APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010269-89.2021.4.03.6100
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELADO: CASA INOX SAO PAULO LTDA
Advogados do(a) APELADO: LUIZ FERNANDO VIAN ESPEIORIN - SP293286-A, MARCELO HARTMANN - SP157698-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010269-89.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL APELADO: CASA INOX SAO PAULO LTDA Advogados do(a) APELADO: LUIZ FERNANDO VIAN ESPEIORIN - SP293286-A, MARCELO HARTMANN - SP157698-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento ajuizada por Casa Inox São Paulo Ltda. em face da Caixa Econômica Federal – CEF, a fim de obter o provimento jurisdicional para que a demandada fosse condenada à obrigação de fazer de dar baixa nos títulos oriundos da nota fiscal nº 00054508, que são as duplicatas: 00054508/1 (vecto 16/04/2021), 00054508/2 (vecto 04/05/2021), 00054508/3 (vecto 22/05/2021), 00054508/4 (vecto 06/06/2021) e 00054508/5 (vecto 30/06/2021). Na exordial (ID 277064525), a parte autora, ora apelada, informou, resumidamente, que: (i) no exercício de sua atividade empresarial emitiu a nota fiscal nº 00054508, que gerou duplicatas para cobrança pela Caixa Econômica Federal; (ii) a compra foi desfeita, após alguns dias, fato que gerou a noto fiscal de devolução de nº 54587; (iii) solicitou à instituição financeira que fosse realizado o procedimento de baixa da cobrança; (iv) houve indeferimento do pedido; e (v) o título foi levado a protesto. Por meio da r. sentença (ID 277064571), o MM. Juíz a quo julgou procedente o pedido, com fundamento no inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil - CPC, obstando que os títulos fossem levados a protesto ou, em caso disso ter ocorrido, determinou a suspensão de seus efeitos, e condenou a parte demandada ao pagamento de honorários advocatícios, que foram fixados em 10% sobre o valor da causa Em sede de apelação (ID 277064574), a CEF, ora apelante, pugnou pela reforma da sentença, argumentando, em síntese, que: (i) sua agência da Mooca informou a apelada que apenas seria possível atender ao pedido de baixa dos títulos caso houvesse o envio de uma nova remessa de títulos ou se a empresa autorizasse a transferência do valores da conta corrente de livre movimentação para a conta de não livre movimentação; (ii) a parte autora não autorizou que a transferência fosse realizada e não enviou novos títulos; iii) pelo motivo de a parte autora ter contratado serviço junto à CEF (dando como garantia porcentagem dos títulos por ela emitidos) a instituição bancária agiu em regular exercício de direito. Por sua vez, a apelada apresentou contrarrazões (ID 277064578), sustentando, concisamente, que: (i) as duplicatas não foram descontadas junto à instituição bancária; (ii) os títulos estão sob sua propriedade e titularidade; (iii) o negócio jurídico de compra foi desfeito; (iv) requereu perante o banco a baixa dos boletos, mas não obteve sucesso; (v) após isso, houve o envio de um dos títulos à protesto; (vi) a Caixa não é proprietária do título, mas mandatária; (vii) a apelante não impugnou especificamente à fundamentação da sentença; e (viii) o contrato jamais ficou descoberto, pois tinha terreno como garantia. Subiram os autos a esta E. Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010269-89.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL APELADO: CASA INOX SAO PAULO LTDA Advogados do(a) APELADO: LUIZ FERNANDO VIAN ESPEIORIN - SP293286-A, MARCELO HARTMANN - SP157698-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Inicialmente, reconheço a presença das condições da ação e dos pressupostos de desenvolvimento regular do processo. Quanto à alegação, em preliminar de contrarrazões, de que a instituição financeira não impugnou especificamente os fundamentos da sentença, isto é, incidindo em violação ao princípio da dialeticidade, entendo que não merece prosperar, pois constato que foram elaborados tópicos específicos com fundamentação dirigida a infirmar o decidido em âmbito subjacente. Portanto, rejeito a preliminar, uma vez que a espécie recursal constante dos autos amolda-se ao disposto no inciso III do artigo 932 do Código de Processo Civil. Passo a apreciar a questão de fundo. Em síntese, a lide cinge-se à solicitação de que a Caixa Econômica Federal dê baixa em duplicatas oriundas de negócio jurídico desfeito antes de haver a tradição de bem móvel. A instituição refuta o pleito subsidiada em contrato anterior à situação, que possui como garantia acessória o direito sobre a cessão de parcela das duplicatas mercantis emitidas pela pessoa jurídica. A Constituição Federal de 1988 porta em seu arcabouço disposições acerca do sistema financeiro nacional, especificamente, no título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, artigo 192, que busca promover o desenvolvimento equilibrado do Brasil e servir os interesses da coletividade. In verbis: "Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. " (grifo nosso) Nesse esteio, é que foram instituídas as pessoas jurídicas que operam no mercado financeiro do Brasil, com a finalidade de regular o mercado e de efetivar o desenvolvimento equilibrado do país. No caso, a Caixa Econômica Federal (CEF), enquanto empresa pública, dentre outras, desempenha essas funções. Como meio de operacionalizar a prática econômico-financeira, as instituições bancárias exercem suas relações comerciais por meio de negócios jurídicos, utilizando-se vastamente das mais diversas modalidades contratuais. Essa vasta gama transacional encontra fundamento no artigo 421 do Código Civil: “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”, que é entendido como princípio da autonomia da vontade. In casu, o feito trata de pedido de condenação da Caixa em obrigação de fazer, que consiste em dar baixa nos títulos que tiveram origem na nota fiscal de nº 00054508, que deu causa à emissão das duplicatas: 00054508/1 (vecto 16/04/2021), 00054508/2 (vecto 04/05/2021), 00054508/3 (vecto 22/05/2021), 00054508/4 (vecto 06/06/2021) e 00054508/5 (vecto 30/06/2021), já que o negócio jurídico que lhe deu causa não fora concluído - gerando a nota fiscal de devolução de nº 54587. Na exordial, a parte autora narrou que informara à apelante acerca do desfazimento do negócio jurídico e que pleiteara que fosse dado baixa nos títulos, contudo recebera resposta negativa. Compulsando os autos e em análise as informações fornecidas pela CEF, vislumbro que há contrato de mútuo, no valor de R$ 2.571.428,00, parcelado em 48 meses, que possui como garantia acessória um terreno e parcela das duplicatas mercantis emitidas pela mutuária, conforme análise do item 16, que está sediado anteriormente à cláusula primeira do referido contrato (ID 277064553). Ademais, constatou-se que a cláusula décima quinta, que dispõe acerca da cessão fiduciária de duplicatas mercantis, deixa expressa a obrigação de a parte autora ceder os referidos títulos, quando emitidos sob o código nº 483191. Observe-se o teor da avença: “CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA – A CREDITADA cede fiduciariamente à Caixa as modalidades de cobrança registrada, por meio do Código de Cedente 483191, vinculado a partir de agora à conta caução de não livre movimentação elencada no Item III, Campo 4 deste Instrumento. Parágrafo Único – As demais disposições acerca desta garantia estão contidas no Termo de Constituição e Garantia anexo, que faz parte integrante e inseparável da presente cédula.” (grifo nosso) Diante disso, restou comprovado que a instituição bancária possuía direito a reter títulos emitidos com o código 483191, uma vez que este é o código constante dos boletos gerados pela parte autora (ID 277064528 - fls. 3/7). A priori, a alegação da apelante de que para evitar o protesto, dando baixa nas duplicatas, deveria haver a troca desses títulos ou a transferência de valor idôneo a substituí-los, poderia ser presumida como correta, contudo não pode prosperar. A improcedência dessa alegação decorre da natureza jurídica do título ora apreciado, consoante passo a expor. A duplicata é título de crédito formal e causal, possuindo vinculação à sua origem. Os artigos 1º, 2º e 20 da Lei de nº 5.474/68 dispõem que ela se vincula a um contrato de compra e venda mercantil, ou de prestações de serviços, de modo que não é possível haver sua emissão na ausência de negócio jurídico que a anteceda. Leia-se a redação dos mencionados dispositivos: “Art . 1º Em todo o contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas no território brasileiro, com prazo não inferior a 30 (trinta) dias, contado da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor extrairá a respectiva fatura para apresentação ao comprador. § 1º A fatura discriminará as mercadorias vendidas ou, quando convier ao vendedor, indicará sòmente os números e valores das notas parciais expedidas por ocasião das vendas, despachos ou entregas das mercadorias. § 2º (Revogado pelo Decreto-Lei nº 436, de 27.1.1969) Art . 2º No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador. § 1º A duplicata conterá: I - a denominação "duplicata", a data de sua emissão e o número de ordem; II - o número da fatura; III - a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; IV - o nome e domicílio do vendedor e do comprador; V - a importância a pagar, em algarismos e por extenso; VI - a praça de pagamento; VII - a cláusula à ordem; VIII - a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial; IX - a assinatura do emitente. § 2º Uma só duplicata não pode corresponder a mais de uma fatura. § 3º Nos casos de venda para pagamento em parcelas, poderá ser emitida duplicata única, em que se discriminarão tôdas as prestações e seus vencimentos, ou série de duplicatas, uma para cada prestação distinguindo-se a numeração a que se refere o item I do § 1º dêste artigo, pelo acréscimo de letra do alfabeto, em seqüência. Art. 20. Poderão emitir, na forma prevista nesta Lei, fatura e duplicata: I - as empresas, individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis que se dediquem à prestação de serviços; e II - o Transportador Autônomo de Cargas (TAC), de que trata o inciso I do caput do art. 2º da Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007. § 1º A fatura deverá discriminar a natureza dos serviços prestados.” (grifo nosso) Nesse sentido, a emissão das duplicatas apenas pode ocorrer vinculada a uma causa debendi, a um motivo de existência da dívida. Ora, a parte autora comprovou que o negócio jurídico fora desfeito, não pode, pois, subsistirem os títulos. De tamanha importância que há a vinculação do título a sua causa originária, a saber, a compra e venda de mercadorias, ou o fornecimento de serviços, que o artigo 15 da Lei de Duplicatas impõe o dever de o endossatário verificar a regularidade desse título – pela subscrição do aceite ou pelo comprovante de recebimento da mercadoria ou da prestação de serviço. Transcrevo o dispositivo legal mencionado: “Art 15 - A cobrança judicial de duplicata ou triplicata será efetuada de conformidade com o processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, de que cogita o Livro II do Código de Processo Civil, quando se tratar: l - de duplicata ou triplicata aceita, protestada ou não; II - de duplicata ou triplicata não aceita, contanto que, cumulativamente: a) haja sido protestada; b) esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e do recebimento da mercadoria, permitida a sua comprovação por meio eletrônico; c) o sacado não tenha, comprovadamente, recusado o aceite, no prazo, nas condições e pelos motivos previstos nos arts. 7º e 8º desta Lei. § 1º - Contra o sacador, os endossantes e respectivos avalistas caberá o processo de execução referido neste artigo, quaisquer que sejam a forma e as condições do protesto. § 2º - Processar-se-á também da mesma maneira a execução de duplicata ou triplicata não aceita e não devolvida, desde que haja sido protestada mediante indicações do credor ou do apresentante do título, nos termos do art. 14, preenchidas as condições do inciso II deste artigo. § 3º A comprovação por meio eletrônico de que trata a alínea b do inciso II do caput deste artigo poderá ser disciplinada em ato do Poder Executivo federal.” (grifo nosso) Nesse diapasão, caso haja vício na relação jurídica que gerou o título, consequentemente, o ele será maculado. Hipótese do caso em análise. Nesse sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, desde longa data, vem manifestado-se: “DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE ANULAÇÃO DE DUPLICATA, CANCELAMENTO DE PROTESTO E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. DUPLICATA. EMISSÃO EM VALOR SUPERIOR AO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. IRREGULARIDADE. PROTESTO INDEVIDO. ABALO DE CRÉDITO INEXISTENTE. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. (...) 4. A duplicata é título de crédito causal que, pela sua lei de regência (Lei 5.474/68) só pode ser emitida, para circulação como efeito comercial, no ato de extração de fatura ou conta decorrente de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços. 5. Além de corresponder a um efetivo negócio de compra e venda mercantil ou prestação de serviços, a duplicata deve refletir, com precisão, a qualidade e quantidade da mercadoria vendida ou do serviço prestado, sob pena de irregularidade apta a justificar a recusa do aceite (art. 8º da Lei 5.474/68), podendo configurar, ainda, no âmbito penal, o crime de duplicata simulada (art. 172 do CP). 6. Hipótese dos autos em que, conforme soberanamente apurado pelo Tribunal de origem, a duplicata foi emitida em valor superior ao dos serviços prestados, o que torna indevido o apontamento do título a protesto. 7. Cuidando-se de protesto irregular de título de crédito, o reconhecimento do dano moral está atrelado à ideia do abalo do crédito causado pela publicidade do ato notarial, que, naturalmente, faz associar ao devedor a pecha de "mau pagador" perante a praça. (...)” (REsp n. 1.437.655/MS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/6/2018, DJe de 25/6/2018.) (grifo nosso) “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO COM PEDIDO DE CANCELAMENTO DE PROTESTO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NÃO COMPROVADA. PROTESTO. ILEGALIDADE. ALTERAÇÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não configura ofensa aos arts. 458, II, e 535, II, do Código de Processo Civil de 1973 o fato de o Tribunal de origem, embora sem examinar individualmente cada um dos argumentos suscitados, adotar fundamentação contrária à pretensão da parte recorrente, suficiente para decidir integralmente a controvérsia. 2. A duplicata é um título causal, sendo necessária a existência de efetiva relação jurídica subjacente para que o credor possa emitir o título. 3. Hipótese em que a Corte de origem, analisando o contexto fático-probatório dos autos, concluiu pela ausência de prova da prestação dos serviços pela empresa ré, o que desautoriza a emissão do título em questão. Dessa forma, dissentir do entendimento cristalizado no âmbito da instância ordinária mostra-se, no caso dos autos, inviável, haja vista o teor da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgInt no REsp n. 1.203.178/MG, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/9/2017, DJe de 2/10/2017.) (grifo nosso) “RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE DE DUPLICATAS COM CANCELAMENTO DE PROTESTOS, CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - EMISSÃO DE DUPLICATAS SEM A CORRELATA CAUSA DEBENDI - TRANSMISSÃO POR ENDOSSO TRANSLATIVO À CASA BANCÁRIA - PROTESTO E INSCRIÇÃO EM CADASTROS DE INADIMPLENTES - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM A DEMANDA PARCIALMENTE PROCEDENTE, PARA DECLARAR A INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO NEGOCIAL HAVIDA ENTRE O AUTOR (SACADO) E A EMITENTE, CONDENANDO-A AO PAGAMENTO DE DANOS MORAIS, E MANTENDO-SE HÍGIDO O ENDOSSO TRANSLATIVO E O PROTESTO DAS DUPLICATAS - RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA RECONHECER A RESPONSABILIDADE CIVIL DA CASA BANCÁRIA PELO PROTESTO DE DUPLICATA SEM CAUSA DEBENDI E DESPROVIDA DE ACEITE. INSURGÊNCIA DO DEMANDANTE. (...) 1. Violação aos artigos 165 e 535 do CPC não configurada. Corte regional que de modo claro e fundamentado analisou todos os aspectos essenciais ao correto julgamento da demanda. 2. Impossibilidade de desvinculação dos títulos de crédito causais da relação jurídica subjacente, ante a mitigação da teoria da abstração. Reconhecimento da responsabilização civil da endossatária, que apresenta a protesto duplicatas mercantis desprovidas de aceite e de causa debendi. 3. A duplicata é título de crédito causal, vinculado a operações de compra e venda de mercadorias ou de prestação de serviços, não possuindo a circulação da cártula, via endosso translativo, o condão de desvincula-la da relação jurídica subjacente. Tribunal a quo que expressamente consignou a inexistência de causa debendi a corroborar a emissão dos títulos de crédito. 4. Aplicação do direito à espécie, porquanto é entendimento desta Corte Superior, assentado em julgamento de recurso repetitivo, ser devida a indenização por danos morais pelo endossatário na hipótese em que, recebida a duplicata mercantil por endosso translativo, efetua o seu protesto mesmo inexistindo contrato de venda mercantil ou de prestação de serviços subjacente ao título de crédito, tampouco aceite. A ausência de lastro à emissão da duplicata torna o protesto indevido. Precedentes. 5. Recurso especial provido.” (REsp n. 1.105.012/RS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 22/10/2013, DJe de 6/12/2013.) (grifo nosso) Além disso, esta Egrégia 1ª Turma tem decido, em casos semelhantes, que quando o negócio jurídico for desfeito em momento anterior às obrigações, os títulos tornam-se inexigíveis, ainda que protestados. Confira-se: “APELAÇÃO CÍVEL. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E DANOS MORAIS. PROTESTO DE DUPLICATA SEM ACEITE. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO ANTERIOR AO VENCIMENTO. TÍTULO CAUSAL. DÉBITOS INEXIGÍVEIS. PROTESTOS INDEVIDOS. ENDOSSO TRANSLATIVO À CEF. RESPONSABILIDADE DA ENDOSSATÁRIA. SÚMULA 475 DO STJ. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. PROTESTO LEGÍTIMO CONTEMPORÂNEO. SÚMULA 385 DO STJ. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. 1. Controvertem-se as partes acerca da exigibilidade das duplicatas emitidas em desfavor da autora pela corré, transferidas à CEF por endosso translativo, bem como da responsabilidade das rés pelos danos morais advindos do protesto alegadamente indevido. 2. Após a emissão das duplicatas relativas à compra e venda mercantil celebrada entre autora e corré, não houve aceite dos títulos por defeito nas mercadorias entregues, nos termos do art. 8º, I e II, da Lei 5.474/1968. 3. A duplicata é título de crédito causal, ou seja, vinculada a um negócio subjacente, no caso, uma compra e venda mercantil ou prestação de serviços (arts. 1º e 20 da norma citada). Assim, havendo vício na relação jurídica originária, o próprio título é maculado, mesmo em caso de circulação por endosso-mandato ou endosso translativo, como é o caso dos autos. Precedentes. 4. Demonstrado que o negócio jurídico que deu causa às duplicatas foi desfeito antes mesmo que as obrigações representadas pelos títulos se tornassem exigíveis, com o advento da data de vencimento, não há que se falar em exigibilidade dos débitos – protestados ou não –, devendo ser acolhidos os pedidos declaratório e obrigacional (cancelamento dos protestos). (...)” (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5006256-52.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 09/06/2022, DJEN DATA: 13/06/2022) (grifo nosso) “APELAÇÃO CÍVEL. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E DANOS MORAIS. PROTESTO DE DUPLICATA SEM ACEITE. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO ANTERIOR AO VENCIMENTO. TÍTULO CAUSAL. DÉBITOS INEXIGÍVEIS. PROTESTOS INDEVIDOS. ENDOSSO TRANSLATIVO À CEF. RESPONSABILIDADE DA ENDOSSATÁRIA. SÚMULA 475 DO STJ. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. PROTESTO LEGÍTIMO CONTEMPORÂNEO. SÚMULA 385 DO STJ. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. 1. Controvertem-se as partes acerca da exigibilidade das duplicatas emitidas em desfavor da autora pela corré, transferidas à CEF por endosso translativo, bem como da responsabilidade das rés pelos danos morais advindos do protesto alegadamente indevido. 2. Após a emissão das duplicatas relativas à compra e venda mercantil celebrada entre autora e corré, não houve aceite dos títulos por defeito nas mercadorias entregues, nos termos do art. 8º, I e II, da Lei 5.474/1968. 3. A duplicata é título de crédito causal, ou seja, vinculada a um negócio subjacente, no caso, uma compra e venda mercantil ou prestação de serviços (arts. 1º e 20 da norma citada). Assim, havendo vício na relação jurídica originária, o próprio título é maculado, mesmo em caso de circulação por endosso-mandato ou endosso translativo, como é o caso dos autos. Precedentes. 4. Demonstrado que o negócio jurídico que deu causa às duplicatas foi desfeito antes mesmo que as obrigações representadas pelos títulos se tornassem exigíveis, com o advento da data de vencimento, não há que se falar em exigibilidade dos débitos – protestados ou não –, devendo ser acolhidos os pedidos declaratório e obrigacional (cancelamento dos protestos). (...)” (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5006256-52.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 09/06/2022, DJEN DATA: 13/06/2022) (grifo nosso) “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DUPLICATAS MERCANTIS. PROTESTO. DUPLICATAS MERCANTIS. AUSÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. CANCELAMENTO DO PROTESTO. SACADORA QUE ENDOSSOU OS TÍTULOS SEM CAUSA. ENDOSSATÁRIA QUE NÃO PROVIDENCIOU O CANCELAMENTO DO TÍTULO. RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA. ART. 942, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. APELAÇÃO PROVIDA. (...) 3. Não obstante, o fundamento adotado em sentença, no sentido de que a CEF não conheceria o fato de que os créditos veiculados pelas duplicatas em questão seriam inexigíveis, embora verdadeiro quando da apresentação dos títulos para protesto, perde relevo diante do fato de que o banco correquerido veio a tomar ciência desta inexigibilidade e nada fez para cancelar os protestos. 4. Ante a necessidade de declaração de anuência da CEF, endossatária dos títulos de crédito em questão, para fins de cancelamento dos protestos, nos termos do artigo 2º, § 2º e artigo 3º, ambos da Lei nº 6.690/1979, e de sua absoluta inércia em providenciá-la - mesmo após a correquerida CHB ter emitido cartas de anuência e a autora ter requerido insistentemente a adoção de medidas para o cancelamento dos protestos -, de rigor reconhecer que o protesto discutido nos autos teve como coautores a CHB - ao endossar à CEF duplicatas mercantis sem causa - e a CEF - que deixou de adotar medidas para o seu cancelamento -, de sorte que devem eles responder solidariamente pelos danos daí advindos, nos termos do artigo 942, parágrafo único do Código Civil. (...)” (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0013482-67.2016.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 14/09/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 21/09/2020) (grifo nosso) No caso dos autos, a parte autora, demonstrou que se dirigiu ao 2º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da cidade de Guarulhos a fim de comunicar que desejaria anuir com o cancelamento do título nº 00054508/1, contudo não obteve êxito (ID 277064530). Ademais, a apelante em sede de recurso de apelação, informou, produzindo prova contra si, que a parte autora tentou realizar o cancelamento do título, mas que não lhe fora facultado, conforme anteriormente exposto (ID 277064574 – fl. 3). Imperioso destacar que restou constatado que as duplicatas, do caso em apreciação, são inexigíveis. Nesse ponto da análise, é oportuno retornar ao exame da cláusula da cessão dos títulos dados em garantia. No caso concreto, duas considerações devem ser tecidas. A primeira, é a que a validade do contrato ou da cessão dos títulos concedidos em garantia não constitui o mérito recursal, consoante princípio da congruência. Por isso, não adentrarei a essa discussão. A segunda, é que as duplicatas constantes dos autos não têm o potencial de alcançar a finalidade de garantir mútuo bancário, uma vez que, por não poderem ter seu cumprimento forçado, não representam valor financeiro qualquer para a instituição. Desse modo, os títulos não podem ser concedidos, tampouco acatados como garantia. Colaciono julgado desta E. Primeira Turma com fito de corroborar o entendimento de que é indevido o protesto de duplicata quando não há negócio jurídico que o lastreie: “PROCESSUAL CIVIL. PROTESTO DE TÍTULO. CANCELAMENTO DE DUPLICATAS. INEXISTÊNCIA DE LASTRO À EMISSÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO. DANOS MORAIS. EMOLUMENTOS DEVIDOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. APELO DA CEF DESPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento representativo de controvérsia do REsp 1213256/RS, submetido ao regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil/73, pacificou o entendimento no sentido de que a instituição financeira que leva a protesto título de crédito eivado de vício, responde pelos danos oriundos do protesto indevido, porquanto o vício de natureza formal não é convolado com os endossos sucessivos. 2. A duplicata é um título de crédito casual e a sua emissão ou saque se justifica nas hipóteses de compra e venda mercantil ou prestação se serviços, nos termos da Lei n. 5.474/61, e está atrelada ao negócio que deu causa à emissão. 3. Inexistência de lastro. No caso dos autos não restou demonstrada a existência de relação subjacente, consubstanciada na efetiva prestação de serviços ou na entrega e recebimento de mercadorias. 4. Patente que a instituição financeira endossatária procedeu a protesto indevido, devendo arcar, por conseguinte, com os danos decorrentes da conduta.(...) (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1937086 - 0003604-60.2012.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 26/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/03/2019) (grifo nosso) Observo que, no caso vertente, as duplicatas, por estarem dissociadas de relação jurídica que lhes daria origem, são inexigíveis e seus protestos são inviáveis, consoante muito bem decidido em âmbito subjacente (ID 277064571). Por fim, a CEF excedeu o exercício regular de direito ao protestar títulos que deveria saber inexigíveis. Poderia, caso houvesse sido pleiteado, ser responsabilizada. Não pode esta E. Turma exceder os limites delineados no pleito (inc. III art. 932 do CPC). Destarte, a sentença deve ser mantida, tal como lançada. Honorários Advocatícios O arbitramento dos honorários advocatícios fundamenta-se no princípio da razoabilidade. Nesse sentido, sua arbitragem deve ocorrer por meio dos critérios firmados no § 2º, do artigo 85, do Código de Processo Civil. Ainda, objetivando reduzir a interposição de recursos meramente protelatórios e em busca da valorização do labor adicional, exercido pelo advogado da parte demandada, é que, em grau recursal, há majoração dessas verbas, conforme estatuído no artigo 85, § 11, do CPC. Assim, majoro os honorários advocatícios fixados na sentença em 1% (um por cento). Conclusão Ante o exposto, nego provimento à apelação e determino a majoração dos honorários advocatícios em 1% sobre o montante fixado na sentença, nos termos da fundamentação. É como voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. CONTRATOS. PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. REJEITADA. DUPLICATA. PROTESTO. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO ANTES DO VENCIMENTO. TÍTULO CAUSAL. DÉBITOS INEXIGÍVEIS. PROTESTOS INDEVIDOS. RESPONSABILIDADE DA ENDOSSATÁRIA. DECLARAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE. MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. Preliminar de violação do princípio da dialeticidade afastada, pois a espécie recursal impugnou especifica e motivadamente a sentença, conformo dispõe o artigo 932, inciso III, do Código de Processo Civil.
2. Em síntese, a lide cinge-se à solicitação de que a Caixa Econômica Federal dê baixa em duplicatas oriundas de negócio jurídico desfeito antes de haver a tradição de bem móvel. A instituição refuta o pleito subsidiada em contrato anterior à situação, que possui como garantia acessória o direito sobre a cessão de parcela das duplicatas mercantis emitidas pela pessoa jurídica.
3. A Constituição Federal de 1988 porta em seu arcabouço disposições acerca do sistema financeiro nacional, especificamente, no título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, artigo 192, que busca promover o desenvolvimento equilibrado do Brasil e servir os interesses da coletividade.
4. Nesse esteio, é que foram instituídas as pessoas jurídicas que operam no mercado financeiro do Brasil, com a finalidade de regular o mercado e de efetivar o desenvolvimento equilibrado do país. A Caixa Econômica Federal (CEF), enquanto empresa pública, dentre outras, desempenha essas funções.
5. In casu, o feito trata de pedido de condenação da Caixa em obrigação de fazer, que consiste em dar baixa nos títulos que tiveram origem na nota fiscal de nº 00054508, que deu causa à emissão das duplicatas: 00054508/1 (vecto 16/04/2021), 00054508/2 (vecto 04/05/2021), 00054508/3 (vecto 22/05/2021), 00054508/4 (vecto 06/06/2021) e 00054508/5 (vecto 30/06/2021), já que o negócio jurídico que lhe deu causa não fora concluído - gerando a nota fiscal de devolução de nº 54587.
6. Na exordial, a parte autora narrou que informara à apelante acerca do desfazimento do negócio jurídico e que pleiteara que fosse dado baixa nos títulos, contudo recebera resposta negativa. Compulsando os autos e em análise as informações fornecidas pela CEF vislumbro que há contrato de mútuo, no valor de R$ 2.571.428,00, parcelado em 48 meses, que possui como garantia acessória um terreno e parcela das duplicatas mercantis emitidas pela mutuária, conforme análise do item 16, que está sediado anterior à cláusula primeira do referido contrato
7. Constatou-se que a cláusula décima quinta, que dispõe acerca da cessão fiduciária de duplicatas mercantis, deixa expressa a obrigação de a parte autora ceder os referidos títulos, quando emitidos sob o código nº 483191. Restou comprovado que a instituição bancária possuía direito a reter títulos emitidos com o código 483191, uma vez que este é o código constante dos boletos gerados pela parte autora.
8. A duplicata é título de crédito formal e causal, possuindo vinculação à sua origem. Os artigos 1º, 2º e 20 da Lei de nº 5.474/68 dispõem que ela se vincula a um contrato de compra e venda mercantil, ou de prestações de serviços, de modo que não é possível haver sua emissão na ausência de negócio jurídico que a anteceda.
9. A emissão das duplicatas apenas pode ocorrer vinculada a uma causa debendi, a um motivo de existência da dívida. A parte autora comprovou que o negócio jurídico fora desfeito, não podem, pois, subsistirem os títulos. O artigo 15 da Lei de Duplicatas impõe o dever de o endossatário verificar a regularidade desse título – pela subscrição do aceite ou pelo comprovante de recebimento da mercadoria ou da prestação de serviço.
10. Caso haja vício na relação jurídica que gerou o título, consequentemente, o ele será maculado. Hipótese do caso em análise. Precedentes do STJ (REsp n. 1.437.655/MS, AgInt no REsp n. 1.203.178/MG e REsp n. 1.105.012/RS).
11. A Egrégia 1ª Turma deste TRF tem decido, em casos semelhantes, que quando o negócio jurídico for desfeito em momento anterior as obrigações os títulos tornassem inexigíveis, ainda que protestados. Precedentes.
12. A validade do contrato ou da cessão dos títulos concedidos em garantia não constitui o mérito recursal, consoante princípio da congruência. Por isso, não se adentrará a essa discussão. As duplicatas constantes dos autos não têm o potencial de alcançar a finalidade de garantir mútuo bancário, uma vez que, por não poderem ter seu cumprimento forçado, não representam valor financeiro qualquer para a instituição.
13. Os títulos não podem ser concedidos, tampouco acatados como garantia.
14. É indevido o protesto de duplicata quando não há negócio jurídico que o lastreie. Precedente.
15. No caso vertente, as duplicatas, por estarem dissociadas de relação jurídica que lhes daria origem, são inexigíveis e seus protestos são inviáveis.
16. De rigor a majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais em 1% (um por cento), nos termos do artigo 85, § 11, do CPC.
17. Apelação não provida.