Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000009-73.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: RAUL BAPTISTA DA SILVA JUNIOR

Advogado do(a) APELANTE: PAULO TAUNAY PEREZ - SP259739-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

DENUNCIADO: MARCOS GLIKAS, CARLOS IDAIR JARDIM FILHO, NIKOLAOS JOANNIS SAKKOS
TERCEIRO INTERESSADO: ANACLETO FUSER JUNIOR
 

ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: DANIEL LEON BIALSKI - SP125000-A
ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: JORGE DELMANTO BOUCHABKI - SP130579-A
ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: CAMILA NAJM STRAPETTI - SP329200-A
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: RUI FERNANDO COSTA DE ALMEIDA PRADO JUNIOR - SP244368

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000009-73.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: RAUL BAPTISTA DA SILVA JUNIOR

Advogado do(a) APELANTE: PAULO TAUNAY PEREZ - SP259739-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

DENUNCIADO: MARCOS GLIKAS, CARLOS IDAIR JARDIM FILHO, NIKOLAOS JOANNIS SAKKOS
TERCEIRO INTERESSADO: ANACLETO FUSER JUNIOR

 

ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: DANIEL LEON BIALSKI - SP125000-A
ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: JORGE DELMANTO BOUCHABKI - SP130579-A
ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: CAMILA NAJM STRAPETTI - SP329200-A
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: RUI FERNANDO COSTA DE ALMEIDA PRADO JUNIOR - SP244368

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos por RAUL BAPTISTA DA SILVA JUNIOR contra o acórdão(ID 278874760) que, por unanimidade, decidiu rejeitar as preliminares arguidas e dar parcial provimento ao recurso dos réus para dar diversa capitulação da sentença, por ser uma associação de mais de três integrantes, com a finalidade de cometer crimes de evasão de divisas, em número indeterminado, enquadrando-os no artigo 288 do Código Penal, reduzir as penas-base deste delito e do crime de evasão de divisas e fixar regime diverso, tornando definitivas as penas de RAUL BATISTA DA SILVA JUNIOR, NIKOLAOS JOANNIS SAKKOS e CARLOS IDAIR JARDIM FILHO em 06 (seis) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 25 (vinte e cinco) dias-multa, no valor unitário de 03 (três) salários mínimos, e a pena de MARCOS GLIKAS em 06 (seis) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 25 (vinte e cinco) dias-multa, no valor unitário de 03 (três) salários mínimos e, no mais, manter a sentença recorrida. Conforme a ementa seguir:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRELIMINARES REJEITADAS. EVASÃO DE DIVISAS. ARTIGO 22 DA LEI 7.492/1986. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ARTIGO 2º, § 4º, INCISO V, DA LEI 12.850/2013. NOVA CAPITULAÇÃO. EMENDATIO LIBELLI. ART. 288 DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS. EVASÃO DE DIVISAS. REDUÇÃO DAS PENAS-BASES. CULPABILIDADE AFASTADA. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. AFASTADAS TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS NEGATIVAS. PENAS-BASE NO MÍNIMO LEGAL. CONCURSO MATERIAL. REGIME SEMIABERTO. INCABÍVEL SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. RECURSOS DEFENSIVOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Da alegação de inépcia da denúncia.  Malgrado a impropriedade da alegação da inépcia da denúncia em sede recursal, tal como vem proclamando, de forma uníssona, a jurisprudência pátria, certo é que a peça inaugural da presente ação penal atendeu aos requisitos elencados no artigo 41 do Código de Processo Penal, porquanto qualificou os acusados, descreveu os fatos criminosos e suas respectivas circunstâncias, classificando-os, e apresentou rol de testemunhas. Além disso, a inicial acusatória descreve, de maneira individualizada, a conduta de cada acusado, permitindo amplamente o exercício da defesa, tanto que os réus o fazem até o momento. Como já ressaltado, a sentença condenatória já foi prolatada no presente processo, restando, pois, preclusa a alegação de inépcia da denúncia. Preliminar  rejeitada.

2. Da nulidade da r. sentença, em razão da emendatio libelli. A denúncia descreveu que os acusados associaram-se, na utilização de empresas fictícias registradas em nome de terceiros ("laranjas"), para promover remessas não autorizadas de valores ao exterior, desde o ano de 2013 até o meio de 2015, capitulando os delitos no art. 22, da Lei n° 7.492/86 e no art. 288 do Código Penal, e arrolando testemunhas. Após devida instrução processual, o Juízo de origem entendeu que os fatos descritos na exordial melhor se enquadravam no tipo previsto no artigo 2º, § 4º, inciso V, da Lei 12.850/2013, e procedeu à emendatio libelli. A despeito do acerto ou não da redefinição jurídica, o ato está amparado em lei, nos termos do que dispõe o art. 383 do Código de Processo Penal, não havendo que se falar em nulidade da r. sentença por cerceamento de defesa, tampouco em violação ao princípio da correlação ou do contraditório e da ampla defesa. Vale destacar, na hipótese, que os acusados devem se defender dos fatos a eles imputados e não da capitulação eleita pelo autor da ação penal, pois esta é provisória e pode ser alterada no momento da sentença, mesmo quando disso resulta pena mais grave. Preliminar rejeitada.

3. Da nulidade da r. sentença, sob alegação de que a condenação foi baseada apenas em elementos do inquérito policial. No caso dos autos, já na ocasião do oferecimento da denúncia, já se pôde verificar a existência de provas concretas da materialidade do crime, necessários à deflagração da ação penal. O artigo 155 do Código de Processo Penal, de fato, veda o juízo condenatório pautado apenas em provas extrajudiciais, todavia ressalva, por não ser regra absoluta, as hipóteses em que as circunstâncias ou a natureza da prova tornam necessária a produção probatória pré-processual, postergando-se, assim, o contraditório, como no caso dos autos. In casu, as provas produzidas na fase preliminar e utilizadas para a condenação, sem renovação na instrução processual, eram provas cautelares, instantâneas da conduta e que não tinham como ser renovadas durante a instrução. Verifica-se que o conteúdo das interceptações telefônicas e telemáticas, o resultado das quebras de sigilo bancário e fiscal e das buscas e apreensões, as perícias, os documentos colhidos na investigação e os relatórios de inteligência policial são provas não repetíveis que foram utilizadas validamente para o embasamento da condenação, já que devidamente submetidas ao contraditório diferido, ante as inúmeras oportunidades de manifestação da defesa sobre o seu conteúdo. Assim, descabido cogitar-se da insuficiência das conversas telefônicas interceptadas para motivar uma condenação, haja vista que o artigo 155 do Código de Processo Penal ressalva expressamente "as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas". E as interceptações telefônicas são provas, pela sua própria natureza, irrepetíveis, mas que, no entanto, são submetidas ao contraditório judicial" (Nesse sentido: TRF3: ACR 00051268320064036181, MÁRCIO MESQUITA (Juiz Fed. Conv.), Primeira Turma, e-DJF3 de 24.04.2014). Assim, não houve cerceamento de defesa ou violação do contraditório na utilização das provas produzidas no inquérito policial, pois impossíveis de serem renovadas na instrução, mas com capacidade de servirem de meio de convencimento da existência do fato, na forma do artigo 155, do Código de Processo Penal. Ademais, como os réus tiveram acesso aos autos durante a instrução processual, caso houvesse irregularidade nos documentos, caberia a eles impugná-los fundamentadamente, na forma do artigo 156, do Código de Processo Penal. Preliminar rejeitada.

4. Da alegação de nulidade dos depoimentos testemunhais. Como bem mencionado no decisum, o direito que se resguardaria com a não oitiva das referidas testemunhas seria o direito à não incriminação destas, o qual não guarda relação com o direito de defesa dos apelantes.  Além disso, caso as testemunhas tivessem sido anteriormente denunciadas, seria o caso de se reconsiderar o valor a ser dado às declarações prestadas por elas, dentro do conjunto probatório, e não de anulá-las. No caso em tela, Cláudia Andréa Dorneles e Silva e Gildo Ramalho de Oliveira prestaram depoimento na qualidade de testemunhas sem que, contra eles, pesasse qualquer denúncia. Estavam ambos, portanto, sob o compromisso de dizer a verdade e, por conseguinte, sujeitos às penas do crime de falso testemunho. Nesse contexto, o valor conferido às declarações prestadas deve ser o mesmo dado às de qualquer outra testemunha. Desta feita, não se vislumbra qualquer nulidade no depoimento das testemunhas mencionadas, restando, pois, a preliminar rejeitada.

5. Da alegação de inversão do ônus da prova. A interpretação dada pela defesa ao trecho da sentença que afirmou que "A acusação, nestes autos, se desincumbiu de seu ônus. As defesas, por outro lado, não", no sentido de que se trata de inversão do ônus da prova, é completamente descabida. De fato, no sistema acusatório brasileiro, o ônus da prova é do Ministério Público, sendo imprescindíveis provas efetivas do alegado, produzidas sob os princípios do contraditório e da ampla defesa, para a atribuição de qualquer prática de conduta delitiva ao réu, sob pena de inversão do ônus da provas. Contudo, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer", cabendo a defesa comprovar as teses suscitadas.  Com efeito, tanto a acusação como a defesa possuem funções dentro do processo penal, cada uma portando seu próprio ônus. Neste ponto, menciono a Teoria da Ratio Cognoscendi, adotada de forma majoritária pelo direito brasileiro, segundo a qual cabe à acusação a demonstração do fato típico, restando a incumbência de comprovar as excludentes de ilicitude e de culpabilidade à defesa.  No caso, o sentido emprestado pela defesa ao trecho da sentença desconsidera o contexto no qual foi proferido e distorce o sentido das palavras, levando a crer que caberia à defesa provar a inocência do acusado.  Não houve inversão do ônus da prova, mas apenas a constatação pelo julgador de que a acusação se desincumbiu de seu ônus e de que a defesa não conseguiu afastar as provas produzidas, nem comprovar quaisquer excludentes de ilicitude e de culpabilidade. Preliminar rejeitada.

6. Da alegação de parcialidade da julgadora. De igual modo, é infundada a alegação de parcialidade da Juíza sentenciante. Na hipótese, não estão presentes nenhuma das hipóteses de suspeição ou impedimento previstas nos artigos 252 e 254 do Código de Processo Penal.  Além disso, verifica-se que foram utilizados trechos da sentença condenatória de modo isolado e fora de contexto, a fim de comprovar a suposta parcialidade.  Todavia, nenhum fato concreto foi apontado, ou seja, a defesa não demonstrou qualquer atuação da julgadora que levasse à conclusão de que foi parcial. Preliminar rejeitada.

7. Do pedido de conversão do julgamento em diligências. No caso, a sentença recorrida está bem fundamentada e revela que as provas constantes dos autos foram suficientes para comprovar a materialidade e autoria dos delitos, revelando-se correto o indeferimento das provas pleiteadas, conforme faculta o artigo 155 do Código de Processo Penal. Conforme prevê o artigo 400 do Código de Processo Penal, o Juiz é o destinatário das provas produzidas e pode indeferir as que considerar irrelevantes, impertinentes, inúteis ou meramente protelatórias. Na hipótese, não restou caracterizada a alegada nulidade em decorrência do indeferimento das provas requeridas por ocasião da fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, visto que indeferidas em razão de não serem pertinentes ao deslinde da causa, conforme decisão devidamente fundamentada pelo juízo. Por fim, não verificado qualquer prejuízo à defesa, descabida é a pretensão de nulidade do processo, sobretudo diante do disposto no artigo 563, do Código de Processo Penal. Assim, inexistindo nulidade a ser sanada e não demonstrada a imprescindibilidade da prova, não merece ser acolhido o pedido de conversão do julgamento em diligência. Afastada a referida preliminar.

8. Do crime de evasão de divisas. Na hipótese, a conduta dos recorrentes se amolda a primeira parte do parágrafo único do referido dispositivo, a qual diz respeito ao agente que promove, a qualquer título, a saída de divisas para o exterior sem autorização legal.  Em linhas gerais, trata-se de modalidade que se relaciona ao envio clandestino e/ou fraudulento de divisas para outro país. Nesse caso, o delito se consuma no momento em que o agente, diretamente ou com auxílio de terceiros, logra a saída da moeda ou divisas, podendo a evasão se dar em espécie ou por meio de uma operação capaz de gerar disponibilidade no exterior. Segundo a exordial, a criação de empresas de "fachada", constituídas em nomes de "laranjas", ocorreu para simularem operações de importação que jamais se realizaram de fato, para forjar contratos de empréstimo a pessoas residentes no exterior sem intenção de repatriar valores ao Brasil, e para simularem inexistentes contratos de frete marítimo de produtos importados, falsificando a documentação necessária. Desta feita, a conduta é típica, posto que se trata de operações fraudulentas com o intuito de remeter moeda ou divisa para o exterior. 

7. Materialidade demonstrada. A materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelo amplo conjunto probatório produzido nos autos, notadamente, pela Informação da Polícia de Imigração e de Alfândega dos Estados Unidos, fichas cadastrais, Relatórios de Diligências Policiais, Informações da Receita Federal do Brasil, Laudos Periciais e Relatórios de Inteligência Policial, quebra de sigilos bancário e fiscal dos investigados e interceptações telefônicas e telemáticas, que constam dos autos do Procedimento Cautelar 0001294-27.2015.403.6181 e documentos apreendidos nos Apensos I a XXXII do IPL 0199/2014-01, assim como pelas declarações prestadas pelas testemunhas e pelos próprios acusados.

8. Autoria e dolo comprovados. O conjunto probatório demonstrou que os apelantes promoveram, de forma consciente e voluntárias, a saída de divisas para o exterior, sem autorização legal, por meio das pessoas jurídicas. No caso, restou demonstrado que houve simulação de importação, de empréstimo a pessoa física residente no exterior e de frete marítimo com intuito de justificar, de maneira fraudulenta, a remessa de divisas ao exterior. Além disso, foram apreendidos documentos em poder de todos os réus, os quais deixam claro que eles celebraram contratos de câmbio fraudulentos, com habitualidade, utilizando-se de empresas "de fachada" constituídas em nome de "laranjas", e após o quê evadiram milhões de reais do Brasil. Assim, de rigor, a manutenção da condenação dos réus pela prática do crime de evasão de divisas. 

9. Do crime se associação criminosa. O Juízo de origem considerou que os fatos se amoldavam à conduta criminosa descrita no artigo 2º, § 4º, inciso V, da Lei 12.850/2013, sob o fundamento de que, no caso dos autos, a organização era estruturalmente ordenada e contava com a divisão de tarefas, havendo uma vinculação horizontal, na qual os réus atuavam de forma conjunta e prestavam colaboração mútua. O crime de quadrilha ou bando (artigo 288 do Código Penal), atualmente denominado associação criminosa, por sua natureza, é autônomo e se perfaz independentemente da prática dos crimes a que os agentes objetivam perpetrar a partir da união associativa, sendo prescindível a comprovação de que houve o cometimento de crimes por integrantes da associação. O tipo penal, ainda, exige que haja a associação de três ou mais pessoas para sua caracterização. É de se registrar que, com o advento da Lei 12.850/2013, que deu nova redação ao artigo 288 do Código Penal, para a configuração do delito é necessária que a associação tenha o "fim específico de cometer crimes", o que configura o caráter de durabilidade e estabilidade da associação, diferenciando-a do mero concurso de agentes. Os integrantes da associação devem pretender a realização de delitos determinados. Por outro lado, quanto à estabilidade e permanência exigidas para a caracterização do delito, há a necessidade de que os integrantes tenham a finalidade de cometer uma série indeterminada de crimes. Já quanto ao crime do artigo 2º, § 4º, inciso V, da Lei 12.850/2013, nota-se que a organização criminosa está caracterizada quando há a associação de quatro ou mais pessoas, há divisão de tarefas, com o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais com penas máximas superiores a 04 anos ou que sejam de caráter transnacional. Entende-se como traço característico da organização criminosa, também, a hierarquia e a liderança no grupo. 

10. Da materialidade, da autoria e do dolo. No caso, as provas constantes dos autos, devidamente analisadas nos tópicos anteriores, demonstram, de forma segura, o liame subjetivo entre MARCOS GLIKAS, NIKOLAOS JOANNIS SAKKOS, RAUL BATISTA DA SILVA JÚNIOR e outros indivíduos que não figuram como réus nestes autos, mas foram indiciados pela autoridade policial que conduziu as investigações desta Operação Porto Victória, tais como, Cláudio Izquierdo, Gildo Ramalho de Oliveira, Régis Fragola e outros. Da mesma forma, há evidente intenção associativa entre MARCOS GLIKAS, CARLOS IDAIR JARDIM FILHO, os denunciados nos autos da ação penal nº 0009015-30.2015.403.6181, Fábio Pavan e Henrique Mantilla Neto, que, inclusive foram condenados pelos mesmos fatos, e outros indivíduos que não figuram como réus nestes autos, mas foram indiciados pela autoridade policial que conduziu as investigações desta Operação Porto Victória, tais como, Giovani di Francesco, André Figueiredo Miranda, Allan Simões Toledo, Manuel Dulman Abramson ("Manolo") e outros. Embora o Magistrado de primeiro grau, tenha enquadrado as condutas dos apelantes no art. 2º da Lei nº 12.850/2013, entendo que somente restou evidenciada a associação para a prática de crimes. Das provas não é possível verificar uma estrutura de hierarquia e de liderança no grupo criminoso, já que, ao que parece, atuavam de forma conjunta. O conteúdo das interceptações telefônicas e telemáticas, o resultado das quebras de sigilo bancário e fiscal, as buscas e apreensões, as perícias, os documentos colhidos na investigação e os relatórios de inteligência policial, comprovam que os recorrentes se associaram, de forma consciente e voluntária, para cometer crimes. Insta salientar que consta nos autos inúmeros diálogos que revelam a associação e participação dos réus, bem como a divisão de tarefas, restando claro que eles negociavam operações de "cabo" por telefone, com clientes diversos, discutiam questões referentes à atividade, a saber, negociavam cotações, falavam sobre depósitos em moeda nacional e estrangeira, remessas ao exterior, comprovantes de depósitos, swift codes, instruindo terceiros sobre os procedimentos das operações, indicando clientes uns para os outros, etc. Cabe registrar, ainda, que não foi ocasional a associação dos acusados, já que, por tempo razoável, estiveram unidos, planejando e praticando crimes, o que demonstra que era permanente o conluio, sendo que, certamente, se não houvessem sido descobertos, prosseguiriam em suas atividades ilícitas. Reputo, portanto, devidamente comprovada a prática do crime de associação criminosa, diante da presença dos requisitos de estabilidade, permanência e número de participantes maior que 03 (três), razão pela qual está caracterizado o crime do artigo 288 do Código Penal, sendo devida a emendatio libelli, disposta no artigo 383 do Código de Processo Penal.

11. Da dosimetria das penas.

12. Da evasão de divisas. Não se mostra passível de ser valorada a circunstância da culpabilidade. A fundamentação da sentença de que a culpabilidade é negativa em decorrência da habitualidade da conduta, pela realização de centenas de negócios no período das investigações, coincide com a mesma dada para a fixação da continuidade delitiva, na terceira fase da pena. Mantida a continuidade delitiva, em razão das centenas de remessas de valores para fora do Brasil Patamar de 2/3 (dois terços) de aumento, por ser proporcional ao número de condutas reiteradas e ao período de tempo pelo qual as condutas criminosas se prolongaram

13. Da associação criminosa. O crime é autônomo, de forma que as circunstâncias negativas do crime de evasão de divisas não se comunicam com o crime do artigo 288 do Código Penal. Para a valoração da pena-base do referido crime, deveria o julgador ter avaliado o alcance da associação criminosa, o grau de sofisticação e organização do grupo. Desta feita, entendo que a fundamentação de que o número de remessas de valores, a quantidade de dinheiro remetida para o exterior e a utilização de fraude para a realização da evasão não se relaciona ao crime de associação, de forma que ficam afastadas tais circunstâncias da primeira fase da dosimetria da pena.

14. Diante do redimensionamento das penas e das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, entendo suficiente o regime prisional semiaberto para o início do cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea "b", e § 3º, do Código Penal.

15. Incabível a substituição das penas privativas por restritivas de direitos, porquanto não preenchido o requisito do inciso I, do artigo 44 do Código Penal.

16. Indeferido o pedido do Exmo. Procurador Regional da República de execução provisória das penas, considerando-se o julgamento das ADC´s números 43,44 e 54 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 07 de novembro de 2019, que, por maioria absoluta, assentou ser constitucional a regra prevista no art. 283 do Código de Processo Penal, a qual obedece ao princípio da presunção de inocência estabelecido no art. 5ª, inc. LVII, da Constituição da República de 1988. Assim, vedou toda e qualquer execução provisória.

17. Recursos defensivos parcialmente providos."

Em suas razões, a defesa pugnou pelo conhecimento e acolhimento dos embargos, a fim de que seja: a) reconhecida a prescrição do crime de associação criminosa e, consequentemente, extinta a punibilidade do Embargante; b) remetido os autos ao Procurador da República para análise acerca do oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal - ANPP; c) e sanada omissão quanto à impossibilidade de reconhecer o crime constante do parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86 (ID 279411437).

A Procuradoria Regional da República, em sua resposta, manifestou-se pelo parcial provimento dos embargos de declaração, apenas para reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, em sua modalidade superveniente, no tocante ao crime previsto no artigo 288 do Código Penal, com a consequente declaração de extinção da punibilidade do embargante, nos termos do artigo 107, inciso IV, do Código Penal, mantendo-se, no mais, na íntegra o acórdão (ID 281210396).

É O RELATÓRIO.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 

 


 

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ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: RUI FERNANDO COSTA DE ALMEIDA PRADO JUNIOR - SP244368

 

 

 

V O T O

1. Sobre o cabimento dos embargos de declaração. Como cediço, os embargos de declaração constituem recurso de fundamentação vinculada, cabíveis nas restritas e taxativas hipóteses previstas no art. 619, do Código de Processo Penal, de modo que a mera irresignação com o entendimento apresentado na decisão embargada, visando à reversão do julgado, ainda que deduzida sob o pretexto de sanar omissão, contradição, ambiguidade ou obscuridade, não tem o condão de viabilizar o provimento dos declaratórios.

É sob esse prisma, pois, que passo a analisar os embargos opostos pela defesa.

2. Das preliminares.  A defesa requer o acolhimento dos embargos, a fim de que seja: a) reconhecida a prescrição do crime de associação criminosa e, consequentemente, extinta a punibilidade do Embargante; b) remetido os autos ao Procurador da República para análise acerca do oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal - ANPP (ID 279411437).

2.1. Da prescrição do crime de associação criminosa. Questões de ordem pública, como é o caso da prescrição em matéria criminal, podem e devem ser conhecidas em sede de embargos, a par da ausência de qualquer dos requisitos previstos no artigo 619 do Código de Processo Penal.

Na hipótese, é o caso de declaração da extinção da punibilidade do embargante, por ocorrência da prescrição punitiva do Estado.

Vejamos.

No v. acórdão embargado, o réu foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 288 do Código Penal, à pena de 01 (um) ano de reclusão.

Não foi interposto recurso pela acusação e, desse modo, a prescrição é regulada pela pena concretamente aplicada aos réus, nos termos do art. 110, §1º, do Código Penal.

Assim, o prazo prescricional a ser aplicado ao presente caso é de 04 (quatro) anos, com fundamento no artigo 109, inciso V, do Código Penal.

Compulsando os autos, verifica-se que a publicação da sentença condenatória ocorreu em 25/02/2016 (ID 145075527 - pág. 246) e o julgamento do apelo defensivo interposto nos autos foi realizado na sessão de 21/08/2023 (ID 278851794), tendo decorrido lapso maior de 04 (quatro) anos entre as data mencionadas, operando-se, portanto, a prescrição da pretensão punitiva estatal, em sua modalidade superveniente, em relação ao crime do art. 288 do CP.

2.2. Do Acordo de Não Persecução Penal. O acordo de não persecução penal- ANPP, introduzido pela Lei n° 13.964/2019 (artigo 28-A do CPP) é aplicável para os crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, cuja pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos e desde que haja confissão formal e circunstanciada.

Trata-se de negócio jurídico processual, com partes determinadas (de um lado o MP e, de outro, o investigado), objeto (o não ajuizamento de ação penal pelos fatos criminosos versados no caso), condições, termo e obrigatória existência de livre e espontânea vontade dos agentes envolvidos em negociar e finalmente pactuar a avença.

O Ministério Público Federal de segunda instância, ao oferecer contrarrazões aos embargos declaratórios da defesa, deixou de propor o acordo de não persecução penal, sob o argumento de não cabimento do benefício na fase atual do feito, na qual já houve julgamento de recurso de apelação, de ser inviável a propositura do ajuste pretendido, pois o conjunto probatório dos autos demonstrou conduta criminal habitual, reiterada e profissional do réu, uma vez que "foram apreendidos documentos em poder de todos os réus, os quais deixam claro que eles celebraram contratos de câmbio fraudulentos, com habitualidade, utilizando-se de empresas "de fachada" constituídas em nome de "laranjas", e após o quê evadiram milhões de reais do Brasil", conforme restou consignado no bojo do acórdão ora embargado (ID 278874760).

No presente caso, embora seja possível a celebração da ANPP nos processos em curso quando da edição da lei até o trânsito em julgado da ação penal, incide o óbice previsto no artigo 28-A, § 2º, inciso II, do Código de Processo Penal, motivo pelo qual não há o preenchimento dos requisitos legais necessários à propositura do Acordo de Não Persecução Penal/ANPP. 

Nessa ordem de ideias, mostra-se incabível a aplicação do art. 28 do CPP.

3. Do mérito recursal. No mérito, requer que seja sanada omissão quanto à impossibilidade de reconhecer o crime constante do parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86 (ID 279411437).

Todavia, não há omissão a ser sanada no v. acórdão, em relação à configuração do crime de evasão de divisas, pois, ao contrário do sustentado, houve o enfrentamento da tese defensiva veiculada nas respectivas razões de apelação, conforme a seguir:

"3.1. Do crime do artigo 22, parágrafo único, da Lei 7.492/1986. Narra a inicial, em síntese, que pelo menos desde o ano de 2013 até meados de 2015, o grupo criminoso investigado, por meio das pessoas jurídicas RR2L TRADING COMERCIAL IMPORTADORA E EXPORTADORA, WORLD BUSINESS EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO S/A, RMF TELECOM COMERCIAL, ITAO FLASH AGENCIAMENTO DE CARGAS EIRELI e PVX TRANSPORTES INTERNACIONAIS, remeteu fraudulentamente milhões de dólares, utilizando-se, para tanto, como destinatárias, as contas bancárias das empresas TRADESPHERE INTERNATIONAL LIMITED, KIND WIDE ENTERPRISES LIMITES MIRAAIL LOGISTICS e DEFRAN SEA WORLD LIMITED, entre inúmeras outras, mantidas em Hong Kong.

Informa a denúncia que os réus captavam valores no Brasil, utilizando-se de contas bancárias em nome das pessoas jurídicas FLEX PARTS COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE PEÇAS E SERVIÇOS DE TRANSPORTES, ITAO FLASH AGENCIAMENTO DE CARGAS, PRIME LOGÍSTICA, SAFE LOGÍSTICA E SERVIÇOS DE TRANSPORTES INTERNACIONAIS, MUNDO AZUL PARTICIPAÇÕES LTDA., CROSSOVER TRANSPORTES EIRELI, NS DE FÁTIMA, entre outras. Após, com a finalidade de dificultar a identificação da origem dos recursos, tais quantias eram transferidas para as contas bancárias de outras empresas, quais sejam, RR2L TRADING COMERCIAL IMPORTADORA E EXPORTADORA, WORLD BUSINESS EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO, RMF TELECOM COMERCIAL LTDA., LISBOA UNIFORMES E BAZAR, ITAO FLASH AGENCIAMENTO DE CARGAS EIRELI e PVX TRANSPORTES INTERNACIONAIS, em nome das quais eram celebrados, junto a instituições bancárias diversas, contratos de câmbio fraudulentos sob o falso pretexto de pagamento de importação de produtos, empréstimos a residentes no exterior e pagamento de fretes marítimos.

Por fim, uma vez convertidos os valores em moeda estrangeira, eram as quantias remetidas ao exterior, sendo transferidos a contas bancárias de pessoas jurídicas sediadas em Hong Kong, a partir das quais os réus disponibilizavam, no exterior, a moeda estrangeira a seus clientes, modalidade clandestina de câmbio conhecida como "dólar-cabo" ou "euro-cabo".

De acordo com o órgão da acusação todas as empresas utilizadas no esquema eram controladas direta ou indiretamente pelos réus da presente ação, tratando-se de empresas que pouco ou nada exerceram de seus objetos sociais, com existência meramente formal, fictícia. Ao final, imputou-lhes a prática do crime previsto no art. 22 da Lei nº 7.492/86, que assim dispõe:

"Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: 

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente."

Na hipótese, a conduta dos recorrentes se amolda a primeira parte do parágrafo único do referido dispositivo, a qual diz respeito ao agente que promove, a qualquer título, a saída de divisas para o exterior sem autorização legal.

Em linhas gerais, trata-se de modalidade que se relaciona ao envio clandestino e/ou fraudulento de divisas para outro país. Nesse caso, o delito se consuma no momento em que o agente, diretamente ou com auxílio de terceiros, logra a saída da moeda ou divisas, podendo a evasão se dar em espécie ou por meio de uma operação capaz de gerar disponibilidade no exterior.

Segundo a exordial, a criação de empresas de "fachada", constituídas em nomes de "laranjas", ocorreu para simularem operações de importação que jamais se realizaram de fato, para forjar contratos de empréstimo a pessoas residentes no exterior sem intenção de repatriar valores ao Brasil, e para simularem inexistentes contratos de frete marítimo de produtos importados, falsificando a documentação necessária.

Desta feita, a conduta é típica, posto que se trata de operações fraudulentas com o intuito de remeter moeda ou divisa para o exterior. 

Neste ponto, valho-me da fundamentação contida na r. sentença, in verbis:

"... as atividades criminosas praticadas por intermédio das empresas RR2L TRADING COMERCIAL IMPORTADORA E EXPORTADORA, WORLD BUSINESS EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO S/A e RMF TELECOM COMERCIAL.

(...)

A regular celebração de contrato de câmbio para pagamento de importação demanda que a operação comercial de importação seja efetivada, ou os valores repatriados, em prazo determinado pelo BACEN. Nesse sentido, a Medida Provisória no 1.569, de 25 de março de 1997, estabeleceu penalidade pecuniária para o descumprimento dos prazos estabelecidos pelo BACEN para a celebração do contrato de câmbio, nos seguintes termos:

Art. 1º. Fica o importador sujeito ao pagamento de multa diária, sob a modalidade de encargo financeiro, a ser recolhida ao Banco Central do Brasil, quando: I

I- contratar operação de câmbio fora dos prazos estabelecidos pelo Banco Central do Brasil;

I - efetuar o pagamento, em reais, de importação em virtude da qual seja devido o pagamento em moeda estrangeira; 

III - efetuar pagamento, com atraso, das importações licenciadas para pagamento em reais; I

V - não efetuar o pagamento de importação até 180 dias após o primeiro dia do mês subsequente ao previsto para pagamento na Declaração de Importação.

Note-se que a Medida Provisória em questão foi reeditada até assumir o no 1.836-30, de 27 de julho de 1999. Esta última, por sua vez, foi convertida na Lei no 9.817/99, cujo art. 1º possuía a mesma redação acima já transcrita.

A Lei no 9.817/99 foi revogada expressamente pela Lei n. 10.755/2003, cujo art. 1º está assim redigido:

Art. 1º. Fica o importador sujeito ao pagamento de multa a ser recolhida ao Banco Central do Brasil nas importações com Declaração de Importação - DI, registrada no Sistema Integrado de Comércio Exterior - Siscomex, quando:

I - contratar operação de câmbio ou efetuar pagamento em reais sem observância dos prazos e das demais condições estabelecidas pelo Banco Central do Brasil;

II - não efetuar o pagamento de importação até cento e oitenta dias a partir do primeiro dia do mês subsequente ao previsto para pagamento da importação, conforme consignado na DI ou no registro de Operações Financeiras - ROF, quando financiadas.

Ou seja, ao menos desde a época dos fatos até hoje, a contratação de operação de câmbio, sem observância dos prazos estabelecidos pelo BACEN para o caso, constitui infração cambial.

A Circular no 2.331/92, do BACEN, instituiu a Consolidação das Normas Cambiais ("CNC"), que assim dispunha sobre a celebração de contratos de câmbio referentes a importações com pagamento antecipado (CNC, Capitulo 6, Titulo 7):

1. Considera-se como pagamento antecipado de importação aquele efetuado anteriormente:

a) ao embarque, nos casos de mercadorias importadas diretamente do exterior em caráter definitivo, inclusive sob o regime de drawback, ou quando destinadas a admissão na Zona Franca de Manaus, em Área de Livre Comércio ou em Entreposto Industrial; b) à nacionalização de mercadorias que tenham sido admitidas sob outros regimes aduaneiros especiais ou atípicos.

(...)

3. Os pagamentos antecipados de importação devem estar respaldados em operações comerciais efetivamente já contratadas no exterior, que prevejam essa condição, e podem ser efetuados com antecipação de até 180 dias à data prevista para:

a) o embarque no exterior, nos casos de que trata a alínea "a" do item 1 deste título; ou

b) a nacionalização da mercadoria, nos casos de que trata a alínea "b" do item 1 deste título. 

(...)

5 ocorrência de pagamento antecipado, em moeda estrangeira em reais, deve ser indicada no esquema de pagamento da importação, na ocasião do registro da Declaração de Importação relativa:

a) ao despacho para consumo ou à admissão em entreposto industrial, nos casos previstos na alínea "a" do item 1 deste título; b) à nacionalização da mercadoria, nos casos previstos na alínea "h" do item 1 deste título.

6. Nos casos de Despacho Antecipado de Importação, em que o pagamento antecipado ao exterior se efetue após o registro da correspondente Declaração de Importação - DI, o importador deve providenciar a retificação da DI no Siscomex, para informar o pagamento antecipado realizado.

7. Não ocorrendo o embarque ou a nacionalização da mercadoria até a data informada na ocasião da liquidação do contrato de câmbio, deve o importador providenciar, no prazo de até 30 dias, a repatriação dos valores correspondentes aos pagamentos efetuados.

8. O desembaraço aduaneiro ou a nacionalização da mercadoria, bem como a vincula ção do contrato de câmbio à DI correspondente, por parte do importador, na forma do título 12, devem ocorrer no prazo máximo de 60 dias contados da data prevista para embarque ou nacionalização, informada por ocasião da liquidação do contrato de câmbio.

9. O não atendimento ao disposto no item anterior pode implicar para o importador, até a regularização da pendência, a obrigatoriedade de apresentação de Dl nos pagamentos de suas importações sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

A CNC foi revogada pela Circular no 3.280/2005, do BACEN, que instituiu o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais ("RMCCI"). O RMCCI, em seu Título I, Capítulo 12, Seção 3, assim dispõe sobre as importações com pagamento antecipado:

1. Considera-se pagamento antecipado de importação aquele efetuado com antecipação de até 180 dias à data prevista para: a) o embarque, nos casos de mercadorias importadas diretamente do exterior em caráter definitivo, inclusive sob o regime de drawback, ou quando destinadas a admissão na Zona Franca de Manaus, em Área de Livre Comércio ou em Entreposto Industrial; b) a nacionalização de mercadorias que tenham sido admitidas sob outros regimes aduaneiros especiais ou atípicos.

(...)

3. Não ocorrendo o embarque ou a nacionalização da mercadoria até a data informada na ocasião da liquidação do contrato de câmbio, deve o importador providenciar, no prazo de até 30 dias, a repatriação dos valores correspondentes aos pagamentos efetuados.

Por fim, em 03 de fevereiro de 2014, para regulamentar a Resolução no 3.568, de 29 de maio de 2008, que dispõe sobre o mercado de câmbio, veio à tona a Circular no 3.691, do BACEN, revogando as disposições da Circular no 3.280/2005 ("RMCCI"), assim estabelecendo acerca do tema em discussão:

"Art. 24. Nas operações em que for exigida a realização de pagamento antecipado ao exterior, caso não venha a se concretizar ração que respaldou a transferência, o comprador da moeda estrangeira deve providenciar o retorno ao País dos recursos correspondentes, utilizando-se a mesma classificação da transferência ao exterior, quando do efetivo ingresso dos recursos, com utilização de código de grupo específico.

(...)

Art. 110. É facultada a antecipação do pagamento de importação registrada para pagamento a prazo de até 360 (trezentos e sessenta) dias, observada a regulamentação de competência de outros órgãos.

(...)

Art. 112. Não ocorrendo o embarque ou a nacionalização da mercadoria até a data informada na ocasião da liquidação do contrato de câmbio, deve o importador providenciar, no prazo de até trinta dias, a repatriação dos valores correspondentes aos pagamentos efetuados."

Dos dispositivos tanto da CNC, do RMCCI e da Circular no 3.691/2014 acima transcritos, conclui-se que a celebração de contratos de câmbio para pagamento antecipado de importações exige a efetiva realização da operação comercial, com o embarque das mercadorias importadas ou sua nacionalização, ou a repatriação dos valores correspondentes aos pagamentos efetuados. E, caso isso não ocorra, existe um ilícito cambial.

In casu, não houve nem a efetivação da importação nem o repatriamento dos valores, conforme fartamente demonstrado na presente decisão.

No que se refere à remessa de divisas para fora do país, por pessoa física ou jurídica, com a finalidade de empréstimo a residente no exterior (igualmente, pessoa física ou jurídica), o Banco Central do Brasil considera tal forma de mútuo uma modalidade lícita de remessa de capital brasileiro ao exterior, não estabelecendo grandes formalidades para a celebração do contrato de câmbio que as irá subsidiar. É necessário, apenas, que as operações de câmbio estejam amparadas em documentação comprobatória do contrato de mútuo, demonstrando a idoneidade do negócio jurídico. É o que se extrai das Circulares BACEN no 3.691, de 14 de fevereiro de 2014 e no 3.689, de 16 de dezembro de 2013:

"Circular BACEN n 03.691, de 14 de fevereiro de 2014:

Regulamenta a Resolução n03.568, de 29 de maio de 2008, que dispõe sobre o mercado de câmbio e dá outras providências.

Art. 2° As pessoas físicas e as pessoas jurídicas podem comprar e vender moeda estrangeira ou realizar transferências internacionais em reais, de qualquer natureza, sem limitação de valor, sendo contraparte na operação agente autorizado a operar no mercado de câmbio, observada a legalidade da transação, tendo como base a fundamentação econômica e as responsabilidades definidas na respectiva documentação."

"Circular BACEN n 03.689, de 16 de dezembro de 2013: Regulamenta, no âmbito do Banco Central do Brasil, as disposições sobre o capital estrangeiro no País e sobre o capital brasileiro no exterior. 

Art 5° Sem prejuízo da regulamentação em vigor sobre a matéria, investidores residentes, domiciliados ou com sede no País devem manter os documentos que amparem as remessas efetuadas, devidamente revestidos das formalidades legais e com perfeita identificação de todos os signatários, à disposição do Banco Central do Brasil pelo prazo de cinco anos. Art. 60As operações de que trata este titulo devem ser realizadas com base em documentos que comprovem a legalidade e a fundamentação econômica da operação, bem como a observância dos aspectos tributários aplicáveis, cabendo à instituição interveniente verificar o fiel cumprimento dessas condições, mantendo a respectiva documentação em arquivo no dossiê da operação, na forma da regulamentação em vigor."

Em que pese a falta de formalidades impostas pelo BACEN para a celebração de contratos de câmbio com tal finalidade, fica claro que a legalidade da operação de câmbio será analisada à luz da fundamentação econômica que a justificou e que, uma vez declarada que a aquisição de moeda estrangeira se deu para determinada finalidade, no caso, empréstimo a residente no exterior, resta evidente que a destinação do dinheiro não pode ser outra. E, pela natureza de um contrato de empréstimo, só será regular o cambio e a remessa das divisas ao exterior sob tal fundamento se o beneficiário dos valores no exterior oportunamente os devolver ao remetente residente no território nacional, o que, conforme exposto nesta sentença, de acordo com a prova produzida nestes autos, jamais se deu no caso em discussão. Não existe sequer, repito, notícia da formalização de tais contratos de mútuo a subsidiar as operações de câmbio, o que, atrelado ao fato já exposto de que nenhuma quantia jamais retornou ao território nacional como pagamento pelo suposto empréstimo, conclusão de que de empréstimo jamais se tratou, mas sim de mera de divisas ao exterior."

(...) as atividades criminosas praticadas por intermédio das empresas ITAO FLASH AGENCIAMENTO DE CARGAS EIRELI e PVX TRANSPORTES INTERNACIONAIS.

(...) A legislação pátria permite que qualquer pessoa, física ou jurídica, celebre contratos de câmbio junto a instituições financeiras autorizadas a prestar tal serviço, bem como que remeta estes valores ao exterior. No entanto, para que a operação seja regular, exige o Banco Central do Brasil que seja informado, no ato da aquisição da moeda estrangeira, para qual finalidade o câmbio está sendo realizado (qual a fundamentação econômica da operação), exigindo ainda que, como regra, esteja amparado o contrato em documentação comprobatória da fundamentação econômica que motivou a aquisição da moeda estrangeira, ou seja, uma vez informado que o câmbio está sendo celebrado para determinado negócio jurídico, a idoneidade de tal negociação deve ser demonstrada pela apresentação, ao agente autorizado a operar no mercado de câmbio, o que quer dizer, à instituição financeira que vende a moeda estrangeira no Brasil, da documentação sobre a qual se assenta a transação comercial que requer a remessa de valores ao exterior. É o que se extrai da Circular BACEN no 3.691, de 14 de fevereiro de 2014:

"Circular BACEN no 3.691, de 14 de fevereiro de 2014:

Regulamenta a Resolução no 3.568, de 29 de maio de 2008, que dispõe sobre o mercado de câmbio e dá outras providências.

Art. 2º. As pessoas físicas e as pessoas jurídicas podem comprar e vender der moeda estrangeira ou realizar transferências internacionais reais, de qualquer natureza, sem limitação de valor, sendo contraparte na operação agente autorizado a operar no mercado de câmbio, observada a legalidade da transação, tendo corno base a fundamentação econômica e as responsabilidades definidas na respectiva documentação.

(...)

Art. 137. A realização de operações no mercado de câmbio está sujeita à comprovação documental."

Fica claro, portanto, que a legalidade da operação de câmbio será analisada à luz da fundamentação econômica que a justificou e que, uma vez declarada que a aquisição de moeda estrangeira se deu para determinada finalidade, no caso, pagamento de frete marítimo, a destinação do dinheiro não pode ser outra."

No caso, o embargante deixa clara a intenção de alterar o julgado, o que não se coaduna com os objetivos traçados pelos artigos 619 e 620 do Código de Processo Penal, haja vista que os embargos de declaração não se prestam a rediscutir a matéria julgada, para que desse modo se logre obter efeitos infringentes:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. (...). AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA OMISSÕES, OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Para se configurar a contradição, é necessário que a fundamentação do julgado esteja em desarmonia com a conclusão atingida, o que em nenhum momento foi demonstrado pelo Embargante. 4. O real objetivo do Embargante é conferir efeitos modificativos aos presentes embargos , visando revisão do julgamento que não lhe foi favorável, pretensão que não se coaduna com a via eleita, que têm a finalidade de sanar eventual omissão, contradição ou obscuridade na decisão embargada, inexistentes na espécie.5. embargos de declaração rejeitados. (STJ, EDHC n. 56.154, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 27.03.08)"


"PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 1º, INCISO II, DA LEI Nº 8.137/90. (...). REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE I - São cabíveis embargos declaratórios quando houver na decisão embargada qualquer contradição, omissão ou obscuridade a ser sanada. Podem também ser admitidos para a correção de eventual erro material, consoante entendimento preconizado pela doutrina e jurisprudência, sendo possível, excepcionalmente, a alteração ou modificação do decisum embargado. II - Inviável, entretanto, a concessão do excepcional efeito modificativo quando, sob o pretexto de ocorrência de contradição, omissão e obscuridade na decisão embargada, é nítida a pretensão de rediscutir matéria já incisivamente apreciada. embargos rejeitados."(STJ, EDRHC n. 19.086, Rel. Min. Felix Fischer, j. 14.11.06)

Cabe ressaltar, ainda, que o julgador não está obrigado a apreciar e afastar todos os argumentos declinados pelas partes, mas sim deduzir fundamentação adequada ao deslinde da causa trazida à sua apreciação.

Por fim, importante mencionar que, conforme o art. 1.025, § 1º, do CPC/2015, de aplicação subsidiária no Processo Penal, o conteúdo dos embargos declaratórios é tido por prequestionado ainda que o recurso tenha sido rejeitado ou não conhecido.

Ante o exposto, conheço dos embargos de declaração para dar-lhes parcial provimento, a fim de reconhecer e declarar extinta a punibilidade de RAUL BAPTISTA DA SILVA JUNIOR, pela ocorrência da prescrição do crime previsto no art. 288 do CP, nos termos do  artigo 109, inc. V, c/c os artigos 110, §1º (com redação anterior à Lei nº 12.234/2010), e 117, inc. IV, todos do Código Penal. 

 É COMO VOTO.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESCRIÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 288 DO CP. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. INVIÁVEL. AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OMISSÃO OU OBSCURIDADE. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Questões de ordem pública, como é o caso da prescrição em matéria criminal, podem e devem ser conhecidas em sede de embargos, a par da ausência de qualquer dos requisitos previstos no artigo 619 do Código de Processo Penal.  No v. acórdão embargado, o réu foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 288 do Código Penal, à pena de 01 (um) ano de reclusão. Não foi interposto recurso pela acusação e, desse modo, a prescrição é regulada pela pena concretamente aplicada aos réus, nos termos do art. 110, §1º, do Código Penal. Assim, o prazo prescricional a ser aplicado ao presente caso é de 04 (quatro) anos, com fundamento no artigo 109, inciso V, do Código Penal. Compulsando os autos, verifica-se que a publicação da sentença condenatória ocorreu em 25/02/2016 e o julgamento do apelo defensivo interposto nos autos foi realizado na sessão de 21/08/2023, tendo decorrido lapso maior de 04 (quatro) anos entre as data mencionadas, operando-se, portanto, a prescrição da pretensão punitiva estatal, em sua modalidade superveniente, em relação ao crime do art. 288 do CP.

2. O acordo de não persecução penal- ANPP, introduzido pela Lei n° 13.964/2019 (artigo 28-A do CPP) é aplicável para os crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, cuja pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos e desde que haja confissão formal e circunstanciada. O Ministério Público Federal de segunda instância, ao oferecer contrarrazões aos embargos declaratórios da defesa, deixou de propor o acordo de não persecução penal, sob o argumento de não cabimento do benefício na fase atual do feito, na qual já houve julgamento de recurso de apelação, de ser inviável a propositura do ajuste pretendido, pois o conjunto probatório dos autos demonstrou conduta criminal habitual, reiterada e profissional do réu, uma vez que "foram apreendidos documentos em poder de todos os réus, os quais deixam claro que eles celebraram contratos de câmbio fraudulentos, com habitualidade, utilizando-se de empresas "de fachada" constituídas em nome de "laranjas", e após o quê evadiram milhões de reais do Brasil", conforme restou consignado no bojo do acórdão ora embargado (ID 278874760)No presente caso, embora seja possível a celebração da ANPP nos processos em curso quando da edição da lei até o trânsito em julgado da ação penal, incide o óbice previsto no artigo 28-A, § 2º, inciso II, do Código de Processo Penal, motivo pelo qual não há o preenchimento dos requisitos legais necessários à propositura do Acordo de Não Persecução Penal/ANPP. Nessa ordem de ideias, mostra-se incabível a aplicação do art. 28 do CPP.

3. Inexiste, no r. Acórdão ora embargado, qualquer contradição, omissão ou obscuridade a sanar via destes declaratórios. O embargante deixa clara a intenção de alterar o julgado, o que não se coaduna com os objetivos traçados pelos artigos 619 e 620 do Código de Processo Penal. Os embargos de declaração não se prestam a rediscutir a matéria julgada, para que desse modo se logre obter efeitos infringentes. Precedentes.

4. Embargos providos em parte.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu conhecer dos embargos de declaração para dar-lhes parcial provimento, a fim de reconhecer e declarar extinta a punibilidade de RAUL BAPTISTA DA SILVA JUNIOR, pela ocorrência da prescrição do crime previsto no art. 288 do CP, nos termos do artigo 109, inc. V, c/c os artigos 110, §1º (com redação anterior à Lei nº 12.234/2010), e 117, inc. IV, todos do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.