Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022981-10.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: LEONARDO CABRERA FERNANDES

Advogado do(a) AGRAVANTE: ERICA POSSEBON TESTA - SP453538-A

AGRAVADO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, BANCO DO BRASIL SA

Advogado do(a) AGRAVADO: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - SP128341-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022981-10.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: LEONARDO CABRERA FERNANDES

Advogado do(a) AGRAVANTE: ERICA POSSEBON TESTA - SP453538-A
AGRAVADO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, BANCO DO BRASIL SA

Advogado do(a) AGRAVADO: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - SP128341-A

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de agravo de instrumento à decisão que indeferiu liminar, objetivando revisão de cláusulas contratuais do FIES.

Alegou, em suma, que: (1) são realizadas cobranças indevidas, sendo que as parcelas não observaram a função social do contrato e comprometem a subsistência do agravante, pois superam a renda auferida; e (2) o pedido de redução da parcela ao mínimo legal tem base no artigo 5º-A, § 3º, da Lei 10.260/2001, no princípio da função social do contrato e em precedentes que demonstram as abusividades identificadas no FIES.

Houve contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 


 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022981-10.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: LEONARDO CABRERA FERNANDES

Advogado do(a) AGRAVANTE: ERICA POSSEBON TESTA - SP453538-A
AGRAVADO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, BANCO DO BRASIL SA

Advogado do(a) AGRAVADO: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - SP128341-A

 

 

 

 

 V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, na inicial da ação de origem, o agravante defende que: (1) a cláusula décima quinta, parágrafo primeiro, aplica juros capitalizados ao custo efetivo total (CET) em mesmo percentual aplicado sobre o saldo devedor; (2) a aplicação da Tabela Price acarreta juros compostos, o que ultrapassa o previsto na Resolução 4.974/2021, que fixou juros de 6,5% ao ano, ou 0,525% ao mês; (3) devem ser afastados juros moratórios e multa contratual, face à abusividade dos encargos; (4) os juros devem ser reduzidos ao mínimo legal, a fim de possibilitar o pagamento da dívida e o sustento do agravante; e (5) a Resolução BACEN 4.628/2018 estabeleceu que os financiamentos concedidos a partir do primeiro semestre de 2018 teriam taxa de juros real igual a zero, o que constitui direito adquirido dos beneficiários.

Examinando os autos, não se vislumbra a probabilidade do direito alegado, visto que a cobrança ampara-se em contrato livremente pactuado entre as partes, e com respaldo na legislação aplicável.

Com efeito, o contrato foi firmado em 07/03/2016 (ID 294654766, origem), constando expressamente da cláusula décima quinta a incidência de taxa efetiva de juros de 6,5% ao ano, capitalizada mensalmente, equivalente a 0,526% ao mês. Tais percentuais conformam-se  à Resolução Bacen 4.432/2015, que fixou que “Para os contratos do FIES celebrados a partir da data de publicação desta resolução, a taxa efetiva de juros será de 6,50% a.a. (seis inteiros e cinquenta centésimos por cento ao ano)”. Embora revogada pela Resolução Bacen 4.974/2021, esta ainda manteve a disposição para contratos celebrados entre julho de 2015 a dezembro de 2017, caso dos autos:

 

“Art. 1º A taxa efetiva de juros para os contratos de financiamento do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), de que trata o art. 5º da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, é:

I - de 3,40% a.a. (três inteiros e quarenta centésimos por cento ao ano), para contratos celebrados de 1999 a junho de 2015; e

II - de 6,50% a.a. (seis inteiros e cinquenta centésimos por cento ao ano), para contratos celebrados de julho de 2015 a dezembro de 2017.”

 

Ainda que com o advento da Lei 13.530/2017 tenha sido estabelecida taxa de juros igual a zero para financiamentos concedidos a partir do primeiro semestre de 2018,  inviável a retroação para contratos já firmados, em razão da restrição expressa do texto legal, não havendo que se falar em direito adquirido, pois tal benefício jamais foi concedido ao agravante.

Tampouco deve ser acolhida a insurgência do agravante contra a capitalização de juros ou a aplicação do sistema francês de amortização, visto que a Lei 10.260/2001 permite capitalização mensal dos juros, a partir da edição da Medida Provisória 517/2010, posteriormente convertida na Lei 12.431/2011.

Neste sentido:

 

ApCiv 5000244-14.2017.4.03.6114, Rel. Des. Fed. WILSON ZAUHY, DJEN 30/07/2021: “CIVIL. EMBARGOS À MONITÓRIA. FIES. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. INAPLICABILIDADE DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REVISÃO CONTRATUAL. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. PENA CONVENCINAL (HONORÁRIOS CONTRATUAIS). NÃO INCLUIDA NO DEMONSTRATIVO DE DÉBIO. APELO NÃO PROVIDO.  1. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que não há submissão desses contratos às regras consumeristas, uma vez que A CEF figura apenas como operadora e administradora dos ativos e passivos do Fundo, que, nessa condição, não pode ser considerada como uma fornecedora de serviço. 2. Relativamente aos contratos, uma vez convencionados os direitos e obrigações, ficam as partes ligadas pelo vínculo da vontade que as uniu. Este é o princípio da Força Obrigatória dos Contratos - também denominado Pacta Sunt Servanda - segundo o qual, estipulado validamente seu conteúdo e definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm força obrigatória para os contratantes. 3. A Apelante, no pleno gozo de sua capacidade civil, firmou contrato de crédito em indubitável manifestação de livre consentimento e concordância com todas as condições e valores constantes em tal instrumento.  4. A Tabela Price não denuncia, por si só, a prática de anatocismo, dado que ele pressupõe a incidência de juros sobre essa mesma grandeza - juros - acumulada em período pretérito, dentro de uma mesma "conta corrente". 5. A despeito de a Tabela Price não promover, em si, a incidência de juros sobre juros, a aplicação dada pelos agentes financeiros a esse sistema acaba por gerar o tão questionado anatocismo. 6. Somente a partir da edição da Medida Provisória nº 517, publicada em 31.12.10, autorizou-se a cobrança de juros capitalizados mensalmente, de modo que para os contratos firmados até 30.12.10 é vedada a cobrança de juros sobre juros, ao passo que prevista legalmente a capitalização mensal para os contratos firmados após essa data. 7. Não há qualquer similitude entre a pena convencional de 10% (dez por cento), cobrada no caso de a instituição financeira ter de se valer de procedimento judicial ou extrajudicial para cobrança da dívida, e a previsão de incidência de multa de mora de 2% (dois por cento), no caso de inadimplemento das obrigações decorrentes do atraso no pagamento, de modo que não se cogita de cobrança dúplice de multa. 8.  Quanto à cláusula contratual que prevê a prévia responsabilização do devedor por despesas judiciais e honorários advocatícios, a CEF, por mera liberalidade, não incluiu esses valores no débito em cobrança. Prejudicada a análise do pedido correspondente. 9. Recurso de apelação a que se nega provimento. “

                                       

ApelRemNec 0000234-16.2017.4.03.6127, Rel. Des. Fed. HELIO NOGUEIRA, DJEN 11/02/2021: “CIVIL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. ACOMPANHADOS DO DEMONSTRATIVO DE DÉBITO E DA PLANILHA DE EVOLUÇÃO DA DÍVIDA. TÍTULO LÍQUIDO, CERTO E EXIGÍVEL. CAPITALIZAÇÃO. LEGALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Após a apresentação dos documentos nos autos da execução pelas partes e a confirmação da contratação do crédito, a controvérsia restringe-se a questão eminentemente de direito, cuja solução prescinde da produção de prova pericial, posto que se limita à determinação dos critérios aplicáveis aos encargos incidentes sobre o débito. 2. A execução embargada encontra-se instruída por “Contrato de Abertura de Crédito para Financiamento Estudantil” e “Termo Aditivo de Renegociação” firmados entre a Caixa Econômica Federal (credora) e Camila Marques de Moraes Cheregatti, garantido por Dacidalva de Moraes Herzeg (devedora), devidamente assinados pelas partes e por duas testemunhas. 3. Nos termos do art. 784, III, do CPC, o documento particular assinado por duas testemunhas, por si só, configura título executivo extrajudicial, onde a executada assume a condição de devedor de importância líquida e certa, consentindo com os encargos incidentes pela inadimplência. Portanto, é válido e eficaz o título executivo para embasar a execução ora embargada.  4. A embargante se opõe à execução movida pela Caixa, com base em contratos celebrados livremente entre as partes, acompanhados dos respectivos instrumentos assinados, dos demonstrativos de débito e das planilhas de evolução da dívida, nas quais constam as prestações amortizadas e inadimplidas, bem como a discriminação mensal do valor principal, valor de juros e o saldo devedor teórico. 5. Nos termos do art. 784, III, do CPC, o documento particular assinado por duas testemunhas, por si só, configura título executivo extrajudicial, onde o executado assume a condição de devedor de importância líquida e certa, consentindo com os encargos incidentes pela inadimplência. 5. Não há qualquer comprovação de que a contratação dos empréstimos esteja eivada de vício de lesão nos termos do art. 157 do Código Civil. Não há nada nos autos que indique minimamente que o negócio jurídico firmado na presença de testemunhas tenha sido celebrado com vício de consentimento, premente necessidade, ou por sua inexperiência da contratante, requisitos subjetivos necessários para configurar-se a lesão. 6. No que concerne à capitalização de juros (anatocismo), não prospera o argumento no sentido da sua inadmissibilidade. O contrato prevê a forma de cálculo dos juros e a forma de amortização da dívida, estabelecendo que sobre o valor de cada operação incidem juros capitalizados mensalmente (item 7 - Dos Encargos Incidentes sobre o Saldo Devedor). (Id. 13005020 - Pág. 23 – autos da execução) 7. É lícita a capitalização de juros nos contratos bancários firmados posteriormente à vigência da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30/03/2000 (em vigor a partir da publicação no DOU de 31/03/2000) – por diversas vezes reeditada, a última sob nº 2.170-36, de 23/08/2001, ainda em vigor por força do artigo 2º, da Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001 – nos termos do artigo 5º. Precedentes. 8. Não obstante a previsão contratual de cobrança de comissão de permanência, no demonstrativo do débito do contrato verifica-se, tão somente, a aplicação de juros remuneratórios, juros moratórios e de multa contratual, sem incidência do aludido encargo. 9. Apelação não provida.”

 

AI 0042891-02.2009.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO MÁRCIO MESQUITA, e-DJF3 Judicial 1 20/09/2017: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA EM AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FIES - TAXA DE JUROS APLICÁVEL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. 1. Os juros aplicáveis aos contratos de financiamento estudantil devem respeitar as diretrizes do Conselho Monetário Nacional, nos seguintes termos: a) 9% (nove inteiros por cento) ao ano, a partir de 23.09.99 e até 30.06.06; b) 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) ao ano para os cursos indicados no art. 1º, I, da Resolução nº 3.415/06, e 6,5% (seis inteiros e cinco décimos por cento) ao ano para os demais, de 01.07.06 a 26.08.09; c) 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) ao ano para os contratos vigentes entre 27.08.09 e 10.03.10; e d) 3,4% (três inteiros e quatro décimos por cento) ao ano, para os contratos vigentes a partir de 11.03.10. 2. Consoante estabelece o art. 5º, § 10º, da Lei nº 10.260/01, com a redação dada pela Lei nº 12.202, de 15.01.10, a redução da taxa de juros para 3,4% incidirá, inclusive, sobre o saldo devedor dos contratos firmados anteriormente à indigitada Resolução nº 3.842. 3. Consoante entendimento do STJ, é admitida a comissão de permanência durante o período de inadimplemento contratual (Súmula nº 294/STJ), desde que não cumulada com a correção monetária (Súmula nº 30/STJ), com os juros remuneratórios (Súmula nº 296/STJ) ou moratórios, nem com a multa contratual. (STJ - RESP 254.236 - DJ 22/03/2010 - REL. MIN. LUIS SALOMÃO - QUARTA TURMA). 4. Somente a partir da edição da Medida Provisória nº 517, publicada em 31.12.10, que alterou a redação do art. 5º da Lei nº 10.260/01, posteriormente convertida na Lei nº 12.431/11, de 24.06.11 (art. 24) autorizou-se a cobrança de juros capitalizados mensalmente, de modo que para os contratos firmados até 30.12.10 é vedada a cobrança de juros sobre juros, ao passo que prevista legalmente a capitalização mensal para os contratos firmados após essa data. 5. A vedação somente diz com a capitalização mensal, dado que a anual ainda é autorizada pelo Decreto nº 22.626/33 ("art. 4º. É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano"). 6. Agravo de instrumento improvido.”

                                       

Logo, inexistente ilegalidade nos índices estabelecidos em contrato, inviável a concessão de medida liminar para redução das parcelas cobradas. Ainda que o agravante tenha alegado que sua renda mensal foi comprometida com o pagamento da amortização do financiamento, tal fato não autoriza, em análise preliminar, a suspensão da exigibilidade da dívida, com fundamento apenas em razões de equidade e da função social do contrato.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL - FIES. TAXA DE JUROS. CAPITALIZAÇÃO. ILEGALIDADE NÃO RECONHECIDA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Não se vislumbra a probabilidade do direito alegado, visto que a cobrança ampara-se em contrato livremente pactuado entre as partes, e com respaldo na legislação aplicável.

2. No caso, o contrato foi firmado em 07/03/2016, constando expressamente da cláusula décima quinta a incidência de taxa efetiva de juros de 6,5% ao ano, capitalizada mensalmente, equivalente a 0,526% ao mês. Tais percentuais conformam-se à Resolução Bacen 4.432/2015, que fixou que “Para os contratos do FIES celebrados a partir da data de publicação desta resolução, a taxa efetiva de juros será de 6,50% a.a. (seis inteiros e cinquenta centésimos por cento ao ano)”. Embora revogada pela Resolução Bacen 4.974/2021, foi mantida a disposição para contratos celebrados entre julho de 2015 a dezembro de 2017, caso dos autos.

3. Ainda que com o advento da Lei 13.530/2017 tenha sido estabelecida taxa de juros igual a zero para financiamentos concedidos a partir do primeiro semestre de 2018, inviável retroação para contratos já firmados, em razão da restrição expressa do texto legal, não havendo que se falar em direito adquirido, pois tal benefício jamais foi concedido ao agravante.

4. Tampouco deve ser acolhida a insurgência do agravante contra a capitalização de juros ou a aplicação do sistema francês de amortização, visto que a Lei 10.260/2001 permite capitalização mensal dos juros, a partir da edição da Medida Provisória 517/2010, posteriormente convertida na Lei 12.431/2011.

5. Agravo de instrumento desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.