/renovação de certidão de regularidade fiscal, nos termos do artigo 206 do CTN; (ii) a possibilidade de inclusão da razão social da Agravante nos órgãos protetivos do crédito; e (iii) a possibilidade de protesto da dívida, em linha com a jurisprudência do E. STJ sobre o tema”. Foi indeferida a antecipação da tutela recursal (ID 274711067). WESTROCK, CELULOSE, PAPEL E EMBALAGENS LTDA. interpôs embargos de declaração (ID 275295795). A parte agravada apresentou contraminuta (ID 276057472). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012763-20.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO AGRAVANTE: WESTROCK, CELULOSE, PAPEL E EMBALAGENS LTDA Advogados do(a) AGRAVANTE: FERNANDA BALIEIRO FIGUEIREDO - SP330249-A, FILIPE CARRA RICHTER - SP234393-A, LEONARDO AUGUSTO BELLORIO BATTILANA - SP258954-A AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Colho da demanda subjacente – ação anulatória de débito fiscal - que fora lavrado Auto de Infração (Processo Administrativo nº 15746.727012/2022-52), para cobrança de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI da empresa Westrock, referente ao período de janeiro a dezembro de 2018, no montante de R$ 7.583.076,54 (sete milhões, quinhentos e oitenta e três mil, setenta e seis reais e cinquenta e quatro centavos). Naquele feito, a parte autora pleiteou a concessão de tutela de urgência, objetivando a suspensão da exigibilidade do débito em discussão, apresentando argumentos no sentido de que teria cumprido todos os requisitos previstos no art. 29 da Lei nº 10.637/02 para usufruir do benefício tributário. Anexou, ainda, Apólice de Seguro Garantia no valor integral do débito constituído. Indeferido o pedido, sobreveio a interposição do presente agravo. Entendo, contudo, que a decisão agravada merece subsistir. De partida, cumpre registrar que o próprio agravante admite que, no momento da fiscalização levada à efeito pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, não detinha todas as declarações dos adquirentes das mercadorias, as quais foram apresentadas, em parte, somente com a ação anulatória do débito. Tal requisito (declaração fornecida pelo adquirente da mercadoria afirmando que cumpre as exigências legais para suspensão do IPI) se mostra indispensável para a incidência do benefício fiscal, na forma preconizada pelo art. 29 da Lei nº 10.637/02, a saber: “Art. 29. As matérias-primas, os produtos intermediários e os materiais de embalagem, destinados a estabelecimento que se dedique, preponderantemente, à elaboração de produtos classificados nos Capítulos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 23 (exceto códigos 2309.10.00 e 2309.90.30 e Ex-01 no código 2309.90.90), 28, 29, 30, 31 e 64, no código 2209.00.00 e 2501.00.00, e nas posições 21.01 a 21.05.00, da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, inclusive aqueles a que corresponde a notação NT (não tributados), sairão do estabelecimento industrial com suspensão do referido imposto. § 1o O disposto neste artigo aplica-se, também, às saídas de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, quando adquiridos por: I - estabelecimentos industriais fabricantes, preponderantemente, de: a) componentes, chassis, carroçarias, partes e peças dos produtos a que se refere o art. 1o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002; b) partes e peças destinadas a estabelecimento industrial fabricante de produto classificado no Capítulo 88 da Tipi; c) (revogada); (Redação dada pela Lei nº 13.969, de 2019) (Produção de efeito) II - pessoas jurídicas preponderantemente exportadoras. III - estabelecimentos industriais fabricantes de bens de que trata o art. 16-A da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, desde que façam jus ao crédito previsto no art. 4º da mesma Lei. (Incluído pela Lei nº 13.969, de 2019) (Produção de efeito) § 2o O disposto no caput e no inciso I do § 1o aplica-se ao estabelecimento industrial cuja receita bruta decorrente dos produtos ali referidos, no ano-calendário imediatamente anterior ao da aquisição, houver sido superior a 60% (sessenta por cento) de sua receita bruta total no mesmo período. (...) § 7o Para os fins do disposto neste artigo, as empresas adquirentes deverão: I - atender aos termos e às condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal; II - declarar ao vendedor, de forma expressa e sob as penas da lei, que atende a todos os requisitos estabelecidos.” (grifos nossos) Assim, não há que se cogitar em responsabilização da empresa por não ter verificado se os adquirentes cumpriam (ou não) os requisitos estabelecidos pela norma de regência (argumento lançado pela agravante no sentido de que a União procura se esquivar, de forma indevida, do seu dever de fiscalização), e sim por não ter sequer exigido a entrega de tais declarações, realizando, portanto, operação comercial temerária, na medida em que desprovida da garantia de que se encontrava abarcada pela previsão normativa que autoriza a suspensão do IPI. Por outro lado, no que diz respeito às saídas de mercadorias efetuadas mediante prévio fornecimento das declarações previstas no §7º do art. 29 da Lei nº 10.637/02, o lançamento do crédito tributário também levou em conta que as mesmas se destinaram a empresas que não eram industriais ou exportadoras, de modo que a isenção em pauta não poderia ter sido aplicada. A esse respeito, busca a agravante justificar as vendas com suspensão do IPI no fato de que tais estabelecimentos (produtores rurais e comerciais atacadistas) seriam equiparados a industriais e que o art. 29 da Lei 10.637/2002 não teria feito qualquer limitação nesse sentido ao benefício em discussão. Afirmou, ainda, que a Instrução Normativa RFB nº 948/2009 teria restringido benefício legal, em ofensa ao princípio da legalidade. A Instrução Normativa RFB nº 948/2009 (e suas posteriores alterações) foi editada justamente com a finalidade de disciplinar a suspensão do IPI de que tratam os artigos 5º da Lei nº 9.826/99 e 29 da Lei nº 10.637/02. Em seu art. 27 trouxe previsão expressa no sentido de que suas disposições não se aplicam a “estabelecimento equiparado a industrial, salvo quando se tratar da hipótese de equiparação prevista no art. 4º” O debate aqui travado já foi objeto de pronunciamento pelo C. Superior Tribunal de Justiça, tendo a Corte Superior assentado entendimento contrário à pretensão recursal. Na ocasião, restou consolidada tese de que a legislação tributária, quando pretende incluir como beneficiários os estabelecimentos equiparados a industriais, o faz sempre de forma expressa, de tal maneira que a Instrução Normativa, ao excluir os “equiparados” da possibilidade de suspensão do IPI, não restringe qualquer direito, mas tão somente explicita o que a lei e o sistema já haviam determinado. Confira-se: “RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 2. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ARTIGO DE LEI NÃO MENCIONADO NA PETIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N. 284 DO STF. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. ART. 5º, DA LEI N. 9.826/99 E ART. 29, DA LEI N. 10.637/2002. IMPOSSIBILIDADE DE GOZO DA SUSPENSÃO POR ESTABELECIMENTO EQUIPARADO A INDUSTRIAL. (...) 3. Nem o Código Tributário Nacional e nem a legislação específica do IPI tratam o "estabelecimento industrial" de forma idêntica ao "estabelecimento equiparado a industrial". A equiparação, por óbvio, somente é útil porque é feita para determinadas finalidades expressas em lei. Não fosse assim, não haveria qualquer necessidade de se estabelecer uma equiparação, bastava incluir todos os equiparados dentro do conceito geral de "estabelecimento industrial". 4. Não se pode presumir que todas as vezes que a legislação tributária mencione o estabelecimento industrial estaria a mencionar implicitamente também os estabelecimentos equiparados a industrial, sob pena de se tornar o sistema tributário, no que diz respeito ao IPI, imprevisível e inadministrável, mormente diante da função extrafiscal do tributo que exige intervenções calculadas e pontuais nos custos incorridos em cada etapa da cadeia econômica. 5. Nessa linha, da legislação tributária pode-se colher diversos exemplos onde a suspensão, isenção ou crédito presumido do IPI são concedidos expressamente e pontualmente aos estabelecimentos equiparados a industriais: art. 11, do Decreto-Lei n. 400/68; art. 15, §3º, do Decreto-Lei n. 1.455/76; art. 56, §§1º e 2º, da Medida Provisória n. 2.158-35/2001; art. 17, §§2º e 5º, da Medida Provisória n. 2.189-49/2001. 6. Desta forma, tanto o art. 5°, da Lei n. 9.826/99, quanto o art. 29, da Lei n° 10.637/2002, são claros ao apontar como beneficiário da suspensão do mencionado imposto apenas o estabelecimento industrial, sem estender ao equiparado, de modo que o art. 23, da Instrução Normativa da SRF n° 296/2003 não limitou o pretendido direito, mas apenas explicitou aquilo que a lei e o sistema já haviam determinado. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp n. 1.587.197/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 3/5/2022.) (grifos nossos) No caso em tela, conforme mencionado anteriormente, os estabelecimentos adquirentes dos produtos com suspensão de IPI eram produtores rurais – segundo apurado pela fiscalização as mercadorias comercializadas por tais produtores são classificadas na TIPI como “não tributadas” (ID 281278330, p. 16 do processo de origem nº 5000777-81.2023.4.03.6107) - e atacadistas comerciais, ambos não abrangidos pelas normas que regulamentam o benefício fiscal em pauta, vez que, repise-se, não se inserem no conceito de estabelecimentos industriais. Trago à baila, ainda, nesse sentido, precedente desta E. Corte: “APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IPI. ART. 29 DA LEI 10.637/02. SAÍDA DE MATÉRIAS- PRIMAS, PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS E DE MATERIAIS DE EMBALAGEM DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL PARA ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL COM ATIVIDADE PREPONDERANTE EM DETERMINADOS SETORES PREVISTOS NA TIPI. CONCEITO TRIBUTÁRIO DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL. INADEQUAÇÃO. RECURSO E REEXAME PROVIDOS PARA DENEGAR A SEGURANÇA. 1. A norma legal garante a suspensão do crédito tributário constituído com a saída dos produtos do estabelecimento industrial para estabelecimento que se dedique preponderantemente à elaboração de outros produtos classificados na TIPI. O § 2º do art. 29 da Lei 10.637 de 2002 traz o conceito do que entende por preponderante, apontando que o estabelecimento deve ter auferido receita bruta decorrente dos produtos ali referidos, no ano-calendário imediatamente anterior ao da aquisição, superior a 60% (sessenta por cento) de sua receita bruta total no mesmo período. Suspenso o crédito tributário do IPI constituído após a saída do produto, o pagamento é protraído e ulteriormente dispensado caso preenchida as condições exigidas na legislação (STJ, REsp 1382354/PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 22.08.2017, DJe 04.10.2017). 2. O benefício fiscal pressupõe a aquisição dos produtos por estabelecimento industrial, o que, no escopo da legislação atinente ao IPI, identifica-se como aquele que realiza atividade industrial da qual resulte produto tributado, ainda que de alíquota zero ou isento (art. 3º da Lei 4.502/64 e art. 8º do RIPI). No caso dos autos, elencado o produto elaborado pela impetrante como "não tributado", é acertado que a alienação de matérias-primas, produtos intermediários e até os materiais de embalagem não possam ensejar a suspensão do IPI por parte do alienante, observando-se a legislação de regência do benefício fiscal, sob pena de afronta ao art. 111 do CTN. É o que expõe a Solução de Consulta COSIT 68/14, concordando-se com seus fundamentos. 3. Sentença reformada; denegação da segurança já que não cabe ao Judiciário criar ou estender analogicamente benefício fiscal.” (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5004154-56.2020.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 28/11/2022, Intimação via sistema DATA: 04/12/2022) Por fim, no que diz com o pedido de utilização da Apólice de Seguro Garantia para fins de suspensão da exigibilidade do credito tributário, está sedimentado, ao arrepio do entendimento pessoal deste Relator, que pode o contribuinte, antes de ajuizada a execução fiscal, promover a antecipação da penhora, por fiança bancária ou seguro garantia, para efeito de alcançar a regularidade fiscal necessária à expedição da certidão a que se refere o artigo 206 do Código Tributário Nacional, conforme Acórdão proferido pela 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.123.669/RS, submetido ao rito do artigo 543-C do CPC. Contudo, há que se distinguir a garantia do crédito tributário das hipóteses legalmente previstas para suspensão de sua exigibilidade. Somente o depósito em dinheiro da integralidade do débito, a teor do artigo 151, II, CTN e da Súmula n.° 112 do e. Superior Tribunal de Justiça, constitui causa para suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o que não se verificou na hipótese em apreço. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento, julgando prejudicados os embargos de declaração. É como voto.
VOTO-VISTA
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da pretensão recursal, interposto pela parte autora em face de decisão que, nos autos de ação anulatória de débito fiscal ajuizada em face da União Federal, indeferiu o pedido de tutela provisória com o fito de suspender a exigibilidade dos débitos em discussão.
O eminente relator negou provimento ao agravo de instrumento reputando inviável a concessão de medida que autorizasse a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ao fundamento de que o agravante não cumpriu os requisitos legais que lhe permitam usufruir da suspensão do IPI nos termos do art. art. 29 da Lei nº 10.637/02, recusando o seguro-garantia como instrumento apto à suspensão da exigibilidade requerida.
Para melhor examinar a questão em debate, pedi vista dos autos e, após detida análise de todo o processado e das razões deduzidas pelas partes, com a devida vênia da relatoria, passo a apresentar divergência, nos termos a seguir expostos.
Na ação subjacente, visa o autor ao cancelamento dos débitos de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, objeto do Processo Administrativo nº 15746.727012/2022-52, originado em Auto de Infração referente ao período de janeiro a dezembro de 2018, no montante de R$ 7.583.076,54, a título de principal, multa e juros (valor em novembro/2022), relativamente a operações realizadas pela agravante com suspensão de IPI, conforme autorizado pelo artigo 29 da Lei nº 10.637/2002, por meio da filial de CNPJ nº 45.989.050/0012-34.
Sustenta a agravante que está presente a probabilidade do direito invocado, uma vez que no regime de suspensão do IPI não há previsão legal que obrigue o vendedor a verificar a veracidade da declaração prestada pelo adquirente, de forma que não pode a autoridade fiscal responsabilizar o vendedor por não ter adotado cautelas para conferir se o estabelecimento adquirente atendia ou não aos requisitos para o gozo do benefício. Ressalta que as obrigações acessórias decorrem da legislação tributária (art. 113, § 3º, CTN), não podendo o Fisco exigir outras prestações que ache necessárias se não há amparo na legislação tributária (leis, tratados ou convenções internacionais, decretos e normas complementares - art. 96 do CTN). Em sua defesa, alega, ainda, que apenas o adquirente descumpriu os requisitos que condicionaram a suspensão, devendo ser observado o disposto no artigo 42, § 2º, inciso I do RIPI que expressamente estabelece que a responsabilidade pelo recolhimento do IPI é do recebedor do produto quando há emprego ou destinação diferente do que condiciona a suspensão, ou seja, exatamente a situação alegada pelo d. Agente Fiscal.
Sobre a questão controvertida, a jurisprudência do STJ já se manifestou no sentido de que “no regime de suspensão do IPI, nem a lei de regência, nem a legislação complementar tributária delegaram ao vendedor a incumbência de verificar a veracidade da declaração prestada pelo adquirente, de forma que não pode a autoridade fiscal responsabilizar o vendedor por não ter adotado cautelas para conferir se o estabelecimento adquirente atendia ou não aos requisitos para o gozo do benefício. É que não cabe a atribuição de outros encargos à empresa vendedora, se não há normativa expressa nesse sentido. Com efeito, as obrigações acessórias decorrem da legislação tributária (art. 113, § 3º, CTN), não podendo o Fisco exigir outras prestações que ache necessárias se não há amparo na legislação tributária (leis, tratados ou convenções internacionais, decretos e normas complementares - art. 96 do CTN)” (cf. REsp n. 1.528.524/PE, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18/8/2015, DJe de 28/8/2015.).
A despeito do entendimento acima referenciado e em que pesem os judiciosos fundamentos lançados pela douta relatoria quanto à probabilidade do direito, penso que a questão será adequadamente apreciada em sede de cognição exauriente, após regular dilação probatória, a ser realizada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Não obstante ainda careça de melhor exame a questão debatida, penso que logrou êxito a parte agravante em demonstrar a existência do o periculum in mora, uma vez que pode vir a sofrer cobrança de tributo cuja exigibilidade está sub judice, tendo apresentado para tanto instrumento hábil à suspensão da exigibilidade do tributo.
A parte agravante apresentou apólice do Seguro-Garantia, com registro da apólice junto à SUSEP; bem como certidão de regularidade da empresa seguradora perante a SUSEP, com valor segurado no montante original do débito executado com os encargos e acréscimos legais, tendo como objeto a ação anulatória ajuizada para discussão dos débitos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), multa e juros, objeto do Processo Administrativo nº 15746- 727.012/2022-52 (id 281278336).
Não se olvida que o art. 151 do Código Tributário Nacional traz lista taxativa de hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, todas hábeis a evitar a cobrança direta e indireta da imposição fiscal. Como garantia, propriamente dita, o art. 151, II, do Código Tributário Nacional prevê expressamente apenas o depósito (integral, e em dinheiro) do montante litigioso.
Por sua vez, a Súmula 112 do STJ, consagradora de precedentes que remontam aos anos de 1993 e 1994, vaticina que “O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”.
Posteriormente, ao julgar o tema nº 378, foi fixada pelo STJ a seguinte tese jurídica: “A fiança bancária não é equiparável ao depósito integral do débito exequendo para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ante a taxatividade do art. 151 do CTN e o teor do Enunciado Sumular n. 112 desta Corte" (REsp n. 1.156.668/DF, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 24/11/2010, DJe de 10/12/2010)
Contudo, em face de inovação legislativa, o seguro-garantia e a fiança bancária, desde que suficientes e idôneos à garantia da execução, passaram a produzir os mesmos efeitos da penhora, nos termos do inciso II do art. 9º da Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal), com a redação que lhe deu a Lei nº 13.043/2014.
Com o advento da Lei nº 13.043/14, o seguro garantia foi incluído no rol das garantias enumeradas no art. 9º, da Lei de Execuções Fiscais, verbis:
Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
I - Efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;
II - Oferecer fiança bancária ou seguro garantia; (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
III - nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou
IV - Indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.
§ 1º - O executado só poderá indicar e o terceiro oferecer bem imóvel à penhora com o consentimento expresso do respectivo cônjuge.
§ 2o Juntar-se-á aos autos a prova do depósito, da fiança bancária, do seguro garantia ou da penhora dos bens do executado ou de terceiros. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 3o A garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 4º - Somente o depósito em dinheiro, na forma do artigo 32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora.
§ 5º - A fiança bancária prevista no inciso II obedecerá às condições pré-estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
§ 6º - O executado poderá pagar parcela da dívida, que julgar incontroversa, e garantir a execução do saldo devedor.
A alteração legislativa aponta para o reconhecimento de que o seguro-garantia, desde que preencha todos os requisitos legais, pode ser aceito como meio para garantir a suspensão da exigibilidade, entendimento que coaduna com a razoabilidade em se afastar a excessiva onerosidade imposta ao litigante de boa-fé, que busca discutir a exigibilidade do crédito tributário.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ sinalizou, no julgamento do tema nº 237, ser “possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa” (tema 237/STJ), conforme fundamentos lançados na ementa abaixo colacionada:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. AÇÃO CAUTELAR PARA ASSEGURAR A EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE. INSUFICIÊNCIA DA CAUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. O contribuinte pode, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa. (Precedentes: EDcl no AgRg no REsp 1057365/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 02/09/2009; EDcl nos EREsp 710.153/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2009, DJe 01/10/2009; REsp 1075360/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/06/2009, DJe 23/06/2009; AgRg no REsp 898.412/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 13/02/2009; REsp 870.566/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 11/02/2009; REsp 746.789/BA, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 24/11/2008; EREsp 574107/PR, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA DJ 07.05.2007) 2. Dispõe o artigo 206 do CTN que: "tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa."
A caução oferecida pelo contribuinte, antes da propositura da execução fiscal é equiparável à penhora antecipada e viabiliza a certidão pretendida, desde que prestada em valor suficiente à garantia do juízo.
3. É viável a antecipação dos efeitos que seriam obtidos com a penhora no executivo fiscal, através de caução de eficácia semelhante. A percorrer-se entendimento diverso, o contribuinte que contra si tenha ajuizada ação de execução fiscal ostenta condição mais favorável do que aquele contra o qual o Fisco não se voltou judicialmente ainda.
4. Deveras, não pode ser imputado ao contribuinte solvente, isto é, aquele em condições de oferecer bens suficientes à garantia da dívida, prejuízo pela demora do Fisco em ajuizar a execução fiscal para a cobrança do débito tributário. Raciocínio inverso implicaria em que o contribuinte que contra si tenha ajuizada ação de execução fiscal ostenta condição mais favorável do que aquele contra o qual o Fisco ainda não se voltou judicialmente.
5. Mutatis mutandis o mecanismo assemelha-se ao previsto no revogado art. 570 do CPC, por força do qual era lícito ao devedor iniciar a execução. Isso porque as obrigações, como vínculos pessoais, nasceram para serem extintas pelo cumprimento, diferentemente dos direitos reais que visam à perpetuação da situação jurídica nele edificadas.
6. Outrossim, instigada a Fazenda pela caução oferecida, pode ela iniciar a execução, convertendo-se a garantia prestada por iniciativa do contribuinte na famigerada penhora que autoriza a expedição da certidão.
7. In casu, verifica-se que a cautelar restou extinta sem resolução de mérito, impedindo a expedição do documento de regularidade fiscal, não por haver controvérsia relativa à possibilidade de garantia do juízo de forma antecipada, mas em virtude da insuficiência dos bens oferecidos em caução, consoante dessume-se da seguinte passagem do voto condutor do aresto recorrido, in verbis:
"No caso dos autos, por intermédio da análise dos documentos acostados, depreende-se que os débitos a impedir a certidão de regularidade fiscal perfazem um montante de R$ 51.802,64, sendo ofertados em garantia pela autora chapas de MDF adquiridas para revenda, às quais atribuiu o valor de R$ 72.893,00.
Todavia, muito embora as alegações da parte autora sejam no sentido de que o valor do bem oferecido é superior ao crédito tributário, entendo que o bem oferecido como caução carece da idoneidade necessária para aceitação como garantia, uma vez que se trata de bem de difícil alienação.
8. Destarte, para infirmar os fundamentos do aresto recorrido, é imprescindível o revolvimento de matéria fático-probatória, o que resta defeso a esta Corte Superior, em face do óbice erigido pela Súmula 07 do STJ.
9. Por idêntico fundamento, resta interditada, a este Tribunal Superior, a análise da questão de ordem suscitada pela recorrente, consoante infere-se do voto condutor do acórdão recorrido, litteris:
"Prefacialmente, não merece prosperar a alegação da apelante de que é nula a sentença, porquanto não foi observada a relação de dependência com o processo de nº 2007.71.00.007754-8.
Sem razão a autora. Os objetos da ação cautelar e da ação ordinária em questão são diferentes. Na ação cautelar a demanda limita-se à possibilidade ou não de oferecer bens em caução de dívida tributária para fins de obtenção de CND, não se adentrando a discussão do débito em si, já que tal desbordaria dos limites do procedimento cautelar. Ademais, há que se observar que a sentença corretamente julgou extinto o presente feito, sem julgamento de mérito, em relação ao pedido que ultrapassou os limites objetivos de conhecimento da causa próprios do procedimento cautelar."
10. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp n. 1.123.669/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 9/12/2009, DJe de 1/2/2010.)
Embora reconheça que a Súmula 112 do STJ vem desfrutando de razoável estabilidade jurídica, penso que o momento recomenda reflexão sobre a isonomia instrumental da fiança bancária e do seguro-garantia, tanto pelo prisma estritamente normativo (arcabouço em vigor) como pela realidade econômico-social que impõe um novo contexto aos aplicadores do Direito.
Tangenciando a seara normativa, há que se atentar para o fato de que o legislador ofereceu nova hipótese de garantia do débito tributário, por intermédio da Lei nº 13.043/14, talvez dizendo menos do que tencionava (“minus dixit quam voluit”), fato que não pode passar despercebido ao hermeneuta, na clássica lição de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e aplicação do direito. 9ª ed., pp.198/199):
A relação lógica entre a expressão e o pensamento faz discernir se a lei contém algo de mais ou de menos do que a letra parece exprimir; as circunstâncias extrínsecas revelam uma idéia (Sic) fundamental mais ampla ou mais estreita e põem em realce o dever de estender ou restringir o alcance do preceito. Mais que regras fixas influem no modo de aplicar uma norma, se ampla, se estritamente, o fim colimado, os valores jurídicos-sociais que lhe presidiram à elaboração e lhe condicionam a aplicabilidade.
No caso, tanto a Súmula 112 como a redação atual do art. 151 do CTN são anteriores à Lei nº 13.043/14, exigindo do intérprete, penso eu, um esforço de atualização sistêmica, de forma a proporcionar a indispensável harmonização dos respectivos textos, para além da sua simples vocalização literal.
Com a vênia dos que pensam em sentido contrário, vislumbro uma certa contradição no entendimento de que a fiança e o seguro-garantia não se prestam à garantia do débito em ação anulatória, embora tenham o condão de suspender a execução fiscal.
Não há conexão sistemática em tratar desigualmente as duas situações. O espectro funcional e a realidade econômico-social permitem que ambas sejam equiparadas, desde que superada interpretação estritamente gramatical.
Por outro lado, adentrando um pouco aos efeitos colaterais da exigência do crédito tributário (tais como a inscrição no CADIN, recusa de CP-EM e o protesto em cartório), também padece de força lógica eventual solução que reconheça a um texto legal a faculdade de “poder o mais e não poder o menos”.
Quero dizer com isso que, em perseverando o enunciado da Súmula 112, a fiança bancária e o seguro-garantia – sempre na presunção de sua idoneidade material – claramente poderiam “o mais” (suspender a execução fiscal), mas não poderiam “o menos” (suspender os efeitos de sanções administrativas menores, como as que citei acima).
Em se admitindo a suspensão da execução fiscal, penso que se mostra mais lógica (invoco, aqui, a “lógica do razoável”, de Luis Recaséns Siches) a suspensão também das restrições administrativas secundárias, de forma que não haveria sentido em manter a inscrição no CADIN, o protesto em cartório e a vedação à obtenção de CP-EN (certidão positiva com efeito de negativa, nos termos do art. 206 do CTN).
Noutro giro, tendo em conta que ao magistrado cabe observar os fins sociais a que a lei se destina (art. 5º da LINB e art. 8º do CPC/2015), passo a tecer breves considerações sobre as circunstâncias econômico-sociais que cercam a utilização da fiança bancária e do seguro-garantia.
É notório que nosso país vem passando por severa crise econômica na última década, com a queda brutal do PIB e considerável redução da liquidez das empresas e contribuintes em geral, o que se agravou ainda mais com a epidemia da COVID-19.
São fatos que, a meu ver, dispensam cabal demonstração, justamente porque notórios.
Neste ambiente econômico-social, impor o depósito integral como critério exclusivo para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário – como rezam o art. 151, II, do CTN, e a Súmula 112 – pode significar, do ponto de vista material, a vedação do efetivo acesso à Justiça, em detrimento do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Sabe-se que a obtenção de seguro-garantia ou fiança bancária representam um ônus financeiro muito menor aos contribuintes, pois terão apenas de pagar por este serviço bancário, ao invés de desembolsar quantias significativas para o depósito integral, que poderiam lhes acarretar séria crise de liquidez, com provável reflexo em empregos e até mesmo em queda no nível de arrecadação tributária.
Não por acaso, adveio a Lei nº 13.043/14. Ela representa uma tentativa do legislador de facilitar o acesso ao Poder Judiciário, diante das circunstâncias brevemente descritas.
Tomando de empréstimo os princípios da Análise Econômica do Direito, a aplicação das normas jurídicas não pode se reduzir à abstração lógico-normativa. Há que se atentar, também, na medida do possível, para o “consequencialismo” das decisões judiciais.
A garantia do Fisco, por outro lado, não estará fragilizada, desde que a fiança e o seguro-garantia sejam idôneos.
Preservado o interesse do Fisco, cabe ao contribuinte optar pela garantia que lhe seja menos gravosa no momento de discutir a dívida tributária.
Por tais fundamentos, adoto o entendimento de que a fiança bancária e o seguro-garantia, desde que em consonância com os ditames legais e regulamentares, têm a mesma força do depósito integral do crédito tributário, de forma a proporcionar a suspensão da sua exigibilidade, bem como suspender as restrições administrativas secundárias (inscrição no CADIN, emissão de certidões de regularidade fiscal e protesto da CDA em cartório).
Assim, no caso em análise, voto pelo parcial provimento do agravo de instrumento para reconhecer a possibilidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário em discussão mediante apresentação de seguro-garantia, devendo o Magistrado analisar o preenchimento dos requisitos legais, bem como oportunizar a manifestação do ente fazendário sobre a garantia ofertada.
Ante o exposto, com renovada vênia da relatoria, voto por dar parcial provimento ao agravo de instrumento para determinar que o Magistrado a quo, depois de ouvido o ente fazendário, avalie as condições de preenchimento dos requisitos legais da garantia ofertada.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA. SUSPENSÃO DO DÉBITO EM DISCUSSÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS.
1 – Colhe-se da demanda subjacente – ação anulatória de débito fiscal - que fora lavrado Auto de Infração (Processo Administrativo nº 15746.727012/2022-52), para cobrança de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI da empresa Westrock, referente ao período de janeiro a dezembro de 2018, no montante de R$ 7.583.076,54 (sete milhões, quinhentos e oitenta e três mil, setenta e seis reais e cinquenta e quatro centavos). Naquele feito, a parte autora pleiteou a concessão de tutela de urgência, objetivando a suspensão da exigibilidade do débito em discussão, apresentando argumentos no sentido de que teria cumprido todos os requisitos previstos no art. 29 da Lei nº 10.637/02 para usufruir do benefício tributário. Anexou, ainda, Apólice de Seguro Garantia no valor integral do débito constituído. Indeferido o pedido, sobreveio a interposição do presente agravo.
2 - A decisão agravada merece subsistir. De partida, cumpre registrar que o próprio agravante admite que, no momento da fiscalização levada à efeito pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, não detinha todas as declarações dos adquirentes das mercadorias, as quais foram apresentadas, em parte, somente com a ação anulatória do débito. Tal requisito (declaração fornecida pelo adquirente da mercadoria afirmando que cumpre as exigências legais para suspensão do IPI) se mostra indispensável para a incidência do benefício fiscal, na forma preconizada pelo art. 29 da Lei nº 10.637/02.
3 - Assim, não há que se cogitar em responsabilização da empresa por não ter verificado se os adquirentes cumpriam (ou não) os requisitos estabelecidos pela norma de regência (argumento lançado pela agravante no sentido de que a União procura se esquivar, de forma indevida, do seu dever de fiscalização), e sim por não ter sequer exigido a entrega de tais declarações, realizando, portanto, operação comercial temerária, na medida em que desprovida da garantia de que se encontrava abarcada pela previsão normativa que autoriza a suspensão do IPI.
4 - Por outro lado, no que diz respeito às saídas de mercadorias efetuadas mediante prévio fornecimento das declarações previstas no §7º do art. 29 da Lei nº 10.637/02, o lançamento do crédito tributário também levou em conta que as mesmas se destinaram a empresas que não eram industriais ou exportadoras, de modo que a isenção em pauta não poderia ter sido aplicada.
5 - A esse respeito, busca a agravante justificar as vendas com suspensão do IPI no fato de que tais estabelecimentos (produtores rurais e comerciais atacadistas) seriam equiparados a industriais e que o art. 29 da Lei 10.637/2002 não teria feito qualquer limitação nesse sentido ao benefício em discussão. Afirmou, ainda, que a Instrução Normativa RFB nº 948/2009 teria restringido benefício legal, em ofensa ao princípio da legalidade.
6 - A Instrução Normativa RFB nº 948/2009 (e suas posteriores alterações) foi editada justamente com a finalidade de disciplinar a suspensão do IPI de que tratam os artigos 5º da Lei nº 9.826/99 e 29 da Lei nº 10.637/02. Em seu art. 27 trouxe previsão expressa no sentido de que suas disposições não se aplicam a “estabelecimento equiparado a industrial, salvo quando se tratar da hipótese de equiparação prevista no art. 4º”
7 - O debate aqui travado já foi objeto de pronunciamento pelo C. Superior Tribunal de Justiça, tendo a Corte Superior assentado entendimento contrário à pretensão recursal. Na ocasião, restou consolidada tese de que a legislação tributária, quando pretende incluir como beneficiários os estabelecimentos equiparados a industriais, o faz sempre de forma expressa, de tal maneira que a Instrução Normativa, ao excluir os “equiparados” da possibilidade de suspensão do IPI, não restringe qualquer direito, mas tão somente explicita o que a lei e o sistema já haviam determinado.
8 - No caso em tela, conforme mencionado anteriormente, os estabelecimentos adquirentes dos produtos com suspensão de IPI eram produtores rurais – segundo apurado pela fiscalização as mercadorias comercializadas por tais produtores são classificadas na TIPI como “não tributadas” - e atacadistas comerciais, ambos não abrangidos pelas normas que regulamentam o benefício fiscal em pauta, vez que, repise-se, não se inserem no conceito de estabelecimentos industriais. Nesse sentido, precedente desta Corte.
9 - Por fim, no que diz com o pedido de utilização da Apólice de Seguro Garantia para fins de suspensão da exigibilidade do credito tributário, está sedimentado que pode o contribuinte, antes de ajuizada a execução fiscal, promover a antecipação da penhora, por fiança bancária ou seguro garantia, para efeito de alcançar a regularidade fiscal necessária à expedição da certidão a que se refere o artigo 206 do Código Tributário Nacional, conforme Acórdão proferido pela 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.123.669/RS, submetido ao rito do artigo 543-C do CPC.
10 - Contudo, há que se distinguir a garantia do crédito tributário das hipóteses legalmente previstas para suspensão de sua exigibilidade. Somente o depósito em dinheiro da integralidade do débito, a teor do artigo 151, II, CTN e da Súmula n.° 112 do e. Superior Tribunal de Justiça, constitui causa para suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o que não se verificou na hipótese em apreço.
11 – Recurso desprovido. Embargos de declaração prejudicados.